Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0130/20.2BECBR
Data do Acordão:02/04/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Descritores:ACÇÃO
DECLARAÇÃO
PERDA DE MANDATO
CUSTAS JUDICIAIS
ISENÇÃO DE CUSTAS
Sumário:I - Os titulares de órgãos autárquicos que sejam demandados em ações de declaração de perda de mandato autárquico não se encontram abrangidos pela isenção de custas judiciais prevista na alínea d) do número 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais.
Nº Convencional:JSTA000P27140
Nº do Documento:SA1202102040130/20
Data de Entrada:11/10/2020
Recorrente:A.........
Recorrido 1: MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO


I. Relatório

1. A…….. - identificado nos autos – requereu, nos termos do número 1 do artigo 166.º do CPC, aplicável ex-vi do artigo 1.º do CPTA, a reforma quanto a custas do Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo do Norte (TCAN), de 29 de maio de 2020, que declarou a perda do seu mandato autárquico.

2. No referido acórdão decidiu-se quanto a custas o seguinte:

«Custas pelo Recorrente neste Tribunal e nas instâncias, por não se lhe aplicar a isenção prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 4º do RCP, na medida em que intervém na ação pessoalmente, na defesa de direitos políticos que se arroga ter para exercer um mandato autárquico, e não como Eleito Local, na defesa da sua atuação enquanto Vereador da Câmara Municipal de …….. e por causa do exercício dessa função. Notifique-se».

3. Na sua reclamação, o Recorrente alega que não agiu pessoalmente, pois «que se encontram em causa nos Autos são as funções de vereador do Recorrente e a incompatibilidade com esta em um negócio por si realizado com o próprio Município»
Vejamos então.

4. Dispõe alínea d) do número 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais o seguinte:

«1 - Estão isentos de custas:
(...);
d) Os membros do Governo, os eleitos locais, os diretores-gerais, os secretários-gerais, os inspetores-gerais e equiparados para todos os efeitos legais e os demais dirigentes e funcionários, agentes e trabalhadores do Estado, bem como os responsáveis das estruturas de missão, das comissões, grupos de trabalho e de projeto a que se refere o artigo 28.º da Lei n.º 4/2004, de 15 de Janeiro, qualquer que seja a forma do processo, quando pessoalmente demandados em virtude do exercício das suas funções;

(...)»

Determinante da isenção prevista no preceito legal transcrito é, pois, que os autarcas tenham sido demandados em virtude do exercício das suas funções.
Ora,

5. Na presente ação de declaração de perda de mandato autárquico, o Recorrente não vem demandado pela sua atuação enquanto vereador da Câmara Municipal de ……., na medida em que nela não está em causa a apreciação das consequências jurídicas de qualquer intervenção ou voto seu nas reuniões da câmara em que participou, ou qualquer ato individual por si praticado enquanto Vereador, no exercício de competências delegadas ou subdelegadas do respetivo Presidente da Câmara. Nem qualquer atuação material conexa com o exercício daquelas funções.
Ou seja, o que se discute na presente ação não é a sua atuação enquanto órgão ou agente administrativo investido no exercício da função administrativa para a prossecução do interesse público, mas sim a sua conduta privada, enquanto arquiteto que é sócio-gerente de uma sociedade comercial por quotas que celebrou um contrato público de prestação de serviços com a Câmara Municipal de ……..
Foi por causa da sua conduta privada que o Recorrente se colocou em situação de inelegibilidade e, em consequência, perdeu o seu mandato, pelo que agiu no seu interesse pessoal e contra o interesse da Câmara Municipal a que pertencia.
Não faz, por isso, qualquer sentido que beneficie de uma isenção de custas por ser demandado em virtude de uma atuação contrária ao interesse público defendido pelo órgão a que pertencia.

6. No mesmo sentido já se decidiu no Acórdão desta mesma Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 18 de junho de 2020, proferido no Processo n.º 565/18.0BEBJA, que aliás o reclamante, estranhamente, invoca em seu favor.
No referido acórdão afirmou-se o seguinte:

«9. Com efeito, para que resulte preenchida a isenção de custas em questão, conexionada com o regime previsto nos arts.05.º e 21.º da Lei 9/87 [Estatuto dos Eleitos Locais], o beneficiário terá de ter sido demandado por consequência de um ato/conduta pelo mesmo desenvolvido enquanto eleito local, ou seja, no quadro de ação/atuação em que o mesmo, enquanto eleito local, tenha sido demandado pela prática de atos [jurídicos/materiais] no exercício daquele seu cargo/função.

10. No caso, o ora reclamante mostra-se pessoalmente demandado por virtude de uma sua qualidade, que adquiriu pela nomeação como assessor e, assim, integrando o gabinete de apoio de presidente de câmara municipal, a qual foi geradora de situação de incompatibilidade e cuja consequência foi a sua demissão daquele cargo [cfr., conjugadamente, n.º 2 do art. 03.º do EEL, n.º 5 do art. 22.º do DL n.º 11/2012, de 20.01 e, ainda, arts. 03.º, n.°1 al. a), e 05.º, n.°1, ambos do DL n.°196/93, de 27.05], e já não por uma qualquer ação/conduta que tivesse exercido ou desenvolvido enquanto eleito local.»

A situação que foi objeto de apreciação naquele processo é essencialmente a mesma que se discute no presente processo, diferindo apenas na função incompatível que era exercida pelo reclamante ali, e a que aqui é exercida pelo ora reclamante.

7. Assim, e sem mais considerações, conclui-se que o Recorrente, ora reclamante, não se enquadra na previsão normativa da alínea d) do número 1 do artigo 4.º do RCP, não beneficiando da respetiva isenção de custas processuais.


II. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em negar provimento ao pedido de reforma quanto custas do seu Acórdão de 19 de novembro de 2020.

Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em ½ UC [artigos 527.ºdo CPC, 189.º do CPTA e 7.º do RCP e respetiva tabela anexa]. Notifique-se.

Lisboa, 4 de Fevereiro de 2021. – Cláudio Ramos Monteiro (relator) – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano.