Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01236/16
Data do Acordão:05/03/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IVA
ISENÇÃO
CIVA
DIREITO DE HABITAÇÃO
Sumário:Não correspondendo a actividade da recorrente à de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos, não pode beneficiar da isenção a que alude o artigo 9º, n.º 27, al. e) do CIVA.
Nº Convencional:JSTA000P23246
Nº do Documento:SA22018050301236
Data de Entrada:11/04/2016
Recorrente:A...
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A……………., inconformada, recorre da sentença proferida pelo TAF de Loulé, datada de 30.06.2016, julgou improcedente esta impugnação judicial em que vinham sindicadas as liquidações adicionais de IVA relativas aos anos de 2009 e 2010, alegando, em síntese, ser vendedora de intermediação de títulos vendidos pela sociedade B………… Limited, sucursal em Portugal, equiparados a títulos de direito de habitação periódica, pelo que tais operações estão isentas de IVA ao abrigo da alínea e) do n.º 27 do artigo 9.º do respectivo Código.

Apresentou alegações, para as quais formulou as seguintes conclusões:
I- A Recorrente desempenhava, em exclusivo, actividade de vendedora.
II- Os serviços que a R. presta enquadram-se na apresentação, negociação e venda de títulos por prazo superior a 20 anos.
III- Serviços não equiparados ou qualificados como prestação de serviços de alojamento.
IV- A R. negoceia e vende os títulos que a B…….. Limited detém - e tais títulos são equiparados aos Títulos de Direito de Habitação Periódica.
V- Trata-se de títulos titulados por "contratos de afiliação do :………." e "contratos turísticos", e que correspondem a títulos representativos de operações sobre imóveis efectuados por prazo superior a 20 anos.
VI- A contrapartida auferida pela R. e paga pela B………… é uma comissão relativa a cada pessoa com quem aquela tenha negociado e promovido a venda do produto - produto esse consistente na outorga de um contrato de afiliação do Clube por um período superior a vinte anos.
VII- Da prova produzida em audiência e da não impugnação, pela Recorrida, da matéria alinhada pela R. na p.i., resulta que a Recorrente negoceia e vende os títulos que as sociedades com que colabora detêm, denominados direitos reais de habitação periódica e direitos de habitação turística.
VIII- Títulos esses representativos de operações sobre imóveis efectuados por prazo superior a 20 anos.
IX- O Tribunal a quo entendeu, na douta sentença em crise, que a "questão subordinante dos autos está dependente de outra, exclusivamente de direito.
X- Como bem se salienta no douto aresto, a questão dos autos está em saber se a actividade da R. - "vendedora de intermediação de títulos vendidos pela B…………. Limited, sucursal em Portugal, equiparados a títulos de direito de habitação periódica - está isenta de IVA, ao abrigo da alínea e) do nº 27 do art. 9º do respectivo Código".
XI- Veio o Tribunal a decidir que a actividade da R. NÃO se encontra isenta de IVA, por três razões:
1- A isenção constante da alínea e) do nº 27 do art° 9° do CIVA não se encontra prevista na Directiva IVA e os Estados-membros não podem aumentar o âmbito ou o conteúdo das isenções aí previstas.
2- Ao abrigo da verba 16 do anexo F da Directiva, por não estar em causa a "entrega de um edifício ou de parte de um edifício efectuada antes da primeira ocupação", mas a venda de pontos infinity que conferem o direito de ocupar temporariamente alojamentos turísticos. E,
3- Ao abrigo da alínea 29, do art° 9° do CIVA, já que a sua alínea a) exclui expressamente da isenção relativa à locação de bens imóveis, as prestações de serviços de alojamento efectuadas no ambito da actividade hoteleira ou de outras com funções análogas.
XII- Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida não merece acolhimento.
XIII- Não ocorre qualquer contradição ou incompatibilidade da norma contida na alínea e), in fine, do nº 27 do art° 9° do CIVA com o disposto na parte final da alínea f) do nº 1 do art. 135° e nº 2 do art° 15° da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006.
XIV- Para existir conflito de normas é, obviamente, necessário que duas normas em vigor numa mesma ordem jurídica se contrariem.
XV- ln casu, a única norma legal em vigor é a do CIVA.
XVI- As normas vertidas na directiva comunitária NÃO ESTÃO EM VIGOR NA ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA.
XVII- Dispõe a alínea f) do nº 1 do art° 135° da Directiva que "as operações, incluindo a negociação mas excluindo a guarda e gestão, relativas às acções, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos direitos ou títulos referidos no n.º 2 do artigo 15.º"
XVIII- Dispõe, por seu turno a alínea b) do nº 2 do art. 15° do mesmo diploma que "Os Estados-Membros podem considerar bens corpóreos:

a) Os direitos reais que confiram ao respectivo titular um poder de utilização sobre bens imóveis;"
XIX- Por seu turno, estabelece a alínea e) do nº 27 do art. 9° do CIVA que estão isentas de imposto "as operações e serviços, incluindo a negociação, mas com exclusão da simples guarda e administração ou gestão, relativos a acções, outras participações em sociedades ou associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos títulos representativos de operações sobre bens imóveis quando efectuadas por um prazo inferior a 20 anos;"
XX- Os dois regimes, de facto, contrariam-se.
XXI- Mas a directiva comporta, no que tange a Portugal, uma NORMA DERROGATÓRIA, vertida no art° 377°: "Portugal pode continuar a isentar as operações enumeradas nos pontos 2), 4), 7), 9), 10) e 13) da Parte B do Anexo X, nas condições em vigor neste Estado-Membro em 1 de Janeiro de 1989."
XXII- Rege a Parte B do referido Anexo X, no que concerne aos pontos 2, 4, 7, 9, 10 e 13: "2) Prestações de serviços dos autores, artistas, intérpretes ou executantes de obras de arte, advogados e outros membros de profissões liberais que não sejam profissões médicas e paramédicas, com excepção das seguintes prestações:
a) Transmissões de patentes, marcas industriais e comerciais e outros direitos análogos, bem como as concessões de licenças relativas a tais direitos;
b) Trabalhos que não sejam realizados no âmbito de um contrato de empreitada, efectuados sobre bens móveis corpóreos e executados por um sujeito passivo;
c) Prestações destinadas a preparar ou a coordenar a execução de trabalhos imobiliários como, por exemplo, as prestações efectuadas pelos arquitectos e pelos departamentos de inspecção de trabalhos;
d) Prestações de publicidade comercial;
e) Transporte de bens e a armazenagem de bens, bem como as prestações acessórias;
f) Locação de bens móveis corpóreos a um sujeito passivo;
g) Colocação de pessoal à disposição de um sujeito passivo;
h) Prestações efectuadas pelos consultores, engenheiros, departamentos de planeamento e prestações similares, nos domínios técnico, económico ou científico;
i) Execução de uma obrigação de não exercer, total ou parcialmente, uma actividade profissional ou um direito referido nas alíneas a) a h) e j);
j) Prestações dos despachantes, mediadores, agentes comerciais e outros intermediários autónomos, desde que digam respeito a entregas ou importações de bens ou a prestações de serviços referidos nas alíneas a) a i);
4) Prestações de serviços efectuadas pelas empresas funerárias e de cremação, bem como as entregas de bens acessórios das referidas prestações;
7) Operações efectuadas pelos estabelecimentos hospitalares não referidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º;
9) Entregas de edifícios ou de partes de edifícios e do terreno da sua implantação, efectuadas antes da primeira ocupação, assim como de terrenos para construção, referidos no artigo 12.º;
10) Transporte de passageiros e transporte de bens, tais como bagagens e veículos automóveis que acompanham os passageiros, ou prestações de serviços ligadas ao transporte de passageiros desde que o transporte dos mesmos esteja isento;
13) Prestações de serviços das agências de viagens referidas no artigo 306.º, bem como das agências de viagens que actuem em nome e por conta do cliente, relativamente às viagens efectuadas no território da Comunidade."
XXIII- O caso dos autos insere-se na previsão do nº 9, porquanto, ex vi do art° 14° da directiva:
1. Entende-se por «entrega de bens» a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.
2. Para além da operação referida no n.º 1, são consideradas entregas de bens as seguintes operações:
a) A transmissão da propriedade de um bem, mediante pagamento de uma indemnização, em virtude de acto das autoridades públicas ou em seu nome ou por força da lei;
b) A entrega material de um bem nos termos de um contrato que preveja a sua locação por período determinado ou a sua venda a prestações e que estipule que, em circunstâncias normais, a propriedade é transmitida, o mais tardar, no momento do pagamento da última prestação;
c) A transmissão de um bem efectuada nos termos de um contrato de comissão de compra ou de venda.
Os Estados-Membros podem considerar entrega de bens a entrega de determinadas obras em imóveis.
XXIV-A B…………… Limited (Sucursal em Portugal) dedica-se à venda de títulos de direitos de utilização turística sobre bens imóveis, por fracções semanais, incidentes sobre o "…………", no "………." e "……………..".
XXV- Ao adquirir o título, o seu titular fica com direito a gozar férias nas instalações exploradas pela B………….. Limited (Sucursal em Portugal) pelo período, nas condições e com os serviços fixados contratualmente.
XXVI- Os direitos de utilização turística têm várias gamas com características diferentes, havendo um serviço básico, um serviço mais elaborado e um serviço de topo que corresponde ao serviço / cliente Infinity.
XXVII- Os direitos de utilização turística da gama Infinity são direitos perpétuos.
XXVIII- A questão que subjaz ao recurso está em saber se os direitos vendidos pela Recorrente são "direitos" de alojamento ou direitos equiparados a DHP ou DHT.
XXIX- Tal tipo de direitos encontra-se definido no Decreto-Lei nº 275/93, de 5 de Agosto, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos DL 180/99, de 22/05, 22/2002, de 31/01, 76-A/2006, de 29/03, 116/2008, de 04/07, 37/2011, de 10/03 e 245/2015, de 20/10.
XXX- O direito real de habitação periódica encontra-se definido no art. 10º.
XXXI - Os direitos de habitação turística, por seu turno, estão definidos nos nºs 1 e 2 do art° 45° do diploma:
"1 - Ficam sujeitos às disposições do presente capítulo:
a) Os direitos de habitação em empreendimentos turísticos por períodos de tempo limitados em cada ano e que não constituam direitos reais de habitação periódica;
b) Os contratos pelos quais, directa ou indirectamente, mediante um pagamento antecipado completado ou não por prestações periódicas, se prometa ou se transmitam direitos de habitação turística.
2 - Os direitos de habitação turística a que se refere o número anterior incluem, nomeadamente, os direitos obrigacionais constituídos ao abrigo de:
a) Contratos de utilização periódica de bens, entendendo-se estes como os contratos de duração superior a um ano, mediante os quais o consumidor adquire, a título oneroso, o direito de utilizar um ou mais alojamentos, por mais do que um período de ocupação, que não configure um direito real de habitação periódica;
b) Contratos de aquisição de produtos de férias de longa duração, entendendo-se estes como os contratos de duração superior a um ano, mediante os quais o consumidor adquire, a título oneroso, o direito a beneficiar de descontos ou outras vantagens a nível de alojamento, por si só ou em combinação com serviços de viagens ou outros, nomeadamente contratos referentes a cartões e clubes de férias, cartões turísticos ou outros de natureza semelhante."
XXXII- Por seu turno, o nº 3 do citado art. 45° prevê:
"Não estão sujeitos às disposições do presente capítulo, designadamente:
a) As reservas múltiplas de alojamento;
b) Os contratos comuns de arrendamento;
c) Os sistemas de fidelidade comuns que proporcionam descontos em alojamento em empreendimentos turísticos."
XXXIII- Prevê ainda a alínea b) do nº 1 do art. 4° do dispositivo legal que:
"Sobre pelo menos 30% das unidades de alojamento afectas à exploração turística, não sejam constituídos direitos reais de habitação periódica ou direitos de habitação turística, mantendo-se a exploração turística integrada da totalidade do empreendimento"
XXXIV- Na douta sentença sob escrutínio, o Mmo Juiz a quo considerou: "a actividade desenvolvida pela B…………. Limited - sucursal em Portugal, de modo independente e com carácter de habitualidade, é uma prestação de serviço efectuada no território nacional a título oneroso que consiste na venda, como intermediária, de pontos Infinity que conferem ao seu titular o direito de ocupar temporariamente alojamentos em resorts turísticos parceiros do clube Infinity".
XXXV- Equiparou os direitos conferidos pelos pontos Infinity às "prestações de serviços de alojamento, efectuadas no ambito da actividade hoteleira ou de outras com funções análogas, incluindo parques de campismo", com o propósito de os julgar inseridos na excepção ao regime de isenção previsto no nº 29 do art° 9° do CIVA.
XXXVI- No entanto, o conteúdo dos designados pontos Infinity em nada se identifica com servicos de alojamento (em hotéis, resorts turísticos ou outras com funções análogas), muito menos com parques de campismo.
XXXVII- Aliás, a tributação em sede de IVA de tais serviços nunca poderia ser feita à taxa normal de 23%, antes à taxa reduzida de 6% (nos. 2.17 e 2.20 da lista I, de bens e serviços sujeitos a taxa reduzida, renumerada e republicada pelo DL 102/2008, de 20 de Junho, aplicável ex vi do nº 1 do art° 18° do CIVA).
XXXVIII - Que a matéria fáctica sub judice se subsume à norma do nº 27 e não à do nº 29º do art. 9° do CIVA tem apoio nos doutos pareceres de Alberto Xavier e Clotilde Palma, juntos a fls. dos autos, que se dão como reproduzidos.
XXXIX- No elenco da matéria táctica tida como assente, o Mmo Juiz a quo, omitiu ou desconsiderou diversos factos relevantes para a decisão, alegados pela Impugnante, ora Recorrente, não impugnados pela Recorrida bem como outros que a esta competia demonstrar, não o tendo feito.
XL- O Mmo Juiz a quo, em sede dos autos de impugnação que, sob o nº 74/15.0BELLE, (junto como doc. 1) correram termos de justiça pelo mesmo Tribunal, proferiu sentença diametralmente oposta à de que se recorre, sendo embora certo que a aí Impugnante desempenha idêntica actividade à da aqui Recorrente e a sociedade é a mesmíssima B…………. Limited (sucursal em Portugal) e idêntico o período de tributação - cfr. certidão cuja junção se requereu.
XLI- De igual modo, na douta decisão sob escrutínio, o âmbito da actividade da referida sociedade foi restringido, ocorrendo desrespeito pelo julgado.
XLII- Aqui, como então, a impugnação deveria ter sido julgada procedente e, em decorrência, serem as liquidações anuladas por erro nos pressupostos.
XLIII- Na elaboração das decisões, o Tribunal deve procurar soluções idênticas para questões similares ou, como é o caso, totalmente idênticas.
XLIV- O contencioso tributário - através da impugnação judicial - reconduz-se a um contencioso de anulação ou declaração de nulidade de actos tributários pelo que o objecto do mesmo está delimitado pelo acto tributário posto em crise e respectiva fundamentação.
XLV- Resulta das conclusões do relatório de inspecção junto aos autos e respectiva fundamentação que, no entender da Recorrrida, a actividade desenvolvida pela R. não se subsumirá ao conceito de "negociação" a que se refere a alínea e) do nº 27º do art. 9° do CIVA, pelo que a isenção de IVA aí prevista não será aplicável aos serviços prestados pela Impugnante à B………… Limited (Sucursal em Portugal).
XLVI- A causa de pedir dos autos foi delimitada pela Recorrente aos fundamentos invocados pela Recorrida para as liquidações.
XLVII- Tais liquidações, no entender da Recorrida, derivam tão somente de ter entendido que a Recorrente não dispunha de poderes de negociação.
XLVIII- Concluído que a actividade da Recorrente se reconduz e esgota na venda, com poderes de negociação, de direitos obrigacionais de habitação turística e não de serviços de alojamento, dúvidas não restam que a actividade que desempenha cabe no regime de isenção previsto no nº 27º do art. 9° do CIVA.
XLIX- É que no regime de isenção cabem não só os DRHT como todos os restantes direitos, relativos a imóveis, qualquer que seja a sua natureza ou a forma que revistam, desde que convencionados por período de tempo superior a 20 anos.
L- Salvo o muito e merecido respeito, a douta sentença recorrida faz errada interpretação da norma contida no nº 27 do art° 9° do CIVA e da Directiva relativa ao imposto.
Motivo porque deve ser anulada e substituída por outra que proceda à anulação dos actos de liquidação do imposto e juros compensatórios e do acto de compensação por acerto de contas.

Não foram produzidas contra-alegações.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida levou-se ao probatório a seguinte matéria de facto:
1. A………. é vendedora de intermediação dos títulos vendidos por B……….. Limited – sucursal em Portugal.
2. No âmbito da actividade que presta, no ……., à B……….. Limited – sucursal em Portugal, A…………:
a) Em momento pré-agendado, atende os proprietários já clientes da B…………… Limited – sucursal em Portugal, a fim de lhes vender pontos Infiniti correspondentes a período de tempo superior àquele de que são detentores;
b) Uma vez concretizada a venda, outorgado o respectivo contrato (de afiliação ao Clube Infiniti, por período superior a 20 anos, que não esclarece qual o empreendimento específico onde irá usufruir do direito de ocupação que os pontos conferem) e decorrido o prazo de 14 dias (em que o cliente pode resolver o contrato), a Impugnante tem direito a comissão variável em função do valor da venda, volume do negócio e forma de pagamento do cliente;
c) As comissões pagas são processadas e pagas pelo departamento de salários da B…………. Limited – sucursal em Portugal;
d) A actividade da Impugnante é desenvolvida, em período de tempo fixado pela B…………… Limited – sucursal em Portugal, exclusivamente nas instalações desta.
3. A…………. foi sujeita a uma acção inspectiva relativa aos exercícios de 2009 e 2010 na qual a Administração concluiu que “o sujeito passivo obteve rendimentos de prestações de serviços sujeitas a IVA e dele não isentas, não tendo liquidado o correspondente IVA devido por esses serviços”.
4. Consequentemente foram emitidas as liquidações de IVA e respectivos juros, relativas aos períodos de 2009 e 2010, no valor global de € 16.384,57.
Nada mais se considerou relevante.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
No essencial pretende a recorrente que a sua actividade, sobre a qual a AT pretende que incida o imposto do IVA, “se reconduz e esgota na venda, com poderes de negociação, de direitos obrigacionais de habitação turística e não de serviços de alojamento, dúvidas não restam que a actividade que desempenha cabe no regime de isenção previsto no nº 27º do art. 9° do CIVA”.
Sobre esta mesma questão já se pronunciou este Supremo Tribunal no processo n.º 01654/15, em 28.02.018, no sentido de que aquele preceito legal não consente a interpretação que a recorrente faz do mesmo.
Na verdade, após consulta ao TJUE, veio este Alto tribunal esclarecer que as actividades idênticas àquela que é desenvolvida pela recorrente, não cabem no âmbito da previsão do artigo 135º, n.º 1, al. f) da Directiva IVA.
Notificada as partes desta pronúncia nada disseram.
Assim, por uma questão de simplicidade na decisão recordaremos o que se escreveu naquele acórdão datado de 28.02.2018, bem como o que se escreveu no acórdão que o antecedeu, datado de 26.10.2016, e no qual se suscitou o reenvio prejudicial:
Tal como identificado na sentença recorrida, importa saber se a atividade desenvolvida pela recorrente "dirigida no sentido de angariar clientes e promover os serviços, garantindo, em termos finais, a concretização da respetiva venda por parte da empresa que os comercializa", e que "procede à respetiva negociação, concedendo, dentro dos limites que estão estabelecidos, os descontos e os brindes promocionais, encerrando a negociação mediante a celebração do contrato, através do qual irá receber uma determinada comissão", cfr. conclusões 18, 19 e 20, pode ou não ser enquadrada no âmbito da isenção a que alude o artigo 9º, n.º 27º, al. e) do CIVA.
Na sentença entendeu-se que não, a recorrente entende que não há outra forma de fazer o enquadramento da sua atividade e o Ministério Público entende que se deve consultar o TJUE no sentido de esclarecer o sentido interpretativo do artigo 135º, n.º 1, al. f) da Diretiva 2006/112/CE, de 28.11.2006.
Uma vez que o Código do IVA, no preceito em análise, reproduz no essencial as normas respetivas da dita Diretiva, artigos 135º, n.º 1, al. f) e 15º, n.º 2, e que a interpretação que se faça de tais normas tem correspondência direta e imediata com a interpretação que se deve fazer do direito interno, tendo em conta a similitude dos textos, será curial que se faça a consulta ao TJUE, tal como sugerida pelo Ministério Público, a propósito de qual deve ser a melhor interpretação das normas daquela Diretiva. Tanto mais que essa consulta é obrigatória para este Supremo Tribunal nos termos das “RECOMENDAÇÕES - à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais - 2012/C 338/01”, elaboradas pelo TJUE e publicadas no JO n.º C 338/1 de 06/11/2012.
Portanto, pretende-se saber se o disposto nos artigos 135º, n.º 1, al. f) e 15º, n.º 2 da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, datada de 28.11.2006, Regime de Isenção, deve ser interpretado no sentido de abranger apenas as partes nos contratos de comercialização de direitos de utilização sobre bens imóveis que venham a ser celebrados, ou também pode ser interpretado no sentido de abranger, de igual modo, a atividade desenvolvida, pela impugnante que consiste em angariar clientes e promover os serviços, garantindo a concretização da respetiva venda por parte da empresa que os comercializa, em função de diretivas previamente estabelecidas e limites estabelecidos em termos de descontos e brindes promocionais.
Após esta consulta, decidiu-se:
A esta questão, o Sr. Presidente da Sétima secção do TJUE respondeu da seguinte forma:
O artigo 15.°, n.° 2, e o artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que o conceito de «negociação», na aceção desta última disposição, é suscetível de dizer respeito a uma atividade como a que é desenvolvida pela recorrente no processo principal, desde que essa atividade seja a de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos, consistindo esse serviço em fazer o necessário para que o vendedor e o comprador assinem esse contrato, sem que o próprio intermediário o assine e, em todo o caso, sem que ele tenha um interesse próprio no conteúdo desse mesmo contrato. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se estes requisitos estão preenchidos no litígio que lhe foi submetido.
Mais esclareceu:
Quanto ao conceito de «título», na aceção do artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA
29 Nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA, os Estados-Membros isentam as operações relativas «às ações, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos».
30 A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as operações isentas de IVA nos termos desta disposição são operações realizadas no mercado de valores mobiliários (v., neste sentido, acórdãos de 5 de junho de 1997, SDC, C-2/95, EU:C:1997:278, n.° 72, e de 29 de outubro de 2009, SKF, C-29/08, EU:C:2009:665, n.° 48) e constituem, pela sua natureza, operações financeiras (v., neste sentido, acórdão de 12 de junho de 2014, Granton Advertising, C-461/12, EU:C:2014:1745, n.° 29).
31 Em segundo lugar, resulta da redação do artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA que a isenção aí prevista se refere especificamente às operações relativas, por um lado, a títulos que conferem um direito de propriedade sobre pessoas coletivas e, por outro, a títulos que representam uma dívida (v., neste sentido, acórdão de 12 de junho de 2014, Granton Advertising, C-461/12, EU:C:2014:1745, n.° 27).
32 Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça também já declarou que os «demais títulos» visados por essa isenção devem ser de natureza jurídica comparável quer aos títulos especificamente visados pelas operações isentas com base no artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA quer aos expressamente excluídos dessa isenção, a saber, os títulos representativos de mercadorias, bem como as participações e as ações cuja posse confira, de direito ou de facto, a propriedade ou o gozo de um bem imóvel ou de uma fração de um bem imóvel, desde que o Estado-Membro considere que aquelas são bens corpóreos, em conformidade com o artigo 15.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva IVA (v., neste sentido, acórdão de 12 de junho de 2014, Granton Advertising, C-461/12, EU:C:2014:1745, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).
33 Esta interpretação é conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual os termos utilizados para designar as isenções visadas no artigo 135.° da Diretiva IVA são de interpretação estrita, dado que essas isenções constituem derrogações ao princípio geral de que o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo. Todavia, esta regra de interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 135.° devam ser interpretados de maneira a privá-las dos seus efeitos (v., neste sentido, acórdãos de 17 de janeiro de 2013, Woningstichting Maasdriel, C-543/11, EU:C:2013:20, n.° 25, e de 12 de junho de 2014, Granton Advertising, C-461/12, EU:C:2014:1745, n.° 25 e jurisprudência referida).
34 Por conseguinte, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, no litígio no processo principal, as operações efetuadas por G. J. Kerr podem ser consideradas «operações financeiras», na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, pelo facto de terem sido realizadas sobre títulos de natureza jurídica comparável à dos títulos especificamente mencionados no artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA.
35 Assim seria, no caso vertente, se os direitos de utilização sobre bens imóveis comercializados por ………. por conta da B…….. e da ………… estivessem, direta ou indiretamente, sujeitos à condição de o comprador adquirir uma participação numa sociedade ou ser titular de um crédito cuja posse confira, de direito ou de facto, a propriedade ou o gozo da totalidade ou de uma fração desses bens imóveis.
Como bem se percebe do alegado pelas partes, v.g. pela recorrente, a mesma não presta um serviço, uma atividade correspondente à de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos e, assim não sendo, a actividade por si desempenhada não cabe na previsão do disposto no referido artigo 9º, n.º 27, al. e) do CIVA (uma vez que também não cabe na previsão do artigo 135º, n.º 1, al. f) da Directiva IVA), pelo que, não lhe assiste razão no recurso que dirigiu a este Supremo Tribunal também nesta questão.

Não se vendo agora que face aos elementos de facto disponíveis, bem como às normas vigentes à data dos factos com relevância tributária, se deva decidir de forma diferente, também a este recurso será negado provimento.

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao presente recurso.
Custas pela Recorrente.
D.n.

Lisboa, 3 de Maio de 2018. – Aragão Seia (relator) – Dulce Neto – Pedro Delgado.