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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0630/09
Data do Acordão:12/09/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ALFREDO MADUREIRA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PLURALIDADE DE EXECUÇÕES SOBRE OS MESMOS BENS
RECLAMAÇÃO
CITAÇÃO
Sumário:I - Sustado o processo de execução comum nos termos do disposto no artigo 871º do CPC em caso de pluralidade de execuções sobre o mesmo bem, o ali exequente dispõe da faculdade de reclamar o seu crédito na execução fiscal.
II - A reclamação apresentada antes de ordenada a citação dos credores preferentes - cfr. artigo 239º do CPPT - não deve ser indeferida liminarmente, rejeitada ou julgada extinta, por impossibilidade da respectiva lide de reclamação e graduação de créditos.
III - Deve antes ser devolvida ao competente órgão de execução fiscal onde haverá de aguardar a subsequente citação dos credores e as eventuais reclamações de créditos destes para, depois, juntamente com as demais, ser remetida ao tribunal fiscal competente.
Nº Convencional:JSTA000P11242
Nº do Documento:SA2200912090630
Recorrente:C...
Recorrido 1:A... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
Inconformado com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga que, mediante promoção conforme do Ex.mo Magistrado do Ministério Público e nos termos do convocado artigo 287º al. e) do CPC, determinou a extinção da instância por decretada impossibilidade da lide, relativamente a reclamação de créditos antes apresentada nos autos de execução fiscal n.º 0353200101028839 em que é exequente a Fazenda Nacional e executados A… e mulher B…, dela interpôs recurso jurisdicional o Reclamante C..., SA.
Apresentou tempestivamente as respectivas alegações de recurso e, pugnando pela revogação do impugnado julgado, formulou, a final, as seguintes conclusões:
I. A douta decisão recorrida não deve manter-se pois não consagra a justa e correcta aplicação das normas legais e dos princípios jurídicos aplicáveis.
II. Por existir penhora registada em data anterior sobre o imóvel sobre o qual o Recorrente tinha hipoteca registada a seu favor – a qual foi ordenada nos autos de execução fiscal n.º 0353200101028839 em apreço – foi a execução por si instaurada e que corre termos sob o n.º 3987/07.9TBBCL sustada ao abrigo do art.º 871º do Cod. Proc. Civil, vendo-se o Recorrente forçado a reclamar os seus créditos nos mencionados autos de execução fiscal.
III. Nos termos do disposto no art.º 835º do Cód. Proc. Civil, tratando-se de dívida com garantia real, deverá a penhora começar pelo imóvel sobre o qual incide a garantia e apenas poderá ser requerida a penhora de outros bens dos Executados uma vez verificada a sua insuficiência.
IV. Por outro lado, conforme dispõe o artigo 246º do CPPT, “na reclamação de créditos observar-se-ão as disposições do Código de Processo Civil, mas só é admissível prova documental”.
V. Ora, dispõe o art.º 865º n.º 3 do referido Cód. de Processo Civil – artigo invocado para efeitos da reclamação de créditos nos autos de execução fiscal em apreço – que “os titulares de direitos reais de garantia que não tenham sido citados podem reclamar espontaneamente o seu crédito até à transmissão dos bens penhorados”.
VI. Uma vez que ainda não havia sido citado para esse efeito (e atenta a sustação da sua execução ao abrigo do disposto no artigo 871º do CPC, por existir penhora registada em data anterior), assistia ao Recorrente o direito de reclamar espontaneamente o seu crédito nos autos de execução fiscal em apreço, à ordem dos quais foi registada a penhora mais antiga.
VII. De resto, não tendo sido ordenado o levantamento de tal penhora ordenada na execução fiscal em apreço que incide sobre o imóvel sobre o qual o Banco Recorrente tem hipoteca registada a seu favor, nada mais poderá este fazer para ver o seu crédito satisfeito – para além de reclamar os seus créditos nos autos de execução fiscal e aguardar a venda do imóvel nesse processo -, uma vez que o processo por si instaurado para o efeito se encontra sustado.
VIII. A questão jurídica em análise no presente recurso é, pois, a seguinte: um credor com garantia real que vê sustado um processo executivo nos tribunais comuns, nos termos do artigo 671º do CPC, pode reclamar o seu crédito antes de ser citado como credor preferente ao abrigo do disposto no artigo 239º n.º 1 do CPPT?
IX. A resposta a tal questão deve ser afirmativa, tal como se entendeu no recente acórdão proferido em 19-06-2008 pelo Supremo Tribunal Administrativo (2ª Secção, processo n.º 0163/08, n.º Convencional JSTA00065114 in www.dgsi.pt) relativamente a uma situação análoga ao caso “sub júdice”.
X. Na prática processual dos nossos tribunais, a regra é de que os prazos processuais não podem ser excedidos, podendo todavia ser antecipados.
XI. Não há qualquer perturbação no normal desenvolvimento dos autos com a apresentação antecipada da reclamação de créditos em apreço.
XII. Sendo a reclamação de créditos apresentada no órgão de execução fiscal onde corre o processo executivo (art.º 245º, 2, do CPPT) nada impede que a presente reclamação de créditos fique aí depositada, sendo posteriormente remetida para o tribunal, depois de citados os credores preferentes, acompanhando aquela reclamação as restantes reclamações de créditos que entretanto venham a ser apresentadas.
XIII. Existe, assim, uma alternativa à decisão recorrida de extinção da instância por impossibilidade da lide., perfilando um entendimento adequado, proporcional e sensível aos interesses e princípios em jogo e que aponta no sentido sua devolução ao competente órgão de execução fiscal.
XIV. Em face de tudo quanto foi exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que ordene a remessa da presente reclamação de créditos ao competente órgão de execução fiscal, ficando a aguardar a citação dos credores preferentes e respectivas reclamações de créditos, para remessa posterior ao tribunal administrativo e fiscal competente.
XV. A douta decisão recorrida violou as disposições legais constantes dos arts.º 239º, 240º e 246º do CPPT e 865º n.º 3 e 871º do CPC.
Conclui pedindo, na procedência do recurso e consequente revogação da decisão recorrida, se ordene a remessa da reclamação de créditos em apreço ao competente órgão de execução fiscal, com todas as consequências legais.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Neste Supremo Tribunal Administrativo o Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu depois mui douto parecer opinando no sentido da procedência do presente recurso jurisdicional com base no sustentado entendimento de que a tese adoptada pelo Recorrente encontra expresso apoio no texto do artigo 240º n.º 4 do CPPT, o que, adita, recolhe entendimento convergente de Jorge Sousa, in CPPT, anotado, 5ª edição, vol. II, pag. 502, e que, de resto e decisivamente, vem logrando também consagração jurisprudencial neste Supremo Tribunal e Secção, tal como se doutrinou no acórdão de 28.02.2007, processo n.º 163/08, invocado pelo Recorrente.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
A questão jurídica de novo colocada e subjacente ao presente recurso jurisdicional conheceu já apreciação e decisão conforme nesta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, circunstância que, atenta a sua natureza e a uniformidade dos julgados, dispensa, no modesto entender do relator, grandes investigações, reflexões ou considerações jurídicas.
Trata-se, como emerge claro do relato que antecede, de saber e decidir se deve ou não aceitar-se reclamação de créditos apresentada ao órgão de execução fiscal competente antes de iniciado o prazo especifica e concretamente fixado pela lei para esse efeito e, consequentemente, em caso afirmativo, se deve este órgão de execução conservar em seu poder e no respectivo processo aquele documento para que, depois, quando ocorrer o tempo próprio e legal da sua apresentação e eventual produção de efeitos jurídicos a faça chegar a juízo juntamente com as demais que, porventura e entretanto, tenham sido apresentadas, como sustentam o Recorrente e o Ministério Publico junto deste Supremo Tribunal Administrativo,
Ou se, como vem implicitamente julgado, já em sede de processo judicial de reclamação e graduação de créditos, face aquela inoportunidade processual e de trâmite, ocorre impossibilidade da respectiva lide a demandar nesta, como se decidiu no sindicado despacho judicial, a consequente extinção da instância.
Porventura a conferir bondade e acerto jurídico ao sentido decisório do impugnado julgado parecem apontar os princípios subjacentes à conveniente ordenação e tramitação dos termos processuais, desde logo ordenados pela indispensável tempestividade e oportunidade do exercício dos direitos respectivos, pelas partes e outros sujeitos processuais, em juízo e para os processos judiciais (o processo de execução fiscal é também processo judicial – cfr. artigo 103 da LGT),
Sabido que este, o processo, em singular definição, mais não é do que, como a própria formação etimológica evidencia (processo – cedere + pro e significa caminhar para a frente, avança para um objectivo.), uma sequência de actos, logicamente articulados entre si, com vista a determinado fim - cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, Castro Mendes, Manual de Processo Civil, 1963 e Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, 1996, entre outros.
Porém no caso e no ponto, dando antes guarida ao entendimento sufragado pelo Recorrente e a que o Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal deu fundamentada adesão, não pode olvidar-se a invocação da prática judiciária dos nossos tribunais superiores, a saber, os convocados acórdãos desta Secção de 20.02.2007, processo n.º 1121/06-30, de 18.06.2008, processo n.º 163/08, e, mais remotamente, de 13.01.1988, processo n.º 22.424, e ainda o acórdão do STJ de 13.12.1989, publicado in BMJ 392/396.
Desta decorrendo antes integrar a descrita situação factual mera irregularidade que não pode ter a gravosa consequência que lhe foi cominada pelo M.mo Juiz a quo,
Nada impedindo que a presente reclamação de créditos fique aí depositada (no órgão de execução fiscal onde corre o processo executivo – art.º 245º n.º 2 do CPPT - ), sendo posteriormente remetida para o tribunal, depois de citados os credores preferentes, acompanhando aquela reclamação as restantes reclamações de créditos entretanto apresentadas., tal como expressamente se referiu no citado aresto de 28.02.2007 e depois se acolheu no invocado acórdão de 18.06.2008.
Assim, à luz agora da recomendação geral que o legislador levou ao n.º 3 do artigo 8º do Código Civil, com o são propósito de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, nas decisões quer proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo,
Perante a manifesta e total identidade dos casos/situações subjacentes, ali nos convocados arestos e aqui no caso sub judicibus,
Outra não poderá ser a solução a dar a este.
Assim, acordam os Juízes desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional revogando, em consequência, a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que ordene a remessa da presente reclamação de créditos ao competente órgão de execução fiscal para os efeitos acima referidos.
Sem custas.
Lisboa, 9 de Dezembro de 2009. – Alfredo Madureira (relator) – António CalhauLúcio Barbosa.