Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0700/12
Data do Acordão:07/03/2013
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS
OPOSIÇÃO
Sumário:I - O recurso por oposição de acórdãos interposto em incidente de anulação de venda no âmbito de processo de execução fiscal instaurado em 27/09/2008 depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
II - Contudo, apenas é relevante a oposição entre soluções expressas, pois a oposição deve existir relativamente às decisões propriamente ditas, não bastando a simples oposição entre argumentos acessórios ou obiter dictum que acompanham a ratio decidendi e cuja supressão não prejudica o comando das respectivas decisões.
III - Sendo distintas as situações de facto em causa nos acórdãos em confronto e distinta a ratio decidendi ou a essência da tese jurídica que neles foi adoptada e sem a qual as respectivas decisões não teriam sido proferidas como foram, não se verifica um dos requisitos deste tipo de recurso, que é o de a mesma questão fundamental de direito ter sido decidida de forma expressa e antagónica em ambos os acórdãos.
Nº Convencional:JSTA000P16046
Nº do Documento:SAP201307030700
Data de Entrada:03/06/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA recorre para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido por esta Secção em 10 de Outubro de 2012, no processo n.º 700/12, a fls. 171 e segs., invocando oposição entre ele e o acórdão que a mesma Secção proferiu em 28 de Novembro de 2007, no processo n.º 662/07.

1.1. Por despacho do Exmº Juiz Conselheiro Relator foi julgado que se verificava a invocada oposição de julgados e determinada a notificação das partes para apresentarem alegações sucessivas, em conformidade com o disposto no n.º 3 do art.º 282º, aplicável por força do n.º 5 do art.º 284º, ambos do CPPT.

1.2. A Recorrente apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões:

1) Entre os doutos Acórdãos em causa, o fundamento e o recorrido, existe oposição susceptível de servir de fundamento ao recurso vertente, uma vez que, no Acórdão fundamento se entendeu que, “… as normas do Código Processo Civil relativas à notificação da decisão sobre a venda ao credor com garantia sobre os bens a vender - artigo 886º-A, nºs 1 e 4 - não são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução fiscal”.

2) No Acórdão recorrido, entende-se que a omissão da referida notificação pode ter influenciado o resultado e o valor da venda e, por isso, tem aplicação supletiva o disposto no artigo 886º-A do CPC.

3) Na verdade parece-nos mais adequado concluir, como no Acórdão fundamento, que as normas do Código de Processo Civil relativas à notificação da decisão sobre a venda ao credor com garantia sobre os bens a vender - artigo 886º-A, nº 1 e 4 - não são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução fiscal, e que a falta de citação, para a execução, dos credores com garantia real sobre os bens penhorados, tendo embora o mesmo efeito que a falta de citação dos réu, todavia não importa a anulação da venda, da qual o exequente não haja sido exclusivo beneficiário - artigo 864º, nº 1, alínea b), e nº 3 do Código de Processo Civil.

Termos em que e, com o douto suprimento de V. Exas. deve decidir-se no sentido de que existe oposição de julgados e, em consequência, deve o recurso ser julgado procedente de acordo com a jurisprudência constante do Acórdão fundamento, revogando-se o Acórdão recorrido, com todas as legais consequências.

1.3. A A…………, S.A., ora Recorrida, apresentou contra-alegações, que concluiu da seguinte forma:

1. O Acórdão fundamento debruça-se sobre a nulidade - ou validade - da venda por falta de citação do credor reclamante com garantia real sobre o veículo automóvel objecto de venda.

2. Ao invés, o Acórdão recorrido debruça-se sobre a nulidade da venda por negociação particular por falta de notificação do despacho (que fixou a modalidade de venda após frustração da diligência de abertura de propostas em carta fechada e alterou o valor base fixado) a que alude o art. 886º-A do CPC a uma das partes processuais, in casu, à credora reclamante com garantia hipotecária sobre o imóvel objecto de venda.

3. Acresce que, estamos em crer que com a prolação do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 166/2010 fica resolvida qualquer divergência jurisprudencial que anteriormente a ele pudesse existir.

4. Com efeito, decidiu esse mesmo Acórdão “julgar inconstitucional, por violação do disposto no art. 2º da C.R.P., a norma que resulta das disposições conjugadas da al. e) do nº 1 do art. 2º e nº 3 do art. 252º do Código de Procedimento e Processo Tributário e dos arts. 201º, 904º e al. c), do n° 1 do art. 909° do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de dispensar a audição dos credores providos com garantia real nas fases de venda ordenada pelos Serviços de Finanças e, fundamentalmente, quando é ordenada a venda por negociação particular e feita a adjudicação consequente.”

5. Mas ainda que assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio de admite, deve manter-se o Acórdão recorrido, o qual se encontra m conformidade decisória com outros arestos deste Supremo Tribunal, a saber - e a título meramente exemplificativo - os arestos de 30/04/2008, 14/07/2008, 02/04/2009, 22/04/2009, 08/07/2009, 07/07/2010 e 03/11/2010.

6. Com efeito, a questão a dirimir pelo presente recurso é a de saber se a falta de notificação à A…………. (credora reclamante com garantia real hipotecária sobre o imóvel cuja fracção autónoma se encontra penhorada nos autos) do despacho que alterou o valor base inicialmente fixado para a venda, e bem assim da proposta apresentada e demais actos subsequentes, determina a anulação de todo o processado (incluindo a venda efectuada) por preterição de formalidade legal com influência no exame ou decisão da causa.

7. Entende o Acórdão recorrido - e a nosso ver, bem - que sim.

8. Nos termos do art. 886º-A/6 do CPC a decisão que determina a modalidade de venda, o valor base dos bens a vender e a eventual formação de lotes é notificada ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes dos créditos com garantia sobre os bens a vender.
9. Esta disposição legal tem aplicação supletiva nas vendas ocorridas em sede de processos de execução fiscal, ex vi art. 2º/1, al. e) do CPPT.

10. No caso dos autos, a credora reclamante foi notificada da decisão de venda que determinou a realização da mesma mediante abertura de propostas em carta fechada e pelo valor base de € 53.820,00 — v.g. al. f) dos factos provados.

11. Em 26.10.2010, o órgão de execução fiscal emanou um despacho que alterou o valor base fixado para a venda, reduzindo este para € 16.146,10.

12. Tal despacho nunca foi notificado às partes processuais, mormente à A………….., detentora de hipoteca voluntária sobre o imóvel em questão.

13. Nas devia ter sido, por aplicação subsidiária do art. 886º-A do CPC.

14. Neste sentido se pronunciou o já mencionado Acórdão do Tribunal Constitucional nº 166/2010 e a vasta Jurisprudência deste Venerando Tribunal de Recurso, citando a título de exemplo o Ac. STA de 22.04.2009.

15. São razões ligadas ao princípio da garantia constitucional da tutela jurisdicional efectiva (art. 20º da CRP) e ainda os princípios da boa-fé e da cooperação processual que o impõem e que justificam que valha no processo fiscal o dever de notificação imposto nas execuções comuns.

16. Esta notificação impõe-se, igualmente, ao abrigo daquele princípio - mais lato - inscrito no art. 229º do CPC segundo o qual devem ser notificados às partes processuais, sem necessidade de ordem expressa, todos os despachos proferidos que a estas possam causar prejuízo.

17. Acresce dizer que, o art. 3º do CPC consagra o Princípio da Igualdade das Partes, de acordo com o qual “o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício das faculdades (...)”.

18. Tivesse a A………….. sido notificada da diminuição do valor base de venda e/ou da proposta apresentada e teria tido a oportunidade e a possibilidade de defender a recuperação do seu crédito, seja procurando obter propostas mais vantajosas, seja apresentando ela própria proposta de aquisição de valor superior.

19. O despacho que alterou o valor base de venda bem como aquele que autorizou a venda por valor inferior ao mínimo fixado diminui as expectativas de recuperação do crédito da A………………. Por isso, nos termos do preceituado na última parte, do nº 1, do art. 229º do CPC, deveriam ambos ter sido notificados à A………….., por lhe causar prejuízo, sob pena de violação do Principio da Igualdade das Partes, consagrado no art. 3º-A do CPC, bem como do Princípio Constitucional da Segurança Jurídica, na sua componente da previsibilidade ou eficácia ex ante, que se reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos (ver Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina, 5ª Edição, pag. 384). Neste sentido, de resto, vai o Ao do Tribunal Constitucional supra citado.

20. E, a ser assim - como de facto é - a não notificação da A…………, seja do despacho que determinou a alteração do valor base de venda, seja do despacho que determinou a aceitação da proposta apresentada para aquisição da fracção autónoma apreendida nos autos e objecto de venda, constituem omissões de actos e/ou formalidades legais que a lei expressamente prevê.

21. Resta, pois, saber se tais omissões são susceptíveis de influir no exame da causa, questão a que necessariamente teremos de responder de forma afirmativa.

22. Com efeito, a venda do bem em apreço visa satisfazer os interesses dos titulares dos direitos de crédito reconhecidos no processo.

23. Atentas as normas de direito substantivo aplicáveis, é expectável — senão certo — que o crédito da A……….. será pago com preferência de pagamento relativamente ao crédito exequendo no que tange ao produto da venda da fracção indivisa de bem imóvel apreendida nos autos.

24. Afigura-se, pois, que é do fundamental interesse da A…………. o resultado da venda desse bem concretamente apreendido, dado ser à custa deste que o seu crédito poderá - ou não vir a ser satisfeito.

25. Uma tomada de posição do credor reclamante no sentido da não aceitação da proposta apresentada teria certamente condicionado a decisão do órgão de execução fiscal em adjudicar a indivisa de imóvel a esse proponente.

26. Está, pois, o exame e/ou o resultado desta venda directamente influenciado pelas omissões supra mencionadas - não notificação à A………… do despacho que fixou o valor base de venda em sede de negociação particular e/ou daquele que aceitou a adjudicação do bem penhorado por valor inferior ao inicialmente fixado.

27. O que determina a nulidade da venda operada - v.g. arts. 909º/1, al. c) e 201º do CPC aplicáveis ex vi art. 257º/1, al. c) CPPT

28. O que de resto colhe apoio na nossa Jurisprudência, de que se citam, a título de exemplo, os Acs. STA de 07.07.2010 e 03.11.2010.


1.4. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que se devia julgar verificada a invocada oposição de acórdãos, nos termos da fundamentação vertida no despacho de fls. 239 a 241 proferido pelo Excelentíssimo Juiz Conselheiro Relator, e, admitindo que haverá já jurisprudência consolidada no sentido sufragado pelo acórdão recorrido, entende que a decisão nele proferida deve ser mantida, «(…) quer se decida julgar findo o recurso por o acórdão proferido nos autos se encontrar de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada, quer se decida ser de resolver a oposição nos termos acima referidos(…)».

1.5. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência do Pleno da Secção.

2. No acórdão recorrido consta como provada a seguinte matéria de facto:

A) A 27.09.2008. foi instaurado contra “B……….., Ldª”, NIPC …………, o processo de execução fiscal nº 2321200801021036 para cobrança de dívidas provenientes de IVA, no valor de € 7.336.99, que corre termos no Serviço de Finanças de Ponte de Lima, cfr. processo executivo junto aos autos;

B) A 10.03.2009, foi proferido despacho de reversão contra C…………, NIF …………, residente na Rua …………., Braga, responsável subsidiário da executada, cfr. fls. 21 e 22 do PEF;

C) A 3.04.2009, foi constituída hipoteca legal na proporção de 1/2 sobre a fração autónoma designada pela letra "P", do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 4868 "P", da freguesia de Braga (………..), concelho de Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o nº 1 126/19930407 - P, cfr. fls. 37, 38 e 53 a 59 do PEF.;

D) Pela Apresentação 31 de 2005/01/17, encontra-se registada a favor da "A…………, S.A.", hipoteca legal, sobre o imóvel referido em C), cfr. fls. 54 e 55 do PEF.;

E) A 9.11.2009, foi realizada penhora da 1/2 indivisa do prédio referido em C), cfr. fls. 78, 118 e 119 do PEF.;

F) Por despacho de 7.01.2010, foi determinada a venda da 1/2 indivisa do imóvel penhorada, para o dia 4.03.2009, na modalidade por meio de propostas em carta fechada, com o valor base de € 53.820,00, cfr. fls. 99 do PEF.;

G) A 8.01.2010, foi o executado notificado do despacho referido em F), cfr. fls. 103 a 105;

H) A 8.01.2010, foi o cônjuge do executado notificada do despacho referido em F), cfr. fls. 106 a 108;

I) A 13.01.2010, foi publicado, no Jornal "…………", o anúncio de "Convocação de credores e venda por meio de propostas em carta fechada", cfr. fls. 134 do PEF.;

J) A 15.01.2010, foram afixados editais de "Convocação de credores e venda por meio de propostas em carta fechada", no Serviço de Finanças de Ponte de Lima, cfr. fls. 130 e 131 do PEF.;

K) A 15.01.2010, foi a A…………, citada nos termos do disposto nos art.°s 239.° do CPPT. e 864.° do CPC., cfr,. fls. 126 a 128 do PEF.;

L) A 29.01.2010, a A………… apresentou a respetiva reclamação de créditos, cfr. processo de verificação e graduação de créditos apenso;

M) A 5.03.2010, foi prestada a informação de que não foi possível realizar a venda no dia 4.03.2010, uma vez que o serviço de finanças se encontrava fechado por motivo de greve, cfr. fls. 137 do PEF.;

N) A 23.03.2010, foi, para além do mais, foi determinada a marcação de nova data para a realização da venda, bem como a notificação do despacho ao executado e ao respetivo cônjuge, cfr. fls. 163 do PEF.;

O) A 14.05.2010, foi proferido despacho pelo chefe de finanças, que designou o dia 16.06.2010, para a venda, por meio de propostas em carta fechada, com o valor base de € 53.820,32, bem como a notificação do executado, cfr. fls. 175 do PEF.;

P) A 18.05.2010, D……….., cônjuge do executado foi notificada do despacho referido em P), cfr. fls. 185 a 187 do PEF.;

Q) A 18.05.2010, foi o executado notificado do despacho referido em P), cfr. fls. 188 a 190 do PEF.;

R) A 15.07.2010, foi emitida notificação da A………… do despacho referido em P), cfr. fls. 194;

S) A 14.05.2010. foi publicado, 110 Jornal "…………", o anúncio de "Convocação de credores e venda por meio de propostas em carta fechada", cfr. fls. 203 do PEF.;

T) A 19.05.2010. foi afixado o respetivo edital no Serviço de finanças de Ponte de Lima, cfr. fls. 195 e 196 do pef.;

U) A 21.05.2010, foi afixado o respetivo edital no Serviço de finanças de Braga - I. - cfr. fls. 197 a 201 do PEF.;

V) A 14.05.2010, foi publicado o anúncio no jornal "………….” cfr. fls. 203;

W) Do auto de abertura e Aceitação de Propostas, datado de 16.06.2010, resulta que não foram apresentadas propostas, cfr. fls. 204 do PEF.;

X) A 1.07.2010, foi celebrado "Contrato de Mediação Imobiliária" entre a Direção de Finanças, representada pelo Chefe de Finanças de Ponte de Lima, e "E…………., Ldª" com vista à venda por negociação particular do imóvel penhorado, cfr. fls. 206 a 210 do PEF.;

Y) A 21.06.2010, a A…………. deu entrada de um requerimento no Serviço de Finanças de Ponte de Lima, no qual requer que, na sequência da frustração da diligência de abertura de propostas por carta fechada, por falta de proponente, seja notificada da nomeação da encarregada da venda, bem como de todas e quaisquer propostas apresentadas para aquisição do imóvel penhorado no âmbito da negociação particular, não devendo nenhuma ser aceite sem que sobre a mesma a A………… se haja pronunciado, cfr. fls. 218 do PEF.;

Z) A 2.07.2010, foi o mandatário do executado e do respetivo cônjuge notificado da identificação da negociadora particular, cfr. fls. 223;

AA) A 2.07.2010, foi a A…………. notificada da identificação da negociadora particular, cfr. fls. 225;

BB) A 6.07.2010, foi o executado notificado da identificação da negociadora particular, cfr. fls. 229 a 231;

CC) A 6.07.2010, foi o cônjuge do executado notificado da identificação da negociadora particular, cfr. fls. 226 a 228;

DD) A 1.07.2010, foi afixado o respetivo edital no serviço de finanças de Ponte de Lima, cfr. fls. 232 do PEF.;

EE) A 26.10.2010, foi prestada informação da qual resulta o seguinte: não obstante o contrato de mediação celebrado, não foi apresentada qualquer proposta.

Uma vez que se trata da 2ª tentativa de venda deverá o preço mínimo para venda ser reduzido para 30% do valor inicialmente atribuído.

FF) A 26.10.2010, foi proferido o seguinte despacho:

"Considerando a informação supra e em cumprimento no determinado das instruções veiculadas pelo ofício nº 2679, de 2004/0-1/06, da Direção de Serviços da Justiça Tributária, proceda-se ao sorteio de nova mediadora, fixando o preço mínimo para venda em 30% do valor inicialmente atribuído, do qual resultou o valor mínimo de € 16.146,10” - cfr. fls. 234;

GG) A 23.1 1.2010, foi celebrado "Contrato de Mediação Imobiliária" entre a Direção de Finanças, representada pelo Chefe de Finanças de Ponte de Lima, e "F……………, Ldª", cfr. fls. 237 a 240;

HH) A 18.01.2011, foi determinado o sorteio de novo mediador, cfr. fls. 243;

II) A 1.02.2011, foi celebrado "Contrato de Mediação Imobiliária" entre a Direção de Finanças, representada pelo Chefe de Finanças de Ponte de Lima, e "G………….., Ldª", cfr. fls. 245 a 250;

JJ) A 8.02.2011, foram afixados os respetivos editais, cfr. fls. 253, 266 e 267;

KK) A 10.02.2011, foram o executado e respetivo cônjuge notificados da identificação da negociadora particular, cfr. fls. 254 260;

LL) A 9.02.2011, foi a A………… notificada da identificação da negociadora particular, cfr. fls. 261;

MM) A 5.04.2011, foi lavrado auto de adjudicação, no qual consta como adjudicatário H………… e valor de adjudicação € 16.611,00, cfr. fls. 268 e 269;

NN) A 7.04.2011, foi D………… notificada, na qualidade de comproprietária, para exercer o direito de preferência, cfr. fls. 270 a 272;

OO) A 26.04.2011, foi o bem adjudicado a H…………., cfr. fls. 273;

PP) A 17.05.2011, foi celebrada escritura de compra e venda do imóvel penhorado, cfr. fls. 295 a 299;

QQ) A 7.06.2011, deu entrada o presente incidente, cfr. fls. 3 dos autos.

3. O presente recurso tem por base a oposição do acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em 10 de Outubro de 2012, no processo n.º 700/12 (acórdão recorrido), com o acórdão que a mesma Secção proferiu em 28 de Novembro de 2007, no processo n.º 662/07 (acórdão fundamento).

Apesar de o Exmº Juiz Conselheiro Relator do acórdão recorrido ter proferido despacho em que reconhece a alegada oposição de acórdãos, importa reapreciar se a mesma se verifica, pois tal como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que aqui nos dispensamos de enumerar por tão exaustiva, essa decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar, em conformidade com o disposto no artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.

Está em causa um recurso por oposição de acórdãos interposto em incidente de anulação de venda no âmbito de processo de execução fiscal instaurado em 27/09/2008, ao qual é, assim, aplicável o ETAF de 2002 (Cfr., sobre o tema, o acórdão do Pleno desta Secção, de 26/09/2007, no recurso n.º 0452/07.), pelo que o seu conhecimento, tendo em conta o regime previsto no artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do ETAF, artigo 152.º, n.º 1, alínea a), do CPTA e artigo 284.º do CPPT, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais:

- que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;

- que não ocorra o caso de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

E como também tem sido repetidamente explicitado pelo Pleno desta Secção, relativamente à caracterização da questão fundamental de direito sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA para detectar essa contradição, e que são os seguintes:

- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica - ou seja, é necessária tanto uma identidade jurídica como factual, o que pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;

- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica - a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;

- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e que esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Cfr., entre tantos outros, os acórdãos de 6/05/2009, no recurso n° 0617/08, de 26/09/2007, no recurso n° 0452/07, de 28/01/2009, no recurso n° 0981/07 e de 22/10/2008, no recurso n° 0224/08.)

Em suma, este tipo de recurso pressupõe, naturalmente, uma identidade dos factos subjacentes (que terão de ser essencialmente os mesmos do ponto de vista do seu significado jurídico) e uma identidade do regime jurídico aplicado (ainda que em invólucros legislativos diferentes), pois que sem essa identidade não será possível vislumbrar a emissão de proposições jurídicas opostas sobre a mesma questão fundamental de direito, nem se poderá atingir o fim visado com este recurso, que é o de assegurar o valor da igualdade na aplicação do direito.

Vejamos, então, se no caso ocorre o enunciado requisito legal da existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.

Como se viu, este recurso tem por base a oposição entre dois acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do STA, ambos proferidos no âmbito de recursos interpostos pela Fazenda Pública de sentenças que haviam julgado procedentes pedidos de anulação da venda deduzidos por credores detentores de garantia real sobre os bens vendidos, procedência essa justificada pela omissão da notificação do acto que determinara a venda e consequente inobservância do preceituado no artigo 886º-A, nº 4, do CPC, o que teria produzido uma nulidade processual relevante e decisiva para a anulação da venda.

E a questão suscitada pela Fazenda Pública traduzia-se, em ambos os recursos, na existência de erro de julgamento em matéria de direito, dada a inaplicabilidade subsidiária desse art. 886º-A do CPC ao processo de execução fiscal, face à existência de normas próprias no processo tributário, tanto no que respeita às formas de publicitação da venda, como no que se refere às modalidades da venda e valor base dos bens, ínsitas nos arts. 248º e segs. do CPPT, e que arredariam a anulação da venda com o invocado fundamento de incumprimento da norma contida no nº 4 do art. 886º-Ado CPC.

Ora, enquanto o acórdão recorrido confirmou a sentença que julgara procedente o pedido de anulação de venda deduzido pela citada credora reclamante com garantia real sobre o imóvel vendido por não lhe ter sido notificado o despacho que determinara a alteração do valor base inicialmente fixado para a venda, ou sequer aquele que autorizara a venda, o acórdão fundamento revogou a sentença que julgara procedente o pedido de anulação da venda deduzido por credora que, apesar de deter garantia real sobre o bem vendido, nunca fora citada para a execução nem reclamara, por isso, o seu crédito.

Pelo que a situação fáctica subjacente à decisão proferida em cada um dos referidos acórdãos não é coincidente. Com efeito, enquanto no acórdão recorrido a omissão de notificação respeitava a um credor reclamante, tempestivamente citado para os termos do processo executivo e que reclamara o seu crédito, já no acórdão fundamento a dita omissão ocorrera em relação a um credor que, por nunca ter sido citado, não era parte reclamante na execução fiscal nem reclamara o seu crédito.

No acórdão recorrido, citando-se, quanto à fundamentação, o acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 22/4/2009, no processo nº 146/09, designadamente no que toca à remissão do CPPT para o CPC, e ao direito à tutela jurisdicional efectiva a que se refere o art. 20º da CRP, que se corporiza no art. 229º do CPC, concluiu-se que o disposto no art. 886º-A, nº 4, do CPC é subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal, e julgou-se que «(…) como bem refere a recorrida nas conclusões das suas alegações, tivesse ela sido notificada da diminuição do valor base de venda e/ou da proposta apresentada e teria tido a oportunidade e a possibilidade de defender a recuperação do seu crédito, seja procurando obter propostas mais vantajosas, seja apresentando ela própria proposta de aquisição de valor superior (conclusão 14ª).
Deste modo, o despacho que alterou o valor base de venda bem como aquele que autorizou a venda por valor inferior ao mínimo fixado diminui as expectativas de recuperação do crédito da A…………., daí que tivesse influência no resultado da venda (conclusão 15º).
No caso concreto dos autos, a notificação justificava-se ainda mais porque a própria recorrida (reclamante) anteriormente a tal despacho, proferido a 26.10.2010, havia em 21.06.2010 dirigido um requerimento no Serviço de Finanças de Ponte de Lima, requerendo que, na sequência da frustração da diligência de abertura de propostas por carta fechada, por falta de proponente, fosse notificada da nomeação da encarregada da venda, bem como de todas e quaisquer propostas apresentadas para aquisição do imóvel penhorado no âmbito da negociação particular, não devendo nenhuma ser aceite sem que sobre a mesma a A…………. se haja pronunciado.
Temos então que a omissão de notificação do citado despacho (alínea FF) do probatório) à recorrida - reclamante credora com garantia real na execução - constitui nulidade processual que justifica a anulação da venda nos termos dos artigos 201.º, n.º 1, e 909.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 257.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.».

Já no caso apreciado no acórdão fundamento, julgou-se que «A sentença anulou a venda por incumprimento do disposto no artigo 886.º-A do Código de Processo Civil, uma vez que o despacho referido no seu n.º 1 – que ordena a venda – não foi notificado à recorrida – seu nº 4 - que preceitua a notificação de tal despacho “ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender”.

Todavia, no caso não se trata de credor reclamante – ainda que com garantia real sobre o bem vendido – pelo que, desde logo liminarmente, está afastada a obrigatoriedade legal da respectiva notificação.
E, depois, o STA tem entendido que tal inciso legal não é aplicável em processo de execução fiscal – cfr. desenvolvidamente o recente acórdão de 28 de Março de 2007 – recurso nº 026/07.
Certo que a ora recorrida também não foi citada para a execução, nos termos do artigo 864.º, nº 1, alínea b), do CPC, sendo que – nº 3 – tal falta tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu. Todavia, não importa a anulação da venda, da qual o exequente não haja sido o exclusivo beneficiário, como é o caso pois que o veículo penhorado foi vendido a um terceiro.
Em suma: não há fundamento para a anulação da venda.».

Torna-se, assim, claro que as situações fácticas subjacentes não são idênticas, já que no acórdão recorrido a credora fora citada para a execução, obtendo, dessa forma, o estatuto de credor reclamante, cujo crédito efectivamente reclamara – razão por que se colocava a questão de saber se lhe era aplicável o disposto no nº 4 do art. 886º-A do CPC que exige a notificação da decisão sobre a venda aos credores reclamantes –, enquanto no acórdão fundamento a credora, embora munida de garantia real sobre o bem vendido, nunca fora citada para a execução, não detendo, por conseguinte, o estatuto de credor reclamante e nunca tendo, por isso, reclamado o seu crédito.

Tal divergência de situações fácticas implicou, como não podia deixar de ser, uma dissemelhança nas soluções jurídicas encontradas, pois enquanto no acórdão fundamento se julgou que não estando em causa um credor reclamante ficava liminarmente afastada a obrigatoriedade da sua notificação nos termos previstos no nº 4 do art. 886º-A do CPC – o que levou à revogação da sentença que determinara a anulação da venda com base no incumprimento desse preceito legal –, já no acórdão recorrido julgou-se que estando em causa um credor reclamante, este tinha de ser notificado da decisão sobre a venda nos termos do nº 4 art. 886º-A do CPC, face à aplicação subsidiária deste preceito ao processo de execução fiscal.

Pelo que é bem distinta a ratio decidendi ou a essência da tese jurídica adoptada nos arestos em confronto e sem a qual as respectivas decisões não teriam sido proferidas como foram.

É certo que no acórdão fundamento, depois de se ter julgado que não existindo um credor reclamante se tinha de afastar liminarmente a aplicação do disposto no nº 4 art. 886º-A e que, por isso, não podia anular-se a venda com base no incumprimento deste preceito legal, acrescentou-se que, de todo o modo, «o STA tem entendido que tal inciso legal não é aplicável em processo de execução fiscal».

Tal afirmação aparece, contudo, e claramente, como um obiter dictum, despido de relevância para a solução adoptada, tendo em conta que, como se sabe, o obiter dictum se refere ao que o julgador disse por força da retórica, aos argumentos que expendeu para completar o seu raciocínio e que não desempenham um papel fundamental na formação do julgado. São argumentos acessórios que acompanham o principal – a ratio decidendi – e cuja supressão não prejudica o comando da decisão, mantendo-a íntegra e inabalada.

Ora, como escrevem JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, inRecursos Jurisdicionais em Contencioso Fiscal”, pág. 424, “para fundamentar o recurso por oposição de julgados apenas é relevante a oposição entre soluções expressas, sendo que a oposição deverá existir relativamente às decisões propriamente ditas e não em relação aos seus fundamentos”.

Deste modo, e visto que a oposição deve existir relativamente às decisões propriamente ditas e não aos seus fundamentos, não bastando a simples oposição entre razões, fundamentos ou argumentos enformadores das decisões finais e, muito menos, a oposição de argumentos acessórios ou de obiter dictum, concluímos que não se verifica, no caso, um dos requisitos deste tipo de recurso, que é o de a mesma questão fundamental de direito ter sido decidida de forma expressa e antagónica em ambos os acórdãos.

Razão por que o recurso deve findar, em conformidade com o disposto no nº 5 do artigo 284º do CPPT.

4. Face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar findo o recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 3 de Julho de 2013. – Dulce Manuel da Conceição Neto (relatora) – João António Valente Torrão – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado – Maria Fernanda dos Santos Maçãs.