Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:046576
Data do Acordão:10/17/2006
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:POLÍBIO HENRIQUES
Descritores:SEGURANÇA SOCIAL.
ALIENAÇÃO DE CRÉDITOS.
IMPEDIMENTO.
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE.
Sumário:I - De acordo com o regime jurídico fixado pelo DL nº 124/96 de 10 de Agosto e Despacho nº 12 716/99 do Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais, a alienação de créditos da segurança social deve reger-se pelo princípio da transparência e, nos termos previstos no art. 10º/5 daquele primeiro diploma, não pode fazer-se em favor da entidade devedora ou entidades com interesse patrimonial equiparável.
II - Ofende o princípio da imparcialidade, no plano da transparência e, do mesmo passo viola a proibição legal, por configurar uma situação de interesse patrimonial equiparável, a alienação de créditos em favor de uma empresa cuja administradora é simultaneamente administradora da empresa devedora.
Nº Convencional:JSTA00063599
Nº do Documento:SAP20061017046576
Data de Entrada:09/28/2005
Recorrente:SE DO TRABALHO E FORMAÇÃO - MINTRAB E DA SOLIDARIEDADE SOCIAL
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC STA PROC 46576 DE 2005/03/15.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC ADM GRAC - RECL.
Legislação Nacional:DL 124/96 DE 1996/08/10 ART10 ART12.
CSC86 ART447.
CPA91 ART44 N1 A.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO
A A..., já identificada nos autos, intentou, na Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, recurso contencioso de anulação do despacho conjunto de 4/5/2000, da autoria do Secretário de Estado do Trabalho e Formação e do Secretário de Estado da Segurança Social, que negou provimento à reclamação apresentada pela recorrente e manteve a decisão de adjudicação à B...de créditos da Segurança Social sobre a empresa “...”. S.A.
Pelo acórdão de 15 de Março de 2005, proferido a fls. 307/318 dos autos, a Secção concedeu provimento ao recurso e anulou o acto recorrido.
1.1. Inconformado, o Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, que sucedeu nas funções antes exercidas pelos Secretários de Estado do Trabalho e Formação e da Segurança Social, recorre para este Pleno apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1. A Comissão de Negociação nomeada para diligenciar a alienação dos créditos da Segurança Social e do IEFP sobre “..., S.A.” procurou analisar as candidaturas recepcionadas, de acordo com os princípios da boa fé e da imparcialidade, verificando se as mesmas cumpriam todos os requisitos previstos no nº 5 do artigo 10º do Decreto - Lei nº 124/96, de 10 de Agosto e no nº 16 do Despacho nº 12716, de 14/06/1999, do Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais;
2. Nesta medida, existindo lei especial, reguladora do caso sub judice, não entende o Recorrente, salvo o devido respeito, o porquê da aplicação, sem mais, da norma da alínea a) do artigo 44º do CPA;
3. Tanto mais que, no caso vertente, não se verificou o impedimento a que se refere a alínea a) do artigo 44º do CPA, o qual tem, de resto, um âmbito de aplicação restrito aos órgãos e agentes da administração pública;
4. Outro entendimento não pode ser perfilhado, em virtude das garantias de imparcialidade previstas no citado normativo legal constituírem um corolário do princípio da imparcialidade da administração pública, previsto no nº 2 do art. 266º da Constituição da República Portuguesa;
5. Aliás, atento o disposto no ponto IV da alínea b) do nº 16 do Despacho nº 12716/99, de 14 de Junho, para haver violação das garantias de imparcialidade, seria necessário que a “B..., S.A.” integrasse, como membro, o órgão de administração da empresa devedora, “..., S.A.”;
6. O que nunca sucedeu, já que, quem foi membro do Conselho de Administração da entidade devedora, foi a Sra D. ... (e não a candidata “B..., S.A.”);
7. Sendo certo igualmente que a Sra D. ..., accionista e administradora da “B..., S.A.”, apenas foi nomeada administradora da empresa “..., S.A.”, na sequência da deliberação, nesse sentido, da assembleia de credores da empresa, devidamente homologada por sentença judicial, isto para além de não ser, naturalmente, responsável pelo passivo da empresa recuperanda em relação à Segurança Social e ao IEFP;
8. Pelo que, salvo o devido respeito e melhor opinião, a situação em apreço não é subsumível no artigo 44º do CPA, para o qual remete genericamente a previsão do nº 5 do artigo 10º do Decreto – Lei nº 124/96, de 10 de Agosto;
9. Por fim – cabe referi-lo, ainda -, na interpretação dada pelo douto acórdão recorrido à alínea a) do artigo 44º do CPA, assim como ao nº 5 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto, o Tribunal a quo violou o princípio da confiança, ínsito nos princípios Estado de direito democrático, para além do princípio da segurança jurídica, inerente à função judicial, consagrados nos artigos 2º e 9º. alínea b) da Constituição da República Portuguesa.
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer nos seguintes termos:
“Somos de parecer que não assiste razão ao Recorrente.
Com efeito,
O Dec – Lei nº 124/96, que disciplina as condições de alienação dos créditos de segurança social, no seu nº 5, além de proibir que a alienação se faça em favor da entidade devedora e de membros de órgão de administração impede-a também a favor de entidades com interesse equiparável, sendo que o art. 12º do mesmo diploma, ao referir as entidades a considerar como de «interesse patrimonial equiparável» o faz apenas de forma exemplificativa.
Por sua vez, a alínea a) do nº 16 do Despacho nº 12716/99 de 14.6, do Secretário de Estado da Segurança Social, no que concerne à exclusão das candidaturas à aquisição daqueles créditos, refere, genericamente, «qualquer das situações de impedimento previstas na lei».
Por deliberação da assembleia de credores do “..., S.A”, de 8.2.1999, ... foi designada, em conjunto com outras pessoas, administradora daquela sociedade durante o período de gestão controlada.
À data, a referida ... fazia também parte do Conselho de Administração da “B..., S.A.”, sociedade cuja constituição foi registada em 13.1.1999.
A gestão controlada, como meio de recuperação da empresa em situação económica difícil, tem subjacentes razões de interesse e ordem pública.
Analisando os preceitos supra referidos que estabelecem restrições quanto à pessoa do adquirente dos créditos, verificamos que aquelas são estabelecidas com vista a assegurar, além do mais, os princípios da transparência, que o preâmbulo do Dec-Lei nº 124/96 refere deverem presidir à aplicação deste diploma.
A coexistência na pessoa de ... das qualidades de administradora do “...” e de membro do conselho de administração da “B..., S.A”, permitindo-lhe influenciar a preparação da proposta da concorrente “B...” para a aquisição dos créditos da segurança social sobre o “...”, por deter informação privilegiada (aquisição em que a referida ... tinha interesse) leva a concluir que ela tinha, para efeitos do disposto nos arts. 10º, nº 5 e 12º do Dec-Lei nº 124/96 e nº 16 do Despacho nº 12716/99, um interesse equiparável à entidade devedora e aos seus administradores, sofrendo o acto impugnado de vício de violação destes preceitos bem como do disposto no art. 44º, nº 1. al. a) do CPA, conforme entendeu o acórdão recorrido.
Face ao exposto, não vislumbramos que a interpretação dada pelo acórdão recorrido aos arts. 44º, nº 1, al. a) do CPA e 10º, nº 5 do Dec-Lei nº 124/96 possa integrar a alegada violação do princípio da confiança.
Devendo ser negado provimento ao recurso.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 FUNDAMENTAÇÂO
2.1. OS FACTOS
No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos:
A) O Despacho n.º 12716/99 (2.ª Série) do Secretário de Estado da Segurança Social e das relações Laborais, publicado no DR II Série, n.º 153, de 3.7.99 estabeleceu as regras dos procedimentos com vista à alienação dos créditos da Segurança Social instituída pelo artigo 10.º do DL 124/96, de 1 de Agosto
B) O nº 16 do referido despacho determina que:
“São excluídas as candidaturas apresentadas por
a) Entidades que se encontrem em qualquer das situações de impedimento previstas na lei;
b) Entidades que se encontrem nas condições previstas no n.º 5 do artigo 10.º do DL 124/96, de 10 de Agosto, designadamente:
i) A própria empresa devedora ou as entidades suas titulares;
ii) Os cônjuges não separados judicialmente, seja qual for o regime matrimonial e os descendentes…
iii) As empresas coligadas, dominadas ou com titulares comuns relativamente à empresa devedora ou às entidades titulares desta.
iv) Os administradores ou gerentes que tenham exercido funções em períodos nos quais se tenham constituído os créditos objecto do procedimento
C) Em 13 de Janeiro de 1999 foi registada a constituição da sociedade B... S.A, de que é accionista ... bem como a constituição do respectivo Conselho de Administração para o quadriénio seguinte do qual fazia parte a accionista ... (certidão de fls. 272).
D) Por deliberação da Assembleia de Credores de 8.2.99, homologada por sentença de 17.02.99 (certidão de fls. 280) ... foi designada em conjunto com outras pessoas para administradora no período de gestão controlada da sociedade “...”.
E) Por aviso publicado no DR III Série de 13.7.99, p. 14768 foi aberto concurso para alienação dos créditos da Segurança Social sobre o ... a que foram depois associados os créditos detidos pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional.
F) Apresentaram-se ao concurso dois concorrentes, a recorrente e a B....
G) A Comissão de Negociação ordenou a B... em primeiro lugar em reunião de 99.10.28 com base nas seguintes considerações:
“ a) Capacidade financeira e idoneidade técnica – os dois concorrentes mostraram possuir igual capacidade financeira e idoneidade técnica, conforme, nomeadamente, os teores das cartas de conforto bancárias por eles oportunamente apresentadas.
b) Preço, condições de pagamento e elementos integrantes do Anexo 2 das Actas 4 e 5 da Comissão de Negociação – A B..., S.A respondeu afirmativamente à contraproposta desta Comissão, em todas as suas vertentes; a A... não deu resposta conclusiva a tais questões.
c) Projecto empresarial – Tendo em conta as peças processuais que cada concorrente carreou aos respectivos processos, e bem assim a análise das reuniões havidas com os dignos representantes das concorrentes à Comissão e as explicações por eles dadas sobre os seus projectos empresariais, a Comissão de Negociação considerou ser mais consistente o projecto da B..., S.A quer em termos de um melhor conhecimento da realidade sócio-económica de O ..., S.A.,, quer das medidas previstas para a viabilização da empresa; por seu lado a A..., em seu oficio de 25 de Outubro de 1999, afirma estar ainda numa fase de verificação de dados económico-financeiros da empresa, pelo que não se encontra em condições de dar resposta definitiva à contraproposta que lhe foi dirigida pela Comissão de Negociação.”
H) A A... reclamou da ordenação dos candidatos, mas com fundamento na informação de 2000.04.18, por despacho dos Secretários de Estado recorridos, de 4.5.2000, foi indeferida a reclamação
I) A B... celebrou o contrato de alienação de Créditos junto ao instrutor e pagou ao IEFP e ao IGFSS o montante de sessenta milhões de Euros pelos créditos que estes detinham sobre ... (doc. juntos no Instrutor).
2. 2. O DIREITO
Decorre do relatado que o acórdão recorrido anulou o acto contenciosamente impugnado que, por sua vez, negara provimento à impugnação administrativa apresentada pela recorrente, ora recorrida, da decisão de adjudicação de créditos da Segurança Social sobre a empresa “...”. S.A.
O que estava em causa era saber da legalidade da alienação de créditos feita a uma sociedade, a “B..., S.A.” que tinha como accionista e administradora ..., pessoa que, ao tempo, exercia, também, as funções de administradora da sociedade “...”, para as quais havia sido designada, por deliberação da assembleia de credores, no período de gestão controlada.
2.2.1.O acórdão impugnado pronunciou-se no sentido da ilegalidade com o seguinte discurso justificativo:
“(…) ainda que o interesse patrimonial da B... não fosse o mesmo da sociedade devedora “...”, a B... estava impedida de intervir no negócio porque a sua representante legal também era representante e tinha interesse na administração da devedora, gerando o impedimento a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 44.º do CPA para o qual remete genericamente a previsão do n.º 5 do art.º 10.º do DL 124/96 e foi desenvolvido pelas normas dos concursos designadamente o n.º 16 do Despacho 12716/99 do Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações de Trabalho.
Estabelece o referido n.º 5:
“A alienação prevista no presente artigo não pode fazer-se em favor da entidade devedora, membros de órgãos de administração ou entidades com interesse patrimonial equiparável.”
E, o n.º 16 do Despacho 12716, de 14.6.99, regulamentou esta norma legal excluindo as candidaturas quando apresentadas por:
a) entidades que se encontrem em qualquer das situações de impedimento previstas na lei.
b) Entidades que se encontrem nas condições previstas no n.º 5 do artigo 10.º do DL 124/96, de 10 de Agosto, designadamente:
i)…
ii)…
iii) As empresas coligadas, dominadas ou com titulares comuns relativamente à empresa devedora ou às entidades titulares desta.
iv)… ……….
Deste modo a al. a) remete expressamente para os impedimentos traçados em geral no CPA tal como decorria do DL regulamentado ao considerar impedidas as entidades com interesse patrimonial equiparável ao da entidade devedora. Por seu lado o art.º 44.º n.º 1 al. a) do CPA considera impedido de intervir em procedimento, acto ou contrato o titular de um órgão quando nele tenha interesse, por si, como representante ou como gestor de negócios de outra pessoa.
O impedimento que está previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 44.º do CPA, ao contrário do que vem sustentado pelas entidades recorridas, não se aplica exclusivamente aos titulares do órgão público que contratou nem aos membros da Comissão de Negociação que nomearam, porque o DL 124/96, de 10 de Agosto, estende a sua aplicação na alienação dos créditos à devedora e aos membros de órgãos de administração, ou entidades (sociedades) com interesse patrimonial equiparável, o que significa que se os membros dos órgãos de administração da devedora e da adquirente são as mesmas pessoas, quer pelo seu interesse pessoal quer pelos interesses que representam, se estabelece uma objectiva unidade, confluência, ou promiscuidade de interesses que é suficiente para pôr em causa a transparência e a imparcialidade, independentemente de se encontrar qualquer aspecto concretizado em que se identifique um tratamento discriminatório ou preferencial.
Esta característica de objectividade foi traçada especificamente pelo legislador ao criar situações de impedimento e determinar como consequência da sua infracção a anulabilidade dos negócios celebrados ou actos jurídicos unilaterais emitidos.
Assim este STA tem considerado as normas do artigo 44.º do CPA primordialmente destinadas a assegurar a transparência e a imparcialidade da actividade administrativa e abrangendo não só os órgãos e agentes com competência para proferir decisões, mas igualmente quem tem no procedimento outro tipo de intervenção – Ac. de 17.11.2004, P. 2038/03.
E referindo-se ao DL 370/83, de 6.10, o sumário do Ac. de 14.05.97 no P. 29582 refere que é intenção do legislador ao estabelecer o impedimento afastar do procedimento quem por ele possa ser influenciado, ou possa, ele próprio, influenciar. No caso não há dúvida de que a administradora do ... ... podia influenciar decisivamente a preparação da proposta da concorrente B..., de que era também administradora, para a aquisição dos créditos do ... por dispor de mais informação ou pela ligação estreita que tinha necessariamente com a situação da devedora e com a sociedade que se propunha adquirir os créditos daquela devedora à Segurança Social.
Portanto, a lei não pretendeu afastar da compra dos créditos apenas a sociedade devedora e seus administradores, mas também as entidades com interesse patrimonial equiparável, em que se incluem as sociedades cujos administradores são simultaneamente administradores da entidade devedora e da sociedade pretendente a adquirir os créditos, por aplicação directa da alínea a) do n.º 1 do artigo 44.º do CPA.
De modo que se considera que o acto sofre de vício de violação de lei – artigo 10.º n.º 5 e n.º 16 das normas dos Concursos de Alienação de Créditos, bem como 44.º n.º 1 – a) do CPA - pelo qual deve ser anulado.”
A autoridade ora recorrente discorda deste entendimento, argumentando, em síntese, que:
(i) existindo lei especial, não entende o porquê da aplicação, sem mais, da norma da alínea a) do art. 44º do CPA;
(ii) ademais, no caso vertente não se verificou o impedimento a que se refere a alínea a) do artigo 44º do CPA, o qual tem, de resto, um âmbito de aplicação restrito aos órgãos e agentes da administração pública;
(iii) atento o disposto no ponto IV da alínea b) do nº 16 do Despacho nº 12716/99, de 14 de Junho, para haver violação das garantias de imparcialidade, seria necessário que a “B..., S.A.” integrasse, como membro, o órgão de administração da empresa devedora, o que nunca sucedeu;
(iv) sendo certo, igualmente, que a Srª D. ..., para além de não ser responsável pelo passivo da empresa recuperada, apenas foi nomeada administradora de “...” na sequência de deliberação, nesse sentido, da assembleia de credores, devidamente homologada por sentença judicial.
2.2.2. Definido o perímetro do dissídio, apreciemos.
O DL nº 124/96, de 10 de Agosto, veio regular, além do mais, as condições em que os créditos por dívidas de natureza fiscal ou à segurança social cujo prazo de cobrança voluntária tivesse terminado até 31 de Julho de 1996, podiam ser objecto de alienação, determinando o seguinte:
Artigo 10º
1 – A alienação de créditos poderá ser feita com sub-rogação pelo adquirente das garantias e prerrogativas da Fazenda Pública e da segurança social, podendo abranger os direitos inerentes à cláusula «salvo regresso de melhor fortuna».
2 – Quando efectuada pelo valor nominal dos créditos, a alienação pode ser realizada por negociação, com ou sem publicação de anúncio, ou por ajuste directo.
3 – Quando efectuada pelo valor de mercado, a medida prevista no número anterior concretizar-se-á mediante negociação, com prévia publicação de anúncio.
4- Não obstante o disposto no número anterior, poder-se-á optar por:
a) Negociação sem prévia publicação de anúncio, quando sejam convidadas a participar nas negociações as instituições de crédito que tenham manifestado interesse em participar na operação de alienação, bem como os 10 maiores credores da entidade devedora, com excepção do Estado, da segurança social e dos institutos públicos sem natureza de empresa pública;
b) Negociação sem prévia publicação de anúncio ou ajuste directo, quando esteja em causa apenas a alienação de direitos inerentes à cláusula «salvo regresso de melhor fortuna».
5 – A alienação prevista no presente artigo não pode fazer-se em favor da entidade devedora, membro de órgãos de administração ou entidades com interesse patrimonial equiparável.
E, em relação ao interesse patrimonial equiparável:
Artigo 12º
Para os efeitos previstos no presente diploma, consideram-se de interesse patrimonial equiparável, designadamente:
a) As entidades que, em relação aos sócios ou aos membros do órgão de administração da entidade devedora, se encontrem em qualquer das situações referidas no nº 2 do art. 447º do Código da Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 262/86, de 2 de Setembro;
b) As sociedades em relação do domínio ou de grupo com a entidade devedora.
Dada a remissão para o art. 447º do Código das Sociedades Comerciais, deixamos a respectiva redacção, na parte que interessa:
1. Os membros dos órgãos de administração e de fiscalização de uma sociedade anónima devem comunicar à sociedade o número de acções e de obrigações da sociedade de que são titulares, e bem assim todas as suas aquisições, onerações ou cessações de titularidade, por qualquer causa, de acções e de obrigações da mesma sociedade e de sociedades com as quais aquela esteja em relação de domínio ou de grupo.
2. O disposto no número anterior é extensivo às acções e obrigações:
a) Do cônjuge não separado judicialmente, seja qual for o regime matrimonial de bens;
b) Dos descendentes de menor idade;
c) Das pessoas em cujo nome as acções ou obrigações se encontrem, tendo sido adquiridas por conta das pessoas referidas no nº 1 e nas alíneas a) e b) deste número;
d) Pertencentes a sociedade de que as pessoas referidas no nº 1 e nas alíneas a) e b) deste número sejam sócios de responsabilidade ilimitada, exerçam a gerência ou algum dos cargos referidos no nº 1 ou possuam, isoladamente ou em conjunto com pessoas referidas nas alíneas a),b) e c) deste número, pelo menos metade do capital social ou dos votos correspondentes a este.
Por sua vez, o Despacho nº 12 716/99 (2ª Série) do Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais, depois de preambularmente afirmar que “ a alienação de créditos constitui (…) um instrumento privilegiado para arredar do circuito económico o falso empreendedor (..), que não pode, o recurso à alienação de créditos ficar à mercê de um qualquer princípio de oportunidade, antes se impondo definir a priori os contornos que a poderão determinar, de forma a balizar a margem de livre apreciação que à Administração cabe nesta matéria” e que “deste imperativo decorre a necessidade de uniformização dos processos de análise prévios a essa decisão, por forma a tornar os procedimentos de alienação de créditos mais transparentes, céleres, eficazes e do conhecimento dos agentes económicos em geral, só assim cumprindo a função que visam satisfazer”, determinou o seguinte:
Impedimentos
16 – São excluídas as candidaturas quando apresentadas por:
a) Entidades que se encontrem em qualquer das situações de impedimento previstas na lei;
b) Entidades que se encontrem nas condições previstas no nº 5 do art. 10º do Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto, designadamente:
(i) A própria empresa devedora ou as entidades suas titulares;
(ii) os cônjuges não separados judicialmente, seja qual for o regime matrimonial de bens e os descendentes de menor idade dos titulares da empresa devedora;
(iii) As empresas coligadas, dominadas ou com titulares comuns relativamente à empresa devedora ou às entidades titulares desta;
(iv) Os administradores ou gerentes que tenham exercido funções em períodos nos quais se tenham constituído os créditos objecto do procedimento.
Neste conjunto de normas revelam-se, além, do mais, dois fios condutores: a alienação é informada pelo princípio da transparência e se, precedida de publicação de anúncio, deve reger-se pelo princípio da concorrência.
Ora, relembrando, o acórdão recorrido considerou que o acto impugnado sofre de violação de lei, desde logo por ofensa do disposto no art. 44º/1/a) do CPA, norma destinada a assegurar a transparência e a imparcialidade.
No discurso justificativo do acórdão recorrido, para além do mais, merecem destaque, a nosso ver, dois argumentos que são outras tantas verdades insofismáveis, a saber: que (i) “se os membros dos órgãos de administração da devedora e da adquirente são as mesmas pessoas, quer pelo seu interesse pessoal, quer pelos interesses que representam,” estabelece-se “uma objectiva unidade, confluência ou promiscuidade de interesses” e que (ii) “no caso não há dúvida de que a administradora do ..., ... , podia influenciar decisivamente a preparação da proposta da concorrente B..., de que era também administradora, para a aquisição dos créditos do ... por dispor de mais informação, pela ligação estreita que tinha necessariamente com a situação da devedora e com a sociedade que se propunha adquirir os créditos daquela devedora à Segurança Social”.
Posto isto, é inquestionável, antes de mais, que, no caso em apreço, a admissão de uma candidatura, a da B..., que podia gozar de informação privilegiada, comprometeu, de imediato, a igualdade necessária à concretização do aludido princípio da concorrência.
Depois, foi ferida a transparência, anteparo e guarda avançada da imparcialidade. Nesta dimensão que visa garantir a imagem e o bom nome da Administração e a confiança que nela depositam os cidadãos, para além da proibição de actuações parciais, importa impedir a criação de situações que ponham em perigo o bem jurídico da imparcialidade, demarcando uma zona envolvente que se julga adequada a prevenir a respectiva lesão”(cf. Vieira de Andrade citado por Maria Teresa de Melo Ribeiro, in “O Princípio da Imparcialidade da Administração Pública”, p. 192, nota 102) e, que, como se refere no acórdão recorrido, uma vez invadida, implicará que se considere desrespeitado o princípio da imparcialidade “independentemente de se encontrar qualquer aspecto concretizado em que se identifique um tratamento discriminatório ou preferencial.” E no caso concreto, não há dúvida que a admissão da B..., dada a assinalada promiscuidade de interesses, só por si, pode fazer germinar a suspeita pública acerca da objectividade e isenção da Administração.
Portanto, independentemente de saber se a situação é enquadrável pela norma do art. 44º/1/a) do CPA, ou se este preceito é inaplicável por ter o âmbito de aplicação restrito aos órgãos e agentes da administração pública, certo é que, de todo o modo, se mostra ofendido o valor da imparcialidade que aquela norma visa proteger, circunstância que, por si só, sempre será fundamento autónomo de invalidade do acto, de acordo com o previsto no art. 6º do CPA.
Não há pois, razão, para, por este lado, modificar o sentido decisório do acórdão recorrido.
E o mesmo se diga em relação à decisão de considerar o acto ferido do vício de violação de lei por ofensa ao disposto no art. 10º/5 do DL nº 124/96, de 10 de Agosto e ponto 16. do Despacho nº 12 716/99.
Na verdade, outra das ideias força que preside ao regime jurídico supra transcrito, é a de que a alienação dos créditos não pode fazer-se em favor da entidade devedora, seja directamente, seja por via oblíqua, através de outras entidades com interesse patrimonial equiparável, interesse esse que a própria lei fez coincidir com todas e cada uma das situações da vida que elegeu como impedimentos à candidatura.
Ora, nos termos das disposições combinadas dos arts. 10º, nº 5 e 12º, al. a) do DL nº 124/96, art. 447º, nº 2, al. d) do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo DL nº 262/86, de 2 de Setembro e ponto 16, al. b), iii) do Despacho nº 12 717/99, uma dessas situações de impedimento é, precisamente, a das empresas com titulares comuns relativamente à empresa devedora.
Em suma: ainda que por razões com algumas diferenças, deve manter-se a decisão do acórdão recorrido que considerou que o acto contenciosamente impugnado sofre do vício de violação de lei por desrespeito do art. 10º nº 5 do DL nº 124/96 de 10 de Agosto e das exigências atinentes ao princípio da imparcialidade.
3. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas
Lisboa, 17 de Outubro de 2006. – Políbio Henriques (relator) – António Samagaio – Azevedo Moreira – Santos Botelho – Rosendo José – Angelina Domingues – Pais Borges – Jorge de Sousa – Costa Reis.