Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0978/14
Data do Acordão:09/24/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
NOTIFICAÇÃO
CONTESTAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário:I – As nulidades do processo que forem conhecidas apenas com a notificação da sentença, têm o mesmo regime das nulidades desta (cfr. os nºs. 2 e 3 do art. 668° do CPC) e devem ser arguidas em recurso desta interposto – quando admissível – que não em reclamação perante o tribunal a quo.
II – Pese embora o CPPT não preveja, para o processo de reclamação regulado nos artigos 276.º e seguintes, o articulado de resposta à contestação da Fazenda Pública, tal não obsta à necessidade de observância do princípio do contraditório sempre que nesta seja suscitada questão que obste ao conhecimento da reclamação e que o reclamante não tenha tido possibilidade de contraditar, devendo, em tal, caso, o juiz determinar a sua notificação para se pronunciar, possibilitando-lhe influir activamente na decisão pela apresentação de argumentos jurídicos que possam contribuir para um real debate contraditório e que possam ser ponderados na decisão.
III – A falta de observância desse dever implica a prática de uma nulidade processual nos termos previstos no artigo 195.º, n.º 1, do CPC.
Nº Convencional:JSTA00068903
Nº do Documento:SA2201409240978
Data de Entrada:09/02/2014
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART52.
CPPTRIB99 ART169 ART276 ART278 ART280 N5.
CPTA02 ART133 N1 I.
CPC96 ART201 ART668 N2 N4.
CPC13 ART3 N3 ART149 ART199 N1 ART195 N1.
DL 329-A/95 DE 1995/12/12.
DL 180/96 DE 1996/09/25.
DL 51-C/07 DE 2007/03/06 ART61.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0786/10 DE 2011/07/06.; AC STA PROC063/10 DE 2010/03/03.; AC STA PROC0663/13 DE 2014/01/14.; AC STA PROC0870/13 DE 2014/02/19.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIV PAG312.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A…………, S.A., com os demais sinais dos autos, vem recorrer para este Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que absteve de conhecer do mérito da reclamação por si deduzida contra a cobrança coerciva da divida de IVA no montante de € 38.784.370,30.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«i. Salvo o devido respeito, entendia a Recorrente que o âmbito de aplicação do regime legal da subida imediata da reclamação judicial de actos e decisões do órgão de execução fiscal estava já perfeitamente claro e consolidado nos nossos Tribunais - não apenas considerando a profusa Doutrina e Jurisprudência que glosou sobre o tema mas, sobretudo, atentas as largas dezenas de decisões judiciais proferidas pelo mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em situações idênticas.
ii. Efectivamente, e só relativamente à ora Recorrente e com respeito ao mesmo processo de execução fiscal em causa nos autos foram já proferidas, pelo menos, VINTE (20) decisões em sentido oposto à decisão aqui recorrida — quer com conhecimento da reclamação, quer com a anulação dos actos executivos e materialmente equiparados (doc. n.º 1).
iii. A douta sentença recorrida configura uma verdadeira “decisão-surpresa”, porquanto, antes de firmar a decisão no sentido de não ser conhecida a reclamação judicial, a Recorrente não foi chamada a pronunciar-se — ocasião em que poderia suscitar as questões que agora leva ao Tribunal ad quem, as quais, quando devidamente ponderadas, poderiam conduzir a uma decisão manifestamente diferente.
iv. A decisão ora recorrida acarreta uma violação do direito de defesa da Recorrente — em concreto, uma violação do princípio do contraditório — a implicar a nulidade da sentença (Cfr. art. 201.º nº 1 do CPC, ex vi artigo 2º e) do CPPT - 24 cfr. Ac. do STA de 03.03.2010, dado no proc. nº 063/10 e, no mesmo sentido, os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/11/1999, Proc. nº 794/99; de 16/02/2000, Proc. nº 732/99; de 5/12/2000, no Proc. nº 3247/00, e de 05/07/2001, Proc. nº 2038/01).
v. Embora através de uma parca (e deficiente) selecção factual, entende o Tribunal a quo que a reclamação judicial de uma penhora apenas tem de subir a final — sem que, com a subida diferida, a reclamação perca a sua utilidade.
vi. Refere o Tribunal a quo que “A utilidade da reclamação prende-se com o efeito útil da mesma, isto é, se após a realização da penhora e a venda, deixa de ser possível a discussão jurídica da questão ou esta deixa de ter qualquer utilidade, como no caso, por exemplo da dispensa de prestação de garantia.”.
vii. Salvo o devido respeito, afigura-se existir uma contradição insanável entre os fundamentos e a decisão — a implicar a nulidade da sentença.
viii. Como referido pelo Tribunal a quo, é certo que “A utilidade da reclamação prende-se com o efeito útil da mesma” - para o Reclamante, obviamente - sendo que o efeito útil de uma reclamação judicial de penhora é constituído, precisamente, pela sua anulação — na medida em que o executado entenda que subsistem razões, de facto ou de direito, a obstar à execução coerciva do seu património.
ix. No caso dos autos, a Recorrente reclamou da penhora precisamente por considerar que estão verificados os pressupostos legais para a suspensão da instância executiva — mormente no que tange à prestação de uma garantia idónea — e o Tribunal a quo remetendo para o efeito útil da reclamação judicial, decide em sentido inverso.
x. Com a impugnação da liquidação exequenda e a prestação de garantia, a Recorrente pretendeu, precisamente, evitar que o órgão de execução fiscal pudesse levar a cabo actos executivos ou materialmente equiparados, pelo que, salvo o devido respeito, não se vislumbra qual a utilidade para a Recorrente de, a final da execução, obter uma decisão a decretar a ilegalidade de um acto de penhora num processo onde prestou uma garantia precisamente para...evitar a realização de penhoras.
xi. Note-se que a pendência do processo executivo e a sua duração dependem do andamento, ou demora, do processo judicial tributário onde se discute a legalidade da liquidação exequenda (segundo a Recorrente julgar saber, um litigio judicial tributário demora em média 44 meses a ser resolvido em primeira instância), pelo que, aquilo que o Tribunal a quo propugna é, na verdade, que o Executado que prestou uma garantia e impugnou a liquidação de imposto, se veja na contingência de, ainda assim, aguardar a resolução daquele litígio fiscal, enquanto assiste, impotente, a actos de penhora ilegais do seu património, - cuja sindicância apenas será feita, pretensamente, aquando da extinção da execução.
xii. Perfilhar semelhante entendimento corresponde, na prática, a denegar a tutela jurisdicional efectiva ao Executado — na medida em que, independentemente de ter prestado uma garantia para suspender o processo executivo, a execução vai prosseguir imperturbável até final sem conhecimento das reclamações que apresente.
xiii. Perfilhar semelhante entendimento equivale também a atribuir à Administração Tributária a mais absoluta arbitrariedade na execução do património dos Contribuintes — porque confortada com o facto de que, até ao final do processo executivo, que pode durar vários anos, manterá nos cofres do Estado quantias que foi penhorando ilegalmente.
xiv. No que tange ao caso em apreço, o acto de penhora em causa é, pura e simplesmente, nulo — por consequente de um acto judicialmente anulado (art. 133.º nº 1 i) do CPA) (mormente a decisão administrativa que recusara a garantia prestada).
xv. Assim, salvo o devido respeito, postergar a sindicância da legalidade de actos executivos constitui a mais absoluta denegação de justiça e violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
xvi. É que o final do processo de execução corresponderá ao momento em que, precisamente, se consolida uma decisão judicial sobre a legalidade da liquidação exequenda — quer validando essa liquidação, quer retirando-lhe validade.
xvii. Existindo uma garantia prestada para suspender a execução fiscal, e enquanto se discute a legalidade da liquidação exequenda, a penhora (ilegalmente) realizada constitui uma SEGUNDA GARANTIA — o que não é legalmente admissível, nem proporcional ao fim da execução — demonstrando, uma vez mais, que o conhecimento a final da reclamação não tem qualquer efeito útil para a Recorrente.
xviii. O facto de o Contribuinte ter o direito a ser ressarcido dos prejuízos causados por uma actuação ilegal da Administração Tributária não determina, e muito menos impõe, uma solução jurídica diversa, porquanto o processo judicial de reclamação é um contencioso de mera anulação — razão pela qual, para obter um ressarcimento indemnizatório, o Executado ver-se-á sempre na contingência de encetar um processo judicial autónomo, o que, atentos os inerentes custos (com custas, constituição de Mandatário, etc) e a demora na resolução dos litígios judiciais, pode ser visto como dissuasor desse ressarcimento.
xix. Daí que, como ensina a melhor Doutrina (sic. Jorge Lopes de Sousa, op. Cit. Vol. IV,p. 307), «O alcance da tutela judicial efectiva não se limita à possibilidade de reparação dos prejuízos provocados por uma actuação ilegal, comissiva ou omissiva da Administração, exigindo antes que sejam evitados os próprios prejuízos, sempre que possível.».
xx. Convirá ter presente que, quando o legislador estabeleceu taxativamente (e de forma inconstitucional) um elenco de situações em que a reclamação judicial deveria subir imediatamente fê-lo, claramente, com o fito de não colocar em causa a eficácia da instância executiva ou evitar o protelar do seu regular andamento — neste último ponto, aliás, reforçado com o estabelecimento, no artigo 278.º n.º 6 do CPPT, de uma sanção pecuniária em caso e inexistência de fundamento razoável.
xxi. Logo, com a apresentação de reclamação, e enquanto não se der a intervenção do juiz, a execução tem de ficar automaticamente suspensa (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., anotação ao art.º 278.º, p. 303).
xxii. No caso concreto, não se vislumbra que para a eficácia da execução decorra qualquer inconveniente ou risco do facto de a reclamação ser imediatamente apreciada pelo Tribunal, na medida em que, por força da garantia prestada conjuntamente com a apresentação da impugnação judicial, nunca a execução fiscal poderia, sequer, prosseguir.
xxiii. Se bem se entende a decisão recorrida, o Tribunal a quo — ao invocar que a subida imediata apenas ocorre, por exemplo, em caso de dispensa de garantia para suspensão do processo executivo - fica sensibilizado pelas situações onde a Administração Tributária leva a cabo actos executivos quando se discutem os pressupostos legais que conduzem à suspensão da execução sem a prestação de garantia.
xxiv. Todavia, paradoxalmente, o Tribunal a quo não demonstra igual juízo para as situações onde a Administração Tributária leva a cabo actos executivos num momento em que já estão consolidados os pressupostos legais que impõem a suspensão da execução - mormente quando, como no caso dos autos, foi prestada uma garantia considerada idónea por quatro decisões judiciais transitadas em julgado.
xxv. Salvo o devido respeito, que é muito, não se vislumbra qualquer fundamento lógico e coerente para semelhante disparidade de entendimento do Tribunal a quo — a implicar, novamente, a nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão.
xxvi. Atente-se, por exemplo, à Jurisprudência deste Venerando Tribunal, relatada pela Excelentíssima Senhora Conselheira Isabel Marques da Silva, que acompanhamos na íntegra (Cfr. Ac. do STA de 25.05.2011, dado no proc. nº 0444/11): «Perde toda a sua utilidade a reclamação do acto de indeferimento de pedido de dispensa de garantia cujo conhecimento seja diferido para momento posterior à penhora ou venda, pois que a dispensa de prestação de garantia visa, precisamente, obviar à prática daqueles actos executivos enquanto estiver pendente a discussão da legalidade da dívida exequenda.».
xxvii. De resto, e sempre salvo o devido respeito, a questão jurídica resolve-se, precisamente, com base na ponderação feita na Jurisprudência que o próprio Tribunal a quo invoca para decidir - simplesmente, no caso dos autos, a situação encontra-se invertida (Ac. do TCAN de 28.01.2010, dado no rec. nº 705/09.OBEVIS), porquanto em lugar de se aferir a utilidade de uma reclamação judicial por referência aos pressupostos da dispensa de garantia e à sua relação com as eventuais penhoras, a utilidade é aferida face à concretização de uma penhora ilegal num processo onde, precisamente, foi prestada uma garantia para a evitar.
xxviii. No caso dos autos, salvo o devido respeito, a “mensagem” que de forma inadvertida passa para a Administração Tributária é a de que, apesar de estarem verificados os pressupostos legais que impõem a suspensão da execução, pode continuar a tramitar a mesma a seu bel-prazer — com prática de actos executivos e materialmente equiparados.
xxix. A Doutrina e a Jurisprudência já encarregaram de consolidar que, apesar do aparente carácter taxativo que a redacção do n.º 3 do art. 278.º do CPPT dá ao elenco dos casos de subida imediata das reclamações, deverá ainda, sob pena de violação do direito à tutela judicial efectiva, admitir-se a remessa e conhecimento imediato da reclamação sempre que, sem eles, o interessado sofra prejuízo irreparável, OU a reclamação perca a sua utilidade (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, op. Cit. Vol. IV, p.307).
xxx. Precisamente sob pena de perda de Qualquer utilidade, esta reclamação deve subir de imediato a Tribunal, nos próprios autos de execução fiscal, com efeito suspensivo e carácter urgente (cfr. artigo 278.º nº3 e nº5 do CPPT), na medida em que, estando em causa uma penhora e aplicação de quantias ao pagamento coercivo de dívida em processo de execução fiscal, com garantia prestada, se a apreciação desta reclamação for relegada para momento posterior à extinção da execução fiscal — que apenas se extingue com o pagamento, voluntário ou coercivo — jamais será alcançado o efeito útil pretendido.
xxxi. Depois da finalização do processo de execução fiscal, é óbvio que já não terá qualquer interesse para a Recorrente discutir se as penhoras e pagamentos coercivos entretanto efectuados, no decurso desse mesmo processo de execução fiscal, foram ou não ilegais, uma vez que a quantia exequenda já terá sido dada, total ou parcialmente, como coercivamente paga, quando, por via da reclamação, era esse ilegal pagamento, por iniciativa da Administração Tributária, que se pretendia obviar com prestação de uma garantia para suspensão da execução.
xxxii. Se a reclamação judicial da penhora apenas for apreciada a final, a possibilidade que a lei confere ao Contribuinte — de livremente optar por contestar a liquidação e prestar garantia para suspender o processo de execução fiscal, ao invés de pagar a dívida exequenda — será irremediavelmente postergada por via de um acto ilegal do órgão executivo.
xxxiii. De outro modo, nas situações em que a Administração Tributária se recuse ilegalmente a suspender a execução e, em lugar disso promova actos executivos – e face ao entendimento propugnado na sentença recorrida – executado terá de antever que as penhoras efectuadas, embora ilegais, manter-se-ão, sine die, até que finde a discussão da legalidade exequenda, facto que, como é obvio, não pode controlar.
xxxiv. Salvo o devido respeito, não se antevê a existência de um lastro mínimo de justiça em tal posição – sendo que, tivesse sido esse, até agora, o entendimento do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que felizmente não foi, a Recorrente teria pelo menos vinte actos executivos com o seu conhecimento postergado para final de um processo executivo que pretendeu suspender (e deveria estar suspenso) com a prestação de uma garantia.
xxxv. Outrossim, afigura-se claro que se o Contribuinte, ao invés do pagamento voluntário da divida exequenda, pretende outrossim obter a de suspensão do processo de execução fiscal - mediante a prestação de uma garantia - nenhuma utilidade terá, para o Reclamante, a apreciação da reclamação da penhora depois do prosseguimento e finalização deste processo de execução fiscal e pagamento coercivo da divida exequenda.
xxxvi. Nessa altura aquilo que se pretende agora evitar com a reclamação judicial — e que constitui o seu efeito útil para o Reclamante - já estará irremediavelmente consumado.
xxxvii. Em todos os casos onde se verificou a existência de diligências executivas no processo em causa, o Tribunal, quando chamado a pronunciar-se, julgou pela ilegalidade dessas diligências — o que fez sem nunca colocar em causa a subida imediata da reclamação.
xxxviii. Pelo contrário: em diversas decisões, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, apreciou directamente o regime de subida da reclamação, decidindo sempre pela sua subida imediata (Por exemplo, as doutas sentenças dadas nos processos n.º 941/12.2BEPRT, n.º 159/13.7BEPRT, nº 2828/12.OBEPRT, n.º 1312/13.9BEPRT, n.º 161/13.9BEPRT, n.º 304/13.2BEPRT, n.º 1997/12.3BEPRT, n.º 305/13.OBEPRT, n.º 1403/13.6BEPRT, n.º 2006/13.OBEPRT, n.º 2005/13.2BEPRT e n.º 2315/13.9BEPRT (cfr. doc. n.º 1).
xxxix. Aliás, como é Jurisprudência deste Supremo Tribunal, estando em causa a penhora de quantia pecuniária, e ao invés do que sucede com a penhora de bens, nem sequer vai existir venda, pelo que a presente reclamação sempre teria de subir imediatamente, para ser conhecida pelo Tribunal (Ac. STA de 13.08.2008, dado no proc. n.º 0530/08 - Cfr. Ac. STA de 14/07.2008, dado no proc. n.º 527/08.)
xl. Nestes termos, a decisão recorrida não se pode manter no ordenamento jurídico atento o erro de interpretação e aplicação da lei — mormente do disposto nos artigos 52.º da LGT, 169.º e 278.º do CPPT, 133.º n.º 1 1) do CPTA.
xli. No caso dos autos, a Recorrente solicitou inclusivamente aos Tribunais uma tutela prévia — versando sobre a idoneidade da garantia prestada para suspender o processo executivo — tutela essa que é de conhecimento oficioso do Tribunal a quo, pois que, sendo o processo executivo um verdadeiro processo judicial — sob alçada do Tribunal — todo o “histórico” desse mesmo processo está ao seu alcance, para além de resultar directamente dos documentos juntos aos autos.
xlii. Ao estabelecer que a reclamação de um acto nulo, porque consequente de acto judicialmente anulado, apenas sobe aquando da extinção do processo de execução fiscal, o Tribunal está a permitir, implicitamente, tanto a violação de decisões judiciais como a manutenção indefinida de actos nulos e ilegais — ilegalidade que resulta evidente da simples tramitação de um processo de execução fiscal que, nos termos da lei, deveria estar suspenso.
xliii. O Tribunal a quo entende que, “com a inutilidade da subida diferida da reclamação se pretendeu, precisamente, obviar à ocorrência de um prejuízo irreparável”, enquanto que a Recorrente entende que semelhante interpretação do regime estabelecido no artigo 278. n.º 1 e 3 do CPPT acarreta a sua inconstitucionalidade material e orgânica.
xliv. Em primeiro lugar, o artigo 2.º alínea 19, da Lei n.º 41/98, de 04.08, concedeu autorização ao Governo para consagrar “o direito dos particulares de solicitar a intervenção do juiz no processo”.
xlv. Considerando a supremacia da LGT sobre o CPPT (reconhecida no artigo 1º do CPPT e no artigo 51.º, nº1 da Lei nº 87-B/98, de 31.12), o artigo 278.º deste último diploma não poderá afastar a possibilidade de reclamação judicial em todos os casos em que o acto praticado seja potencialmente lesivo - porque contrário ao artigo 2., alínea 19, da Lei n.º 41/98, de 04.08, e 103 n.2 2 da LGT (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, op. Cit, Vol. IV, p. 307)..
xlvi. Efectivamente, «Se não se assegurasse a subida imediata das reclamações que, com a subida diferida, perdem toda a sua utilidade, estar-se-ia a admitir situações em que, ao fim e ao cabo, não haverá possibilidade de reclamação de actos lesivos praticados no processo de execução fiscal, pois ela também não poderia ser admitida a final, quando já estivesse irremediavelmente comprometida a sua utilidade, atento o princípio geral do nosso direito processual da proibição da prática de acto inúteis (art. 137.º do CPC)» (Idem destaque nosso).
xlvii. Mais: «(...) a proibição de subida imediata em situações em que, com a subida diferida, a reclamação perderia todo o efeito útil, reconduzir-se-ia à impossibilidade prática de impugnação de actos lesivos praticados pela Administração, que seria materialmente inconstitucional, por violação do preceituado nos arts. 20.º n.º 1. e 268.º n.º 4, da CRP» (ibidem).
xlviii. Assim, o artigo 278.º nº1 e 3 do CPPT, com a interpretação dada pela sentença recorrida – no sentido de que apenas sobe imediatamente a reclamação judicial nos casos de prejuízo irreparável – é material e organicamente inconstitucional, por conduzir, na prática à denegação da possibilidade de reclamação, com violação do principio da tutela jurisdicional efectiva, o que é também incompatível com o sentido da lei de autorização legislativa.»

2 – A Fazenda Pública não contra alegou.

3 – O Exmº magistrado do MP neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer pronunciando-se pelo provimento do recurso com base na seguinte fundamentação que, na parte essencial, se transcreve: (….) A questão que a Recorrente suscita consiste em saber se se mostram ou não reunidos os requisitos de subida imediata da reclamação ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 278º do CPPT.
Dispõe o referido preceito legal que o tribunal conhecerá de imediato da reclamação se esta se fundamentar “em prejuízo irreparável” causado por qualquer das ilegalidades que discrimina nas suas quatro alíneas, designadamente por “inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada” (alínea a)).
Refere Jorge Lopes de Sousa, em comentário a este preceito legal (CPPT Anotado, 3ª edição, pág. 1165) que, apesar do carácter taxativo que resulta da redacção do referido preceito legal, não poderá, sob pena de inconstitucionalidade material, restringir-se a esses casos, pelo que «…em todos os casos em que o diferimento da apreciação jurisdicional da legalidade de um acto lesivo praticado pela Administração puder provocar para os interessados um prejuízo irreparável, não pode deixar de se admitir a possibilidade de impugnação contenciosa imediata, pois é a única forma de assegurar tal tutela». E adianta que «deve ir-se mais longe e assegurar-se a subida imediata das reclamações sempre que, sem ela, elas percam toda a utilidade», atento que a Lei Geral Tributária prevê a obrigatoriedade de assegurar a possibilidade de reclamação de todos os actos lesivos — arts. 95º, nºs 1 e 2, alínea j) e 103º, nº 2, da LGT. E aponta como exemplo o caso da reclamação de decisão que recuse suspender o processo de execução fiscal nos termos do artigo 172º do CPPT.
Neste sentido se pronunciou o Pleno do STA no acórdão de 06/07/2011, processo nº 0459/11 (cfr., igualmente, os acórdãos do STA de 16/08/2006, recurso n° 0689/06, de 09/01/2008, rec. nº 0738/07, e de 15/07/2009, rec. nº 0387/09).
No caso concreto dos autos estamos perante a reclamação de acto de compensação da quantia de € 103,34 euros devida à Recorrente e retida ao abrigo do disposto no artigo 61º do Decreto-Lei nº 50-C/2007, de 6 de Março, que foi penhorada e de seguida objecto de compensação com a quantia exequenda do processo de execução fiscal, como se alcança do documento de fls. 25 notificado à Recorrente.
Ora, afigura-se-nos que não oferece dúvidas que neste caso deve assegurar-se a subida imediata da reclamação, sob pena de ela perder toda a utilidade. Com efeito, o que a Recorrente pretende ver apreciada é a questão de o processo estar a prosseguir com a penhora de quantias pecuniárias de que é credora, que nessa medida são retiradas da sua disponibilidade e aplicadas no pagamento da quantia exequenda, quando invoca ter sido a quantia exequenda impugnada e estar a decorrer o procedimento de prestação de garantia. Não é o facto de a referida quantia pecuniária puder ser restituída e a Recorrente ser ressarcida com juros indemnizatórios que está em causa (que só se colocaria se a quantia exequenda não fosse devida e não propriamente em função do resultado da ilegalidade do acto de compensação), mas sim o efeito que se pretende obter com a prestação de garantia, ou seja, evitar que o património seja desfalcado de disponibilidades financeiras que podem ser usadas no giro comercial da executada e aqui Recorrente e que se frustaria caso a situação fosse apreciada posteriormente pelo tribunal.
Pese embora o montante da quantia pecuniária em causa seja de reduzido valor e nesta medida parecer insignificante a invocação de tal fundamento, certo é que podem estar em causa valores elevados e a razão da subida imediata é idêntica: evitar a apreensão das disponibilidades financeiras que pode pôr em causa a liquidez na actividade comercial da Recorrente.
Assim sendo e independentemente da configuração da situação da prestação de garantia sobre a qual não foram assentes quaisquer factos na decisão recorrida, afigura-se-nos que assiste razão à Recorrente, devendo ser atribuído à reclamação o efeito de subida imediata ao abrigo do disposto no nº3 do artigo 278º do CPPT, sob pena de perda da utilidade do seu conhecimento e a fim de ser assegurada a tutela jurisdicional efectiva.
Entendemos, assim, que a decisão recorrida padece da ilegalidade que lhe é assacada, por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 103.º, nº 2, da Lei Geral Tributária, e 278º, nº 3, do CPPT, motivo pelo qual deve ser revogada e determinar-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido a fim de a reclamação ser apreciada.»

4 – Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

5- Em sede factual apurou-se em primeira instância seguinte matéria de facto:
1. A reclamante foi notificada pela Administração Fiscal que nos termos do art° 224.º e 225.º do CPPT procedeu à penhora e aplicação no pagamento dívida exequenda e acréscimos legais subjacentes, da quantia de € 103.34, em conformidade com o art.º 61.° do decreto Lei n.º 50-C/2007 de 6 de Março (fls. 25/26 dos autos);
2. A reclamante foi notificada da demonstração da compensação em 15.05.2013 (fls. 85 dos autos);
3. O processo de execução fiscal n.º 1821201101008170 foi instaurado para cobrança coerciva de dívida de IVA relativo ao ano de 2006, no valor de € 38 784 370.39 (fls. 85 dos autos);
4. A presente reclamação foi interposta, em 13.08.2013.

6. Do objecto do recurso

O presente recurso vem interposto da sentença de fls. 121 e seguintes, na qual se decidiu não conhecer da reclamação apresentada pela Recorrente ao abrigo do disposto no artigo 276° do CPPT, por não se mostrarem reunidos os requisitos previstos no nº 3 do artigo 278° do CPPT, designadamente o prejuízo irreparável.
Foi o recurso interposto ao abrigo do nº 5 do artigo 280° do CPPT, tendo para o efeito sido indicadas diversas decisões do TAF do Porto que perfilharam solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e de que foram juntas cópias aos autos.
No caso, e como decorre das conclusões das alegações de recurso, encontram-se preenchidos os pressupostos do recurso por oposição de julgados previsto no nº 5 do artº 280º do Código de Procedimento e Processo Tributário: decisão de Tribunal Tributário de 1ª Instância proferida em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal, que não seja susceptível de recurso ordinário por estar fora da respectiva alçada e que perfilhe, quanto ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, solução oposta à proferida em três sentenças do mesmo ou de outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.

Na decisão recorrida deu-se como assente que no âmbito do processo de execução fiscal n° 1821201101008170, instaurado para cobrança coerciva da dívida de IVA no montante de € 38.784.370,39 euros, em que é executada a Recorrente, esta foi notificada da penhora e compensação da quantia de € 103,34 euros realizada pela administração tributária em 10/07/2013 ao abrigo do disposto no artigo 61° do Decreto-Lei n° 50-C/2007, de 6 de Março.
Contra o referido acto foi apresentada pela Recorrente uma reclamação ao abrigo do disposto no artigo 276° do Código de Procedimento e Processo Tributário.
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto entendeu, porém, não tomar conhecimento de tal reclamação por entender que não se verifica prejuízo irreparável devendo a reclamação subir a final.
Considerou a Mma. Juiz “a quo” que a situação dos autos não se enquadra na alínea a) do n° 1 do artigo 278° do Código de Procedimento e Processo Tributário “pois não está em questão os bens penhorados — quantia em dinheiro — nem a sua extensão” (sic).
No prosseguimento deste discurso argumentativo concluiu de seguida que «o facto de ser penhorada a quantia pecuniária de € 103,34, e afecta à dívida exequenda, não acarreta prejuízo irreparável nem perde a sua utilidade, se após a realização da penhora ou venda, for apreciada a sua conformação aos artigos 52° da LGT e 169° do CPPT. E caso o ato reclamado vier a ser anulado, a administração tributária poderá quantificar o prejuízo do executado, através da devolução da quantia penhorada com os consequentes acréscimos indemnizatórios.» (5° e 6° parágrafos de fls. 123).

Não conformada com tal decisão a recorrente interpõe o presente recurso imputando à decisão recorrida os seguintes vícios:
1.Violação do princípio do contraditório, a implicar a nulidade da sentença, por não ter sido notificada do conteúdo da contestação da Fazenda Pública (artº 201º, nº 1 do Código de Processo Civil);
2. Contradição insanável entre os fundamentos e a decisão;
3. Erro de interpretação e aplicação da lei (arts. 52º da Lei Geral Tributária, 169º e 278º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 133º, nº 1, al. i) do CPTA), argumentando a Recorrente que o entendimento sufragado na decisão recorrida equivale a, na prática, denegar a tutela jurisdicional efectiva ao executado, já que visando a prestação de garantia suspender o processo de execução fiscal e evitar a penhora de bens e estando a quantia exequenda impugnada, a administração tributária prosseguiu com a prática de actos de penhora. Entende, assim, que a subida da reclamação deve ser imediata sob pena de se perder a sua utilidade.


6.1 Da violação do principio do contraditório, por falta de notificação do conteúdo da contestação da Fazenda Pública e da eventual a nulidade da sentença.

Face às conclusões de recurso impõe-se, em primeiro lugar conhecer da invocada violação do direito ao contraditório, já que, procedendo tal nulidade processual secundária, ficará prejudicado o conhecimento da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão e do erro de julgamento imputados à decisão recorrida.

Cumpre referir que não há impedimento a que essa nulidade seja suscitada em sede de recurso, pois embora a regra seja a do conhecimento das nulidades secundárias em sede de reclamação, a deduzir no prazo geral de dez dias previsto art. 149.º do CPC, o certo é que, por força do n.º 1 do art. 199.º do mesmo Código, esse prazo tem de ser contado do conhecimento da nulidade pelo interessado. Ora, no caso sub judice, o conhecimento da invocada nulidade só ocorreu com a notificação da decisão, motivo por que o prazo para arguição da nulidade não se tinha ainda iniciado antes desse momento.
Como ficou escrito no Ac do Pleno da Contencioso Tributário de 6.07.2011, proferido no recurso 786/10 e publicado in WWW.DGSI.PT «as nulidades do processo anteriormente ocorridas e não sanadas, conhecidas com a notificação da sentença e às quais esta implicitamente deu cobertura, têm o mesmo regime das nulidades da sentença (cfr. os nºs. 2 e 3 do art. 668° do CPC), dado que se tornaram também vício da mesma e causa da sua nulidade. Devendo, por isso, ser arguidas em recurso daquela interposto – quando admissível – que não em reclamação perante o tribunal a quo.»

Vejamos, pois, se ocorre a invocada violação do princípio do contraditório.

6.2 Alega a recorrente que a sentença recorrida configura uma verdadeira “decisão-surpresa”, porquanto, antes de firmar a decisão no sentido de não ser conhecida a reclamação judicial, a Recorrente não foi chamada a pronunciar-se — ocasião em que poderia suscitar as questões que agora leva ao Tribunal ad quem, as quais, quando devidamente ponderadas, poderiam conduzir a uma decisão manifestamente diferente.

Efectivamente resulta dos autos que a Fazenda Pública, no decurso da contestação (vide fls. 96 e segs.), suscitou a questão prévia da subida imediata da reclamação argumentando que, por inexistir um prejuízo irreparável ou uma perda da sua utilidade com a sua não subida imediata, a reclamação apenas devia subir a final.
Entendia assim a Fazenda Pública que, no caso haveria que apreciar a questão da subida imediata da reclamação, nos termos das disposições conjugadas dos arts. nºs 1 e 3 do artº 278º do Código de Procedimento e Processo Tributário, questão essa que obstaria ao conhecimento do mérito da reclamação naquele momento.
E sobre tal questão se pronunciou desde logo a sentença impugnada – vide fls. 122 e segs. – considerando «não se estar perante qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do art.° 278° n.° 3 do CPPT nem perante a perda de utilidade» e que «o processo não assume natureza urgente não sendo este o momento para se conhecer da ilegalidade da penhora por confronto dos artigos 52.° da LGT e 169.° do CPTT», abstendo-se de conhecer do mérito da reclamação, «por não tratar de nenhuma das situações previstas nas diversas alíneas do art.° 278° n.° 3 do CPPT nem perante a perda de utilidade da reclamação».
Fê-lo, no entanto, sem que a recorrente tivesse tido oportunidade de se pronunciar sobre tal questão.

Ora resulta do artº 195º, nº 1 do (novo) Código de Processo Civil que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
A regra do referido normativo é a de que se a lei não prescrever expressamente que ele tem como consequência a invalidade do acto, o vício do acto processual só deve produzir nulidade quando dele resulte prejuízo para a relação jurídica contenciosa.
Por sua vez dispõe o artº 3º, nº 3 do Código de Processo Civil (princípio do contraditório) que o juiz «deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”
Como ficou sublinhado no Acórdão 63/10, de 03.03.2010, da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, esta norma, introduzida pela reforma do Código de Processo Civil operada pelo Dec.Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo Dec.Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, «veio ampliar o âmbito tradicional do princípio do contraditório, trazendo uma noção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontram em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para decisão.
Dela decorre, pois, o dever de facultar sempre às partes a oportunidade de, antes de a decisão ser proferida, se pronunciarem sobre qualquer questão que as possa afectar e que ainda não tenham tido possibilidade de contraditar, mesmo tratando-se de questões meramente de direito e que sejam de conhecimento oficioso. Só assim não será em casos de manifesta desnecessidade, por se tratar de questão simples e incontroversa.»
No caso vertente como vimos, a sentença recorrida decidiu questão que obstava ao conhecimento do mérito da reclamação, suscitada pela Fazenda Pública na contestação, sem que sobre que a recorrente tivesse possibilidade de a contraditar.

É certo que no processo previsto pelos arts. 276º a 278º do Código de Procedimento e Processo Tributário não está prevista qualquer resposta ou réplica à contestação da Fazenda Pública.
Porém se o representante da Fazenda Pública suscitar questões sobre as quais o reclamante não se pronunciou, nomeadamente se forem suscitadas nas respostas questões que obstem ao conhecimento do mérito da reclamação, ou se for oferecida prova ou suscitada qualquer questão cuja solução possa relevar para a decisão da reclamação deverá, em regra, ser assegurada a possibilidade de o reclamante se pronunciar sobre elas (Ver neste sentido Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, 6ª edição, Áreas Editora, vol. IV, pag. 312 e Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 29.01.2014, recurso 663/13 e de 19.02.2014, recurso 870/13, in www.dgsi.pt.), como decorre do princípio do contraditório.
No caso a Fazenda Pública suscitou questão com potencialidade para influenciar a decisão jurídica da causa, e, que era, aliás, controversa, como bem resulta do parecer do Exmº Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo.

Entendemos, pois, que na sequência da contestação, em que se suscitava questão que obstava ao conhecimento do mérito da reclamação, a recorrente deveria ter sido notificada para se pronunciar, sendo que a preterição daquela fase processual, afectando o princípio do contraditório, teve influência na decisão da causa, o que constitui nulidade processual de acordo com o referido artº 195º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Procede assim a arguida nulidade, e, desta forma, o recurso, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

7. Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e ordenar a anulação de todos os actos processuais subsequentes à contestação de fls. 95, incluindo a decisão recorrida, motivo por que devem os autos regressar à 1.ª instância para aí, depois de suprida a referida omissão, ser proferida nova decisão.

Sem custas.

Lisboa, 24 de Setembro de 2014. - Pedro Delgado (relator) – Casimiro Gonçalves – Isabel Marques da Silva.