Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01048/08.2BELSB 0685/18
Data do Acordão:01/23/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APELAÇÃO
CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário:I - Resulta da conjugação dos nºs. 3 e 5 do art.º 149.º do CPTA que se o tribunal recorrido tiver julgado do mérito da causa mas deixado de apreciar certas questões por as considerar prejudicadas, o tribunal de apelação, se entender que o recurso procede, conhece delas no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida, após o relator ouvir cada uma das partes pelo prazo de 10 dias.
II - A omissão desta audição prévia, que visa assegurar o contraditório relativamente a aspectos da causa que não eram objecto imediato do recurso, com o intuito de evitar a prolação de decisões-surpresa, constitui uma nulidade processual, nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do C. P. Civil, que afecta a decisão substitutiva.
Nº Convencional:JSTA00070850
Nº do Documento:SA12019012301048/08
Data de Entrada:10/18/2018
Recorrente:A......
Recorrido 1:INSTITUTO POLITÉNCIO DE LEIRIA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO DO TCA SUL
Decisão:CONCEDE PROVIMENTO
Área Temática 1:PROCESSO CIVIL
Área Temática 2:NULIDADE PROCESSUAL
Legislação Nacional:Nºs. 3 e 5 do Art.º 149.º do CPTA E Art.º 195.º, n.º 1, do C. P. Civil
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:


1. A………., docente do ensino superior, inconformado com o acórdão do TCA-Sul que, concedendo provimento ao recurso interposto pelo Instituto Politécnico de Leiria (doravante IPL), revogou o acórdão do TAC de Lisboa e julgou improcedente a acção administrativa especial que intentara contra este Instituto, dele recorreu para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:

“ 1º O presente recurso de revista vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul de 19 de Abril de 2018, que revogou a decisão do TAC de Lisboa que anulara o acto administrativo que exigia a reposição da quantia de 117.800,87€, e que, ao contrário do decidido pela 1º instância, julgou improcedente a acção impugnatório do acto que ordenara a referida reposição.


2º Tendo o acórdão recorrido revogado a decisão anulatória proferida pela 1ª Instância e absolvido o Réu do pedido formulado pelo Autor, é legalmente admissível e há lugar à interposição de um recurso de revista normal ex vi do disposto no nº 1 do artº 671º do CPC e dos artºs 1º e 140º/3 do CPTA, uma vez que o objectivo do CPTA e, particularmente do seu artº 150º não foi o de excluir direitos já reconhecidos pela legislação processual civil mas antes, pelo contrário, o de prever e admitir o recurso que até aí não tinha previsão nessa mesma legislação processual civil.


Acresce que,


3º Mesmo que por hipótese assim não se entendesse, sempre estariam reunidos os pressupostos para que fosse admitido o recurso de revista excepcional a que alude o artº 150º do CPTA, uma vez que a decisão consubstanciada no Acórdão em recurso suscita cinco questões que possuem uma capacidade expansiva e uma importância social e Jurídica que justifica a sua apreciação e resolução por parte deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo, inclusive para se assegurar uma melhor aplicação do direito e evitar que perdure no ordenamento jurídico uma decisão que contraria jurisprudência já firmada, a saber:


1ª Pode o Tribunal ad quem, caso entendo revogar a decisão da 1ª instância, conhecer de imediato de questões não conhecidas pelo Tribunal a quo (por terem ficado prejudicadas pela solução dada ao litígio) sem antes permitir o exercício do contraditório por ambas as partes, designadamente por aquela que vai ser afectado pela revogação da sentença proferida em 1ª instância?


2ª O prazo de prescrição constante do nº 1 do art.º 40º do DL nº 155/92 (de exigir a reposição de quantias) conta-se desde a data do recebimento de tais quantias ou desde o dia em que ocorreu o facto que dá origem à reposição, designadamente desde o dia em que o funcionário rescinde o contrato?


3ª É compatível com o direito à liberdade de escolha de profissão e com o direito à estabilidade no emprego que um docente seja obrigado a ressarcir/indemnizar a sua entidade patronal por não ter permanecido ao seu serviço após a conclusão do doutoramento quando essa mesma entidade patronal apenas pretenda manter um vínculo precário e não assegure o ingresso na carreira após a conclusão de tal doutoramento?


4º É compatível com o direito de acesso à função pública e com o princípio da continuidade de funções públicas que um funcionário tenha de indemnizar um empregador público por ter passado a exercer as mesmas funções públicas ao serviço de outro empregador público?


5ª Constitui ou não um abuso de direito e um locupletamento à custa alheia que um empregador público exija a reposição de verbas que por ele não foram pagas e que exija que a reposição se faça em montantes ilíquidos, incluindo, portanto, as quantias sobre as quais foram efectuados os descontos legais e pagos os impostos exigidos por lei?


Na verdade,


4º Todas as questões colocadas no objecto da revista possuem uma capacidade expansiva por se poderem colocar em todos os futuros processos judiciais (a primeira questão) e em todas as futuras situações em que um funcionário público tenha de repor remunerações e em que um docente conclua um doutoramento - que hoje em dia é a base para ingresso na carreira - sem que a instituição onde lecciona promova o seu ingresso na carreira e ponha termo à precaridade do vínculo laboral (as restantes quatro questões).


5º As questões colocadas na revista possuem igualmente uma importância Jurídica fundamental, seja por contenderem com um princípio fundamental do processo civil - o do contraditório -, seja por envolverem questões de segurança e certeza jurídica - a prescrição -, seja por traduzirem restrições a direitos, liberdades e garantias - designadamente a liberdade de emprego, o direito à remuneração ou o direito à estabilidade no emprego -, Seja por poderem representar um abuso de direito e um locupletamento à custa alheia por parte da Administração Pública, para Já não referir a importância fundamental de se saber quando é que se pode agredir o património de um funcionário público e obrigá-lo a repor mais de 100.000 euros.


Por fim,


6º A admissibilidade do presente recurso de revista sempre resultaria ainda do facto de ser imprescindível para assegurar uma melhor aplicação do direito e evitar que perdure no ordenamento jurídico uma decisão que contraria claramente a Jurisprudência deste venerando Supremo Tribunal Administrativo e dos demais tribunais superiores (v., o que constitui fundamento suficiente para se admitir a revista, conforme se decidiu no acórdão de 11/3/2009, Proc. nº 208/2009),


7º Com efeito, o acórdão recorrido entende que o prazo prescricional do direito de exigir a reposição não começa a correr a partir do efectivo recebimento das quantias a repor mas apenas a partir do momento em que o contrato cessou, quando este Venerando Supremo Tribunal Já teve a oportunidade de deixar bem claro, inclusive em sede de revista, que o nº 1 do artº 40º do DL nº 155/92 “marca o dies a quo do prazo prescricional de cinco anos, reportando-o à data do recebimento das quantias a repor” (v. Acº de 31/3/2016, Proc. nº 19/16).


8º De igual modo, entendeu o acórdão recorrido que podia conhecer de imediato dos demais vícios que não haviam sido conhecidos pela 1º instância sem previamente permitir às partes exercer o contraditório, quando o Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal de Justiça já firmaram jurisprudência no sentido de que a omissão da audição da parte constitui nulidade que se consuma com a prolação do acórdão (v. Acº do TC nº 183/2004, Acº do STJ de 29/4/2004, Proc. nº 0481430, Acº de 22/9/2005, Proc. nº 05B1488).


9º Consequentemente, seja por em causa estarem questões com relevante importância jurídica e capacidade expansiva, seja para uma melhor aplicação do direito, julga-se ser inquestionável estarem reunidos no caso sub judicie os pressupostos para que este Venerando Supremo Tribunal admita e conheça o presente recurso de revista ao abrigo do disposto no artº 150º do CPTA


10º Para além de estarem preenchidos os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, deverá dizer-se que o aresto em recurso incorreu em manifestos erros de julgamento e em clara violação de lei substantiva e processual.


Com efeito,


11º Ao conhecer de imediato das questões não conhecidas pelo Tribunal a quo sem antes ter dado a conhecer às partes que a apelação iria proceder e sem lhes permitir exercer o direito de contraditório, o aresto em recurso incorreu em flagrante violação do nº 5 do artº 149º do CPTA e do nº 3 do artº 665º do CPC, interpretando tais preceitos num sentido que não tem a menor correspondência no texto da lei e que colide frontalmente com a jurisprudência dominante dos tribunais superiores, a qual é bem clara no sentido de que a omissão da notificação imposta por tais preceitos envolve uma violação do princípio do contraditório e constitui nulidade (v. Acº do TC nº 183/2004, Acº do STJ de 29/4/2004, Proc. nº 0481430, Acº de 22/9/2005, Proc. nº 05B1488),


Acresce que,


12º Ao julgar improcedente o vício de prescrição do direito de exigir a reposição das quantias abonadas há mais de cinco anos a contar da data em que foi ordenada a reposição, o aresto em recurso incorreu em flagrante violação do nº 1 do artº 40º do DL nº 155/92, uma vez que não só tal norma consagra uma regra especial em matéria de início do prazo de prescrição do direito de exigir a reposição, como seguramente a jurisprudência deste Venerando Supremo Tribunal já deixou bem claro que o início do prazo prescricional de cinco anos começa com o efectivo recebimento das quantias a repor e não apenas a partir do dia em que cessou o contrato (v. neste sentido, o. Acº do STA de 31/3/2016, Proc. nº 19/16).


Por outro lado,


13º O aresto em recurso também enferma de erro de julgamento e de notória violação de lei substantiva quando funda o dever de reposição no artº 1º do DL nº 162/82, uma vez que não só tal norma fora tacitamente revogada pelos DL nº 272/88 e pelo DL nº 282/89 - que aprovaram o estatuto de bolseiro no País e no estrangeiro e não impunham nem previam qualquer obrigação de permanência aos bolseiros -, como seguramente resulta do próprio DL nº 162/82 que a obrigação de permanência era restrita aos docentes integrados na categoria e vinculados por tempo indeterminado, o que não sucedia com o A. que apenas tinha um contrato administrativo de provimento que era temporário e não permitia a integração nos quadros de pessoal nem na carreira,


14º Refira-se, aliás, que se o referido DL nº 162/82 assegurava que durante o tempo de obrigação de permanência o docente mantinha todos os direitos inerentes à sua categoria, naturalmente que o Autor só poderia estar vinculado a tal obrigação de permanência se e na medida em que estivesse no quadro de pessoal e possuísse um vínculo de natureza permanente que lhe permitisse estar integrado na carreira e categoria, sob pena de, se assim não fosse, a lei reconhecer-lhe um direito à manutenção do contrato que por força dessa mesma lei já não poderia ser renovado (como sucedia com os contratos a termo e com os contratos administrativos de provimento, que só poderiam manter-se em determinadas condições) e de lhe estar a assegurar direitos inerentes a uma categoria que o docente contratado não tinha nem podia ter.


Para além disso


15º Ainda que por mera hipótese o DL nº 162/82 não tivesse sido revogado e fosse aplicável mesmo a quem detinha um vínculo precário, sempre o aresto em recurso teria incorrido em erro de julgamento e violação da própria Constituição, uma vez que a interpretação por ele efectuada ao artº 1º do DL nº 162/82 é não só errada como desproporcional, impondo uma restrição aos direitos, liberdades e garantias consagrados nos artº 47º e 53º da Constituição totalmente desconforme às exigência de proporcionalidade a que por força do artº 18º da lei fundamental devem obedecer todas as leis restritivas.


16º Na verdade, é completamente desproporcional que se interprete tal norma no sentido de obrigar um docente a manter-se ao serviço ou a ter de indemnizar (caso não o faça) uma entidade empregadora que nem manifestou a vontade de que ele permanecesse ao seu serviço nem lhe assegurou nenhuma das regalias próprias da categoria de docente, antes tendo sucessivamente recusado provê-lo na categoria e conceder-lhe um vínculo dotado de estabilidade (e neste sentido aponta a factologia dada por provada pelo Tribunal a quo).


17º Refira-se, aliás, que para além de se estar a impor uma restrição totalmente desproporcional a um direito fundamental, constitui um verdadeiro abuso de direito que uma entidade empregadora pública pretenda ser indemnizada em mais de 100.000€ por um seu docente ter ido trabalhar para outra entidade pública por tempo indeterminado quando essa mesma entidade empregadora pública nunca manifestou a intenção que o docente permanecesse ao seu serviço e sempre recusou assegurar-lhe um vínculo de natureza permanente que o integrasse na carreira e categoria.


18º Se a isto se acrescentar que o docente em causa se manteve a trabalhar no seio da Administração Pública e que apenas mudou para uma entidade empregadora pública que lhe assegurou a integração numa carreira e um vínculo de natureza permanente, mais notória se torna a desproporcionalidade da interpretação efectuada pelo Tribunal a quo, sobretudo quando a própria lei assegura o princípio da continuidade das funções públicas e assegura a todos os trabalhadores públicos a manutenção de regalias quando mudam de entidade empregadora pública (v., neste sentido, o artº 11º da actual LTFP, aprovada pela Lei nº 35/2014, e PAULO VEIGA E MOURA e CÁTIA ARRIMAR, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Coimbra Editora, págs. 129 e segs),


Por fim,


19º O aresto em recurso incorreu em violação do artº 40º do DL nº 155/92 quer no segmento em que legitima a reposição de quantias líquidas quando aquela norma apenas permite a reposição de quantias líquidas - sob pena de o administrado estar a suportar impostos e demais encargos por ter recebido uma quantia que depois teve de devolver -, quer no segmento em que permite que uma entidade pública ordene a reposição de quantias por ela não pagas, legitimando dessa forma um verdadeiro locupletamento à custa alheia - e está provado que a entidade demandada apenas pagou 25% dos vencimentos e que exigiu a reposição de 100% dos vencimentos auferidos pelo autor (v., nºs 7 e 16 da matéria de factos dada por provado pelo Tribunal a quo).”


O recorrido, IPL, contra-alegou, tendo concluído pela improcedência do recurso.
Pela formação de apreciação preliminar foi proferido acórdão a admitir a revista.
A digna Magistrada do MP junto deste STA, notificada nos termos do art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Nos termos do n.º 6 do art.º 663.º do CPC, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto considerada provada pelo acórdão recorrido.

3. Na acção administrativa especial que intentou, o ora recorrente impugnou o despacho, de 18/2/2008, do Presidente do IPL, que determinou que ele procedesse à reposição da quantia de € 117.800,87, correspondente aos vencimentos e subsídios, de refeição, de férias e de natal, que lhe haviam sido processados entre Setembro de 2001 e Agosto de 2004, período em que esteve a fazer o doutoramento como equiparado a bolseiro, mediante a celebração de um “contrato programa de formação avançada” e fora dispensado da prestação de serviço docente na Escola Superior de Tecnologia e Gestão daquele Instituto.
O TAC, por decisão de 31/3/2015, julgou improcedente o vício de usurpação de poder que havia sido imputado ao acto impugnado, mas procedente a violação dos princípios da justiça e da boa fé e, considerando prejudicado o conhecimento dos demais vícios arguidos, anulou aquele acto.
Desta decisão, o IPL interpôs recurso independente sobre a questão da violação dos aludidos princípios e o A. interpôs recurso subordinado, respeitante à decisão de improcedência do vício de usurpação de poder.
O acórdão recorrido, entendendo que não se verificava nenhum dos vícios que haviam sido apreciados pela decisão do TAC, invocou o disposto no art.º 665.º, n.º 2, do CPC, para passar a conhecer, em substituição, outros vícios arguidos pelo A. e, considerando que estes improcediam, concedeu provimento ao recurso independente, revogou aquela decisão e julgou a acção improcedente.
Na presente revista, o A. não contesta o acórdão recorrido na parte em que este julgou improcedentes os referidos dois vícios apreciados pela decisão do TAC – o qual, por isso, transitou em julgado nesse segmento –, limitando a sua impugnação à parte em que nele se conhece, em substituição, dos vícios que não haviam sido analisados naquela decisão por se ter entendido que o seu conhecimento ficara prejudicado.
Relativamente a esse conhecimento em substituição, o A. invoca que foi cometida uma nulidade processual, por, em violação do princípio do contraditório, se ter omitido a prévia audição das partes, imposta pelos artºs. 655.º, n.º 3, do CPC e 149.º, n.º 5, do CPTA.
Já o recorrido sustenta que o citado art.º 149.º, n.º 5, destina-se a evitar decisões-surpresa e, no caso, não se verificara qualquer surpresa na decisão em substituição, “visto que toda a matéria havia já sido debatida anteriormente”.
Vejamos.
Resulta da conjugação dos nºs. 3 e 5 do art.º 149.º do CPTA – na versão anterior à alteração que lhe foi introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 2/10, que é a aplicável ao caso, nos termos do art.º 15.º, n.º 2, deste diploma, por os presentes autos se terem iniciado em 7/5/2008 – que se o tribunal recorrido tiver julgado do mérito da causa, mas deixado de apreciar certas questões por as considerar prejudicadas, o tribunal de apelação, se entender que o recurso procede, conhece delas no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida, após o relator ouvir cada uma das partes pelo prazo de 10 dias.
Esta audição prévia visa assegurar o contraditório relativamente a aspectos da causa que não eram objecto imediato do recurso, com o intuito de evitar a prolação de “decisões-surpresa”, constituindo a omissão dessa formalidade uma nulidade processual secundária, nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do CPC, susceptível de influir na decisão da causa. Assim, a opção do legislador por uma maior celeridade e economia processuais que esteve na base do disposto no n.º 3 do art.º 149.º do CPTA, foi acompanhada pela intenção de evitar que as partes fossem surpreendidas com uma decisão do tribunal superior sobre questões não apreciadas em 1.ª instância, tendo-se entendido que se lhes devia ser dada a oportunidade de aduzirem novos argumentos para defesa das respectivas posições. É que, constituindo objecto do recurso jurisdicional a decisão judicial recorrida e, consequentemente, as questões por esta apreciadas, as partes não podiam contar com uma decisão do tribunal superior que conhecesse dos vícios imputados ao acto impugnado que não haviam sido analisados pelo tribunal recorrido.
No caso em apreço, a formalidade imposta pelo n.º 5 do citado art.º 149.º não foi cumprida antes de ser proferida a decisão substitutiva, dado que o relator não ouviu cada uma das partes pelo prazo de 10 dias sobre os vícios alegados pelo A. que a decisão do TAC considerara prejudicadas pela decisão dada ao litígio e de que o acórdão recorrido veio a conhecer.
E para que se pudesse dispensar essa audição não bastava que as partes já se tivessem pronunciado em 1.ª instância sobre os vícios do acto que aí não foram apreciados, visto que pela letra desse preceito estão, sem dúvida, abrangidas todas as situações previstas pelos n.ºs 1 a 4, onde se incluem aquelas em que o tribunal de apelação conhece de questões cuja apreciação fora julgada prejudicada pelo tribunal recorrido.
O acórdão recorrido constituiu, pois, em parte, uma decisão-surpresa para as partes, as quais, dado o objecto do recurso jurisdicional e o que dispunha o referido art.º 149.º, n.º 5, contavam vir a ser ouvidas no caso de o tribunal vir a conhecer os vícios cuja apreciação fora considerada prejudicada pela decisão recorrida.
Nestes termos, o acórdão do TCA-Sul não pode subsistir na parte em que conheceu em substituição desses vícios sem prévia audição das partes, devendo nesse segmento, que constitui objecto da presente revista, ser anulado (cf. art.º 195.º, nºs. 1 e 2, do CPC), com a consequente baixa dos autos a esse tribunal onde o Exmo. Relator deve proceder à audição das partes, só após se conhecendo dos aludidos vícios.

4. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, anulando o acórdão recorrido no aludido segmento e ordenando a baixa dos autos ao tribunal “a quo”, para os fins que ficaram referidos.
Sem custas.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2019. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Maria do Céu Dias Rosa da Neves – António Bento São Pedro.