Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0818/09.9BEPRT
Data do Acordão:05/05/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
CATEGORIA
REMUNERAÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário:Não é de admitir revista, uma vez que o acórdão recorrido não aparenta padecer de qualquer erro ostensivo, antes se afigurando que decidiu de forma consistente e plausível as questões submetidas à sua apreciação, pelo que não se justifica postergar a regra da excepcionalidade da revista.
Nº Convencional:JSTA000P29381
Nº do Documento:SA1202205050818/09
Data de Entrada:03/16/2022
Recorrente:ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE
Recorrido 1:A............ E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório
A Administração Regional de Saúde do Norte, IP (ARSN) vem interpor recurso de revista do acórdão proferido pelo TCA Norte em 19.11.2021 no qual se decidiu negar provimento ao recurso e manter a sentença proferida em 1ª instância, na acção administrativa comum intentada por A………… contra a aqui Recorrente e o Ministério da Saúde.
É deste acórdão que a Ré interpõe o presente recurso de revista invocando a relevância jurídica da questão e a necessidade de uma melhor aplicação do direito

Em contra-alegações o Recorrido defende a inadmissibilidade do recurso ou a sua improcedência.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente acção administrativa comum o A. formulou os pedidos de: “1. Declarar-se que o A. exerce as funções de Enfermeiro-Chefe desde o dia 08/11/2000 até 03/02/2006; 2. condenar as Rés solidariamente a pagar ao A. a quantia de 89.325,74 euros, acrescida de juros legais a contar da data da citação;…

O TAF do Porto julgou a acção procedente e declarou que o autor “exerceu as funções de enfermeiro-chefe desde 8 de Novembro de 2000 até ao dia 3 de Fevereiro de 2006”, condenando a ARSN “a pagar ao autor a quantia de €89.325,74, acrescida de juros a contar da citação.”
Considerou que o pedido formulado obtém procedência com fundamento na aplicação do princípio da igualdade e do instituto do enriquecimento sem causa.

O acórdão recorrido manteve o entendimento da sentença de 1ª instância, tendo referido o seguinte quanto ao fundamento baseado no enriquecimento sem causa, a propósito da arguição de nulidade da sentença por excesso de pronúncia por parte da Recorrente ARSN: “Lida atentamente a petição inicial original, bem como a apresentada em cumprimento do despacho convidando ao seu aperfeiçoamento, verificamos que o autor, depois de enunciar os factos que considera relevantes com vista à apreciação da sua pretensão, expressamente alega que lhe assiste o direito a ser recompensado pelas funções que efectivamente exerceu como enfermeiro chefe invocando para o efeito o instituto do enriquecimento sem causa (cfr. artigo 38º da petição inicial original e artigo 44º da petição inicial corrigida).
Mais referindo que, “(…) a sentença recorrida não incorreu em nulidade por excesso de pronúncia ao condenar o réu com base no instituto do enriquecimento sem causa, já que o mesmo foi expressamente invocado pelo autor na petição inicial. (…). Impunha-se, assim, ao réu suscitar na contestação que apresentou a excepção de prescrição do direito reclamado com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, pois que a mesma não é de conhecimento oficioso, necessitando, para ser eficaz, de ser invocada por aquele a quem aproveita, nos termos do artigo 303º Código Civil (…).
Mas se assim é a invocação da prescrição em sede de alegações de recurso consubstancia uma questão nova que, não sendo de conhecimento oficioso, não integra o objecto do presente recurso. (…)
Isto posto e sendo que nada mais alegou o recorrente com referência ao julgamento feito pelo TAF a respeito da condenação com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, o mesmo fica incólume. Com efeito, o recorrente nenhum erro de julgamento invoca a esse respeito, mormente que a sentença recorrida julgou mal quando concluiu que “tendo o A., efectivamente, exercido funções compreendidas numa categoria superior à sua (a de enfermeiro-chefe cujo conteúdo funcional consta do art.º 8º do Regime Legal da Carreira de Enfermagem – DL n.º 437/91 de 8 de Novembro (à data aplicável), por determinação da Sub-Região de Saúde do Porto, sem que tenha sido remunerado em conformidade, o R. locupletou-se ou enriqueceu à custa do seu trabalho”. Nada diz sobre a não verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa, tendo até presente que se trata de um instituto que tem natureza subsidiária, limitando-se a afirmar que a sentença não cuidou de os apreciar.”
Assim, o acórdão entendeu que o decidido em 1ª instância quanto à verificação do instituto do enriquecimento sem causa e a condenação da Ré com esse fundamento devia subsistir, negando, consequentemente, provimento ao recurso.

Na presente revista vem a Recorrente invocar que o conteúdo funcional da categoria profissional cujo desempenho e remuneração vem reclamada se mostra diluído e sobreponível com funções dirigentes, estando demonstrado que o A. desempenhou funções dirigentes em períodos cronológicos sobreponíveis e que os pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa (que é o que importa) não foi equacionado na causa, nem substantivamente nem por qualquer outra via. E que o acórdão recorrido violou as normas do DL nº 157/99, de 10/5 e do DL nº 60/2003, de 1/4.
Diremos, desde já, que não há fundamento para a admissão da revista.
Com efeito, a Recorrente não põe em causa o decidido pelas instâncias quanto ao instituto do enriquecimento sem causa e à sua aplicação à situação do Recorrido.
Verdadeiramente o que tenta, de forma encapotada, é questionar a matéria de facto, o que fez sem sucesso na apelação.
Ora, a matéria de facto não é susceptível de ser objecto de revista, sendo que aos factos materiais fixados no tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico adequado (cfr. nºs 3 e 4 do art. 150º do CPTA).
Quanto à violação dos diplomas acima indicados trata-se de questão nova, já que não foi invocada em apelação, não tendo o acórdão recorrido emitido, como tal, qualquer pronúncia sobre a aplicação de tais diplomas.
Assim, e porque quanto aos pressupostos do enriquecimento sem causa, nunca antes questionados pelo Recorrente [como salienta o acórdão recorrido, nos termos acima transcritos], este se limita, agora, a alegar singelamente que não se verifica o “requisito do empobrecimento, o que exclui a previsão do regime do artigo 473º/2 do Código Civil”, tal não contraria o decidido no acórdão recorrido.
Assim, uma vez que o acórdão recorrido não aparenta padecer de qualquer erro ostensivo, antes se afigurando que decidiu de forma consistente e plausível as questões submetidas à sua apreciação, não se justifica postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 5 de Maio de 2022. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.