Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0983/11
Data do Acordão:11/30/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
AUDIÊNCIA PRÉVIA
INSTRUÇÃO DO PROCEDIMENTO
PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO
Sumário:I – O artº 60º da LGT está inserido no Título III – Do procedimento tributário, pelo que não se aplica à cobrança das obrigações tributárias, na parte que tiver natureza judicial (artº 54º, nº 1, alínea h) a contrario), caso da execução fiscal.
II – Não obstante constituir um procedimento tributário enxertado na execução fiscal, no pedido de pagamento em prestações não se aplica aquele artº 60º, já que revestindo a execução fiscal natureza judicial (artº 103º da LGT), em processos de natureza judicial as decisões não têm que ser projectadas, devendo a um requerimento seguir-se uma decisão, passível, como decorre da lei do respectivo recurso (no caso, reclamação) para o tribunal competente.
III – Aliás, se tal fosse aplicável não seria necessário a lei ter previsto expressamente a audição no caso da reversão (artº 22º, nº 4 da LGT).
IV – O direito de audiência prévia, que permite a participação dos cidadãos nas decisões que lhes digam respeito, implica a existência de um procedimento prévio em que estejam principalmente em causa factos relevantes para a decisão.
V – De acordo com jurisprudência assente da 1ª Secção deste Supremo Tribunal, não é obrigatória a audiência prévia perante requerimentos em que não é necessário desenvolver diligências instrutórias.
VI – Assim, deduzido pelo recorrente um pedido de pagamento da dívida exequenda em prestações ao órgão da execução fiscal, tendo este logo decidido com fundamento numa mera informação dos serviços em que nenhuma matéria de facto era avançada, não estava aquele obrigado a ouvir o recorrente antes da decisão, pelo que não foi violado o disposto no artº 60º da LGT.
VII – De todo o modo ainda, não há lugar a audição prévia se a decisão foi proferida de acordo com a lei e a falta de audição não prejudicou o interessado, uma vez que o que quer que ele viesse trazer ao processo, não permitiria decisão diversa da proferida pelo órgão da execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA00067287
Nº do Documento:SA2201111300983
Data de Entrada:11/02/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:LGT98 ART60 ART54 ART103
CONST76 ART267 N5
CPA91 ART100
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC130/09 DE 2009/04/15; AC STA PROC32033 DE 1994/02/16; AC STA PROC392/08 DE 2008/06/25; AC STA PROC5/11 DE 2011/07/06; AC STA PROC32775 DE 1995/02/02
Referência a Doutrina:LIMA GUERREIRO LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA PAG277-278
LEITE DE CAMPOS E OUTROS LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA 3ED PAG283-284
PEDRO MACHETE A AUDIÇÃO PRÉVIA DO CONTRIBUINTE IN PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO PAG323
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Penafiel que, por considerar ter sido preterido o direito de audição prévia, julgou procedente a reclamação da decisão do órgão da execução fiscal que lhe negou pedido de pagamento da dívida exequenda em prestações, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
A). Vem o presente recurso interposto da douta sentença que concedeu provimento à reclamação apresentada e anulou o despacho de indeferimento do pedido de pagamento em prestações da divida em cobrança coerciva, por considerar tal despacho ferido de vício de forma, por falta do exercício do direito de audição.
B). Centra-se a questão a decidir na aplicação ou não do princípio da participação dos executados na formação da decisão de indeferimento de um pedido de pagamento em prestações formulado no âmbito de um processo de execução fiscal.
C). O artº. 60.° da LGT regula o direito de audição que assiste aos contribuintes interessados de serem ouvidos num determinado procedimento antes de ser proferida a decisão, com vista a garantir a real observância dos princípios do contraditório, da participação e da transparência procedimental.
D). A leitura deste preceito revela-nos que o direito de audição aí previsto depende de um procedimento dirigido à declaração de direitos tributários, não se aplicando quando o pedido dirigido à Administração Tributária (doravante, AT) não tiver aptidão para iniciar esse tipo de procedimento.
E). Cumpre ter presente que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, não sendo um procedimento tributário, pelo que, apesar de no mesmo puderem ser praticados actos que não tenham natureza jurisdicional, designadamente actos administrativos, uma vez que ao chefe do órgão de execução fiscal cabe-lhe uma função administrativa,
F). o certo é que estamos no seio de um processo judicial e aos seus actos aplicam-se as normas de processo previstas na lei, seja do CPPT, LGT, seja em casos omissos o CPC (ex vi art. 2°, alínea e) do CPPT).
G). Analisadas as regras processuais relativas ao processo de execução fiscal, dada a sua natureza judicial, as mesmas não prevêem o exercício do direito de audição antes de tomada uma decisão no âmbito do processo de execução fiscal, excepção feita ao acto de reversão, que antes da decisão fundamentada, tal como previsto na lei – artº. 23°, n.° 4 da LGT - deverá ser precedido de audição do revertido.
H). Por aqui se vê que as normas do procedimento tributário não são aplicáveis ao processo de execução fiscal, ou seja, no exemplo em concreto, face à não aplicação do principio da participação previsto no artº. 60° da LGT aos actos praticados no âmbito do processo de execução fiscal, teve o legislador necessidade de prever expressamente na lei o cumprimento desse principio aquando do acto de reversão da divida exequenda.
I). O art. 60° da LGT respeita a um direito que os contribuintes têm durante o procedimento tributário, procedimento tributário esse que, tal como refere o artº. 54° da LGT, onde descreve o âmbito e a forma do procedimento tributário, exclui do mesmo no seu n.° 1, alínea h) "A cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza judicial".
J). Mesmo que se considere que apesar do processo de execução fiscal ter natureza judicial, os actos ou decisões ai tomadas são de natureza administrativa, as normas que lhe são aplicáveis são tão só as respeitantes a esse mesmo processo de execução fiscal e não as previstas para todo e qualquer procedimento tributário, que como se viu a alínea h) do n.° 1 do artº. 54° da LGT, até expressamente exclui.
K). Vale isto por dizer que não foi violado qualquer princípio de participação antes da decisão, pela simples razão de que o mesmo se não aplica no processo executivo.
L). No âmbito de um processo de execução fiscal, após requerimento do executado, impõe-se ao órgão decisor a consequente decisão, sem necessidade de previamente facultar àquele um projecto da decisão ou de ouvi-lo sobre a matéria, uma vez que as normas processuais aplicáveis ao processo de execução judicial não contemplam a necessidade de obter a colaboração do interessado na formação da decisão.
M). Aliás, tal se compreende dadas as características da execução fiscal. Pois,
N). "A execução fiscal, dado o seu fim de arrecadação coerciva de dívida ao Estado ou entidades equiparadas, caracteriza-se, em primeira linha, pela sua celeridade (...) [, tendo] este princípio geral (...) uma notável premência nesta forma de processo" - cfr. Laurentino da Silva Araújo, Processo de Execução Fiscal, Almedina, p. 27.
O). Como refere, Soares Martinez, in Direito Fiscal, 7ª edição, p. 444, "no processo de execução fiscal está em causa a cobrança de receitas tributárias que visam "a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas" e a promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e das necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento - artigo 5.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária."
P). E foi em consonância com o interesse público e a maior celeridade processual, de molde a obter-se a mais rápida arrecadação de receitas públicas a cobrar coercivamente, que o legislador fiscal no processo de execução fiscal regulou integral e imperativamente o regime de cobrança coerciva, não tendo expressamente previsto o exercício de audição prévia aquando da decisão do pagamento da divida exequenda em prestações, face desde logo à natureza judicial que lhe quis imputar.
Q). De resto, o processo de execução fiscal como processo judicial que é, permite todos os meios de impugnação próprios dos actos judiciais, garantindo um esclarecido e conveniente exercício e defesa dos direitos do executado, como o presente meio processual - reclamação prevista no art. 276° do CPPT,
R). ou seja, a um requerimento segue-se uma decisão, passível, como decorre da lei do respectivo recurso (no caso, reclamação) para o tribunal competente, acrescendo ainda a possibilidade do órgão de execução fiscal antes da subida da reclamação apresentada ao Tribunal competente, poder revogar o acto reclamado, nos termos do artº. 277.°, n.° 1 e 2 do CPPPT, caso entenda que os argumentos apresentados pelo reclamante são coerentes com uma decisão em sentido diferente.
S). Destarte, decidindo como decidiu o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito.
Sem prescindir,
T). Na hipótese de se entender, o que não se concede, que perante uma decisão de indeferimento de um pedido de pagamento em prestações, estamos perante um procedimento tributário ínsito num processo judicial, aplicando-se então o artº. 60.° da LGT,
U). tendo por base toda a análise doutrinal e jurisprudencial que se faz do direito de audição prévia dos interessados, diremos que esta prerrogativa apenas se configura como obrigatória nos procedimentos em que se verifica a existência de diligências instrutórias capazes de alterar a posição da AT,
V). o que no caso do pedido de pagamento em prestações de uma divida em cobrança coerciva, uma vez que não se verifica esta fase instrutória, não existe obrigatoriedade de audição procedimental, pois, é dispensável o exercício do direito de audição prévia quando a questão é exclusivamente de direito, em que o que está em causa é apenas questão de subsunção dos factos tributários e jurídicos ao direito aplicável.
W). À AT não se impõe a notificação do interessado para o exercício do direito de audição quando a mesma apenas aprecia os factos que lhe foram oferecidos pelo contribuinte, limitando-se na sua decisão a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis ao caso, o que sucederá relativamente a todas as decisões sobre petições ou requerimentos, em que aquela se limita a concluir, face aos factos e argumentos invocados pelo contribuinte e a lei aplicável, pela improcedência da sua pretensão.
X). Veja-se neste ponto, António Lima Guerreiro, in Lei Geral Tributária - Anotada, Lisboa, Editora Rei dos Livros, 2001, pp. 277-278, onde se lê que "O direito de audição depende igualmente do que a doutrina chama de uma «prévia instrução procedimental» (ver Pedro Manchete, «Conceito de instrução procedimental e relevância invalidante da preterição da audição dos interessados» in «Justiça Administrativa» número 12, pgs. 3 e sgs.): ou seja, de um conjunto de formalidades, informações, pareceres, apresentação ou produção de prova, realização de diligências, vistorias e exames necessários à prolação do acto. Sem instrução nesse sentido amplo, não há dever de audição procedimental, que incide, assim, apenas sobre a matéria de facto e não sobre as normas de direito aplicáveis".
Y). E ainda que, "O próprio princípio da participação inscrito no artigo 267°, número 5, da C.R.P. incide, apenas, sobre a verificação e identificação dos factos relevantes para a decisão. *No mesmo sentido concorrem o artigo 100°, número 1, que prevê exclusivamente o exercício do direito de audição junto do órgão instrutor, e o artigo 103°, número 2, alínea a), que dispõe esse direito ter por objecto as provas produzidas. As questões meramente de direito não cabem, assim e salvo legislação especial, no âmbito do mero direito de audição".
Z). Por não se prever uma fase de instrução prévia na decisão a proferir quanto ao pedido de pagamento em prestações da divida em cobrança coerciva, a falta de audição não prejudica a validade da decisão porquanto, segundo um juízo de prognose póstuma, este seria sempre praticado da mesma forma e com o mesmo conteúdo, atenta a sua natureza absolutamente vinculada, um vez que ao chefe do órgão de execução fiscal apenas lhe competia decidir se o pedido preenchia ou não os requisitos exigidos por lei,
AA). decidindo favoravelmente o pedido de pagamento da divida em prestações se preenchidos os requisitos exigidos por lei ou decidindo, desfavoravelmente esse mesmo pedido se não preenchidos os requisitos exigidos por essa mesma lei, como ocorreu no caso em concreto.
BB). Não podia ser outro o "sentido provável da decisão", que exprime uma condição de admissibilidade da audição prévia dos interessados prevista no artº. 60° da LGT.
CC). Destarte, o caso em concreto da decisão num processo de execução fiscal sobre um pedido de pagamento em prestações da divida em cobrança coerciva, constitui um paradigma ao qual a dispensa do exercício de audição prévia se justifica, porque dispensável face à ausência de fase instrutória na decisão a tomar.
Ainda sem prescindir,
DD). Caso se entenda que nunca será de dispensar o exercício do direito de audição antes de uma decisão de indeferimento de um pedido de pagamento em prestações no âmbito de um processo de execução fiscal, o que não se concede,
EE). entende a Fazenda Pública que, ao contrário do doutamente decidido, no caso em concreto, a preterição da audiência do reclamante não teria a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, impondo-se assim, o aproveitamento do acto, e consequentemente, permanecer o despacho de indeferimento na sua estabilidade e vigência no ordenamento jurídico.
FF). Na verdade, o direito do contribuinte na participação da formação do acto de que é destinatário só será verdadeiramente violado se através dessa participação omitida houver a possibilidade, ainda que ténue, de vir a exercer influência, pêlos esclarecimentos prestados e pela prova que poderia apresentar, na decisão a proferir, no termo da instrução,
GG). ou seja, quando seja possível concluir, que através da sua participação antes da decisão final, o contribuinte podia, mesmo ligeiramente, influir, pelo direccionar de atenções para determinados aspectos de facto ou de direito, no sentido da decisão a proferir. Desta forma,
HH). A formalidade da audição prévia, sendo essencial, degrada-se em não essencial, não sendo, por isso, invalidante do acto controvertido, nos casos em que não tem a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que se impõe o aproveitamento do acto - utile per inutile non vidatur.
II). Com o devido respeito que nos merece, parece óbvio e intransponível que o formalismo do exercício do direito de audição prévia, no caso em concreto, se degradou em não essencial, porquanto, nem tenuemente influenciaria na decisão final da AT.
JJ). Desde logo, o órgão de execução fiscal apenas poderia cumprir com o legalmente estipulado pelo legislador no que a esta matéria concerne.
KK). O reclamante requereu nas várias hipóteses que expressou, o pagamento em prestações da divida exequenda em maior número de prestações que a lei permite, pelo que nunca poderia a argumentação expendida pelo reclamante no que concerne à interpretação legal do órgão de execução fiscal alterar a decisão reclamada, porque esta era a única possível face ao preceituado legalmente,
LL). o que até se confirma pela decisão de não revogação da decisão reclamada antes da subida da presente reclamação ao Tribunal a quo.
MM). Entendeu ainda o Tribunal a quo que o projecto de decisão a ser notificado ao reclamante poderia alterar o sentido da sua pretensão e contentar-se com a decisão do órgão de execução fiscal.
NN). Ora, com o devido respeito, a ser assim, influenciaria a pretensão do reclamante e não a do órgão de execução fiscal, e mais uma vez com a presente reclamação se confirma que assim não seria.
OO). Ficou assim demonstrado nos autos que, mesmo não tendo sido cumprida tal formalidade, a se entender que deveria ser satisfeita, a decisão final do procedimento nunca poderia ser diferente, pois não tinha o órgão de execução fiscal outra alternativa senão decidir como decidiu, uma vez não poderia ir para além do número de prestações previsto pelo legislador,
PP). razão pela qual a falta de notificação para exercício do direito de audição tem forçosamente degradar-se em formalidade não essencial, não sendo fundamento para anulação da decisão reclamada.
QQ). Assim, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.
2. O MºPº emitiu parecer que consta de fls. 543/544 no qual defende a procedência do recurso.
3. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
A) O reclamante, pelo seu requerimento de fls. 71 a 104, cujo teor se dá por reproduzido, requereu o pagamento em prestações das dívidas exequendas do processo principal e dos apensos, no valor global de 11.887,72 euros, que respeitam a dívidas da executada originária de IRC, de 2004 e 2005 e de IRS retido na fonte relativo aos períodos de 2007/07 e 2007/10 (fls. 71 a 104 e 106).
B) Sobre esse requerimento foi lançada a informação de fls. 106 e 106-vº, cujo teor se dá por reproduzido (fls.106 e 106-vº).
C) O órgão da execução fiscal indeferiu o requerimento pelo despacho de fls. 106-vº, cujo teor se dá por reproduzido (v. fls. 106-vº).
D) O órgão da execução fiscal não notificou o reclamante para exercer o direito de audição antes do indeferimento do requerimento (fls. 71 a 108 a contrario).
4. Cabe agora decidir.
A questão a apreciar no presente recurso é a de saber se, antes de indeferir o requerimento de pedido de pagamento da dívida em prestações, o órgão de execução fiscal deveria ter dado cumprimento ao disposto no artº 60º da LGT.
Conforme resulta dos autos o órgão da execução fiscal não notificou o reclamante de projecto de decisão de indeferimento (v. alínea D) do probatório).
4.1. Entendeu o Mmº Juiz recorrido ter sido violado o direito de audição, tendo anulado o despacho reclamado, argumentando da seguinte forma:
A Constituição reconhece o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito.
Assim, no exercício do direito de audição deveria a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto de decisão e a sua fundamentação (artº 60, nºs 1, alínea b) e 5, da LGT).
No caso dos autos não foi dada ao reclamante a possibilidade de se pronunciar, pelo que a decisão é anulável por vício de forma.
É que não pode dizer-se que a decisão seria a mesma se tivesse sido dada ao reclamante a possibilidade de se pronunciar.
Com efeito, o reclamante poderia ter alterado a posição assumida no requerimento inicial e vir a aceitar os eventuais fundamentos invocados pelo órgão de execução fiscal.
Por outro lado, apesar de o reclamante ter requerido o pagamento em número de prestações superiores ao fixado na lei, nada permite concluir que se ele tivesse sido notificado pelo órgão de execução fiscal do projecto da decisão de indeferimento e dos seus fundamentos, que não pudesse vir a aceitar o número de prestações que o órgão da execução fiscal entendesse ser aplicável ou até discordar da interpretação legal realizada pelo órgão da execução fiscal, fazendo com que este alterasse a sua interpretação.
4.2. Por sua vez, a Fazenda Pública, entende que no caso dos autos não estamos perante um procedimento tributário, antes perante processo judicial, pelo que a lei não exigia a audição do reclamante antes da decisão.
Na verdade, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, não sendo um procedimento tributário, e assim sendo, e aplicando-se as regras processuais relativas ao processo de execução fiscal, dada a sua natureza judicial, as mesmas não prevêem o exercício do direito de audição antes de tomada uma decisão no âmbito do processo de execução fiscal, excepção feita ao acto de reversão, relativamente à qual o legislador teve necessidade de prever expressamente na lei o cumprimento desse principio.
No entanto, ainda que se considere que apesar do processo de execução fiscal ter natureza judicial, os actos ou decisões aí tomadas são de natureza administrativa, as normas que lhe são aplicáveis são tão só as respeitantes a esse mesmo processo de execução fiscal e não as previstas para todo e qualquer procedimento tributário, que como se viu na alínea h) do n.° 1 do artº. 54° da LGT, até expressamente exclui.
Logo, no âmbito de um processo de execução fiscal, após requerimento do executado, impõe-se ao órgão decisor a consequente decisão, sem necessidade de previamente facultar àquele um projecto da decisão ou de ouvi-lo sobre a matéria, uma vez que as normas processuais aplicáveis ao processo de execução judicial não contemplam a necessidade de obter a colaboração do interessado na formação da decisão, o que se compreende dadas as características da execução fiscal cujo fim é a arrecadação coerciva de dívida ao Estado ou entidades equiparadas, caracterizando-se a mesma, em primeira linha, pela sua celeridade.
E foi em consonância com o interesse público e a maior celeridade processual, de molde a obter-se a mais rápida arrecadação de receitas públicas a cobrar coercivamente, que o legislador fiscal no processo de execução fiscal regulou integral e imperativamente o regime de cobrança coerciva, não tendo expressamente previsto o exercício de audição prévia aquando da decisão do pagamento da divida exequenda em prestações, face desde logo à natureza judicial que lhe quis imputar.
Não foi, por isso, violado qualquer princípio de participação antes da decisão, pela simples razão de que o mesmo se não aplica no processo executivo.
De qualquer forma, ainda que se admita o direito de audição nestes casos, este direito apenas se configura como obrigatório nos procedimentos em que se verifica a existência de diligências instrutórias capazes de alterar a posição da AT, o que no caso do pedido de pagamento em prestações de uma divida em cobrança coerciva, uma vez que não se verifica esta fase instrutória, não existe obrigatoriedade de audição procedimental, uma vez que a questão é exclusivamente de direito, estando em causa apenas a questão de subsunção dos factos tributários e jurídicos ao direito aplicável.
Finalmente, ainda que fosse admissível e obrigatória, a formalidade da audição prévia degradar-se-ia em não essencial, não sendo, por isso, invalidante do acto controvertido, por não ter a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto - utile per inutile non vidatur.
Com efeito, o reclamante requereu nas várias hipóteses que expressou, o pagamento em prestações da divida exequenda em maior número de prestações que a lei permite, pelo que nunca poderia a argumentação expendida pelo reclamante no que concerne à interpretação legal do órgão de execução fiscal alterar a decisão reclamada, porque esta era a única possível face ao preceituado legalmente.
5. Como é sabido, o artº 267º, nº 5 da CRP consagra o direito à participação dos administrados nas decisões que lhes digam respeitam.
Este princípio teve consagração na lei ordinária nos artºs 100º do CPA e 60º da LGT.
Este artº 60º, inserido no título III da LGT, que trata “do procedimento tributário”, na parte que releva para os autos, estabelece o seguinte:
“1- A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d)Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2 — É dispensada a audição:
a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;
b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.
3- Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado”.
Ora, a redacção deste preceito parece dar a entender que só no procedimento tributário é exigido o cumprimento deste direito dos contribuintes, tal como defende a Fazenda Pública.
E, efectivamente, este entendimento é apoiado quer pela alínea h) do nº 1 do artº 54º da LGT, quer pelo artº 23º, nº 4 do mesmo diploma que prevê expressamente a audição antes de ser decretada a reversão.
Revestindo o processo de execução natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional (artº 103º, nº 1 da LGT), se o direito consagrado fosse obrigatório na execução fiscal (entenda-se, quanto aos actos de natureza administrativa praticados pelo órgão de execução fiscal), não seria necessária nem a disposição da alínea h) do nº 1 do artº 54º, nem a do nº 4 do artº 23º acima citados.
Será assim?
No acórdão deste Supremo Tribunal, de 15.04.2009 - Processo nº 0130/09, a propósito da dação em pagamento, foi entendido o seguinte:
“É certo que “o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional” – artº. 103º, 1, da LGT.
E o artº. 60º da LGT está inserido no título III da LGT, que trata “do procedimento tributário”.
Porém, e no nosso entendimento, o pedido de dação em pagamento (com a subsequente e inerente decisão) não deixa de ser um procedimento tributário “enxertado” no processo de execução fiscal.
À semelhança aliás do que decorre com o pedido de pagamento em prestações – artºs. 196º e ss. do CPPT.
Logo, podemos dizer que ambas as situações têm enquadramento legal no art. 60º, 1, b) da LGT.
O que significa a necessidade da audição do requerente antes da decisão.
Quer isto dizer que foi violado o disposto no referido art. 60º, n. 1 da LGT.
Nem se diga que é este um entendimento espúrio.
Isto porque a lei expressamente consagra a obrigatoriedade da audição do interessado em pleno processo de execução.
Reportamo-nos nomeadamente ao artº. 23º, n. 4, da LGT, onde se prevê a audição prévia e obrigatória do responsável subsidiário.
Em abono desta tese, pode ainda chamar-se à colação o relevo constitucional do direito de audição, consagrado no artº . 267º, 5, da CRP.
Por outro lado, na execução fiscal, mau grado o seu carácter judicial, praticam (ou podem praticar-se) actos materialmente administrativos.
Finalmente, a dação em pagamento pode ser decidida pelo próprio Ministro (art. 201º do CPPT), o que lhe confere a natureza de procedimento administrativo (tributário).
Em suma, temos para nós como certo que se impõe ouvir o executado (nos termos do artº. 60º da LGT), sobre o projecto de decisão desfavorável à sua pretensão”.
Porém, no seu voto de vencido, o Srº Conselheiro Lúcio Barbosa, argumentou da seguinte forma:
“O artº 60º da LGT está inserido no título III da LGT, que trata “do procedimento tributário”.
E o artº. 54º da LGT define o âmbito do procedimento tributário, onde não está incluído o processo de execução fiscal.
Ao invés, “o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional” – art. 103º, 1, da LGT.
Como é bom de ver, e como acima dissemos, no processo de execução fiscal não está em causa o procedimento tributário.
Vale isto por dizer que não foi violado o citado preceito legal, pela simples razão de que o mesmo se não aplica no processo executivo.
Em processos de natureza judicial as decisões não têm que ser projectadas. A um requerimento segue-se uma decisão, passível, como decorre da lei do respectivo recurso (no caso, reclamação) para o tribunal competente.
Nem impressiona o facto do responsável subsidiário ser ouvido necessariamente antes da reversão (art. 23º, 4, da LGT). É que, neste caso, trata-se da chamada de alguém, até então exterior ao processo executivo, compreendendo-se que seja ouvida antes de nele “entrar””.
Ora, desde já diremos que acompanhamos a argumentação deste voto de vencido, quer pelas razões nele expressa, quer pelos argumentos invocados pela Fazenda Pública no sentido de que o interesse público exige celeridade no processo de execução fiscal que não se compadece com o direito de audição.
E não se invoque aqui o preceito constitucional, uma vez que este se refere ao procedimento administrativo e não ao processo judicial.
Por outro lado, ao contrário do que sucede com a reversão fiscal, em que o revertido é chamado pela primeira vez à execução, e se prevê expressamente a sua audição, no caso do pagamento em prestações (e na dação em pagamento) todos os elementos relevantes para a decisão, ou já se encontram na execução ou são fornecidos pelo executado, sendo, por isso do seu conhecimento. Assim, cabe ao órgão da execução fiscal aplicar apenas o direito aos factos, sendo que o executado fica plenamente protegido com o direito de reclamação judicial da decisão.
Reconhecendo embora que tanto a matéria do pagamento em prestações, como a da dação em pagamento constituem procedimentos tributários, a verdade é que os mesmos estão enxertados na execução fiscal, processo de natureza judicial, e, como se refere no voto de vencido acima referido em processos de natureza judicial, “as decisões não têm que ser projectadas. A um requerimento segue-se uma decisão, passível, como decorre da lei do respectivo recurso (no caso, reclamação) para o tribunal competente”.
6. De todo o modo, mesmo seguindo a tese que fez vencimento no Acórdão acima citado, também o direito de audição não teria sido violado no caso dos autos, uma vez que não existiu qualquer instrução procedimental anterior justificativa de tal audição, a qual é condição para o exercício desse direito.
Na verdade, “O direito de audição depende igualmente do que a doutrina chama de uma "prévia instrução procedimental" (ver Pedro Machete, "Conceito de instrução procedimental e relevância invalidante da preterição da audição dos interessados" in "Justiça Administrativa" número 12, pgs. 3 e sgs.): ou seja, de um conjunto de formalidades, informações, pareceres, apresentação ou produção de prova, realização de diligências, vistorias e exames necessários à prolação do acto.
Sem instrução nesse sentido amplo, não há dever de audição procedimental, que incide, assim, apenas sobre a matéria de facto e não sobre as normas de direito aplicáveis.
Essa doutrina infere-se do artigo 100°, número 1, do C.P.A., que dispõe que, concluída a instrução, os interessados têm direito a ser ouvidos no procedimento antes da decisão final, de que, "a contrario", resulta que, não havendo instrução, não há decisão.
O próprio princípio da participação inscrito no artigo 267°, número 5, da C.R.P. incide, apenas, sobre a verificação e identificação dos factos relevantes para a decisão. No mesmo sentido concorrem o artigo 100°, número 1, que prevê exclusivamente o exercício do direito de audição junto do órgão instrutor, e o artigo 103°, número 2, alínea a), que dispõe esse direito ter por objecto as provas produzidas.
As questões meramente de direito não cabem, assim e salvo legislação especial, no âmbito do mero direito de audição”. (Lima Guerreiro – LGT Anotada (Rei dos Livros), págs. 277/278 (Sobre o direito de audiência prévia v. também Leite de Campos e outros - LGT Anotada (3ª edição – Setembro de 2003)- págs. 283/284 e PEDRO MACHETE, A audição prévia do contribuinte, em Problemas fundamentais do Direito Tributário, edição Vislis, 1999, página 323.).
Sobre esta matéria, escreveu-se também no Acórdão deste Supremo Tribunal - 1ª Secção – Processo nº 32.033, de 16 de Fevereiro de 1994 - Apêndice ao DR, Vol. II, págs. 1158 e segs., o seguinte:
“No caso sub judice não está em causa, como é evidente, um direito de defesa, pois não se está perante um processo disciplinar ou qualquer processo administrativo sancionatório, nem o direito ao subsídio de reconversão tecnológica é um direito fundamental consagrado na Constituição, pelo que o despacho impugnado que indeferiu a pretensão àquele subsídio não poderá ter a natureza de direito fundamental cuja violação possa gerar a nulidade do acto — artigo 133º, nº 2, alínea d), do CPA.
Como se depreende do disposto no citado artigo 100º, nº 1, do CPA, o direito de os interessados serem ouvidos antes de ser tomada decisão final não pode ser erigido, como refere o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, como regra absoluta e universal, pois não há lugar à sua audiência quando a decisão seja urgente e quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão.
Por outro lado, o órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados se estes já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas — cfr. artigo 103º, nºs 1, alíneas a) e b), e 2, alínea a).
Ora no caso em apreço não houve fase instrutória, a decisão teve por base apenas o ofício que o recorrente lhe endereçou e os documentos que o acompanhavam, ou seja, o requerimento dirigido à autoridade recorrida, a competente para a decisão da atribuição do subsídio requerido, e os documentos comprovativos de que reunia as condições legais para o efeito, e tomando posição na questão de o requerente ter sido excluído em pedidos anteriores ao abrigo do nº 6º, alínea b), que considerava «incorrecto, pois trata-se de um contrato de concessão».
Desta maneira a autoridade decidente tinha perante si todos os elementos de prova necessários para a decisão, incluindo o parecer do requerente acerca da questão de direito que se poderia suscitar da caracterização do denominado «auto de cessão» que o Estado havia celebrado com o presidente da Câmara Municipal de Braga, elementos e parecer que foram fornecidos pelo recorrente e que a autoridade decidente reputou suficientes para o habilitar a tomar uma decisão, como tomou, sem necessidade de quaisquer outros, nomeadamente de ouvir novamente o requerente, ou seja, além do que havia requerido com os elementos de prova e parecer que emitiu.
Por todo o exposto, considerando, assim, que não houve quaisquer diligências probatórias desenvolvidas após a petição do recorrente, considerando-se este ouvido antes de ser tomada a decisão final, não se verifica a violação dos artigos 100º, nº 1, e 103º, nºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do CPA…”(Este entendimento consta também dos acórdãos proferidos pela 1ª Secção deste Supremo Tribunal, de 02.02.95 - Processo nº 32.775, Apêndice ao DR, II Série, de 18.07.97, Vol. II, págs. 1063 e segs. e de 20.11.97- Processo nº 37.141(AD 38/749).)
No caso concreto dos autos, não tendo existido qualquer instrução procedimental, não havia, por isso, obrigatoriedade de audição.
7. Mas, admitindo ainda que o direito de audição era obrigatório e que foi omitida essa formalidade, nem assim, esta omissão conduziria à anulação da decisão do órgão da execução fiscal dado que tal formalidade se degradou em não essencial.
Essa degradação ocorrerá, nomeadamente, quando estiver em causa decisão que não pudesse ser outra que não a efectivamente tomada, por força de uma actividade vinculada da Administração Tributária (Neste sentido V. o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 25.06.2008 – Processo nº 0392/08)
Ou, como se referiu por outras palavras no Acórdão de 06.07.2011 – Processo nº 5/11 “a omissão do dever de audição consubstanciar-se-ia em mera irregularidade não invalidante da liquidação, pois que mesmo que o dever de audição tivesse sido cumprido a decisão final do procedimento tributário … não poderia deixar de ser diferente (cfr., entre outros, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 11 de Maio de 2011, rec. n.º 833/10,
Ora, conforme resulta de fls. 71/82 do Vol. I destes autos, o recorrido (ora reclamante) dirigiu ao órgão da execução fiscal um requerimento para pagamento em prestações do montante da sua responsabilidade tributária de 27.607,77 euros, invocando a impossibilidade do seu pagamento no prazo de oposição à execução fiscal, uma vez que apenas pode contar com a remuneração do respectivo trabalho no valor limite de 1200 euros. E requereu o pagamento da dívida no prazo de cinco anos, oferecendo uma prestação mensal de 383,44 euros por todos os processos em execução, acrescentando que a liquidação da quantia exequenda em 36 prestações implicaria um valor mensal de 766,88 euros, para si incomportável em face dos seus rendimentos.
Requereu ainda a dispensa de prestação de garantia.
Em resposta ao referido requerimento e após prestada a informação que consta de fls. 106 dos mesmos autos (Vol. I), foi proferido o despacho de indeferimento de fls. 196-vº, o qual se louvou nos seguintes argumentos:
A autorização em prestações apenas poderia ser com referência a cada uma das execuções e não envolvendo uma prestação única relativa a todas elas.
O próprio requerente pediu o pagamento em 60 prestações, afastando a possibilidade do pagamento em 36 prestações, sendo, porém, certo que tratando-se de imposto retido na fonte número máximo de prestações autorizáveis é de 12.
Deste modo, aplicando a doutrina acima defendida, não se vê razão justificativa do direito de audiência do contribuinte.
Na verdade, todos os elementos relevantes para a decisão se encontravam já no processo de execução fiscal e eram conhecidos do recorrente.
O recorrente limitou-se no seu requerimento a invocar dificuldades económicas demonstrativas da impossibilidade de pagamento da dívida em menos prestações do que as por si indicadas.
Deste modo, entendendo o órgão da execução fiscal que a lei o impedia de conceder aquele número de prestações, e estando já na posse de todos os elementos necessários à decisão, não se vê que necessidade houvesse de estar a ouvir o recorrente para indeferir o requerimento, já que outra decisão não poderia ter sido tomada face ao disposto no artº 199º, nºs 2, 4 e 5.
Neste sentido, são pertinentes as considerações tecidas no proferido pela 1ª Secção deste Supremo Tribunal, de 02.02.95 - Processo nº 32.775, Apêndice ao DR, II Série, de 18.07.97, Vol. II, págs. 1063 e segs, no qual se escreveu o seguinte:
“Aliás, mesmo que se considerasse verificado tal vício, ele não poderia conduzir à anulação do acto recorrido com este fundamento, uma vez que, conforme já atrás deixámos expendido, aquele acto, nesta parte, foi proferido de harmonia com o direito aplicável, pelo que se pode concluir que a ponderação da Administração não poderia ser diferente daquela que foi tomada e não afectou quaisquer direitos ou interesses legalmente protegidos do recorrente.
Assim sendo, se porventura fosse anulado o acto com este fundamento, o que se lhe seguiria teria de ter o mesmo conteúdo, nesta parte, pelo que se tornava um acto de todo inútil que só traria desvantagens para a satisfação dos interesses do recorrente.
Deste modo, estando todos os interesses e objectivos do legislador subjacentes a esta problemática devidamente salvaguardados, aconselha o princípio da limitação dos actos, que proíbe a prática de actos inúteis (artigo 137º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º da LPTA), o princípio da economia processual, bem como o princípio antiformalista e o da sanação dos defeitos processuais, que não tendo, em si, um valor autónomo, mas sendo mera instrumentalidade de um fim, no caso concreto plenamente atingido, que se considerasse sanado o vício de forma consubstanciado na eventual preterição da formalidade essencial da falta de audiência do recorrente antes da prolação do acto impugnado”.
Concluímos então no sentido de que, no caso concreto, não era obrigatória a audiência prévia do recorrente antes de proferida decisão sobre o seu pedido de pagamento da dívida exequenda em prestações.
8. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido para apreciação das restantes questões suscitadas na reclamação.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Novembro de 2011. – Valente Torrão (relator) – Dulce Neto (voto a decisão, embora divirja de parte da fundamentação conforme declaração que anexo) – Lino Ribeiro.
Declaração de voto
Salvo o devido respeito pela tese que obteve vencimento, entendo que o artigo 60.° da LGT é aplicável ao pedido de pagamento em prestações de dívida tributária efectuado pelo devedor/executado e dirigido à credora/exequente, ainda que esse pedido seja formulado no âmbito do processo de execução fiscal.
As razões que me levam a assumir essa posição são as seguintes:
É certo que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, constituindo o meio processual de que dispõe a administração tributária para a cobrança coerciva das dívidas ao Estado previstas no artigo 148.° do CPPT e não pagas durante o prazo de pagamento voluntário. O artigo 103.°, n.° 1, da LGT estipula expressamente que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional, competindo-lhe «instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a este respeitantes, salvo os previstos no n.° 1 do artigo 150.° do presente Código» [artigo 10.°, n.° 1, alínea f), do CPPT], ficando reservado aos tribunais apenas a decisão sobre «os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária e a reclamação dos actos praticados pelos órgãos da execução fiscal» [artigo 151.º, n.° 1, do CPPT].
O que significa que a administração tributária goza de uma dupla condição: não só a de credora/exequente como, também, de órgão que auxilia o juiz a realizar o processo judicial de cobrança coerciva, realizando no processo executivo todos os actos que não tenham natureza jurisdicional, assim se salvaguardando o núcleo essencial da função jurisdicional para os tribunais.
Assim, apesar de a administração tributária ser chamada a colaborar com o tribunal na cobrança dos seus próprios créditos, dirigindo o respectivo procedimento processual (definido como uma sequência ordenada de actos dirigidos à cobrança coerciva do crédito exequendo), praticando nele actos judiciais (de natureza não jurisdicional) sujeitos a estritas regras processuais (como é o caso da citação, das diligências para penhora e venda dos bens, da convocação dos credores e verificação e graduação de créditos, da extinção da execução), a lei permite-lhe, ainda, em determinadas situações, agir no processo executivo na qualidade de credora, como acontece, por exemplo, quando decide responsabilizar outras pessoas pelo pagamento da dívida, praticando um acto administrativo de asserção dos pressupostos legais para essa responsabilização (despacho de reversão), quando aprecia e decide os pedidos que os devedores/executados lhe dirigem no sentido de autorizar a liquidação da dívida através de dação em pagamento de bens, ou quando aprecia e decide pedidos de pagamento da dívida em prestações.
Nessas situações, abre-se dentro do processo executivo um procedimento administrativo de natureza tributária, ou procedimento tributário, que é apreciado e decidido pela administração tributária na qualidade de credora/exequente, como resulta à evidência do disposto nos artigos 196.° a 199.° do CPPT (no que toca ao pagamento em prestações) e do disposto nos artigos 201.º e 202.° do mesmo Código (no que toca à dação em pagamento). Tanto assim é que a entidade competente para apreciar esses pedidos pode nem ser o órgão da execução fiscal, mas outro órgão da administração tributária (cfr. n.° 2 do art.° 197.° e n.°s 2 e 3 do art.° 201.° do CPPT).
Tratando-se de procedimentos tributários, que culminam com a prolação de um acto administrativo em matéria tributária, e não de um mero acto judicial ou processual dirigido à cobrança coerciva do crédito exequendo, há que aplicar-lhe as normas que a Lei Geral Tributária prevê para esses procedimentos, designadamente a norma contida no artigo 60.º. Só neste contexto se compreende que o n.° 4 do art.° 23.° da Lei LGT imponha o direito de audição antes do despacho de reversão da execução contra os responsáveis subsidiários.
Estas são, pois, resumidamente, as razões que me levam a julgar que o artigo 60.° da LGT não é aplicável quando estão em causa actos praticados pelo órgão da execução no procedimento processual tendente à cobrança coerciva, mas que deve ser observado quando, como no caso vertente, está em causa um verdadeiro procedimento tributário dirigido e decidido pela administração tributária enquanto credora/exequente, que extravasa do mero procedimento processual.
Todavia, acompanho a motivação do acórdão quando, no ponto 7., considerou que a falta de cumprimento dessa formalidade se havia degredo em não essencial. Razão por que votei a decisão.
Dulce Neto