Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0219/13.4BEAVR
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
SOCIEDADE EXTINTA
FALTA
INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO
PARTILHA
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Sumário:I - O artigo 3.º n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário deve ser interpretado no sentido de que a personalidade judiciária tributária resulta da atribuição da personalidade tributária a quem, em abstracto, e nos termos da lei tributária, a possa ter;
II - Tem, por isso, personalidade judiciária tributária a sociedade comercial extinta nos termos da lei comercial, se no ato tributário lhe é atribuída personalidade tributária e das leis tributárias não resulta que, em abstracto, não a possa ter.
III - Demonstrando-se que a sociedade dissolvida era detentora de um crédito no valor que reconhecido pelo Impugnante no decurso do procedimento inspectivo no qual se apurou que a sua contabilização como incobrável e que serviu à declaração de inexistência de bens para partilhar não era exacto, é licita a conclusão de que a AT evidenciou que, na partilha foi deliberadamente omitido, por via contabilística, um activo que a sociedade extinta detinha pelo que o crédito é imputado aos sócios em razão da omissão de partilha por força do n.º 2 do art.º 164.º do Código das sociedades Comerciais (CSC), ou seja, em simultâneo com o encerramento da liquidação por que este é pré-existente.
IV - É que, independentemente do efectivo recebimento proporcional do crédito por cada um dos sócios, ele encontrava-se à data da liquidação, à disposição destes, para partilha (quanto mais não fosse em espécie) e, consequentemente, havia lugar à retenção na fonte sobre o rendimento à luz das disposições aplicáveis.
Nº Convencional:JSTA000P27885
Nº do Documento:SA2202106230219/13
Data de Entrada:04/26/2021
Recorrente:Z............... E OUTROS
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por Z…………………….. e X……………………., com os demais sinais dos autos, em representação da extinta sociedade “V………………. – SOCIEDADE COMERCIAL DE PAPELARIAS LDA.”, visando a revogação da sentença de 21-01-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou totalmente improcedente a impugnação que apresentaram contra os atos de liquidação de retenção na fonte de IR n.º 2012 6410000921 e de juros compensatórios n.º 2012 00002062990, num total de €34.142,80.

Inconformados, nas suas alegações, formularam os recorrentes Z………….. e X…………….. as seguintes conclusões:

“1ª) Contrariamente ao que foi decidido na Sentença recorrida, é manifesto que as liquidações impugnadas padecem de ilegalidade decorrente de pressuporem como sujeito passivo de imposto uma entidade que, na data em que foram efectuadas tais liquidações, já havia sido extinta – e que, assim, para além de ter deixado de ter personalidade jurídica, também já havia deixado de ter personalidade tributária.

2ª) No caso das pessoas colectivas, e em particular no que respeita às sociedades comerciais, a extinção da respectiva personalidade jurídica ocorre com o registo do encerramento da liquidação, extinguindo-se nesse momento, igualmente, a sua personalidade tributária, conforme resulta, a contrario, do disposto no art. 2º do CIRC.

3ª) A partir da realização desse registo, deixa de existir pessoa colectiva, e, consequentemente, deixa igualmente de existir, em termos jurídico-tributários, a pessoa que era sujeito passivo de imposto, uma vez que, nesse caso, a extinta sociedade, ex vi dessa extinção, não mais pode ser sujeito de relações jurídicas tributárias.

4ª) As relações jurídicas (entre as quais, as tributárias) de que a extinta sociedade era titular subsistem, considerando-se a mesma substituída pela generalidade dos sócios (assim acontece, designadamente, no que respeita às acções em que a sociedade seja parte) e passando estes a ser responsáveis, forma ilimitada e solidária, pelas dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução da sociedade.

5ª) A partir de 30/12/2011 – data em que foi efectuado o registo da sua dissolução e do encerramento da respectiva liquidação – a sociedade “V……………., LDA.” deixou de existir, pelo que, de forma distinta do que foi considerado na Sentença recorrida, não mais poderia ela ser sujeito passivo de imposto ou sujeito de qualquer relação jurídica, tributária ou de qualquer outra natureza.

6ª) Em consequência, os actos de liquidação impugnados, que, em 25/10/2012, tiveram como destinatário ou sujeito passivo a sociedade “V………………., LDA.”, que havia sido extinta em 30/12/2011, são nulos, por falta de elementos essenciais no que respeita à pessoa do destinatário, tudo nos termos art. 133º-1 do CPA, na redacção então em vigor.

7ª) De todo o modo, os actos sempre seriam nulos por impossibilidade do objecto, ao abrigo do disposto no referido artigo 133º-2/c do CPA.

8ª) Sendo os actos nulos, não produzem quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade (cfr. art. 134.º-1 do CPA, e art. 162.º-1 do NCPA), podendo a nulidade ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e podendo, também a todo o tempo, ser conhecida por qualquer autoridade e declarada pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação (cfr. art. 134º-2 do CPA e art. 162º-2 do NCPA).

Sem conceder,

9ª) Ainda que o indicado vício dos actos impugnados não gerasse a nulidade destes (no que não se concede e por mera cautela se refere), sempre esses actos seriam anuláveis, por ilegalidade consubstanciada em falta de verificação dos respectivos pressupostos legais.

10ª) Uma vez que, por um lado, as normas de incidência positiva de imposto (na vertente da incidência pessoal/subjectiva) constituem um pressuposto da tributação, e, por outro lado, as liquidações em causa consideraram como sujeito passivo de imposto uma sociedade comercial que, na data em que tais liquidações foram efectuadas (25/10/2012), já não existia, verifica-se que essas mesmas liquidações padecem de manifesta ilegalidade, por violação do disposto, v.g., nos arts. 15º e 18º-3 da LGT, no art. 2º do CIRC, e nos arts. 147º-2 e 163º do CSC.

11ª) A chamada à colação do instituto da representação da extinta sociedade pelo seu ex-sócio também não teria fundamento legal, desde logo porque, sendo a existência jurídica da pessoa do representado como centro de imputação de efeitos jurídicos pressuposta por esse instituto, no caso sub judice inexistia essa pessoa jurídica do representado.

12ª) O afastamento do instituto da representação decorre ainda de, fazendo parte desse instituto a possibilidade de o representante renunciar a essa representação, os ex-sócios da sociedade extinta não poderem renunciar ao respectivo estatuto, o que resulta de eles não serem os seu representantes mas sim os seus substitutos ou sucessores, a título definitivo e por imposição legal, na titularidade das relações jurídicas das quais a sociedade era sujeito no momento da sua extinção.

Ainda sem conceder,

13ª) Contrariamente ao alegado no RIT em que se fundamenta a liquidação de imposto impugnada e ao que foi considerado na Sentença recorrida, não existe fundamento legal para que, sem mais, a AT pudesse ter imputado aos sócios da sociedade extinta, “na proporção das suas quotas”, o valor do crédito que alegou que essa sociedade extinta detinha sobre outra, quer porque esse crédito não existia quer porque, em todo o caso, nunca o mesmo poderia ser considerado como um rendimento sujeito a tributação nas mãos dos ex-sócios da sociedade extinta, e muito menos, não tendo havido qualquer partilha após a dissolução e liquidação da mesma, sem que ele fosse pago ou colocado à disposição desses mesmo ex-sócios.

14ª) No caso de, à data da dissolução de uma sociedade, existir activo respeitante a dívidas de clientes cujo esforço de cobrança se afigura moroso e complexo, nada obsta a que a sociedade seja imediatamente extinta, ficando por partilhar esses bens.

15ª) Do art. 164º do CSC resulta que os bens que não foram partilhados – e que, por isso, se mantêm numa situação de indivisão – pertencem aos sócios, competindo aos liquidatários propor a partilha adicional, reduzindo esses bens a dinheiro na hipótese de não ser unanimemente acordada a partilha em espécie.

16ª) Ora, no caso em apreço, sem que, para tanto, tivesse fundamento legal, a AT ficcionou, presumiu, um activo inexistente e uma partilha do que alegou serem “benefícios económicos futuros incorporados num activo”, apesar de, não tendo esses alegados benefícios existência real, não poderem fluir para qualquer entidade, e, de todo o modo, não ter havido deles qualquer partilha.

17ª) Com efeito, na falta de quaisquer elementos que lhe permitissem concluir pela respectiva partilha e não tendo a mesma ocorrido, nunca poderia a AT ter considerado que esses alegados “benefícios económicos futuros” foram partilhados ou, por falta de fundamento legal para tanto, ter presumido essa partilha para efeitos de concluir pela existência de um rendimento tributável distribuído aos sócios da extinta sociedade.

18ª) Assim, tendo-se mantido o alegado crédito que pela AT foi considerado como benefício económico futuro, após a extinção daquela sociedade, numa situação de indivisão entre os respectivos sócios, sem que tivesse havido partilha, nunca o alegado “valor atribuído aos sócios em resultado da partilha” (objecto de ficção pela AT) poderia ser sujeito a retenção na fonte a título de IRS como se a partilha desse valor tivesse sido realmente efectuada.

19ª) Assim, contrariamente ao alegado pela AT e sufragado pela decisão recorrida, no caso em apreço não foi pago ou colocado à disposição dos sócios da “V…………………, LDA.” qualquer rendimento susceptível de retenção na fonte.

20ª) Resultando do art. 34º da LGT, a contrario, que a retenção na fonte não incide sobre quaisquer benefícios económicos futuros, mas antes sobre concretos rendimentos pagos ou colocados à disposição do respectivo titular, na falta de qualquer outra norma especial que determinasse noutro sentido, não poderia haver lugar, no caso sub judice, à retenção na fonte sobre esses benefícios económicos futuros alegados no RIT.

21ª) Sendo certo que só por erro a AT pode ter considerado que, no activo por ela alegado (mas realmente inexistente), se encontravam incorporados “benefícios económicos futuros incorporados”, verdade é que, ainda que esse activo existisse (no que não se concede), nunca o mesmo poderia ser considerado como um rendimento sujeito a tributação nas mãos dos ex-sócios da “V…………….., LDA.”, e muito menos, não tendo havido qualquer partilha após a dissolução e liquidação da mesma, sem que ele fosse pago ou colocado à disposição desses mesmos ex-sócios.

22ª) Pelo exposto, não se verificando os pressupostos de facto descritos no tatbestand das concretas normas citadas no RIT e a que é feita alusão na Sentença recorrida, ou seja, das normas dos arts. 5º-2/i e 7º-1-3/a/2 do CIRS, na redacção vigente à data dos factos, ou de quaisquer outras que pudessem dar origem à ocorrência do facto tributário pressuposto pela liquidação de imposto impugnada, essa liquidação encontra-se enferma de ilegalidade, por manifesto erro nos respectivos pressupostos, pelo que a mesma deveria ter sido anulada pela decisão recorrida.

23ª) Contrariamente ao alegado na Sentença recorrida, do Acórdão do STA por ela citado (que se pronuncia unicamente sobre o que deve ser entendido como “activo superveniente” para efeitos do disposto no artigo 164º do CSC) não decorre qualquer “entendimento que, ressalvadas as especificidades dos casos concretos, permite ramificações passíveis de serem estendidas para o caso concreto”, não se descortinando nele qualquer ponto de sustentação para a parte da Sentença recorrida a propósito da qual o mesmo é invocado.

24ª) Pelas razões expostas, a Sentença recorrida, ao não ter anulado as liquidações impugnadas e ao ter julgado improcedente a impugnação judicial das mesmas, violou as normas dos arts. 146º, 147º-2, 160º-2, 162º, 163º e 164º do CSC, 2º do CIRC (a contrario), 15º, 18º-3 e 34º da LGT e 5º-2/i e 7º-1-3/a/2 do CIRS, as quais deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido exposto nas presentes alegações e conclusões.


*
Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., encontrando-se as liquidações impugnadas enfermas de vício de violação de lei, deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a Impugnação deduzida pelos ora Recorrentes, anulando-se, em consequência, aquelas liquidações impugnadas, com a consequente restituição aos Recorrentes do valor que por eles foi pago na sequência dessas liquidações, num total de €34.142,80, devendo ainda ser ordenado o pagamento aos mesmos Recorrentes dos juros indemnizatórios vencidos sobre essa mesma quantia, contados à taxa legal de 4% ao ano ou de outra que venha a ser fixada, desde a data em que os Recorrentes efectuaram o pagamento dessa importância (30/11/2012) até integral pagamento, assim se reconstituindo a situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, tudo com verificação das respectivas consequências legais, como é de Direito e de JUSTIÇA!”

Não houve contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, no seguinte parecer:

“O presente recurso vem interposto por Z……………….. e X……………. (em substituição da extinta sociedade “V…………… – SOCIEDADE COMERCIAL DE PAPELARIAS, LDA.”), Impugnantes no processo supra identificado, inconformados com a Sentença proferida em 21/01/2021 nos termos da qual foi julgada totalmente improcedente a impugnação judicial que deduziram, tendo, a Fazenda Pública, sido absolvida dos pedidos formulados.
O recurso vem interposto com invocação dos art.ºs 280.º n.º 1, 281.º, 282.º e 286.º do CPPT.
Em primeiro lugar importa, em síntese, considerar os factos dados como provados no probatório da Sentença recorrida, elencados de A. a F. que aqui consideramos integralmente reproduzidos e de que destacamos:
[“ A . Em 1 de novembro de 2017 foi outorgado contrato entre a sociedade “V…………………. - Soc. Comercial de Papelaria Lda.”, “V………………… VF – Comércio Lda” contendo as seguintes cláusulas:
“PRIMEIRA
1. A primeira Outorgante obriga-se a transferir, impreterivelmente até Novembro de 2009 para a Segunda Outorgante os activos que integram actualmente o seu acervo económico, compreendendo o imobilizado, stocks e os créditos sobre clientes constantes da relação anexa ao presente contrato que vai junta como ANEXO 1, que deste passa a fazer parte integrante depois de rubricada pelos signatários.
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, será efectuada durante o mês de Novembro de 2007:
a) a venda dos bens que constituem o imobilizado da Primeira Outorgante;
b) a indicação à Segunda Outorgante dos créditos da Primeira Outorgante os seus clientes, para que seja efectuada por aquela a cobrança dos mesmos.
3. A transferência de stocks referida no número um será efectuada até 31 de Dezembro de 2007
SEGUNDA
Realizadas que sejam as transferências referidas na cláusula anterior, até fim Novembro de 2009 a Primeira Outorgante promoverá a sua dissolução.
(…)
QUINTA
1. Para efeito do disposto nas cláusulas anteriores, os valores resultantes das avaliações referidas na Cláusula Terceira serão pagos em prestações, com a seguinte ocorrência temporal:
a) primeira prestação a realizar em Novembro de 2007 correspondente ao valor imobilizado;
b) prestações de igual valor, a realizar em Maio e Novembro de 2008, Maio e Novembro de 2009, referentes ao valor de stocks e créditos sobre clientes.
2. Para efeitos dos pagamentos referidos no número 1, a última prestação será seu valor inicialmente fixado com o valor apurado em Maio de 2009 dos créditos sobre clientes não cobrados até essa data.
(…)”
B. Em 29 de dezembro de 2011 foi realizada assembleia geral da sociedade “V……………… Soc. Comercial Papelarias Lda.” sendo deliberado a sua dissolução e liquidação e respetivo encerramento pela “não existência de quaisquer valores de ativo e passivo, conforme demonstra a contabilidade social”, por unanimidade dos sócios representativos da totalidade do capital social
(…)
C. Em 30 de dezembro de 2011 mediante a apresentação 15 foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade referida no facto precedente
(…)
D. A sociedade “V………………. Soc. Comercial Papelarias Lda.” foi alvo de ação inspetiva efetuada a coberto das OI201100385 e OI201201714, com referência aos exercícios de 2008 a 2011, onde foi proposta a emissão de atos tributários com a seguinte fundamentação:
(…)
F. A “V…………….. - SOCIEDADE COMERCIAL DE PAPELARIAS, LDA” tinha contabilizada dívida sobre a “V……………….. VF - COMÉRCIO LDA." que não foi por esta paga no valor de EUR 258.035,25 .
G. O sancionamento hierárquico da proposta constante do relatório inspetivo deu origem à liquidação de IR – Retenção na fonte n.º 2012 641000921 no valor de EUR 33.207,54, e de IR – Juros compensatórios n.º 2012 00002062990 no valor de EUR 935,26
H. A nota de cobrança referente às liquidações constantes do facto precedente foi paga em 2012-11-30.
(…)].
Na Impugnação judicial a FAZENDA PÚBLICA apresentou contestação defendendo a possibilidade de emissão de actos tributários relativos a pessoas extintas e que na génese do litígio se encontra o facto de os sócios terem declarado que a sociedade não detinha património, o que veio a verificar-se não corresponder à verdade
Defendeu que como ficou demonstrado, a sociedade extinta era titular de um crédito no valor de €258.035,25, relevado contabilisticamente como “dívida incobrável”, mas sem que tal tivesse “aderência” à realidade.
Defendeu a AT que na “partilha” foi omitido, por via contabilística e ao contrário do que era devido, um activo que a sociedade extinta detinha, tendo a IT acrescido ao resultado da partilha o valor daquele crédito.
Acrescentou que a consideração do crédito mencionado tem consequências nos impostos sobre o rendimento, desde logo pelo resultado da partilha, que é englobado, para efeitos de tributação dos sócios.
A AT defendeu ainda que a vingar a posição dos Impugnantes, no sentido de apenas ser devida a retenção aquando da efectiva distribuição, estar-se-ia a abrir a porta à evasão fiscal mediante a ocorrência desta após a caducidade do imposto.
O tribunal a quo identificou a questão a decidir como sendo a apreciação da existência dos vícios imputados às liquidações impugnadas e bem assim da relevância da falta de personalidade jurídica na existência de facto tributário.
São as conclusões da Alegação da Recorrente que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontram nos autos os elementos necessários à sua consideração (cf. artº 635º nº 4 do CPC, ex vi artº 1º do CPTA).
Tendo em mente e consideração tais conclusões que aqui não repetiremos por não o julgarmos necessário, desde já diremos que, salvo melhor opinião, entendemos que aos recorrentes não assiste razão.
Assim:
Como resulta da matéria provada e da fundamentação usada pela AT (provada), conforme n.º 1 da cláusula primeira do contrato, a V……………… Sociedade Comercial, obrigou-se a transferir, até ao mês de Novembro de 2009, para a V……………… VF os activos que integravam o seu "acervo económico", compreendendo o imobilizado, stocks e os créditos sobre clientes que constavam de “relação anexa”. A transferência do imobilizado e a indicação à V………………. VF dos créditos da V……………. Comercial sobre os seus clientes seria efectuada em Novembro de 2007 e a transferência dos stocks seria efectuada até 31 de Dezembro de 2007.
Após as transferências referidas (até fim de novembro de 2009), a V……………. Comercial promoveria a própria dissolução, o que veio a ocorrer em Dezembro de 2011.
Como clausulado, o valor resultante da avaliação conjunta dos stocks, do imobilizado e dos créditos seriam pagos pela V…………….. VF, em Novembro de 2007 correspondente ao valor do imobilizado, a primeira prestação e em prestações de igual valor, a realizar em Maio e Novembro de 2008 e Maio e Novembro de 2009, referentes ao valor de stocks e créditos sobre clientes.
Com o contrato que foi fornecido à AT, não foi enviada a relação anexa a que se referia o n.º 1 da cláusula primeira, razão por que foi o mesmo solicitado, aos representantes das sociedades intervenientes, bem como o resultado da avaliação dos stocks, do imobilizado e dos créditos sobre clientes a que se refere a cláusula terceira do contrato, os quais responderam que o Anexo 1 a que se refere o n.º 1 da cláusula primeira nunca chegou a ser elaborado e que quanto ao resultado da avaliação dos stocks e do imobilizado os valores pelos quais foram avaliados são os que constam das facturas emitidas, relativamente às existências e da nota de lançamento, relativamente ao imobilizado. Relativamente aos créditos sobre clientes, foi a AT informada que, face à antiguidade da maioria dos mesmos, não foi possível elaborar a lista do anexo referido, optando-se pela colaboração da V……………. VF na cobrança desses créditos.
De acordo com a prova dos autos a AT considerou ainda que «em 1 de novembro de 2007 foi também assinado o contrato de arrendamento das instalações acima referidas entre a V………….. VF e os sócios gerentes da V…………….. Comercial, proprietários do edifício, passando a sociedade V…………….. VF a ocupar as referidas instalações a partir dessa data.
Os bens do imobilizado e os stocks vendidos em finais de 2007 foram transmitidos isentos de IVA, ao abrigo do n.º 4 do artigo 3.° do CIVA que estabelece que "não são consideradas transmissões ou cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele que seja suscetível de constituir uma ramo de atividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) do n. º 1 do artigo 2.º.
A sociedade V……………… VF foi constituída, no dia 10/10/2007, pelos sócios gerentes do sujeito passivo V……………. Comercial com um capital de € 5.000,00, sendo € 4.000,00 pertencentes a Z………….. e € 1.000,00 a X………………... Nesse mesmo dia, as quotas foram transferidas para U………………, NIF ……………., e cônjuge T……………….., NIF ……………….
De acordo com o esclarecimento prestado por U………………, a sociedade foi inicialmente constituída pelos sócios da V……………….. Comercial, devido à dificuldade/impossibilidade de os atuais sócios da V……………….. VF constituírem uma empresa que incluía o nome V……………….. na designação. Aquando da indicação do motivo do procedimento de inspeção no quadro que consta do ponto II.2., foi referido o facto de terem sido declaradas transmissões de bens e serviços à V……………….. Comercial nos anos de 2008 e 2009 que o SP não incluiu no anexo. P da declaração anual IES. A recolha de elementos e os esclarecimentos obtidos no decurso da presente ação inspetiva revelaram que os valores se referiam a aquisições efetuadas pela V……………… VF e não pela V……………… Comercial».
A AT fundamentou nos termos que constam da alínea D. do probatório as correcções aritméticas que julgou devidas, designadamente em sede de IRS e procedeu à “audiência prévia” do “sujeito passivo” de imposto, tendo apreciado a respectiva resposta nos termos que constam transcritos no mencionado ponto do probatório
De realçar ainda que como consta do probatório, a “V…………… - Sociedade Comercial de Papelarias, Lda” tinha contabilizada dívida sobre a “V………… VF - Comércio Lda." que não foi por esta paga no valor de € 258.035,25.
Quanto à invocada falta de personalidade da sociedade dissolvida, é indubitável que nos termos do n.º 2 do art.º 160.º do Código das Sociedades Comerciais e que prevê que a sociedade se considera extinta com o registo do encerramento da liquidação, mas há excepções que permitem que sejam invocadas relações jurídicas anteriores e subjacentes a um litígio, demandando os respectivos sócios. Nesta perspectiva é de considerar a subsistência de personalidade tributária, estando em causa factos tributários anteriores à “dissolução”.
Neste sentido foi a posição adoptada pelo STA no Acórdão proferido no processo n.º 01433/12, em 17/12/2014, citado na Sentença recorrida.
Como correctamente se julgou “a Autoridade Tributária não está legalmente impedida de praticar atos tributários dirigidos a pessoas singulares ou coletivas após o seu falecimento ou extinção, desde que respeitem a factos pretéritos a esse evento, porquanto a relação tributária teve a sua génese quando ocorreu o facto tributário e, nessa data, o sujeito passivo daquela relação tinha personalidade tributária”.
Quanto à invocada inexistência de facto tributário, afigura-se-nos que não têm razão os recorrentes já que como ficou demonstrado a sociedade dissolvida era detentora de um crédito no valor de €258.035,25, crédito esse reconhecido “pelo Impugnante” no decurso do procedimento inspectivo, sendo que este procedimento permitiu apurar que a contabilização deste como incobrável e que serviu à declaração de inexistência de bens para partilhar não era exacto.
Na verdade o que constatou a AT foi que, na partilha foi deliberadamente omitido, por via contabilística um activo que a sociedade extinta detinha.
Dúvidas não restam de que o crédito é imputado aos sócios em razão da omissão de partilha por força do n.º 2 do art.º 164.º do Código das sociedades Comerciais (CSC), ou seja, em simultâneo com o encerramento da liquidação por que este é pré-existente.
Concordamos com o decidido ao concluir-se que “independentemente do efectivo recebimento proporcional do crédito por cada um dos sócios, ele encontrava-se à data da liquidação, à disposição destes, para partilha (quanto mais não fosse em espécie) e, consequentemente, havia lugar à retenção na fonte sobre o rendimento à luz das disposições” aplicáveis.
Sendo assim e em consequência, como resulta do que deixámos exposto, entendemos que deve ser negado provimento ao presente recurso mantendo-se a Sentença recorrida nos seus precisos termos, já que ela não padece dos vícios que lhe vêm imputados e não merece censura.”
*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A. Em 1 de novembro de 2017 foi outorgado contrato entre a sociedade “V…………….. - Soc. Comercial de Papelaria Lda.”, “V……………… VF – Comércio Lda” contendo as seguintes cláusulas:
“PRIMEIRA
1. A primeira Outorgante obriga-se a transferir, impreterivelmente até Novembro de 2009 para a Segunda Outorgante os activos que integram actualmente o seu acervo económico, compreendendo o imobilizado, stocks e os créditos sobre clientes constantes da relação anexa ao presente contrato que vai junta como ANEXO 1, que deste passa a fazer parte integrante depois de rubricada pelos signatários.
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, será efectuada durante o mês de Novembro de 2007:
a) a venda dos bens que constituem o imobilizado da Primeira Outorgante;
b) a indicação à Segunda Outorgante dos créditos da Primeira Outorgante os seus clientes, para que seja efectuada por aquela a cobrança dos mesmos.
3. A transferência de stocks referida no número um será efectuada até 31 de Dezembro de 2007
SEGUNDA
Realizadas que sejam as transferências referidas na cláusula anterior, até fim Novembro de 2009 a Primeira Outorgante promoverá a sua dissolução.
(…)
QUINTA
1. Para efeito do disposto nas cláusulas anteriores, os valores resultantes das avaliações referidas na Cláusula Terceira serão pagos em prestações, com a seguinte ocorrência temporal:
a) primeira prestação a realizar em Novembro de 2007 correspondente ao valor imobilizado;
b) prestações de igual valor, a realizar em Maio e Novembro de 2008, Maio e Novembro de 2009, referentes ao valor de stocks e créditos sobre clientes.
2. Para efeitos dos pagamentos referidos no número 1, a última prestação será seu valor inicialmente fixado com o valor apurado em Maio de 2009 dos créditos sobre clientes não cobrados até essa data.
(…)”
[Cfr. anexo I ao relatório inspetivo integrante do procedimento administrativo apenso]
B. Em 29 de dezembro de 2011 foi realizada assembleia geral da sociedade “V…………… Soc. Comercial Papelarias Lda.” sendo deliberado a sua dissolução e liquidação e respetivo encerramento pela “não existência de quaisquer valores de ativo e passivo, conforme demonstra a contabilidade social”, por unanimidade dos sócios representativos da totalidade do capital social
[Cfr. ata n.º 38.º constante de fls. 27 e 28 da peça do SITAF n.º 004055314]
C. Em 30 de dezembro de 2011 mediante a apresentação 15 foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade referida no facto precedente
[Cfr. consulta do registo comercial que faz fls. 31 a 35 da peça do SITAF n.º 004055314]
D. A sociedade “V……………… Soc. Comercial Papelarias Lda.” foi alvo de ação inspetiva efetuada a coberto das OI201100385 e OI201201714, com referência aos exercícios de 2008 a 2011, onde foi proposta a emissão de atos tributários com a seguinte fundamentação:
“ll.3.4. Descrição da atividade
O sujeito passivo exerceu a atividade de "comércio de artigos de papelaria e atividades afins" nas instalações sitas na Rua ………………., n.º ……, em …………., freguesia de Aradas, Aveiro, que são propriedade dos sócios gerentes da empresa, até 31 de outubro de 2007.
A 1 de novembro de 2007 foi celebrado um contrato denominado "Contratos Inominados Coligados" (Anexo 1), em que intervieram o sujeito passivo alvo da presente ação inspetiva, V…………. - Sociedade Comercial de Papelaria, Lda., os seus sócios gerentes e a sociedade V………………. VF - Comércio, Lda., NIF ……………………, doravante designada por V………………… VF.
De acordo com o n.º 1 da cláusula primeira do contrato, a V……………. Sociedade Comercial, doravante designada por V……………… Comercial, obrigava-se a transferir, até ao mês de novembro de 2009, para a V………………. VF os ativos que integravam o seu "acervo económico", compreendendo o imobilizado, stocks e os créditos sobre clientes que constavam de relação anexa.
A transferência do imobilizado e a indicação à V………………. VF dos créditos da V……………. Comercial sobre os seus clientes seria efetuada em novembro de 2007 e a transferência dos stocks seria efetuada até 31 de dezembro de 2007.
Assim que fossem realizadas as transferências referidas, até fim de novembro de 2009, a V………………… Comercial promoveria a sua dissolução. No entanto, a empresa só veio a ser dissolvida em dezembro de 2011.
O valor resultante da avaliação conjunta (entre as duas sociedades) dos stocks, do imobilizado e dos créditos seriam pagos pela V…………….. VF, da seguinte forma:
- 1ª prestação em novembro de 2007 correspondente ao valor do imobilizado;
- prestações de igual valor, a realizar em maio e novembro de 2008 e maio e novembro de 2009, referentes ao valor de stocks e créditos sobre clientes.
Uma vez que, do contrato que nos foi fornecido, não consta a relação anexa a que se refere o n.º 1 da cláusula primeira, notificaram-se as sociedades intervenientes no contrato (V………………. Comercial e V………………… VF), na pessoa dos seus representantes, para apresentarem a referida relação anexa bem como o resultado da avaliação dos stocks, do imobilizado e dos créditos sobre clientes a que se refere a cláusula terceira do contrato.
Em resposta ao solicitado, quer os responsáveis da V…………………. Comercial quer o responsável da V………….. VF informaram que o Anexo 1 a que se refere o n.º 1 da cláusula primeira nunca chegou a ser elaborado. Quanto ao resultado da avaliação dos stocks e do imobilizado, informaram que os valores pelos quais foram avaliados são os que constam das faturas emitidas, relativamente às existências, e da nota de lançamento, relativamente ao imobilizado.
Relativamente aos créditos sobre clientes, o sujeito passivo referiu que, face à antiguidade da maioria dos mesmos, não foi possível elaborar a lista do anexo referido, tendo-se optado pela colaboração da V……………… VF na cobrança desses créditos.
Para além dos elementos constantes do contrato celebrado entre as duas entidades, e segundo nos foi declarado pelos responsáveis das duas empresas, a V…………… VF assumiu também os encargos e os direitos dos trabalhadores que exerciam funções na V……………….. Comercial.
Em 1 de novembro de 2007 foi também assinado o contrato de arrendamento das instalações acima referidas entre a V………………. VF e os sócios gerentes da V……………. Comercial, proprietários do edifício, passando a sociedade V………….. VF a ocupar as referidas instalações a partir dessa data.
Os bens do imobilizado e os stocks vendidos em finais de 2007 foram transmitidos isentos de IVA, ao abrigo do n.º 4 do artigo 3.° do CIVA que estabelece que "não são consideradas transmissões ou cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele que seja suscetível de constituir uma ramo de atividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) do n. º 1 do artigo 2. º.
A sociedade V……………….. VF foi constituída, no dia 10/10/2007, pelos sócios gerentes do sujeito passivo V……………. Comercial com um capital de € 5.000,00, sendo € 4.000,00 pertencentes a Z…………………… e € 1.000,00 a X…………………. Nesse mesmo dia, as quotas foram transferidas para U……………………., NIF ……………….., e cônjuge T…………………, NIF …………….
De acordo com o esclarecimento prestado por U…………………., a sociedade foi inicialmente constituída pelos sócios da V…………….. Comercial, devido à dificuldade/impossibilidade de os atuais sócios da V…………….. VF constituírem uma empresa que incluía o nome V……………… na designação. Aquando da indicação do motivo do procedimento de inspeção no quadro que consta do ponto II.2., foi referido o facto de terem sido declaradas transmissões de bens e serviços à V…………….. Comercial nos anos de 2008 e 2009 que o SP não incluiu no anexo. P da declaração anual IES. A recolha de elementos e os esclarecimentos obtidos no decurso da presente ação inspetiva revelaram que os valores se referiam a aquisições efetuadas pela V…………….. VF e não pela V………………. Comercial.
(…)
IlI. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
III.2. EM SEDE DE IRS
III.2.1. Exercício de 2011
III.2.1.1. Liquidação da sociedade e resultado da partilha
A dissolução da sociedade foi deliberada pelos sócios em 29 de dezembro de 2011, em consonância com o artigo 141.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), conforme consta da ata n.º 38 que refere o seguinte: “… verificando-se a não existência de quaisquer valores de Activo e Passivo, encontrando-se desta forma em condição de ser dada como liquidada, conforme demonstra a contabilidade social, pelo que foi proposta à assembleia, proceder, de imediato, à dissolução da sociedade."
De acordo com o n.º 1 do artigo 146.º do CSC, "Salvo quando a lei disponha de forma diversa, a sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação, .." O n.º 1 do artigo 147.º dispõe ainda que "... se, à data da dissolução, a sociedade não tiver dívidas, podem os sócios proceder imediatamente à partilha dos haveres sociais, ..."
No caso da V……………… Comercial, à data da deliberação de dissolução da sociedade a empresa não tinha dívidas sendo que a contabilidade espelhava uma situação de inexistência de ativos e passivos, pelo que o momento da liquidação coincidiu com o momento da dissolução da sociedade.
Relativamente aos ativos da empresa, importa aqui fazer referência aos seguintes lançamentos contabilísticos na conta de "Dívidas lncobráveis" (conta 683), relacionados com créditos sobre terceiros, que ocorreram em 29 de dezembro de 2011, imediatamente antes da deliberação de dissolução da sociedade:

[Imagem]

A importância de € 315.433,17 foi acrescida, pelo sujeito passivo, ao Q07 da declaração Modelo 22 de IRC não tendo, portanto, sido considerado gasto para efeitos fiscais.
Pela análise dos elementos da contabilidade, constata-se que a anulação de valores de clientes conta corrente, no montante de global de €50.365,97, se reporta na maioria a saldos transitados de anos anteriores.
O crédito sobre o cliente S…………….. de Cabo Verde, diz respeito à venda das existências que restavam à empresa, que constam de fatura emitida com data de julho de 2011.
Quanto à V………………. VF, o valor em dívida em 29 de dezembro de 2011, de € 258.035,25, resulta da venda de existências e imobilizado efetuada pela V……………. Comercial, no âmbito do contrato assinado entre as duas entidades, em novembro de 2007.
Na carta enviada como resposta à nossa notificação (oficio n.° 8409014 de 27/07/2012), o sujeito passivo refere-se à dívida da V……………. VF, considerada como crédito incobrável, da seguinte forma:
"Entende-se importante referir que a calendarização dos pagamentos relativos às transacções antes mencionadas não terem, de modo algum, respeitado o estipulado na cláusula 5.° do acordo citado, por força das dificuldades, quer conjunturais quer específicos da empresa evidenciados no facto de ainda se encontraram por liquidar prestações de aproximadamente 50% do valor acordado."
A importância de € 315.433,17 foi acrescida, pelo sujeito passivo, ao Q07 da declaração Modelo 22 de IRC não tendo, portanto, sido considerado gasto para efeitos fiscais.
Pela análise dos elementos da contabilidade, constata-se que a anulação de valores de clientes conta corrente, no montante de global de €50.365,97, se reporta na maioria a saldos transitados de anos anteriores.
O crédito sobre o cliente S………………, de Cabo Verde, diz respeito à venda das existências que restavam à empresa, que constam de fatura emitida com data de julho de 2011.
Quanto à V………………… VF, o valor em dívida em 29 de dezembro de 2011, de € 258.035,25, resulta da venda de existências e imobilizado efetuada pela V…………….. Comercial, no âmbito do contrato assinado entre as duas entidades, em novembro de 2007.
Na carta enviada como resposta à nossa notificação (ofício n.° 8409014 de 27/07/2012), o sujeito passivo refere-se à dívida da V……………… VF, considerada como crédito incobrável, da seguinte forma:
"Entende-se importante referir que a calendarização dos pagamentos relativos às transacções antes mencionadas não terem, de modo algum, respeitado o estipulado na cláusula 5.° do acordo citado, por força das dificuldades, quer conjunturais quer específicos da empresa evidenciados no facto de ainda se encontraram por liquidar prestações de aproximadamente 50% do valor acordado."
[Imagem]

Resulta, da leitura do quadro, que o valor atribuído em resultado da partilha é de € 360.879,52.
De acordo com o n.° 1 do artigo 81.° do Código do IRC, é englobado para efeitos de tributação dos sócios, no período de tributação que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do custo de aquisição das correspondentes partes sociais.
O custo de aquisição das correspondentes partes sociais corresponde às aplicações dos sócios no capital da sociedade, o que não inclui, logicamente, os eventuais acréscimos de capital por incorporação de reservas.
O capital da sociedade é detido, em partes iguais, pelos sócios Z………………… e X…………………
Aquando da constituição da sociedade, o capital social da empresa era de € 29.928,00.
Em 19 de junho de 2006, houve um aumento do capital da empresa no montante de € 421.015,42, passando o capital social a ser de € 450.943,42. Esse aumento foi realizado da seguinte forma:
- Por incorporação de reservas, no montante de €177.540,65,
- Por incorporação de resultados transitados, no montante de € 66.976,91;
- Por entradas em dinheiro, no montante de € 176.497,86
As entradas de sócios efetivamente verificadas para a realização do capital foram, portanto, de €206.425,86 (29.928,00 + 176.497,86), sendo este o valor a abater ao resultado da partilha, para efeitos de tributação dos sócios:
Resultado da partilha €360.879,52
Custo de aquisição das partes sociais €206.425,86
Valor a englobar para efeitos de tributação dos sócios €154.453,66
O valor a englobar para efeitos de tributação dos sócios é considerado rendimento da aplicação de capitais, nos termos do n º 2 do artigo 81.º do CIRC, que são rendimentos da categoria E, enquadráveis na alínea i) do n.° 2 do artigo 5.° do CIRS.
De acordo com a alínea c) do n.° 1 do artigo 71.° do CIRS, os referidos rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória em vigor à data da ocorrência dos factos, que era de 21,5%, devendo ser entregues até ao dia 20 do seguinte ao da retenção.
Face ao exposto, a retenção na fonte de IRS relativamente ao valor atribuído aos sócios em resultado da partilha, a imputar ao mês de dezembro de 2011, será igual a:
154.453,66 X 21,5% = € 33.207,54
(...)
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
(…)
IX.2. ABORDAGEM À RESPOSTA DO SUJEITO PASSIVO
Junta-se, como Anexo 5, o direito de audição exercido pelo sujeito passivo, transcrevendo-se de seguida o conteúdo relevante dos fundamentos apresentados:
"A empresa notificada iniciou em 2007 um processo de alienação de parte dos seus ativos integrantes do seu acervo económico para a empresa adquirente (V………….. VF - COMÉRCIO, LDA. com o NIF ………………) durante um período inicialmente perspetivado no contrato elaborado para o efeito; (. . .)
Este processo associado à cobrança de dívidas muito antigas de clientes da empresa operada por recurso a processos judiciais de cobrança coerciva, arrastou-se ao longo de vários anos deixando em aberto as que não foram possíveis cobrar de entre as quais a da V……………. VF no total de EUR 258.035,25 (. . .) que ao momento ainda se encontra por cobrar.
Assim sendo, considerou a mesma em processo de liquidação e partilha a incobrabilidade destes valores, mormente deste último, para que nos termos do art.º 34 do CIVA se considerasse esgotado o ativo da empresa operando-se assim o seu encerramento nos termos da alínea a), do nº 5 do art.° 8 do CIRC, tendo o mesmo valor influenciado o apuramento do resultado contabilístico e fiscal que, por se traduzir numa dedução aos resultados da liquidação jamais poderia ser partilhado e distribuído pelos sócios.
Por outro lado, também os sócios só poderiam beneficiar desse rendimento se o mesmo lhe fosse colocado à disposição e efetivamente recebido (circular n° 001/93 - NIR) o que não pode acontecer pela inexistência de meios financeiros provenientes dessa dívida, ainda não paga ao momento.
Por outro lado e a não ser assim, deveria ser desconsiderada fiscalmente a cessação de atividade nos termos do IRC, mantendo a empresa em liquidação até que os ativos compostos por esta dívida se esgotassem e aí sim, permitissem a partilha final da empresa. (…)"
Relativamente às alegações apresentadas pelo contribuinte, cumpre-nos referir o seguinte:
1.° A dívida da V…………………… VF foi anulada pelo sujeito passivo, em termos contabilísticos, não por ser considerada uma dívida incobrável, mas sim como forma de anular um ativo para efeitos de liquidação da sociedade;
2.° Conforme já foi referido ao longo do ponto III.2.1.1., o crédito sobre a V…………………. VF é considerado um ativo à luz dos princípios contabilísticos em vigor, pelo que o seu desreconhecimento como tal viola esses mesmos princípios.
3.° A inexistência de ativos não é condição necessária para que uma sociedade seja liquidada. De acordo com o n.º 1 do art.º 147°, os sócios podem proceder à partilha dos haveres sociais se, à data da dissolução, a sociedade não tiver dívidas. Aliás, o resultado da partilha é precisamente a distribuição aos sócios dos bens da sociedade, passando os ativos da empresa da esfera da sociedade para a esfera dos sócios.
4.° O n.° 1 do artigo 34.° do CIVA apresenta quatro situações possíveis para que se considere verificada a cessação da atividade exercida pelo sujeito passivo:
"a) Deixem de praticar-se actos relacionados com actividades determinantes da tributação durante um período de dois anos consecutivos, caso em que se presumem transmitidos, nos termos da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.°, os bens a essa data existentes no ativo da empresa;
b) Se esgote o ativo da empresa, pela venda dos bens que o constituem ou pela sua afetação a uso próprio do titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma, bem como pela sua transmissão gratuita;
c) Seja partilhada a herança indivisa de que façam parte o estabelecimento ou os bens afetos ao exercício da actividade;
d) Se dê a transferência, a qualquer outro título, da propriedade do estabelecimento."
Pela leitura do articulado, podemos dizer que, em 29/12/2011, o sujeito passivo se enquadra em qualquer uma das situações das alíneas a), b) ou d), reunindo as condições para que se considere verificada a cessação da atividade para efeitos de IVA.
5.° De acordo com o n.° 1 do artigo 5° do CIRS, o valor atribuído aos sócios em resultado da partilha que, nos termos do art.º 81.º do CIRC, seja considerado rendimento da aplicação de capitais, é tributado em sede de IRS como rendimento da categoria E. Esses rendimentos ficam sujeitos a tributação desde o momento em que são colocados à disposição do seu titular (n.° 2 da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.° do CIRS).
A circular 1 de 28/01/1993 da Direção de Serviços do IRC que se refere à retenção na fonte relativa a lucros, e que se aplica também à retenção na fonte do resultado da partilha, vem esclarecer que por "colocação à disposição" deve entender-se "o momento a partir do qual o sócio tem o poder de facto de receber os lucros que lhe hajam sido atribuídos".
6.° Pelas razões acima referidas não há razão para desconsiderar fiscalmente a cessação de atividade nos termos do IRC. Ou seja, o crédito sobre a V……………… VF não teria que ser efetivamente recebido para que a sociedade fosse liquidada. Considera-se que o ativo em questão, composto por um crédito sobre um cliente, foi transferido da sociedade para a esfera dos sócios que têm agora o poder de facto de o receber.
Face ao exposto, propõe-se que sejam mantidas as correções constantes do Projeto de Relatório, procedendo-se, nesta data, à elaboração dos correspondentes documentos de correção.
(…)”
[cfr. relatório inspetivo constante do procedimento administrativo apenso].
E. No decurso do procedimento inspetivo e na qualidade de representante na cessação de V…………………….. Lda, o Impugnante Z…………………. .., declarou perante a AT
“(…) relativamente aos clientes, e face à grande antiguidade de uma maioria expressiva dos débitos à primeira outorgante que veio a ser confirmada nas acções de cobrança executiva realizadas pelo advogado da empresa, verificou-se não ter sido possível a elaboração da lista do anexo referido, tendo-se optado pela colaboração da segunda outorgante na cobrança dos créditos da primeira, utilizando a sua organização comercial.
Entende-se importante referir que a calendarização dos pagamentos relativos às transacções antes mencionadas não terem, de modo algum, respeitado o estipulado na cláusula 5ª do acordo citado, por força das dificuldades, quer conjunturais quer específicos da empresa evidenciados no facto de ainda se encontraram por liquidar prestações de aproximadamente 50% do valor acordado.“
[Cfr. requerimento no qual foi aposta a entrada 009958 de 12/08/(ilegível) constante da peça do SITAF n.º 004089048]
F. A “V……………………. - SOCIEDADE COMERCIAL DE PAPELARIAS, LDA” tinha contabilizada dívida sobre a “V……………….. VF - COMÉRCIO LDA." que não foi por esta paga no valor de EUR 258.035,25
[facto incontrovertido].
G. O sancionamento hierárquico da proposta constante do relatório inspetivo deu origem à liquidação de IR – Retenção na fonte n.º 2012 641000921 no valor de EUR 33.207,54, e de IR – Juros compensatórios n.º 2012 00002062990 no valor de EUR 935,26
[cfr. nota de cobrança que faz fls. 24 da peça do SITAF n.º 004055314].
H. A nota de cobrança referente às liquidações constantes do facto precedente foi paga em 2012- 11-30
[cfr. selo de validação do pagamento aposto nota de cobrança que faz fls. 24 da peça do SITAF n.º 004055314].
*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelos recorrentes, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou totalmente improcedente a impugnação apresentada, padece de erro de julgamento, uma vez que as liquidações impugnadas, ao pressuporem como sujeito passivo de imposto, uma entidade que, na data em que foram efectuadas, já havia sido extinta – e que, assim, para além de ter deixado de ter personalidade jurídica, também já havia deixado de ter personalidade tributária-, acrescendo que a AT presumiu um activo inexistente e uma partilha do que alegou serem “benefícios económicos futuros incorporados num activo”, apesar de não ter havido deles qualquer partilha, pelo que tais liquidações incorrem, desta forma, em ilegalidade e violam as disposições contidas nos artigos 146º, 147º-2, 160º-2, 162º, 163º e 164º do CSC, 2º do CIRC (a contrario), 15º, 18º-3 e 34º da LGT e 5º-2/i e 7º-1-3/a/2 do CIRS.
Vejamos.
Com pertinência para a apreciação da 1ª questão, objectivam os autos (vide probatório) que os sócios da sociedade deliberaram a sua dissolução, entrando esta em liquidação e, declarando inexistir activo e passivo, consideraram tal liquidação encerrada, promovendo o respectivo registo; que posteriormente a AT considerou indevido o abatimento de crédito da sociedade que estes consideraram incobrável e, entendendo este repartido pelos sócios, promoveu a liquidação de retenção na fonte de imposto sobre o rendimento que seria devido por tal circunstância.
As questões conexas com a extinção do sujeito passivo supra enunciadas foram já objecto de apreciação em acórdão deste STA de 01-07-2020, no Processo nº 01041/17.4BEBRG, subscrito pelo relator desta formação enquanto 2º adjunto, citado na sentença sob análise, em termos que merecem a nossa concordância e para os quais, com a data venia, passamos a remeter:
“(…)
Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, julgando verificada a exceção e falta de personalidade judiciária tributária da Impugnante, absolveu a Fazenda Pública da instância.
Com o assim decidido não se conforma a Recorrente, por entender que, se figura como sujeito passivo no ato tributário, é porque tem personalidade tributária; e, se tem personalidade tributária, é porque tem também personalidade judiciária tributária.
Não está em causa que foi atribuída à Impugnante – ora Recorrente – a qualidade de sujeito passivo no ato tributário impugnado. Como se constata, de resto pela invocação no relatório de inspeção tributária e nos atos subsequentes, do número de identificação fiscal que lhe tinha sido atribuído.
É certo que (como se dá conta nos factos provados), as liquidações adicionais e as demonstrações de liquidações e de acerto de contas foram endereçadas a entidade com a designação da impugnante e com o número de identificação fiscal desta, mas com o seguinte aditamento: «representado por: C…………………».
Mas, como se sabe (e resulta do artigo 8.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), a representação é uma figura jurídica do direito tributário criada precisamente (e além do mais) para permitir a intervenção no procedimento tributário de «entidades desprovidas de personalidade jurídica mas que dispõem de personalidade tributária».
Quer dizer: a identificação do representante foi ali inserida, não porque a Administração Tributária reconhecesse que a sociedade já não podia ser considerada sujeito de direitos e de obrigações tributárias, mas porque já não era reconhecida como tal pela lei civil e comercial (isto é, já não tinha personalidade jurídica civil ou comercial). De certa forma, a inserção daquela indicação ajuda a confirmar que a Administração Tributária lhe atribuiu personalidade jurídico-tributária.
Também não está em causa que a Impugnante – ora Recorrente – se deve considerar uma sociedade extinta nos termos da lei comercial (face ao que consta dos pontos “6.” e “7.” dos factos provados e ao disposto no artigo 160.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais).
Assim sendo, as duas questões sobre as quais o Supremo Tribunal Administrativo tem que se pronunciar são as de saber se a configuração de uma sociedade extinta como um sujeito passivo de imposto chega para lhe atribuir personalidade jurídica tributária e se, em caso negativo, lhe deve ser atribuída, ainda assim, personalidade judiciária tributária.
À primeira questão respondemos negativamente.
Ou seja, não é pelo facto de a Administração Tributária lhe atribuir personalidade jurídica tributária que a sociedade extinta a passa a ter efectivamente. Pelo que estamos de acordo com a afirmação, tirada da pág. 8 da decisão recorrida segundo a qual «o acto de liquidação de impostos pela Administração Tributária, do qual é sujeito passivo a sociedade extinta, não tem a virtualidade de fazer renascer a sua personalidade jurídica» (tributária).
Pela simples razão de que a personalidade jurídica tributária não deriva de nenhum ato administrativo, mas da lei. Não se é sujeito de direitos em relações jurídicas tributárias porque a Administração assim o diz, mas porque o diz a lei tributária. É da identificação do sujeito de imputação dos deveres tributários no facto constitutivo da relação jurídica tributária, tal como se encontra tipificado nas regras de incidência subjetiva para cada tributo, e no facto constitutivo das obrigações tributárias formais ou acessórias, tal como a lei as configura, que extrairemos a suscetibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias para os efeitos do artigo 15.º da Lei Geral Tributária.
Mas se isto é verdade, não o é menos que a subjetividade tributária não depende da personalidade jurídica em geral. Isto é, não é pelo facto de uma certa entidade ter deixado de ser considerada pessoa jurídica em geral (designadamente do ponto de vista do ordenamento jurídico civil ou comercial) que fica impedida de ter personalidade jurídica tributária.
E isto sucede porque a lei tributária releva como facto gerador de obrigações tributárias muitas situações de facto que nem sequer são reconhecidas ou tratadas, noutros ordenamentos, como factos suscetíveis de gerar relações jurídicas. E considera, por isso, sujeitos de direito certas sociedades e certas unidades patrimoniais sem personalidade jurídica, quando tal seja necessário para realizar os fins da tributação mencionados no artigo 5.º da Lei Geral Tributária e, designadamente, a distribuição equitativa da carga contributiva.
E esta observação vem ao caso porque, na decisão recorrida, foi dedicada muita atenção ao regime jurídico-comercial da liquidação e extinção das sociedades que, precisamente pelo que acima foi dito, prestam escassa serventia ao problema tratado. De todas elas, apenas a segunda parte do n.º 2 do artigo 147.º do Código das Sociedades Comerciais pode ser considerada uma disposição especificamente tributária (indevidamente enxertada num diploma com vocação distinta) e, ainda assim, sem interesse para o caso, porque não trata do problema de saber se a sociedade extinta tem personalidade tributária, mas do problema de saber quem tem responsabilidade tributária.
Ou seja, não trata do problema de saber quem é que é o sujeito passivo na relação jurídica de imposto, mas do problema de saber quem deve ser chamado a pagar o imposto.
E para quem tenha a ideia de que é a mesma coisa, importa objetar o seguinte: há muitas situações no direito tributário em que quem é chamado a pagar o imposto não é o sujeito passivo da relação jurídica tributária (a pessoa jurídico-tributária), mas quem detém o património ou a riqueza. O que sucede precisamente nos casos em que certas entidades que relevam como tal no direito tributário não são pessoas de direito privado e, por isso, não podem efetuar pagamentos.
Mas pode – em abstrato – uma sociedade comercial extinta ter personalidade tributária?
Faz sentido colocar esta questão em abstrato, porque a personalidade judiciária tributária resulta da personalidade tributária – artigo 3.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. O que significará, pelo menos, que não pode ser uma pessoa na relação processual tributária quem não a possa ser, em circunstância alguma, uma pessoa jurídica tributária.
A esta questão deve responder-se afirmativamente. Uma sociedade comercial extinta pode ter personalidade tributária. Desde que possa ser considerada um centro de imputação de atividades económicas para efeitos tributários e os factos económicos respetivos sejam tributáveis.
É o que resulta do artigo 18.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, na parte em que inclui entre os sujeitos passivos as organizações de facto que, nos termos da lei [ver o artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC], estejam vinculadas ao cumprimento de obrigações tributárias.
Assim, uma sociedade extinta que regresse à atividade comercial, mas não dê cumprimento ao disposto no artigo 161.º do Código das Sociedades Comerciais, não deixa por isso de ser um sujeito passivo de IRC. O que sucede porque – como já acima referimos – o Código respetivo tributa sobretudo situações de conteúdo económico, independentemente do tratamento jurídico que lhes é dado pelo Direito Comum.
Em sentido equivalente já se pronunciou este Supremo Tribunal, no acórdão de 17 de dezembro de 2014, processo n.º 1433/13.
E é isso que sucede no caso? Isto é, a Recorrente é uma sociedade comercial extinta a que deve ser atribuída personalidade tributária?
Esta é uma questão que já não faz sentido colocar aqui. Porque a questão de saber se – em concreto – uma sociedade extinta tem personalidade tributária já não releva para determinação da personalidade judiciária tributária. É uma questão para a determinação da legalidade da constituição da relação jurídica substantiva (isto é, para a aferição da legalidade concreta do ato tributário da liquidação) e não para a determinação da legalidade da constituição da relação jurídica processual. Tem a ver com a verificação do mérito da causa (se integrar o seu objeto) e não com a verificação dos pressupostos processuais.
Resta-nos, então, a segunda questão acima formulada: a de saber se a Recorrente tem personalidade judiciária tributária.
Tendo em conta que não estamos perante uma entidade que, em abstrato não possa ter personalidade jurídica tributária (isto é, que não possa constituir um centro de imputação de obrigações tributárias) e que lhe é imputado no ato tributário o dever de cumprimento de obrigações tributárias, deve responder-se afirmativamente a esta questão.
Até porque, de outro modo, poderiam ocorrer situações em que aquele a quem é imputada personalidade tributária não poderia impugná-la por não lhe ser reconhecida personalidade judiciária tributária. E em que, por isso, se estabilizasse na ordem jurídica uma decisão administrativa em que se reconhece personalidade tributária a um sujeito a quem foi negada personalidade judiciária tributária. Em colisão aberta com a lei, porque isso significaria que, nestes casos, a personalidade judiciária tributária não resultou da personalidade tributária.
Deve, assim, o artigo 3.º n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário ser interpretado no sentido de que a personalidade judiciária tributária resulta da atribuição da personalidade tributária a quem, em abstrato e nos termos da lei tributária, a possa ter.”
E é essa a pessoa que é o sujeito passivo da obrigação, determinado de acordo com a lei.
Como bem se assevera no Ac. deste STA de 17.12.2014, processo n.º 1433/13, citado naquela que acabamos de reproduzir, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, é o que sucede com as pessoas singulares, perante a morte das quais a lei tem solução, como se vê no art. 155.º do CPPT; e é o que sucede também com as pessoas colectivas, cujo termo da personalidade jurídica não implica a extinção das respectivas dívidas, nem priva o credor de as exigir coercivamente (Vide o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Março de 2003, proferido no processo n.º 1975/02, publicado no Apêndice ao Diário da República de 25 de Março de 2004 (disponível em http://www.dgsi.pt).
Sem embargo, a dívida foi liquidada à sociedade devedora depois da dissolução desta e, nesse ponto, releva o disposto no n.º 2 do art. 147.º do Código das Sociedades Comerciais, segundo o qual «As dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obstam à partilha nos termos do número anterior, mas por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios, embora reservem, por qualquer forma, as importâncias que estimarem para o seu pagamento», sendo que, pelas “dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução”, “ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios”.
Ora, sendo certo, como bem se refere na sentença ora escrutinada, que, tal como afirmam os ora recorrentes que a pessoa colectiva em apreço se encontrava extinta, nos termos do n.º 2 do art.º 160.º do Código das Sociedades Comerciais e que prevê que a sociedade se considera extinta com o registo do encerramento da liquidação, também devem respeitadas as excepções instituídas nos art.ºs 162.º (ações pendentes em que esta é substituída pela generalidade dos sócios), 163.º (passivo superveniente em que as ações podem ser propostas contra a generalidade dos sócios) e 164.º (ativo superveniente em que os liquidatários assumem a posição ativa), na medida em que não se extinguem as relações jurídicas subjacentes.
Portanto, como também se aponta na decisão recorrida na senda do acórdão primeiramente citado, a inexistência de personalidade jurídica não determina ipso facto que inexista personalidade tributária, na consideração de que, consoante o disposto no art.º 15.º LGT, a personalidade tributária consiste na susceptibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias.
E, pela fala da mais autorizada da doutrina em que a sentença também se ancora, “Assim como o Direito Penal e o Direito Processual elaboraram noções próprias de personalidade, de harmonia com as exigências características desses ramos de Direito, também as instituições tributárias construíram um conceito de personalidade que se aparta do genérico tal como se nos apresenta no Direito Comum.
Não parece correto pretender que gozam de personalidade no campo do Direito Fiscal aqueles entes que a têm à face dos outros ramos do Direito, e só esses. As leis fiscais, visando transferir para entidades públicas a parte dos patrimónios que se julga devida participação daquelas no processo de formação de riqueza atingem, pela incidência tributária, realidades económicas, que nem sempre correspondem a situações jurídicas regularmente definidas”. (Soares Martinez, Direito Fiscal, p. 203);
O Direito português, bem como outros Direitos, obriga ao pagamento de tributos entes desprovidos de personalidade jurídica em geral. Daqui resulta que sujeitos carecidos de personalidade jurídica em geral são sujeitos passivos de impostos, titulares do conjunto de direitos e deveres que integram uma posição jurídica tributária” (Diogo Leite de Campos e outros, in LGT Anotada e comentada,4.ª Ed., p. 164); “a personalidade tributária independe da consideração de determinada entidade como pessoa civil, bastando apenas a verificação referência a esta de um facto previsto na lei como obrigando ao paga de tributo (facto constitutivo da relação, facto tributário, nos termos supra referidos).
Se tal se verificar - a junção do facto e da lei -, nasce obrigação tributária, e, consequentemente, está-se perante uma entidade com personalidade tributária (porque sujeito de uma relação desta natureza), seja uma pessoa propriamente dita, um simples património ou mesmo uma realidade de facto” (Joaquim Freitas Rocha e Outros Teoria Geral da Relação Jurídica Tributária, p. 67).
Vale isso por dizer, na senda dos referidos acórdãos e referências doutrinais, que a sociedade extinta continua a ser o sujeito da relação jurídica tributária, mesmo que a lei designe outros responsáveis pelo respectivo pagamento, nada na lei obstando a que a AT pratique um acto tributário de liquidação de imposto já depois de extinta a pessoa (singular ou colectiva) sujeito passivo da obrigação jurídica tributária, ainda que o seu pagamento haja de ser exigido a outrem, que a lei designe como responsáveis pelo pagamento, designadamente os sócios.
Por assim ser, soçobra este vector recursório.

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Quanto à invocada inexistência de facto tributário

Tal como relatado pela sentença recorrida, nesta sede, defendem os Impugnantes, ora recorrentes, que “ainda que o crédito detido pela "V…………….. – SOCIEDADE COMERCIAL DE PAPELARIAS, LDA." sobre a “V…………… VF - COMÉRCIO LDA.", no valor de € 258.035,25, pudesse ser considerado «um ativo que a empresa detinha», jamais esse valor poderia ser levado em consideração para efeitos de uma pretensa partilha efetuada na sequência da liquidação daquela primeira sociedade”.
Prosseguem defendendo que a partilha é feita em dinheiro ou em espécie se todos os sócios o deliberarem e que nada impedem de à data da dissolução da sociedade existir ativo respeitante a dívidas de clientes cujo esforço de cobrança seja moroso, ficando estes créditos por partilhar.
Pugna que neste último caso subsiste uma situação de indivisão a menos que haja partilha em espécie que, no caso em apreço, não ocorreu nem tinha de ocorrer.
Concluem, assim, “que no caso de se considerar que, contrariamente ao que consta na decisão de dissolução da “V………………. - SOCIEDADE COMERCIAL DE PAPELARIAS, LDA.", esta sociedade era titular de um ativo no valor de € 258.035,25, terá igualmente de se considerar que o mesmo não foi partilhado, mantendo-se, após a extinção daquela sociedade, numa situação de indivisão entre os respetivos sócios”.
Aduzem que nunca poderia haver lugar a retenção na fonte porquanto não foi pago ou colocado à disposição dos sócios da “V……………… - SOCIEDADE COMERCIAL DE PAPELARIAS, LDA.”, em resultado da alegada partilha do património desta sociedade, qualquer rendimento que seja suscetível de retenção na fonte.
Posição distinta tem a Fazenda Pública.
Alega que inexistiram operações de liquidação e partilha na medida em que os sócios declararam que a sociedade não detinha património, o que não correspondia à verdade, pois a sociedade era detentora de um crédito no valor de EUR 258.035,25, crédito esse reconhecido pelo Impugnante no decurso do procedimento inspetivo.
Acresce que o procedimento inspetivo permitiu apurar que a contabilização deste como incobrável e que serviu à declaração de inexistência de bens a partilhar não tinha aderência à realidade.
Conclui a Fazenda que “o que verdadeiramente está aqui em causa não é a aparente situação de indivisão dos bens, como o Impugnante parece querer sugerir, mas tão só a constatação de facto de que na partilha foi deliberadamente omitido, por via contabilística e ao arrepio das normas e princípios que informam o SNC, um ativo que a sociedade extinta detinha” e que “não se ficcionou qualquer partilha mas acrescentou-se, sim, ao valor da partilha efetuada, uma verba indevidamente expurgada do ativo da sociedade em liquidação e daí se retiraram as necessárias e legais consequências tributárias, que serão melhor desenvolvidas nos artigos seguintes da presente peça processual.”.
Pugna a Fazenda que a obrigação de retenção à taxa liberatória de 21,5% resulta da conjugação do disposto no n.º 1 do art.º 81.º do CIRC (o resultado da partilha é englobado para efeitos de tributação dos sócios no período que for posto à sua disposição o valor que lhes for atribuído), no art.º 5.º n.º 2 alínea i) do CIRS (que configura rendimento categoria E) e do art.º 7.º n.º 1 e n.º 2 da alínea a) do n.º 3 do mesmo Código (ficam sujeitos desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição, são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo) e da alínea c) do n.º 1 do art.º 71.º do CIRS (taxa liberatória).
Em suma: neste segmento, imprecam os recorrentes que a AT presumiu um activo inexistente e uma partilha do que alegou serem “benefícios económicos futuros incorporados num activo”, apesar de não ter havido deles qualquer partilha, pelo que tais liquidações incorrem, desta forma, em ilegalidade e violam as disposições contidas nos artigos 146º, 147º-2, 160º-2, 162º, 163º e 164º do CSC, 2º do CIRC (a contrario), 15º, 18º-3 e 34º da LGT e 5º-2/i e 7º-1-3/a/2 do CIRS, incorrendo assim no vício apontado que se analisa em erro de julgamento sobre os pressupostos de facto e de direito do acto impugnado.
Quid juris?
Antecipe-se que se nos aparenta que não assiste razão aos recorrentes desde logo porque emerge do probatório que a sociedade dissolvida era detentora de um crédito no valor de €258.035,25, o qual foi reconhecido “pelo Impugnante” no decurso do procedimento inspectivo, sendo que este procedimento permitiu apurar que a contabilização deste como incobrável e que serviu à declaração de inexistência de bens para partilhar não era exacto.
Na verdade, foi levado ao probatório que:
- conforme n.º 1 da cláusula primeira do contrato, a V…………….. Sociedade Comercial, obrigou-se a transferir, até ao mês de Novembro de 2009, para a V……………… VF os activos que integravam o seu "acervo económico", compreendendo o imobilizado, stocks e os créditos sobre clientes que constavam de “relação anexa”. A transferência do imobilizado e a indicação à V……………….. VF dos créditos da V……………. Comercial sobre os seus clientes seria efectuada em Novembro de 2007 e a transferência dos stocks seria efectuada até 31 de Dezembro de 2007;
-Após as transferências referidas (até fim de novembro de 2009), a V……….….. Comercial promoveria a própria dissolução, o que veio a ocorrer em Dezembro de 2011.
- de acordo como clausulado, o valor resultante da avaliação conjunta dos stocks, do imobilizado e dos créditos seriam pagos pela V…………. VF, em Novembro de 2007 correspondente ao valor do imobilizado, a primeira prestação e em prestações de igual valor, a realizar em Maio e Novembro de 2008 e Maio e Novembro de 2009, referentes ao valor de stocks e créditos sobre clientes.
- Com o contrato que foi fornecido à AT, não foi enviada a relação anexa a que se referia o n.º 1 da cláusula primeira, razão por que foi o mesmo solicitado, aos representantes das sociedades intervenientes, bem como o resultado da avaliação dos stocks, do imobilizado e dos créditos sobre clientes a que se refere a cláusula terceira do contrato, os quais responderam que o Anexo 1 a que se refere o n.º 1 da cláusula primeira nunca chegou a ser elaborado e que quanto ao resultado da avaliação dos stocks e do imobilizado os valores pelos quais foram avaliados são os que constam das facturas emitidas, relativamente às existências e da nota de lançamento, relativamente ao imobilizado. Relativamente aos créditos sobre clientes, foi a AT informada que, face à antiguidade da maioria dos mesmos, não foi possível elaborar a lista do anexo referido, optando-se pela colaboração da V………………. VF na cobrança desses créditos.
-a AT considerou ainda que «em 1 de novembro de 2007 foi também assinado o contrato de arrendamento das instalações acima referidas entre a V…………….. VF e os sócios gerentes da V…………….. Comercial, proprietários do edifício, passando a sociedade V…………….. VF a ocupar as referidas instalações a partir dessa data.
-Os bens do imobilizado e os stocks vendidos em finais de 2007 foram transmitidos isentos de IVA, ao abrigo do n.º 4 do artigo 3.° do CIVA que estabelece que "não são consideradas transmissões ou cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele que seja suscetível de constituir uma ramo de atividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) do n. º 1 do artigo 2.º.
-A sociedade V…………… VF foi constituída, no dia 10/10/2007, pelos sócios gerentes do sujeito passivo V…………… Comercial com um capital de € 5.000,00, sendo € 4.000,00 pertencentes a Z……………… e € 1.000,00 a X……………... Nesse mesmo dia, as quotas foram transferidas para U……………, NIF …………, e cônjuge T………….., NIF ………..
-De acordo com o esclarecimento prestado por U……………, a sociedade foi inicialmente constituída pelos sócios da V…………. Comercial, devido à dificuldade/impossibilidade de os atuais sócios da V…………… VF constituírem uma empresa que incluía o nome V………….. na designação. Aquando da indicação do motivo do procedimento de inspeção no quadro que consta do ponto II.2., foi referido o facto de terem sido declaradas transmissões de bens e serviços à V………… Comercial nos anos de 2008 e 2009 que o SP não incluiu no anexo. P da declaração anual IES. A recolha de elementos e os esclarecimentos obtidos no decurso da presente ação inspetiva revelaram que os valores se referiam a aquisições efetuadas pela V………. VF e não pela V…………. Comercial».
-a “V…………… - Sociedade Comercial de Papelarias, Lda” tinha contabilizada dívida sobre a “V………….. VF - Comércio Lda." que não foi por esta paga no valor de € 258.035,25.
Com base em tal factualidade, a sentença julgou improcedente a impugnação mediante a adopção da seguinte dissertação jurídica:
“(…)
Como decorre da matéria de facto assente e se afigura incontroverso, os sócios não procederam à partilha do resultado da liquidação do ativo e passivo da sociedade na medida em que declararam a inexistência deste e, consequentemente, nada haveria a partilhar.
Contudo,
É mister ter presente que os sócios não põem verdadeiramente em causa a existência do crédito da sociedade liquidada (mesmo a eventual incobrabilidade não é motivo de extinção da obrigação), apenas que este tivesse sido partilhado entre eles ou o seu produto colocado à sua disposição.
A ser assim, inexistiria qualquer dever de retenção na fonte, à míngua de pagamento ou colocação à disposição.
Tal circunstancialismo está de acordo com o que dispõe o n.º 1 do art.º 164.º do CSC que prevê que “verificando-se, depois de encerrada a liquidação e extinta a sociedade, a existência de bens não partilhados, compete aos liquidatários propor a partilha adicional pelos antigos sócios, reduzindo os bens a dinheiro, se não for acordada unanimemente a partilha em espécie.”.
Como doutamente afirmou o colendo Supremo Tribunal de Justiça, no douto aresto proferido em 30/5/2017 no processo n.º 593/14.5TBTNV.E1.S1 “a situação prevista e regulada no art. 164.º do CSC reporta-se à constatação (verificação), posterior ao encerramento da liquidação e após extinção da sociedade, da existência de bens não partilhados, não se exigindo que tais bens sejam supervenientes, no sentido estrito da sua ocorrência histórica, mas apenas que não hajam sido partilhados.” (disponível em dgsi.pt).
Afirma aquele Tribunal no douto aresto que aqui se reproduz com a devida vénia:
“(…) Os autores, no âmbito do presente recurso, mantêm a alegação de que apenas conheceram do crédito aqui reclamado após a liquidação da sociedade (conclusões VIII e ss. da contra-alegação apresentada), não tendo a questão sido levada à matéria de facto.
Importa observar que, contrariamente ao defendido pelos recorrentes, relativamente ao alcance de “ativo superveniente”, o que se prevê e regula no nº 1 do art. 164º do CSC não é mais do que a constatação (verificação), posterior ao encerramento da liquidação e após extinção da sociedade, da existência de bens não partilhados, não se exigindo que tais bens sejam supervenientes, no sentido estrito da sua ocorrência histórica, mas apenas que não hajam sido partilhados (neste sentido, na jurisprudência das Relações, acórdão da Relação do Porto, de 13 de Setembro de 2007, disponível em http://www.dgsi.pt).
Previne-se aqui a repristinação da sociedade: uma vez «desaparecida a sociedade-sujeito, e mantidos vivos os direitos da sociedade (…), só os sócios podem ser os novos titulares desse activo (…)» (Raúl Ventura, Dissolução e Liquidação de Sociedades, 1987, pág. 480).
As ações para cobrança de créditos, possibilitadas pelo nº 2 do art. 164º do CSC – e, no que ora releva, no caso previsto na segunda parte daquele preceito, a reivindicação de tais direitos de crédito por parte de antigos sócios, enquanto co-titulares sucessores, ficará limitada ao interesse de cada um –, estarão sempre sujeitas ao prazo máximo de prescrição de cinco anos, a contar do registo da extinção da sociedade (art. 174º, nº 3 do mesmo código).”
Não se vislumbram motivos para dissentir daquele douto entendimento que, ressalvadas as especificidades dos casos concretos, permite ramificações passíveis de serem estendidas para o caso concreto.
Efetivamente,
Estabelecida a aplicabilidade do disposto no art.º 164.º do CSC, sobressai do n.º 2 daquele preceito que a ação para cobrança do crédito pode ser proposta pelos liquidatários em representação da universalidade dos sócios ou, por cada um destes e na proporção do seu interesse.
Resulta, assim, que se considera que aquele direito de crédito é imputado na proporção das respetivas quotas a cada um dos sócios.
Concluindo-se, deste modo, que cada um dos sócios da sociedade é considerado detentor do ativo “superveniente” ao encerramento da liquidação (ou sendo pretérito que não foi liquidado e partilhado) na proporção da quota que este detinha na sociedade extinta.
Estabelecido o direito de cada um dos sócios ao recebimento do montante daquele crédito, importa apurar se se mostra devida a retenção na fonte que a AT entende deveria ter sido efetuada pela sociedade extinta.
Prima facie assoma que aquele crédito deveria ter sido partilhado, estando na disposição dos sócios a sua partilha, aquando da liquidação e, consequentemente, mostrar-se-ia devida a retenção na fonte.
Por outro lado, emerge que o crédito é imputado aos sócios em razão da omissão de partilha por força do n.º 2 do art.º 164.º do CSC, ou seja, em simultâneo com o encerramento da liquidação por que este é pré-existente.
Concluindo-se, assim, que à míngua de cobrança deste e partilha do seu produto entre os sócios, o crédito societário é imputado pessoalmente aos sócios e na proporção das suas quotas como se se tratasse de uma partilha em espécie.
Não sendo de distinguir esta imputação proporcional do crédito da “partilha em espécie”, mostra-se devida a retenção.
Não é despiciendo referir que, não desconhecendo os sócios a existência do crédito societário e optando estes pela sua não partilha, é também de concluir que aquele crédito se encontrava “à sua disposição” para que esta se realizasse, mesmo que aquele crédito não se encontrasse liquidado e mediante a imputação proporcional como ocorreu.
Assim,
É de concluir que independentemente do efetivo recebimento proporcional do crédito por cada um dos sócios, o crédito encontrava-se à data da liquidação à sua disposição para partilha (quanto mais não fosse em espécie) e, consequentemente, havia lugar à retenção na fonte sobre o rendimento à luz das disposições anteriormente citadas.”
O assim fundamentado e concluído merece a nossa aprovação pela singularidade de ter ficado demonstrado que a sociedade dissolvida era detentora de um crédito no valor de €258.035,25, o qual foi reconhecido “pelo Impugnante” no decurso do procedimento inspectivo, sendo que este procedimento permitiu apurar que a contabilização deste como incobrável e que serviu à declaração de inexistência de bens para partilhar não era exacto.
Significa que é inabalável a conclusão de que a AT evidenciou que, na partilha foi deliberadamente omitido, por via contabilística, um activo que a sociedade extinta detinha pelo que o crédito é imputado aos sócios em razão da omissão de partilha por força do n.º 2 do art.º 164.º do Código das sociedades Comerciais (CSC), ou seja, em simultâneo com o encerramento da liquidação por que este é pré-existente.
É que, como se enfatiza na bem elaborada e clarividente sentença “independentemente do efectivo recebimento proporcional do crédito por cada um dos sócios, ele encontrava-se à data da liquidação, à disposição destes, para partilha (quanto mais não fosse em espécie) e, consequentemente, havia lugar à retenção na fonte sobre o rendimento à luz das disposições aplicáveis.
Do que vem dito decorre que, por via da improcedência das conclusões recursórias em análise, deve ser negado provimento ao presente recurso mantendo-se a Sentença recorrida nos seus precisos termos, já que ela não padece dos vícios que lhe vêm imputados e não merece reprovação.

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3. -Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, de harmonia com o disposto no art.º 527.º do CPC aplicável ex vi art.º 2.º do CPPT.
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Lisboa, 23 de Junho de 2021
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José Gomes Correia (relator) que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Srs. Conselheiros integrantes da Formação de Julgamento Aníbal Augusto Ruivo Ferraz e Paula Cadilhe Ribeiro.