Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01038/15 |
Data do Acordão: | 01/21/2016 |
Tribunal: | PLENO DA SECÇÃO DO CA |
Relator: | CARLOS CARVALHO |
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR ANTECIPATÓRIA REQUISITOS FUMUS BONI JURIS |
Sumário: | I - O juízo de «evidência» exigido na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA é tributário duma ideia de clareza, dum caráter inequívoco para um qualquer jurista, realidade essa de que são nítido exemplo as três situações nele previstas [ou seja, a existência de ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo, a aplicação de norma já anteriormente anulada e o ato manifestamente ilegal]. II - O mesmo consubstancia critério excecional que abrange apenas situações em que o triunfo da pretensão deduzida ou a deduzir na ação administrativa principal se revela, no caso, como patente, notório, visível e com forte ou intenso grau de previsibilidade de vir a ocorrer, mercê da semelhança ou paralelo com os julgados invalidatórios anteriores e, bem assim, da natureza ostensiva/grosseira da ilegalidade cometida. III - O carácter manifesto da ilegalidade não se compadece com aturados trabalhos de análise e de subsunção jurídica que é trazida a juízo pelas partes, nem pode derivar duma análise aprofundada de várias posições doutrinais ou jurisprudenciais que as partes tragam aos autos para fazer valer a sua pretensão. IV - Quando está em causa a adoção de uma providência antecipatória o critério legal de decisão relativamente ao requisito da aparência do bom direito previsto no art. 120.º, n.º 1, al. c), do CPTA exige para o decretamento da providência um juízo positivo de probabilidade de procedência da pretensão. V - Não se revela preenchido tal requisito se os fundamentos de ilegalidade assacados ao ato administrativo em questão se revelam como muito frágeis, já que não minimamente consistentes e sustentados, nem corroborados pela realidade fáctica apurada. |
Nº Convencional: | JSTA00069525 |
Nº do Documento: | SAP2016012101038 |
Data de Entrada: | 01/06/2016 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | CSMP |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | AC STA. |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO. |
Área Temática 1: | DIR ADM CONT - SUSPEFIC. |
Legislação Nacional: | CONST76 ART20 ART268 N4 ART13. EMP08 ART136 N1 ART15 N1 ART27. DL 49/2014 ART8 N1 N3 N4. CPTA02 ART120 N1 A B C N2. |
Jurisprudência Nacional: | AC STAPLENO PROC0210/07 DE 2007/12/11.; AC STA PROC01053/12 DE 2012/12/19. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO 1.1. A………….., devidamente identificado nos autos, intentou no Supremo Tribunal Administrativo providência cautelar antecipatória contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO [doravante «CSMP»], peticionando que, nos termos das als. a) e c), do n.º 1, do art. 120.º do CPTA, seja decretada providência que condene o Requerido a “adotar a decisão de colocar o requerente como efetivo, de acordo com as preferências por si manifestadas no requerimento do movimento e bem assim com os critérios de colocação legalmente definidos, numa das instâncias das comarcas que não lograram obter o preenchimento dos lugares mínimos de procuradores-adjuntos estabelecidos no Mapa V do DL n.º 49/2014, de 27 de março”. 1.2. Pelo acórdão da 1.ª Secção deste STA, datado de 01.10.2015, a pretensão cautelar foi julgada totalmente improcedente [cfr. fls. 426 e segs.]. 1.3. Inconformado, o Requerente e ora recorrente, dele veio interpor o presente recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, oferecendo alegações que culminaram com o seguinte quadro conclusivo, que se reproduz [cfr. fls. 440 e segs.]: “… (i) Inexistia causa que determinasse a suspensão do dever de decidir, pelo que o Recorrido deveria ter decidido a questão de mérito da reclamação do Recorrente, motivo pelo qual, com a sua omissão, o Recorrido violou o seu dever de decisão, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 13.º do CPA, 27.º alínea f), e 158.º, n.º 3, do EMP, e 52.º da CRP; (ii) Tanto assim foi que o Recorrido sentiu necessidade, antes de apresentar a sua oposição, de, em Conselho Plenário, decidir a questão que lhe foi submetida à apreciação pelo Recorrente, tentando, e salvo devido o respeito, contornar o incumprimento do seu dever de decisão (ou em última instância fundamentar a alegada decisão proferida em reunião de 30 de junho de 2015), porquanto, e se era tão líquido que já havia decidido tal reclamação, por que motivo vem o Conselho Plenário decidir novamente a reclamação apresentada, sobretudo para concluir que da mesma não conhecia por a mesma já ter sido apreciada, ou seja, se existia certeza quanto à decisão tomada não se vê que o Recorrido (em reunião do Conselho Plenário) tenha tido a necessidade de se pronunciar novamente sobre a questão, sobretudo quando não lhe foi dirigida qualquer outra reclamação; (iii) E não se diga que a decisão à reclamação do Recorrente é a que consta da ata da reunião do Conselho Plenário do Recorrido de 30 de junho de 2015, porquanto em segmento algum da referida ata é possível uma extrair uma decisão individual e concreta que identifique: (i) a questão sob apreciação; (ii) o destinatário da decisão; (iii) os fundamentos da decisão; e (iv) o sentido decisório, tal como é imposto pela norma 151.º do CPA, para que a mesma fosse válida; (iv) É, por isso, apodítica a violação do dever de decisão que recaía sobre o Recorrente, pelo que deliberação tomada em reunião do Conselho Plenário do Recorrido em 8 de setembro de 2015 é extemporânea, sendo, por isso, ilegal e, como tal, anulável, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA; (v) A douta decisão alegadamente tomada em Conselho Plenário do Recorrido em 30 de junho de 2015 padece de vício de falta de fundamentação, sendo, por isso, ilegal, por violação do disposto nos artigos 153.º, n.ºs 1 e 2, do CPA, devendo, em consequência, ser anulada, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA, porquanto o homem considerado médio não consegue vislumbrar qual o iter cognoscitivo percorrido naquela decisão do Conselho Plenário que permitiu alcançar que a reclamação do Recorrente foi indeferida e não deferida; (vi) De resto, o aludido critério de gestão de quadros deficitários (ainda que possa configurar um facto) não é um critério legal, não consta do EMP, do aviso de concurso do movimento judicial, ou de qualquer outro diploma legal ou regulamentar, pelo que não pode servir como fundamento legal (como parece sufragar o douto Acórdão recorrido) para o indeferimento da reclamação do Recorrente, até porque, quando confrontado com a realidade das coisas, é esvaziado no seu conteúdo, pelo que sequer pode servir a uma almejada, mas não concretizada, superioridade do interesse público face aos demais interesses em presença; (vii) A decisão consubstanciada naquela que foi a lista final dos lugares providos publicada em Diário da República e que determinou a não movimentação do Recorrente é notoriamente ilegal por violação do disposto no artigo 8.º n.ºs 1, 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, sendo, por isso, anulável nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, CPA, devendo, em consequência, ser substituída, por outra que movimente o Recorrente numa das instâncias das comarcas que viram os lugares de procurador-adjunto serem providos em número inferior ao mínimo legalmente estabelecido pelo legislador no Mapa V do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, respeitando-se a ordem de preferência decrescente manifestada pelo Recorrente no requerimento do concurso do movimento, pelo que, ao não decidir assim, enferma o douto Acórdão recorrido de erro de julgamento; (viii) E não se diga que face ao invocado (quer na douta oposição, quer no douto Acórdão recorrido) critério de gestão assente no binómio escassez de magistrados/necessidades de serviço não é possível observar o preenchimento de tais limites mínimos, porquanto tal argumento contraria a realidade dos factos, já que compulsado o número de Procuradores-adjuntos colocados nas vagas de cada comarca/instância local consagradas no Mapa V do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, (789) aos Procuradores-adjuntos colocados no Quadro Complementar (52), conclui-se que o preenchimento, pelo mínimo, de todas vagas/intervalos legalmente previstos, é possível, respeitando a preferência de todos os Procuradores-adjuntos e de acordo com critérios de legalidade estrita, ao contrário do que refere o Recorrido e o douto Acórdão Recorrido, não se vislumbrando, por isso, a alegada escassez de magistrados; (ix) De resto, admitir-se que o mencionado critério de gestão era válido, como se pode explicar que na instância local de ……………. (……..) se tenha permitido a movimentação do único procurador-adjunto ali colocado e não a movimentação do Recorrente; (x) Na verdade, atendendo ao conteúdo do princípio da igualdade (cf. artigo 13.º da CRP), no caso em apreço, o douto acórdão recorrido (à semelhança da douta oposição do Recorrido) não elege qualquer critério material que permita fundamentar a discriminação feita ao Recorrente, a quem é exigido que se conforme com a recusa de movimento face às necessidades do serviço e insuficiência de magistrados, quando esse binómio não foi observado na movimentação de magistrados, na medida em que se deixou instâncias sem qualquer procurador-adjunto colocado; (xi) O douto Acórdão recorrido e a douta oposição não apresentam, assim, qualquer critério objetivo para impor um tratamento diferente na movimentação dos magistrados, possibilitando aliás que, mesmo em aparente escassez de magistrados, se permita movimentos de magistrados mesmo sabendo que essa movimentação deixará determinada comarca sem qualquer procurador adjunto (o que, salvo o devido respeito, parece afinal não evidenciar tamanha falta de magistrados), tudo, portanto, em clara violação do disposto no artigo 13.º da CRP; (xii) Ao Recorrente foi vedada a possibilidade de conciliar a sua vida familiar com a sua vida profissional, quando, à luz da legislação em vigor, era permitida tal conciliação através do presente movimento, pelo que a conduta do Recorrido consubstanciada naquela que é a lista final de Movimento Extraordinário de 2015 é ilegal, por violação do disposto no artigo 136.º, n.º 1, do EMP, devendo, em consequência, tal lista passar a prever o provimento do Recorrente, razão pelo qual mal andou o douto Acórdão recorrido ao decidir em sentido contrário, devendo, na sequência, ser revogado; (xiii) Face a tudo o quanto se deixou exposto é inquestionável o preenchimento do requisito fumus boni iuris, quer seja pela alínea a), quer seja pela alínea b) do artigo 120.º, n.º 1, do CPTA, pelo que mal andou o douto Acórdão recorrido ao decidir como decidiu, devendo, por tal motivo, ser revogado e consequentemente, substituído, por outro que determine o preenchimento dos pressupostos da presente providência cautelar (pois os restantes pressupostos encontram-se provados - cf. pontos 17 a 28 do douto Acórdão recorrido) e que condene o Recorrido no pedido efetuado em sede de requerimento inicial …”. 1.4. Devidamente notificado o «CSMP», aqui recorrido, veio produzir contra-alegações, formulando o seguinte quadro conclusivo [cfr. fls. 475 e segs.]: “… A. O douto acórdão recorrido, ao decidir pelo indeferimento da providência cautelar antecipatória requerida, com fundamento na não verificação do necessário requisito do «fumus boni iuris», fez correta interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis, e não incorreu em qualquer erro de julgamento; Com efeito, B. Contrariamente ao que pretende o Recorrente, o CSMP não violou o dever de decisão relativamente à sua «reclamação» por ele apresentada em 26 de junho de 2015, a qual não constitui uma reclamação prevista nos artigos 193.º e seguintes do CPA mas sim uma pronúncia sobre um projeto da decisão de aprovação do Movimento de Magistrados de 2015 que veio a ser tomada em 30 de junho de 2015, em que não foi atendido a requerimento de transferência do Recorrente; C. Portanto, essa dita «reclamação» foi abrangida pela referida deliberação de 30 de junho de 2015, conforme, a requerimento do Recorrente, foi esclarecido pelo CSMP na sua reunião plenária de 8 de setembro de 2015, pois, sendo-lhe presente o dito requerimento, instruído com cópia da «reclamação», deliberou não conhecer da mesma, por considerar que ela «já foi objeto de decisão e manter inalterada a deliberação deste Conselho de 30.06.2015 que aprovou o Movimento Extraordinário de Magistrados do Ministério Público, publicado no DR n.º 169, 2.ª série, de 31.08.2015»; D. E porque a deliberação de 8 de setembro de 2015 incidiu sobre requerimento do Recorrente e decidiu não conhecer da «reclamação» por já ter sido objeto de decisão, não é menos que impertinente a fantasiosa afirmação do Recorrente [conclusão (ii)] de que o CSMP sentiu necessidade, antes de apresentar a sua oposição, de decidir, para contornar o incumprimento do seu dever de decisão; E. Por outro lado, a deliberação de 30 de junho de 2015, que aprovou o Movimento Extraordinário de Magistrados do Ministério Público relativo a 2015, não enferma do vício formal de falta de fundamentação que o Recorrente lhe atribui; F. Pois sendo uma decisão de aprovação de um movimento que envolve centenas de interessados, a fundamentação tem as suas caraterísticas específicas, sendo feita globalmente e não de forma espartilhada para cada um dos concorrentes, relativamente aos quais o que é preciso é que sejam corretamente ordenados, como efetivamente aconteceu e isso nem o Recorrente questiona; G. Toda a sequência das operações de transferências e colocações exposta na proposta do grupo de trabalho aprovada pela deliberação de em 30 de junho de 2015, com minuciosa indicação da situação de cada Requerente e das disposições legais que suportam cada uma das colocações permite a um interessado apreender e entender, e o Recorrente efetivamente apreendeu e entendeu devidamente as razões porque não foi atendido o seu requerimento; H. E assim, a deliberação em causa satisfaz os requisitos que o artigo 153.º, n.º 1 do CPA exige para fundamentação do ato administrativo, pelo que não foi violado o artigo 152.º, n.º 1, alínea a) do CPA, e foi com todo o acerto que no douto acórdão recorrido se considerou que «a fundamentação do indeferimento resulta bastante clara ... do contexto dos referidos indeferimentos: tem a ver com a gestão dos quadros do Ministério Público, feita pelo respetivo Conselho Superior, face à escassez de magistrados e às necessidades existentes, e com um juízo, daí decorrente, de que, devido à ponderação desse binómio escassez/necessidades, não se mostrava possível o cumprimento, no caso do Recorrente, do artigo 136.º, n.º 1, do EMP»; I. A mesma deliberação também não violou o disposto no artigo 8.º, n.ºs 1, 3 e 4 do Decreto-lei n.º 49/2014, de 27 de março, pelo facto de não terem sido preenchidos os quadros mínimos de magistrados em muitas comarcas/instâncias locais, uma vez que tal só sucedeu por não existirem procuradores suficientes para preencher esses quadros; J. Embora o Decreto-lei n.º 49/2014, de 27 de março preveja um determinado Quadro de Magistrados do Ministério Público, a verdade é que, por insuficiência do número de magistrados para as funções que lhe estão constitucionalmente e legalmente conferidas, o Ministério Público não se encontra em condições de preencher a totalidade dos lugares previstos naquele diploma legal; K. Por isso, o CSMP tem de fazer opções relativamente aos lugares a preencher e aos lugares a não preencher, como sucedeu mais uma vez no movimento de 2015, tendo ficado um número significativo de lugares por preencher, entre eles os indicados pelo Recorrente no seu requerimento; L. E falece por completo a alegação do Recorrente agora em sede de recurso, de que os lugares dos quadros totalizavam 834 vagas a preencher obrigatoriamente e teriam sido colocados 841 procuradores adjuntos, para dizer que poderiam ter sido preenchidos todos os quadros mínimos; M. Na verdade, o quadro legal do Regulamento da LOSJ totaliza 843 procuradores adjuntos (e não 798), pelo que somando a esse número os 36 procuradores adjuntos do quadro complementar são 879, e dos 841 procuradores adjuntos, colocados, cerca de uma centena está ausente do exercício de funções pelas mais variadas razões, desde comissões de serviço, licenças sem vencimento de longa duração, baixa por doença, licenças de proteção da parentalidade e prestação de auxílio a familiares; N. Por isso, o CSMP debate-se com uma dramática carência de procuradores adjuntos, e não extravasou nenhumas competências nem cometeu nenhuma ilegalidade, pois, não tendo magistrados para preencher todos os quadros, procedeu a uma criteriosa ponderação das necessidades de serviço, para encontrar a melhor gestão de quadros do Ministério Público, no uso da competência que lhe está conferida pelo Estatuto do Ministério Público, designadamente nos artigos 15.º, n.º 1 e 27.º, n.º 1, alínea a); O. Finalmente, também não assiste a razão ao Recorrente na sua alegação no sentido de que a violou o artigo 136.º, n.º 1 do EMP, que obriga a que na colocação de magistrados do Ministério Público prevaleçam em primeiro lugar as necessidades de serviço; P. Pelo contrário, foi justamente da correta aplicação desta norma que resultou a necessidade de o Recorrente permanecer em …………, não tendo sido possível a sua transferência para outro local que melhor satisfizesse as suas necessidades pessoais; Q. Pelo exposto, resulta manifesta a improcedência da alegação do Recorrente relativamente à pretensa violação do dever de decidir e aos vícios que imputou à deliberação do CSMP de 30 de junho de 2015, que aprovou o Movimento Extraordinário de Magistrados do Ministério Público; R. E porque assim é, resulta também manifesto que o douto acórdão recorrido não incorreu em qualquer erro de julgamento ao concluir que não se verifica, no caso, o requisito do «fumus boni juris» - nem ao abrigo da alínea a) nem da alínea c) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA - indispensável para se poder decretar a providência antecipatória solicitada pelo Recorrente e em consequência decidir julgar improcedente o pedido cautelar …”. 1.5. Com dispensa de vistos cumpre apreciar e decidir.
2. DAS QUESTÕES A DECIDIR O Recorrente impugna a decisão judicial recorrida assacando-lhe, em suma, erros de julgamento, por incorreta interpretação das normas legais ínsitas nos arts. 120.º, n.º 1, als. a) e c) [não «b)» como certamente por lapso se refere] do CPTA, 13.º, 151.º, 153.º, n.ºs 1 e 2, 163.º, n.º 1, todos do CPA/2015, 08.º, n.ºs 1, 3 e 4, do DL n.º 49/2014, 27.º, al. f), 136.º, n.º 1, 158.º, n.º 3, todos do Estatuto do Ministério Público [abreviadamente «EMP» - Lei n.º 60/98, de 27.08, sucessivamente alterada], 13.º e 52.º, ambos da CRP [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. DE FACTO Resulta como assente da decisão judicial impugnada: I) A……………. é procurador-adjunto, colocado no ano judicial de 2014-2015 na Comarca ……. - Extensão de ………….. - ver documento de folhas 32 a 56; * 3.2. DE DIREITO Assente que se mostra o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões atrás elencadas enquanto fundamentos recursivos.
II. É comummente aceite que o legislador através da reforma operada pelo CPTA/2004 procurou evitar que o tardio julgamento do processo principal pudesse determinar a inutilidade da sua decisão ou fosse responsável pela colocação do interessado numa situação de facto consumado ou numa situação em que o volume ou a qualidade dos prejuízos sofridos inviabilizasse a possibilidade de reverter à situação que teria se a ilegalidade não tivesse sido cometida.
III. De molde a evitar a verificação ou produção de tais perigos veio no art. 112.º do CPTA, em cumprimento do comando constitucional decorrente dos arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, a consagrar-se ou a autorizar-se o decretamento de medidas cautelares enquanto medidas destinadas a garantir que a decisão a proferir no processo principal possa produzir os efeitos que lhe são próprios e, dessa forma, repor a legalidade ofendida.
IV. Previu e exigiu o legislador, todavia, que o decretamento de tais providências estivesse sujeito ao preenchimento dos pressupostos fixados no art. 120.º do mesmo código, mormente, o da al. a) do n.º 1 do citado preceito, aqui em questão face aos termos da invocação que foi feita pelo recorrente.
V. Na referida alínea autonomizam-se as situações de providências dirigidas contra atos/normas manifestamente ilegais, por si ou por referência a atos/normas idênticos já anteriormente anulados, declarados nulos ou inexistentes e contra atos de aplicação de normas já anulados.
VI. E o seu decretamento é quase automático na medida em que assenta em requisitos objetivos, fazendo apelo a um critério de evidência, que incorpora, em simultâneo, a salvaguarda do interesse público [sob a forma do princípio da legalidade - a Administração não deve praticar tais atos] e a tutela dos interesses privados [o particular tem direito a que a sua situação seja legalmente apreciada e conformada].
VII. O critério legal ali definido tem seu cerne na expressão “evidente procedência da pretensão” enquanto reportada à invocada posição jurídica subjetiva alegada ou a alegar no processo principal, sendo que o julgador cautelar é convocado para a emissão dum juízo procedência ou concludência sobre mesma sem que isso envolva, ainda assim, uma decisão sobre o mérito da causa.
VIII. Face ao tipo de juízo cautelar em questão temos que pelo grau de exigência colocado na sua decretação, mercê dum “aproximar” a decisão cautelar da decisão principal quanto a um juízo de mérito, dúvidas não temos de que só em casos extremos e excecionais será possível afirmar-se, com segurança, que a procedência da ação principal é de tal modo evidente que não há razão para deixar de conceder a providência.
IX. Tal juízo de «evidência» é, assim, tributário duma ideia de clareza, dum caráter inequívoco para um qualquer jurista, realidade essa de que são nítido exemplo as três situações enunciadas na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA [ou seja, a existência de ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo, a aplicação de norma já anteriormente anulada e o ato manifestamente ilegal], consubstanciando as mesmas situações em que o triunfo da pretensão deduzida ou a deduzir na ação administrativa principal se revela ou se afirma, no caso, como patente, notório, visível e com forte ou intenso grau de previsibilidade de vir a ocorrer, mercê da semelhança ou paralelo com os julgados invalidatórios anteriores e, bem assim, da natureza ostensiva/grosseira da ilegalidade cometida.
X. Como se sustentou no acórdão do Pleno deste STA de 11.12.2007 [Proc. n.º 0210/07 consultável in: «www.dgsi.pt/jsta»] “o acento tónico na «evidência» da «procedência da pretensão» formulada ou a formular no processo principal … deve ser notória e visível sem necessidade de qualquer elaborada indagação. Só pode ser considerado evidente, como nele se escreveu, o «que se constata de maneira imediata e manifesta. Há uma diferença irredutível entre captar imediatamente uma evidência e realizar uma demonstração tendente a captá-la, pois esta supõe o recurso a definições, divisões ou argumentações que possibilitem e suportem a captação de uma realidade que não era patente». (…) … o preceito em questão «sugere logo que o deferimento imediato do meio cautelar, aí previsto, há de resultar de ilegalidades patentes e flagrantes, capazes de convencer primo conspectu, e sem necessidade de um laborioso discurso coadjuvante, da procedência da ação principal»” [cfr., igualmente, entre outros, os Acs. deste Supremo de 24.09.2009 - Proc. n.º 0821/09, de 09.12.2009 - Proc. n.º 0799/09, de 18.03.2010 - Proc. n.º 0105/10, de 25.08.2010 - Proc. n.º 0637/10, de 27.07.2011 - Proc. n.º 0520/11, de 25.09.2012 - Proc. n.º 0588/12, 26.09.2012 - Proc. n.º 0720/12, de 06.11.2012 - Proc. n.º 0855/12, de 30.01.2013 - Proc. n.º 01253/12, de 20.03.2014 - Proc. n.º 0148/14, de 26.06.2014 - Proc. n.º 0500/14, de 25.09.2014 - Proc. n.º 0799/14, de 23.10.2014 - Proc. n.º 0725/14, de 28.05.2015 - Proc. n.º 01536/14, de 18.06.2015 - Proc. n.º 0469/15, de 25.11.2015 - Proc. n.º 0853/15 todos consultáveis no mesmo endereço].
XI. Ainda no âmbito da caracterização deste critério afirmou-se no acórdão de 19.12.2012 deste mesmo Supremo [Proc. n.º 01053/12 consultável no mesmo sítio] que “é mister que o juízo de prognose se funde em algo já evidente ou manifesto, isto é, em algo que, sem recurso a complexos ou questionáveis esforços argumentativos, se capte quase «de visu». O que, contudo, também não significa que só seja evidente ou manifesto o que se deteta num primeiro olhar, ao modo da intuição sensível. Na verdade, o êxito ou o malogro do processo principal não deixarão de ser evidentes ou manifestos por se concluírem a partir dum discurso argumentativo - pois o exercício do direito faz-se por raciocínios. O que se exige, para que se diga que se atingiu um estado de evidência, é que tal discurso seja claro e sólido, eliminando quaisquer dúvidas. Todavia, há que admitir que a quantidade e a complexidade dos raciocínios utilizados, por aumentarem o risco da insinuação de erros, não são um «iter» muito apropriado à colheita de evidências. Decerto que, para tanto, o essencial é que o processo discursivo que as atinge seja objetivo e seguro; mas é inegável que sê-lo-á tanto mais quanto maior for a sua simplicidade”.
XII. O acórdão sob impugnação no que respeita às alegadas ilegalidades decorrentes da violação do dever de decidir a reclamação e da falta de fundamentação conclui que “não configuram (…) «ilegalidades manifestas», mostrando-se, aliás, invocações bastante frágeis …”, tendo, no essencial, afirmado que em face do que deriva dos factos fixados sob os n.ºs V), VI), VII), VIII), X), XI) e XII) da matéria de facto apurada “… não poderemos deixar de concluir que, apesar de não haver uma referência expressa à «reclamação» do ora requerente, mas apenas referência indireta, na medida em que se alude à «compreensibilidade dos motivos invocados», houve indeferimento do seu pedido de destacamento, e alicerçado em suficiente fundamentação. (…) E que esse indeferimento deve ser entendido como envolvendo também a sua reclamação de 26.06.2015 sobressai da reunião Plenária de 08.09.2015, na qual o CSMP considerou que a mesma «já foi objeto de decisão e manter inalterada a deliberação deste Conselho de 30.06.2015 que aprovou o Movimento Extraordinário de Magistrados do Ministério Público» (…). (…) A fundamentação do indeferimento resulta bastante clara, cremos, do contexto dos referidos indeferimentos: tem a ver com a gestão dos quadros do Ministério Público, feita pelo respetivo Conselho Superior, face à escassez de magistrados e às necessidades existentes, e com um juízo, daí decorrente, de que, devido à ponderação desse binómio escassez/necessidades, não se mostrava possível o cumprimento, no caso do requerente, do artigo 136.º, n.º 1, do EMP …”.
XIII. E quanto aos demais fundamentos de ilegalidade [violação dos arts. 08.º, n.ºs 1, 3 e 4, do DL n.º 49/2014, e 136.º, n.º 1, do «EMP»] a sua manifesta ou provável verificação conducente à procedência da pretensão do aqui recorrente mostrou-se afastada, em termos cautelares, já que “é tudo menos clara, pois não se impõe de forma inequívoca ao jurista, e é, aliás, fortemente fragilizada pela versão jurídica do litígio dada pelo ora requerido”, argumentando-se para a “fragilização” da tese interpretativa avançada pelo requerente cautelar e na qual o mesmo funda a sua pretensão o facto de ser “… um dado público a escassez de magistrados do Ministério Público para preencher os mínimos que são fixados na lei para todos os tribunais de comarca …” e de é ao «CSMP» “… compete proceder à respetiva gestão de quadros de harmonia com as respetivas necessidades de serviço, tal como resulta dos artigos 15.º, n.º 1, e 27.º, alínea a), do EMP”, na certeza de que “… sendo obviamente de ter em conta, nas colocações, a possibilidade de conciliar a vida pessoal e familiar dos magistrados com a sua vida profissional, tal nunca poderá resultar em prejuízo das necessidades do serviço, pois é isso que resulta da lei e da missão pública da magistratura em causa”.
XIV. Presentes os considerandos de enquadramento desenvolvidos quanto ao critério de decisão previsto na al. a), do n.º 1, do art. 120.º, do CPTA; visto o procedimento e o teor do ato em crise; a articulação/motivação efetuada pelo requerente cautelar no seu articulado inicial, ora reiterada nas alegações de recurso, e com a qual visou lograr convencer do preenchimento dos critérios de decisão definidos no referido preceito; aquilo que constituiu a argumentação expendida pelo requerido cautelar na sua oposição e que, igualmente, se mostra reafirmada nas contra-alegações; temos que inequivocamente se impunha concluir, tal como entendimento firmado no acórdão recorrido, pela inexistência de manifesta ou evidente procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, posicionamento e argumentação que aqui se acompanham e reiteram.
XV. Na verdade, não estando em causa “ato de aplicação de norma já anteriormente anulada” ou “ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente” restaria determinar se, na situação, estaríamos em face de “ato manifestamente ilegal”, conclusão essa que, como avançado supra, não se logra extrair dum juízo sumário sobre os vários fundamentos de ilegalidade invocados pelo requerente.
XVI. Cotejados tais fundamentos vê-se que os mesmos encerram problemas jurídicos complexos sobre os quais o requerente/recorrente desenvolveu profusa argumentação, questões essas que mereceram oposição por parte do requerido/recorrido, o qual lhe contrapôs um outro entendimento jurídico sustentado numa retórica argumentativa igualmente alargada e sustentada.
XVIII. Não é claro que o ato em crise padeça de ilegalidades que sejam manifestas a ponto de conduzirem à “evidência evidente” da procedência da ação principal, dado que, além de se revelarem controvertida entre as partes, temos que a sua apreciação ou verificação mostra-se complexa, não se apresentando ou resultando o juízo de ilegalidade, a efetuar quanto aos vários fundamentos invocados, como inequívoco, visto envolver, pela natureza das questões em discussão [em termos fácticos/jurídicos], um juízo de perceção ou de “impressão do julgador” cautelar que não é unívoco no e quanto ao seu segmento decisório.
XIX. As exigências que in casu se mostram necessárias em termos da tarefa do julgador cautelar de ponderação das várias ilegalidades em crise, à luz da factualidade que se mostra apurada e do regime jurídico convocado, tendentes à emissão dum juízo de evidência da procedência da pretensão principal não são, no caso concreto, compatíveis ou compagináveis com o tipo de juízo que está em causa na citada al. a), do n.º 1, do art. 120.º do CPTA, na certeza de que a solução e decisão das questões jurídicas em que se estribam os vários fundamentos de ilegalidade suscitados, estando longe de uma posição pacífica e unívoca, têm sede própria na ação principal.
XX. Soçobram, pois, e sem necessidade de outros considerandos as críticas dirigidas nesse segmento ao acórdão recorrido porquanto a adoção da providência cautelar pretendida não tem enquadramento no critério inserto na referida alínea, pelo que, ao invés do sustentado pelo recorrente, a mesma e demais quadro normativo convocado não se mostram infringidos.
XXI. Assente que se mostra que a adoção de providência cautelar pretendida não tem enquadramento naquele critério de decisão temos que, no mesmo preceito legal e para o segmento da pretensão em presença com carácter antecipatório, se mostram consagrados nos n.ºs 1, al. c) e 2 um distinto grupo de condições de procedência.
XXII. Assim, ali se enunciam: a) duas condições positivas de decretamento [periculum in mora - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e fumus boni iuris (“aparência do bom direito”) - reportado ao facto de ser provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente]; e, b) A um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença [públicos e/ou privados] - proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.
XXIII. Está em causa, na situação vertente, determinar do preenchimento do critério do “fumus boni iuris”, critério esse que intervém na sua formulação positiva, o qual obriga para o decretamento da providência que exista um juízo positivo de probabilidade de procedência da pretensão. 4. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar total provimento ao recurso jurisdicional sub specie e consequentemente, pela motivação antecedente, manter a decisão judicial recorrida com todas as legais consequências. Custas a cargo do recorrente. D.N.. Lisboa, 21 de janeiro de 2016. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho(relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira– Vítor Manuel Gonçalves Gomes– Jorge Artur Madeira dos Santos– António Bento São Pedro– Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa– José Francisco Fonseca da Paz– Maria Benedita Malaquias Pires Urbano– Maria do Céu Dias Rosa das Neves. |