Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01500/17
Data do Acordão:07/04/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:INCONSTITUCIONALIDADE
TAXA
PROTECÇÃO CIVIL
Sumário:Embora desprovido de força obrigatória geral, o juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal Constitucional, quer pela força dos seus argumentos, quer por provir do tribunal a que a ordem judiciária comete a competência específica para a apreciação das questões da constitucionalidade das normas, deve ser observado.
Nº Convencional:JSTA000P23497
Nº do Documento:SA22018070401500
Data de Entrada:12/27/2017
Recorrente:MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE GAIA
Recorrido 1:INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. Rede Ferroviária Nacional – REFER, E.P.E., deduziu impugnação judicial, no Tribunal Tributário do Porto, contra o Município de Vila Nova de Gaia pela emissão da taxa municipal de proteção civil, referente ao ano de 2012, no montante €33.598,53, bem como contra a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa que deduziu contra aquela mesma liquidação.
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1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 06/06/2016 (fls.92/117), concluiu o seguinte:
«Em face de tudo quanto antecede, decido julgar totalmente procedente a presente acção e, consequentemente:
a) desaplicar as normas constantes dos artigos 2º, n.º 1, 3º, n.º 2 e 4º, n.º 2 do Regulamento Municipal de Protecção Civil de Vila Nova de Gaia com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por ofensa da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, consagrada no artigo 165º, n.º 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa;
b) anular a liquidação de taxa municipal de protecção civil sub judice, eliminando-a do ordenamento jurídico.»
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1.3. Dessa decisão interpôs recurso obrigatório o Ministério Público, nos termos do artigo 280.º, nº 3, da CRP, para apreciação da constitucionalidade orgânica das normas constantes dos artigos 2º, n.º 1, 3º, n.º 2 e 4º, n.º 2 do Regulamento Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia.
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1.4. O Tribunal Constitucional, por decisão sumária de 15/02/2017 (fls. 140/145), decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade pois que “mesmo que viesse a concluir-se pela inconstitucionalidade orgânica das normas constantes daquele regulamento municipal, sempre sobraria um fundamento alternativo – o facto de a recorrida não ser o sujeito passivo da taxa municipal de proteção civil – para que, do ponto de vista da composição do litígio, subsistisse o juízo formulado pelo tribunal a quo (fls. 144)” pois que a decisão recorrida após concluir que o tributo em apreço «por consubstanciar “um verdadeiro imposto” e ter “sido criado pelo Município de Vila Nova de Gaia, por via de um regulamento municipal … era “organicamente inconstitucional”» «não prescindiu de considerar, num segundo momento, que, caso “porventura e hipoteticamente, não se entendesse no sentido da inconstitucionalidade do RMPC, sempre se concluiria pela anulação da liquidação … pelo facto de a Impugnante não ser o sujeito passivo da TMPC”.» (fls. 143 e 144).
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1.5. O Município de Vila Nova de Gaia recorreu para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Tributário do Porto, de 06/06/2016, terminando as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«1.ª - A decisão sob recurso, ao decidir que a liquidação deve ser anulada pelo facto de ter sido emitida com base em normas inconstitucionais: os artigos 2º, nº 1, 3º, nº 2 e 4º, nº 2 do RMPC de Vila Nova de Gaia, viola o disposto na Lei nº 53-E/2006, de 29 de Dezembro, nomeadamente os artigos 5º, 6º e 8º, no artigo 20º da Lei nº 73/2013, de 3 de Setembro e no artigo 238º da CRP e ainda o disposto na Lei de Bases da Protecção Civil, nomeadamente nos seus artigos 1º, 3º, 4º, 46º, o disposto na Lei 65/2007, de 12 de Novembro, designadamente nos artigos 2º, 3º, 5º, 6º, 9º, 10º, 16º e 20º e o artigo 23º da Lei 75/2013, de 12 de Setembro.
2.ª - Considerando que serviço público é aquela actividade exercida por um ente público com vista à satisfação das necessidades colectivas de uma população e à melhoria da sua qualidade de vida e protecção, necessidades essas previamente definidas, não há dúvidas que a protecção civil é um serviço público local.
3.ª - O artigo 23º do Regime Jurídico das Autarquias Locais dispõe que constituem atribuições do município a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respectivas populações, e o seu nº 2 na alínea j) elenca como uma atribuição do Município a Protecção Civil.
4.ª - A protecção civil é uma actividade de carácter permanente e desenvolvida com a finalidade de prevenir riscos colectivos inerentes a situações de acidente grave ou catástrofe, de atenuar os seus efeitos e proteger e socorrer as pessoas e bens em perigo quando aquelas situações ocorram, como dispõe o artigo 1º da Lei n° 27/2006, de 03 de Julho que aprova a lei de Bases da Protecção Civil.
5.ª - Também o artigo 6º do RGTAL sob a epígrafe “Incidência objectiva” determina que as taxas municipais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela actividade dos municípios, designadamente, na sua alínea f), concretizada pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da protecção civil.
6.ª - Assim, sendo a protecção civil um serviço público local previsto nas atribuições conferidas pela lei ao Município é legalmente possível o lançamento, a criação, liquidação e cobrança de uma Taxa Municipal de Protecção Civil.
7.ª - O artigo 2º do Regulamento da Taxa Municipal de Protecção Civil define a incidência objectiva da mesma e, como resulta do seu Preâmbulo, o RMPC tem como normas habilitantes não só a lei nº 159/99, de 14 de Setembro e a Lei 169/99 de 18 de Setembro (agora substituídas pela Lei 75/2013, de 12/09, como também a Lei nº 2/2007, de 15 de Janeiro (substituída pela Lei n° 73/2013, de 03/09), a Lei nº 53-E/2006 de 29 de Dezembro bem como a Lei de Bases da Protecção Civil, a Lei 27/2006, de 03 de Julho.
8.ª - A protecção civil municipal tem como objectivos fundamentais prevenir no território municipal os riscos colectivos e a ocorrência de acidente grave ou catástrofe deles resultantes; atenuar na área do município os riscos colectivos e limitar os seus efeitos no caso das ocorrências descritas anteriormente; socorrer e assistir no território municipal as pessoas e outros seres vivos em perigo e proteger bens e valores culturais, ambientais e de elevado interesse público; apoiar a reposição da normalidade da vida das pessoas nas áreas do município afectados por acidente grave ou catástrofe, como determina o artigo 2º da Lei nº 65/2007 de 12 de Novembro.
9.ª - São agentes de protecção civil os corpos de bombeiros, as forças de segurança, as Forças Armadas, os órgãos da Autoridade Marítima Nacional, a Autoridade Nacional da Aviação Civil, o INEM e os sapadores florestais, conforme definidos no artigo 46º da Lei de Bases da Protecção Civil.
10.ª - E em cada município existe uma comissão municipal de protecção civil, que é o organismo que assegura que todas as entidades e instituições de âmbito municipal imprescindíveis às operações de protecção e socorro, emergência e assistência previsíveis ou decorrentes de acidente grave ou catástrofe se articulam entre si, e são dotados de um serviço municipal de protecção civil, responsável pela prossecução das actividades de protecção civil no âmbito municipal.
11.ª - Compete a estes serviços municipais de protecção civil (SMPC) assegurar o funcionamento de todos os organismos municipais de protecção civil, bem como centralizar, tratar e divulgar toda a informação recebida relativa à protecção civil, tendo competências nos domínios do planeamento e operações, da prevenção e segurança, florestal e da informação pública, exaustivamente discriminadas no artigo 10º da Lei nº 65/2007, para o qual remetemos.
12.ª - É tendo em atenção estas competências e o tipo de intervenção deste serviço muito específico e peculiar, por ser no âmbito da prevenção, que temos de aferir da prestação concreta do serviço, da contraprestação administrativa concreta subjacente à liquidação da taxa municipal de protecção civil e de que beneficia o sujeito passivo.
13.ª - A protecção civil é daquelas actividades e serviços que os munícipes só “sentem” a sua existência quando as coisas “correm mal”, quando há acidentes graves, mas a eficaz, eficiente, pronta e adequada actuação nestas situações de acidente depende de toda uma série de prestações concretas e permanentes de prevenção.
14.ª - Na verdade, em situações de normalidade a protecção civil desenvolve-se numa acção preventiva, virada para o planeamento, organização, controle e aperfeiçoamento do aparelho de protecção civil e nas situações de emergência as actividades da protecção civil são predominantemente de salvamento, segurança e protecção.
15.ª - A prestação concreta existe e, porque existe, é que se evitam acidentes graves e se atenuam os seus efeitos, com a prontidão de resposta dos serviços, quando aqueles ocorrem.
16.ª - Os serviços de protecção civil do Município de Vila Nova de Gaia, onde se integram os bombeiros sapadores, efectuam imensas prestações concretas de prevenção de riscos e protecção civil, ao abrigo das suas competências definidas no artigo 10º da Lei 65/2007, executando medidas permanentes e preventivas de socorro e assistenciais de modo a evitar ou minimizar consequências danosas de eventos previsíveis e imprevisíveis, tais como incêndios de grandes dimensões, cheias, temporais e outros fenómenos climáticos, como vagas de frio ou calor, ou outras calamidades naturais ou humanas, como explosões, desabamentos...
17.ª - Só em situações de emergência, que existem, essencialmente com a ocorrência de cheias e outros fenómenos climáticos, incêndios, desabamentos, e outros é que a actividade de protecção civil é mais visível com a prestação de acções de socorro, assistência e de reposição da normalidade.
18.ª - Nestas situações de emergência e com a criação da taxa municipal de protecção civil o Regulamento de Taxas e Outras Receitas do Município deixou de abranger qualquer taxa pelos serviços dos Bombeiros e Protecção Civil, como se verifica no artigo 57º do referido regulamento, só passaram a estar fixadas taxas pelos serviços prestados pelos Bombeiros e Protecção Civil fora de situações de emergência, porque estas situações de emergência passaram a estar abrangidas pela taxa municipal de protecção civil, pelo que, em situações de emergência e catástrofe as prestações são efectivas e beneficiam a impugnante.
19.ª - É por existir um serviço de bombeiros sapadores, uma comissão municipal de protecção civil e de defesa da floresta contra incêndios, de estar assegurada a elaboração e acompanhamento de um plano de emergência municipal, de haver planos de prevenção e execução de exercícios de treinos e simulacros, de haver campanhas de informação sobre medidas preventivas e sensibilização das populações – contraprestações prestadas pelos serviços de protecção civil do Município de Vila Nova de Gaia – que se evitam e previnem acidentes e se preparam as populações para saberem como actuar quando ocorrem situações de emergência bem como se preparam e aperfeiçoam os serviços para a sua actuação concreta de socorro, assistência e reposição de normalidade em situações de emergência.
20.ª - Todo este dispositivo de segurança de pessoas e bens e prevenção de riscos, disponível para sempre que seja necessário, consubstancia o serviço prestado de protecção civil.
21.ª - E todos os contribuintes, incluindo a impugnante, beneficiam desta actividade uma vez que a prevenção de riscos e acidentes graves bem como o socorro e reposição da normalidade pronta e eficaz só beneficia os contribuintes detentores e proprietários de bens no concelho.
22.ª - A impugnante, como gestora da infra-estrutura ferroviária que atravessa o concelho de Gaia, é uma entidade gestora de uma infra-estrutura de risco que afectada em situações de acidente grave provoca consequências muito gravosas não só para a sua infra-estrutura como para toda a envolvente, podendo afectar o transporte ferroviário do concelho com os efeitos a isso inerentes, bem como a paisagem rural ou urbana envolvente, pelo que tem todo o interesse e só beneficia com a existência de um bom serviço de prevenção de riscos e de protecção civil, capaz de evitar a existência de acidentes graves e de em casos de emergência capaz de responder pronta e adequadamente ao socorro, auxílio e reposição da normalidade.
23.ª - Assim, tendo em conta a especificidade deste serviço público e das prestações concretas em que o mesmo se corporiza só podemos concluir que as acções especificadas e constantes do artigo 2º do Regulamento da Taxa Municipal de Protecção Civil são uma verdadeira contraprestação concreta e efectiva de que os contribuintes beneficiam, não são prestações eventuais nem futuras.
24.ª - Afigura-se-nos que o espírito do legislador nacional é o de permitir às autarquias criarem esta taxa municipal de protecção civil para apoio financeiro do serviço de protecção civil, não só tendo em atenção o estipulado na alínea j) do artigo 6º do RGTAL mas também atendendo à sequência de publicação de legislação atinente à protecção civil: em Julho de 2006 a publicação da Lei de Bases da Protecção Civil a definir todas as competências e poderes, a aprovação no mesmo ano, em Dezembro, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais a prever expressamente a taxa pela prestação de serviços de protecção civil e posteriormente em Julho de 2007, a Lei nº 65/2007 a atribuir todas as competências de protecção civil no âmbito do território municipal ao Município.
25.ª - O legislador quis atribuir às autarquias as competências e responsabilidades de Protecção Civil a nível municipal e antecipadamente permitir-lhes criarem legalmente meios de financiamento dessa actividade, através da possibilidade de criação da taxa pela prestação desses serviços.
26.ª - Acresce que, como referido na contestação, a TMPC não é devida por qualquer ocupação, quer do domínio público quer do domínio privado, nem é devida pela implementação da rede ferroviária, ou seja a TMPC não é devida pela ocupação de terrenos, nem pela implantação de traçados nem pelo estabelecimento de limitações ao uso de prédios ou de zonas de protecção nem tão pouco resulta do exercício de servidões administrativas.
27.ª - A TMPC resulta da comparticipação pelos serviços prestados pelo Município no domínio da prevenção de riscos e da protecção civil – situação esta que não está abrangida no elenco constante do mencionado artigo 21º do D.L. 104/97 e, por isso, não resulta da lei a isenção subjectiva da impugnante da taxa em apreço, pelo que a REFER é e pode ser sujeito da TMDP.
28.ª - A douta sentença ao considerar que a taxa municipal de protecção civil do Município de Vila Nova de Gaia não constitui uma verdadeira taxa por falta de contraprestação concreta e efectiva errou no seu julgamento e violou o disposto na Lei de Bases da Protecção Civil, nomeadamente nos seus artigos 1º, 3º, 4º, 46º, o disposto na Lei 65/2007, de 12 de Novembro, designadamente o disposto nos artigos 2º, 3º, 5º, 6º, 9º, 10º, 16º e 20º, no artigo 23º da Lei 75/2013, de 12 de Setembro, no artigo 20° da Lei 73/2013, de 3 de Setembro, nos artigos 5º, 6º e 8º da Lei 53-E/2006, de 29 de Dezembro e no artigo 238º da CRP.
29.ª - Também ao decidir que a impugnante não é a pessoa singular ou colectiva que se encontra obrigada ao pagamento da TMPC, errou nos pressupostos de facto e de direito.
30.ª - Em face do exposto a sentença sob recurso deve ser revogada e substituída por Acórdão que considere que a Taxa Municipal de Protecção Civil consubstancia uma verdadeira taxa e, consequentemente, aplicar os artigos 2º, nº 1, 3º, nº 2 e 4º, nº 2 do Regulamento Municipal de Protecção Civil de Vila Nova de Gaia por serem constitucionais, bem como considere a Impugnante o sujeito passivo da TMPC.
Termos em que, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença por violar os comandos legais atrás invocados, com as legais consequências, como é de Justiça.».
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1.6. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«Inconformado, veio o Impugnado Município de Vila Nova de Gaia interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 06/06/2016, pela M.ma Juíza de Direito do TAF do Porto, que julgou totalmente procedente a presente ação e, consequentemente, decidiu a) desaplicar as normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º. 2, e 4.º, n.º 2, todos do Regulamento Municipal de Proteção Civil (RMPC) de Vila Nova de Gaia, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por ofensa da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, consagrada no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa; e b) anular a liquidação de taxa municipal de proteção civil sub judice, eliminando-a do ordenamento jurídico (cfr. a sentença recorrida, ínsita de fls. 92 a 117 e, ainda, as alegações, juntas de fls. 163 a 180 do processo em suporte físico, de ora em diante designado como p. f.)
Como melhor se alcança da análise da motivação e, obviamente, das respetivas conclusões, que fixam e delimitam o thema decidendum, o ora Recorrente veio assacar à decisão judicial recorrida erros de julgamento que incidiram sobre a matéria de direito, no que tange i) à julgada inconstitucionalidade orgânica das citadas disposições do RMPC, aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia, de 15/06/2011, mediante o qual este Município criou a taxa municipal de proteção civil (TMPC) e ii) à ajuizada verificação de erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacentes à liquidação, atento o preceituado no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 104/97, de 29 de abril, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 141/2008, de 22 de julho (v. as Conclusões alegatórias, ínsitas de fls. 174 in fine a 180 do p. f.)
Vejamos, pois, se assiste razão ao ora Recorrente, nestas suas alegações.
II. DO OBJETO DO RECURSO
II. 1. O Recorrente Município de Vila Nova de Gala veio atacar a sentença em crise, pugnando pela qualificação do mencionado tributo - taxa municipal de proteção civil (TMPC) - como verdadeira taxa, o que postularia a não inconstitucionalidade orgânica das normas em causa.
Sucede, todavia, que essa posição doutrinal se mostra desconforme com o recente douto Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 418/2017, datado de 13 de julho de 2017, tirado no Processo n.º 789/2016, que declarou a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2.º n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do já citado Regulamento da Taxa de Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia, por violação do artigo 165.º, n.º 1, al. i), da CRP (disponível www.tribunalconstitucional.pt).
Examinada a respetiva fundamentação jurídica, constata-se que aí foram exaradas as seguintes razões:
“(...) 2.5.2. As circunstâncias, já assinaladas (itens 2.2.1. e 2.4., supra), de a TMPC englobar indiferenciadamente todos os custos do serviço municipal de proteção civil e de a previsão da referida taxa no RGTAL ser genérica são de molde a suscitar dúvidas muito consistentes quanto à necessária bilateralidade ou sinalagmaticidade deste tributo, ainda que se adote o conceito mais amplo de taxa […]
[…]
2.6.1. Para tal construção, não releva imediatamente o alargamento do conceito de taxa levado a cabo no Acórdão n.º 177/2010, uma vez que, manifestamente, não poderá estar em causa, aqui, a remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (nem, claro está, a utilização de um bem do domínio público), mas apenas a prestação concreta de um serviço público.
[…]
Olhando o caso dos presentes autos, forçoso é concluir não encontrarem aqui qualquer espaço de viabilidade os fundamentos do Acórdão n.º 316/2014, desde logo porquanto as atividades do município na área da proteção civil, a que se refere a TMPC, não permitem estabelecer uma relação – efetiva ou presumida – com específicas pessoas ou grupo que delas sejam causadores ou beneficiários. Pelo contrário, pode dizer-se, genericamente, que todos os sujeitos que residam, estejam estabelecidos ou se desloquem na área daquele município, e ainda que de um modo muito difuso, “dão causa” às atividades de proteção civil – porque a sua simples presença pode condicioná-las ou determinar o seu conteúdo – ou delas “beneficiam”, pelo menos potencialmente. Mas, se assim é, perde-se a conexão característica dos tributos comutativos, num duplo sentido: perde-se do lado dos beneficiários, que não são suscetíveis de delimitação, porquanto a “causa” da atividade e o “benefício” dela decorrente se diluem na generalidade da população; e perde-se do lado da prestação, por não ser individualizável, reconduzindo-se a uma atividade abstrata.
Decorre do exposto que a determinação dos sujeitos passivos em tais condições não pode deixar de ser arbitrária.
[…]
Por outro lado, a agregação de toda a atividade municipal de proteção civil a título de prestação não pode esconder que, desse modo, se ficciona uma prestação concreta com base num conjunto indiferenciado de atos sem destinatários individualizados que se reconduzem uma atividade abstrata. [...]
Forçoso é concluir, pois, que a relação comutativa que deveria estar pressuposta na TMPC não se encontra a partir de qualquer dos seus elementos objetivos, podendo dizer-se inexistente, pelo que o referido tributo não merece, manifestamente, a qualificação jurídica de taxa. Diferente poderia ser a conclusão se, em lugar da atividade global de proteção civil, nos encontrássemos perante uma prestação concreta do município no âmbito da proteção civil cujos destinatários pudessem ser circunscritos, o que não é o caso. Pelo contrário, a conjugação de toda a atividade abstrata acaba por acarretar que os seus destinatários se individualizem com suficiente segurança.
2.7. Ora, afastada a qualificação jurídica como taxa, pressuposta pela TMPC, em causa nos presentes autos, forçoso é concluir que se trata verdadeiramente de um imposto, cuja aprovação é da exclusiva responsabilidade da Assembleia da República, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, o que, inevitavelmente, acarreta a inconstitucionalidade orgânica do RTMPC, conforme ajuizou o tribunal recorrido. […]”.
Ora, o Ministério Público sufraga integralmente este entendimento, por ser fruto de um irrepreensível labor hermenêutico que, por isso, merece o seu inteiro aval.
II. 2. Ademais, e sobretudo, em abono desse mesmo entendimento, chama à colação o recente douto Acórdão do Tribunal Constitucional (Plenário) n.º 848/2017, de 13 de dezembro de 2017, tirado no Processo n. 281/2017, publicado no Diário da República n.º 15/2018, Série I de 2018-01-22, em que o Tribunal Constitucional deliberou “declara[r] a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 59.º, dos n.os 1 e 2 do artigo 60.º da primeira parte do artigo 61.º, dos n.os 1 e 2 do artigo 63.º e do n.º 1 do artigo 64.º, todos do Regulamento Geral de Taxas, Preços e outras Receitas do Município de Lisboa, republicado pelo Aviso n.º 2926/2016, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 45, de 4 de março de 2016 - normas essas respeitantes à Taxa Municipal de Proteção Civil -, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 103.º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa” (consultável in www.dre.pt).
Na verdade, as razões que ditaram o juízo de inconstitucionalidade das mencionadas normas do Regulamento Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia estão, igualmente, presentes nos preceitos congéneres do Regulamento Geral de Taxas, Preços e outras Receitas do Município de Lisboa, como, desde logo, inculca a respetiva fundamentação jurídica.
Assim, parafraseando o citado douto aresto “(…) Não é a primeira vez que o Tribunal Constitucional se pronuncia sobre uma taxa municipal “de proteção civil”.
No passado mês de julho, através do Acórdão n.º 418/2017 (1.ª Secção), decidiu-se julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do “Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia”. A evidente proximidade das questões de constitucionalidade aí tratadas com as que ora nos ocupam justifica que se (re)visite o essencial dos fundamentos dessa decisão, para compreender se o juízo de inconstitucionalidade ali afirmado terá cabimento face às (diferentes) normas agora em apreciação.
(...) À semelhança do que se concluiu a respeito do tributo apreciado no Acórdão n.º 418/2017, forçoso é concluir, perante a TMPC, que a relação comutativa que deveria estar pressuposta numa verdadeira taxa não se encontra a partir de qualquer dos seus elementos objetivos, pelo que o referido tributo não merece tal qualificação jurídica.
(...) Conclui-se, pois, e sem necessidade de outras considerações, pela inconstitucionalidade orgânica da norma contida no artigo 59.º, n.º 2, do RGTPRML e, ainda, das normas contidas nos artigos 60.º, n.º 2, e 63.º, n.º 2, do mesmo diploma (que respeitam à incidência subjetiva e ao valor da TMPC).”
II. 3. Revertendo ao caso em presença, ponderados os contributos doutrinais e jurisprudenciais atrás enunciados, dúvidas não subsistirão de que a denominada taxa municipal de proteção civil, criada pelo citado RMPC, aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia, de 15/06/2011, não pode ser classificada como taxa, nem como uma contribuição financeira a favor de entidades públicas, constituindo, antes, um verdadeiro imposto.
Destarte, cai por terra o pressuposto base em que assentou a tese do Recorrente, veiculada no âmbito do presente recurso jurisdicional, consubstanciada na integração desse tributo na categoria conceitual da taxa, tal como é definida no n.º 2 do artigo 4.º da LGT.
A ser assim, terá inevitavelmente de soçobrar o entendimento do Recorrente, quando pugna pela constitucionalidade orgânica das normas constantes dos artigos 2º, n.º 1, 3º, n.º 2, e 4º, n.º 2, todos do Regulamento Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia.
II. 4. Destarte, no caso em apreço, é inegável que não estamos perante uma taxa, mas, ao invés, face a um autêntico imposto, cuja aprovação é da exclusiva responsabilidade da Assembleia da República, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.
Assim sendo, a esta luz, irreleva a apreciação da questão, também suscitada nas conclusões do presente recurso, de saber se a Impugnante é ou não sujeito passivo da TMPC (vide as conclusões 29.ª e 30.ª, constantes de fls. 180 do p. f.)
Efetivamente, o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 104/97, de 29 de abril, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 141/2008, de 22 de julho, sob a epígrafe “Isenção de taxas e emolumentos”, estabelece que “São isentos de taxas e emolumentos devidos a quaisquer entidades ou serviços da administração central ou local todos os atos relativos a providências de expropriação por utilidade pública, ocupação de terrenos, implantação de traçados e estabelecimento de limitações ao uso de prédios ou de zonas de proteção e de exercício de servidões administrativas” (o sublinhado é nosso).
Nesta conformidade, ficará inevitavelmente prejudicado o conhecimento, por este Colendo Supremo Tribunal ad quem, da outra questão decidenda, versada nas conclusões da motivação, atinente à alegada isenção subjetiva de que beneficia a Impugnante, no que respeita ao pagamento de taxas devidas, nomeadamente, pela ocupação de terrenos e implantação de traçados.
Em suma, na perspetiva do Ministério Público, não se mostram verificados os imputados erros de julgamento de direito e, como consequência, a sentença recorrida deverá ser inteiramente confirmada.
III. CONCLUSÃO
Nos termos e com os fundamentos acima sucintamente expostos, o Ministério Público emite o parecer de que deverá ser negado provimento ao recurso jurisdicional, e, consequentemente deverá ser mantida a sentença sob o escrutínio deste Colendo STA.».
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1.7. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1. A Impugnante, Rede Ferroviária Nacional, REFER, EPE é uma sociedade pública empresarial com personalidade jurídica, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, que tem como finalidade gerir a rede ferroviária nacional, nas suas vertentes de construção, conservação, preservação do património e gestão da capacidade – facto que resulta da Petição Inicial e que não foi posto em causa pela Impugnada;
2. Através do ofício n.º 4616, de 02.02.2012, o Município de Vila Nova de Gaia enviou à Impugnante a factura n.º 1279/12, emitida em 25.01.2012, pela qual liquidou à Impugnante a taxa municipal de protecção civil referente ao ano de 2012, no valor de €33 598,53 (cfr. documento de fls. 13 e 14 do processo administrativo apenso aos autos para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
3. A taxa municipal referida no ponto anterior incidiu sobre 16 551 metros lineares de redes ferroviárias, cada duas faixas de rodagem (cfr. informação municipal constante do Processo Administrativo apenso aos autos);
4. Em 16.03.2012, a Impugnante apresentou, via postal, reclamação graciosa da liquidação referida nos dois pontos anteriores (cfr. documentos de fls.34 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico);
5. A presente Impugnação Judicial foi remetida a este Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, via telecópia em 04.06.2012 (cfr. fls. 39 dos autos físicos).».
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3.1. A decisão recorrida identificou as questões a apreciar e decidir nos termos seguintes:
“Resulta dos presentes autos que o Município de Vila Nova de Gaia procedeu à liquidação da TMPC, consagrada no RMPC de Vila Nova de Gaia referente ao ano de 2012, sobre 16.551 metros lineares de redes ferroviárias, por cada duas faixas de rodagem, que considera serem geridas e exploradas pela Impugnante.
Notificada daquela liquidação, a lmpugnante apresentou reclamação graciosa contra a mesma, sobre a qual não foi proferida qualquer decisão por parte do Município de Vila Nova de Gaia, vindo agora a juízo peticionar a declaração de nulidade ou anulação daquele acto tributário.
Fundamenta a Impugnante a sua impugnação judicial no facto destas infra-estruturas integrarem o domínio público ferroviário, estando assim sujeitas ao regime jurídico aplicável ao domínio público ferroviário e não ao regime jurídico das autarquias locais, não estando sujeitas ao disposto no Regulamento da Taxa Municipal de Protecção Civil do Município de Vila Nova de Gaia. Ao cobrar a referida taxa à REFER a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia está a praticar um acto que se integra nas atribuições de outra entidade, o que gera a nulidade do acto nos termos do disposto no art. 133º n.º 2 d) do Código de Procedimento Administrativo.
Não se encontram verificados os pressupostos que permitam ao Município de Vila Nova de Gaia, liquidar a TMPC.
Conclui pedindo que seja declarado nulo o procedimento em causa, por falta do acto de aplicação e liquidação da taxa, bem como a falta de atribuições do Município de Vila Nova de Gaia. Caso assim não se entenda deverá o acto ser anulado por violação do direito de participação e por manifesta violação da lei.”.
Acrescentou que cumpre apreciar e decidir “Apesar de não ter sido alegado pelas Partes, considerando a apreciação de constitucionalidade que já recaiu sobre este Regulamento, atendendo ainda que a procedência deste vício obsta ao conhecimento dos demais, bem como ao facto da apreciação de constitucionalidade não está dependente de alegação”.
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3.2. E neste âmbito entendeu a sentença recorrida o seguinte:
“… a cobrança da TMPC pelo Município de Vila Nova de Gaia, através do RMPC, tal como se encontra em vigor, incidindo de forma generalizada sobre as pessoas singulares e colectivas proprietárias de prédios urbanos e rústicos sitos na área territorial do Município e sobre entidades gestoras de infra-estruturas que percorram a área do Município, somente com base nesse facto e sem que a faça corresponder a uma concreta intervenção municipal e a uma efectiva ou presumida prestação pública, afigura-se contrária à Constituição da República Portuguesa, pelo facto de revestir a natureza de um verdadeiro imposto. Pois que a única finalidade da mesma é o financiamento da actividade municipal, revestindo-se da unilateralidade caracterizadora dos impostos…
… consubstanciando o tributo sub judice um verdadeiro imposto e tendo sido criado pelo Município de Vila Nova de Gaia, por via de um regulamento municipal aprovado em Assembleia Municipal, é o mesmo organicamente inconstitucional por ofensa do princípio da legalidade tributária, uma vez que viola a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, consagrada no artigo 165º, n.º 1, alínea i) da CRP, que confina o poder tributário de criação de impostos à Assembleia da República, mediante a aprovação de lei ou de decreto-lei autorizado.
Está, assim, vedado aos municípios o poder de criação de impostos, reservando-se a estes o poder tributário de criação de taxas, nos termos do RGTAL.
Posto isto, tendo sido liquidada à Impugnante a TMPC referente ao ano de 2012 pelo facto de ser a entidade gestora da rede ferroviária nacional que percorre, também, a área do Município de Vila Nova de Gaia, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 3º do RMPC, tal liquidação deve ser anulada pelo facto de ter sido emitida com base em normas inconstitucionais: os arts, 2º, n.º 1, 3º, n.º 2 e 4º, n.º 2 do RMPC de Vila Nova de Gaia.”.
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3.3. Afirmou, ainda, a sentença recorrida o seguinte:
“Ainda que, porventura e hipoteticamente não se entendesse no sentido da inconstitucionalidade do RMPC, sempre se concluiria pela anulação da liquidação sub judice pelo facto de a Impugnante não ser o sujeito passivo da TMPC…”.
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3.4. Concluiu a mesma sentença que deve, assim, “a presente impugnação ser julgada procedente, quer por ter sido efectuada a liquidação com base em norma inconstitucional, quer pelo facto de padecer aquela mesma liquidação de erro na determinação do sujeito passivo, impondo-se a anulação da liquidação”.
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3.5. Continua a sustentar o Município de Vila Nova de Gala, ora recorrente, que o tributo em apreciação deve ser qualificado como taxa e que a denominada taxa municipal de proteção civil (TMPC) seria uma verdadeira taxa que não sofre de inconstitucionalidade orgânica contrariamente ao entendimento da sentença em apreciação.
Como se escreveu no acórdão deste STA de 06-12-2017, processo 01115/16,
“… é certo que a referida decisão não tem força obrigatória geral – porque se trata de decisão sobre a questão da constitucionalidade proferida em julgamento do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta, só tem força obrigatória dentro do processo em que foi proferida –, mas não foi com esse fundamento que a sentença aplicou a doutrina constante do acórdão, mas com o fundamento de que seguia, sufragando-a, a posição nele adoptada.
Ora, nada obsta e, pelo contrário, até será aconselhável (cfr. art. 8.º, n.º 3, do CC) que os tribunais tributários, ao proferirem as decisões que lhes competem, tenham em conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional que, como é sabido, é o tribunal a quem, a CRP cometeu competência específica de «administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional» (cfr. art. 221.º).

a inconstitucionalidade deve ser apreciada por todos os tribunais, … todos têm a obrigação de não aplicar as normas sobre as quais façam um juízo de violação da Constituição ou dos princípios nela consignados (art. 204.º da CRP). Ou seja, o juiz tem o poder-dever de “desaplicar” a norma que entenda ser inconstitucional (aplicando, então, o direito que remanesça como se a norma desaplicada não existisse), ficando reservado ao Tribunal Constitucional “declarar” a norma inconstitucional. Em sede de constitucionalidade, a actividade do Tribunal circunscreve-se à fiscalização concreta, só lhe cumprindo formular juízo de inconstitucionalidade de norma cuja aplicação ao caso concreto deva recusar, já que a fiscalização abstracta compete em exclusivo ao Tribunal Constitucional (cfr. art. 281.º da CRP).
Por outro lado, as questões respeitantes a violação de princípios e parâmetros constitucionais devem ser obrigatoriamente conhecidas pelo juiz independentemente de terem ou não sido suscitadas.”.
A questão dos autos foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional, acórdão n.º 418/2017, de 13 de julho de 2017, processo n.º 789/2016, que declarou a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2.º n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do Regulamento da Taxa de Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia, por violação do artigo 165.º, n.º 1, al. i), da CRP.
Acompanha-se a brilhante síntese, efetuada pelo MP, da referida jurisprudência constitucional e a da respetiva fundamentação jurídica onde se realçam as seguintes razões:

“(...) 2.5.2. As circunstâncias, já assinaladas (itens 2.2.1. e 2.4., supra), de a TMPC englobar indiferenciadamente todos os custos do serviço municipal de proteção civil e de a previsão da referida taxa no RGTAL ser genérica são de molde a suscitar dúvidas muito consistentes quanto à necessária bilateralidade ou sinalagmaticidade deste tributo, ainda que se adote o conceito mais amplo de taxa […]
[…]
2.6.1. Para tal construção, não releva imediatamente o alargamento do conceito de taxa levado a cabo no Acórdão n.º 177/2010, uma vez que, manifestamente, não poderá estar em causa, aqui, a remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (nem, claro está, a utilização de um bem do domínio público), mas apenas a prestação concreta de um serviço público.
[…]
Olhando o caso dos presentes autos, forçoso é concluir não encontrarem aqui qualquer espaço de viabilidade os fundamentos do Acórdão n.º 316/2014, desde logo porquanto as atividades do município na área da proteção civil, a que se refere a TMPC, não permitem estabelecer uma relação – efetiva ou presumida – com específicas pessoas ou grupo que delas sejam causadores ou beneficiários. Pelo contrário, pode dizer-se, genericamente, que todos os sujeitos que residam, estejam estabelecidos ou se desloquem na área daquele município, e ainda que de um modo muito difuso, “dão causa” às atividades de proteção civil – porque a sua simples presença pode condicioná-las ou determinar o seu conteúdo – ou delas “beneficiam”, pelo menos potencialmente. Mas, se assim é, perde-se a conexão característica dos tributos comutativos, num duplo sentido: perde-se do lado dos beneficiários, que não são suscetíveis de delimitação, porquanto a “causa” da atividade e o “benefício” dela decorrente se diluem na generalidade da população; e perde-se do lado da prestação, por não ser individualizável, reconduzindo-se a uma atividade abstrata.
Decorre do exposto que a determinação dos sujeitos passivos em tais condições não pode deixar de ser arbitrária.
[…]
Por outro lado, a agregação de toda a atividade municipal de proteção civil a título de prestação não pode esconder que, desse modo, se ficciona uma prestação concreta com base num conjunto indiferenciado de atos sem destinatários individualizados que se reconduzem uma atividade abstrata. [...]
Forçoso é concluir, pois, que a relação comutativa que deveria estar pressuposta na TMPC não se encontra a partir de qualquer dos seus elementos objetivos, podendo dizer-se inexistente, pelo que o referido tributo não merece, manifestamente, a qualificação jurídica de taxa. Diferente poderia ser a conclusão se, em lugar da atividade global de proteção civil, nos encontrássemos perante uma prestação concreta do município no âmbito da proteção civil cujos destinatários pudessem ser circunscritos, o que não é o caso. Pelo contrário, a conjugação de toda a atividade abstrata acaba por acarretar que os seus destinatários se individualizem com suficiente segurança.
2.7. Ora, afastada a qualificação jurídica como taxa, pressuposta pela TMPC, em causa nos presentes autos, forçoso é concluir que se trata verdadeiramente de um imposto, cuja aprovação é da exclusiva responsabilidade da Assembleia da República, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, o que, inevitavelmente, acarreta a inconstitucionalidade orgânica do RTMPC, conforme ajuizou o tribunal recorrido. […]”.
Ainda, conforme refere o MP, o Tribunal Constitucional (Plenário), no acórdão n.º 848/2017, de 13 de dezembro de 2017, processo n. 281/2017, Diário da República n.º 15/2018, Série I de 2018-01-22, declarou “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 59.º, dos n.ºs 1 e 2 do artigo 60.º da primeira parte do artigo 61.º, dos n.ºs 1 e 2 do artigo 63.º e do n.º 1 do artigo 64.º, do Regulamento Geral de Taxas, Preços e outras Receitas do Município de Lisboa, republicado pelo Aviso n.º 2926/2016, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 45, de 4 de março de 2016 - normas essas respeitantes à Taxa Municipal de Proteção Civil -, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 103.º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa”.
Foram as mesmas as razões que conduziram ao juízo de inconstitucionalidade das normas do Regulamento Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia que, igualmente, conduziram à declaração dos preceitos semelhantes do Regulamento Geral de Taxas, Preços e outras Receitas do Município de Lisboa como resulta, expressamente, da sua fundamentação jurídica.
Neste acórdão se escreveu o seguinte:
“(...) À semelhança do que se concluiu a respeito do tributo apreciado no Acórdão n.º 418/2017, forçoso é concluir, perante a TMPC, que a relação comutativa que deveria estar pressuposta numa verdadeira taxa não se encontra a partir de qualquer dos seus elementos objetivos, pelo que o referido tributo não merece tal qualificação jurídica.
(...) Conclui-se, pois, e sem necessidade de outras considerações, pela inconstitucionalidade orgânica da norma contida no artigo 59.º, n.º 2, do RGTPRML e, ainda, das normas contidas nos artigos 60.º, n.º 2, e 63.º, n.º 2, do mesmo diploma (que respeitam à incidência subjetiva e ao valor da TMPC).”.
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3.6. Parece podermos concluir que a taxa municipal de proteção civil, criada pelo citado RMPC, aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia, de 15/06/2011, não pode ser classificada como taxa, nem como uma contribuição financeira a favor de entidades públicas, constituindo, antes, um verdadeiro imposto.
O tributo em apreciação nos presentes autos não pode, por isso, qualificar-se, contrariamente ao que pretende a recorrente, como taxa, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º da LGT.
Improcede, por isso, a alegação do recorrente que se bate pela constitucionalidade orgânica das normas constantes dos artigos 2º, n.º 1, 3º, n.º 2, e 4º, n.º 2, do Regulamento Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia.
Estamos, por isso, não face a uma taxa mas perante um imposto, cuja aprovação é da exclusiva responsabilidade da Assembleia da República, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.
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3.7. Do exposto resulta que fica prejudicado o conhecimento da questão, que o recorrente levou às conclusões das alegações, relativa à isenção subjetiva de que beneficiaria a impugnante, no que respeita ao pagamento de taxas devidas pela ocupação de terrenos e implantação de traçados.
É de concluir que não incorre a sentença em apreciação nos erros de julgamento de direito que o recorrente lhe imputa pelo que é de confirmar.
Deve, por isso, negar-se provimento ao recurso jurisdicional, e, confirmar-se a sentença em apreciação.
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Embora desprovido de força obrigatória geral, o juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal Constitucional, quer pela força dos seus argumentos, quer por provir do tribunal a que a ordem judiciária comete a competência específica para a apreciação das questões da constitucionalidade das normas, deve ser observado.
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4. Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 04 de julho de 2018. – António Pimpão (relator) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.