Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:054/16.8BEPDL
Data do Acordão:06/17/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
Sumário:Sempre que para apreciação da questão suscitada pelo recorrente o Tribunal “ad quem” tenha que emitir uma apreciação ou um juízo de valor sobre a matéria de facto, designadamente, sobre o erro na sua valoração por falta insuficiência ou obscuridade dos elementos de prova, a questão envolve necessariamente matéria de facto, sendo o Supremo Tribunal Administrativo incompetente em razão da hierarquia para a sua apreciação, pois, nos termos do art. 280.º n.º1 do C.P.P.T., conhece exclusivamente de direito.
Nº Convencional:JSTA000P26052
Nº do Documento:SA220200617054/16
Data de Entrada:07/04/2019
Recorrente:A......., LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

I.1. A………., Lda., com os sinais dos autos, interpõe recurso da sentença do TAF de Ponta Delgada, proferida em 29/04/2019, que julgou improcedente a impugnação judicial intentada contra o acto de indeferimento de reclamação graciosa praticado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Ponta Delgada, a qual fora apresentada contra os atos de liquidação de IVA, do período de 0903T, e respetivos juros compensatórios.
I.2. Produziu alegações que terminou com o seguinte quadro conclusivo:

a) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PONTA DELGADA, no pretérito dia 29 de Abril de 2019, que julgou totalmente improcedente o pedido formulado pela ora RECORRENTE no âmbito do processo de impugnação judicial que correu termos sob o n.º 54/16.8BEPDL.

b) Para decidir no sentido da improcedência da pretensão aduzida pela ora RECORRENTE (então IMPUGNANTE), considerou o douto Tribunal a quo que o fornecimento e colocação de madeira, de equipamento de vigia, de equipamento de alarme e de equipamento de incêndio, devem ser subsumidos no conceito de trabalhos de construção civil, densificado na Portaria 19/2004.

c) E considerou, igualmente, que o fornecimento e colocação de expositores, de equipamento de som e de equipamentos diversos, também consubstanciam serviços de construção civil por se tratar de equipamentos que «são parte imprescindível de um conjunto, estão intimamente ligados e devem adequar-se ao específico estabelecimento em que se integram e inerente actividade desenvolvida (comércio a retalho de produtos farmacêuticos em estabelecimentos especializados).

d) Partindo daquela premissa – falaciosa, e secundando a argumentação coligida pela AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, considerou o douto tribunal a quo que é aplicável, no caso sub judice, o regime de inversão do sujeito passivo consignado na norma constante na alínea j) do n.º1 do artigo 2º do CIVA aos serviços descritos na factura emitida pela sociedade B………, pelo que, estava a RECORRENTE obrigada a liquidar IVA sobre todas as prestações de serviços aí descritas.

e) Não obstante, entende a RECORRENTE que a apreciação judicativa do Tribunal a quo assentou numa errada fixação dos respectivos pressupostos de direito, em particular do alcance a reservar ao conceito de prestações de serviços de construção civil para efeitos de subsunção na norma de incidência subjectiva prevista na citada alínea j), do nº 1, do artigo 2º do Código do IVA, pelo que, deve a sentença sindicada ser revogada, por violação do citado preceito legal. Senão vejamos.

f) A aplicação, pelo legislador nacional, do regime de reverse charge (inversão do sujeito passivo) nas prestações de serviços de construção civil é expressamente consentida pela Directiva n.º 2006/69/CE de 24 de Julho e confere aos Estados Membros da União Europeia a possibilidade de atribuir, ao Adquirente, a qualidade de devedor do imposto, nas “Prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis”.

g) Por seu lado, estabelece a alínea j), do n.º1, do artigo 2º do CIVA, que, são ainda sujeitos passivos de IVA «(…) as pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.

h) Ora, do cotejo dos regimes referência, sobressai, desde logo, que os serviços abrangidos pela inversão do sujeito passivo, se reconduzem aos “serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis”.

i) E, sobressai, igualmente, a necessidade de se verificarem dois pressupostos cumulativos para que seja o Adquirente dos serviços o sujeito passivo do imposto, a saber I) tratar-se de serviços de construção, e II) respeitarem a bens imóveis.

j) Conclui-se, assim, que a Directiva IVA do CIVA, circunscreve a aplicação do mecanismo do reverse charge, no segmento que aqui releva, aos “serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis”, em virtude de a inversão do devedor do imposto consubstanciar uma regra especial que contraria a regra geral.

k) O que significa que, os Estados Membros apenas podem aplicar a inversão do sujeito passivo, no domínio em referência, a “serviços de construção civil” respeitantes a “bens imóveis”, sendo que se devem considerar como tal, para além da construção, a “reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição” de bens imóveis.

l) Posto isto, importa, por ora, aferir, se os fornecimentos e colocação de madeiras, de expositores, de equipamentos diversos, de equipamento de som, de equipamento de vigia, de equipamento de alarme e de equipamento de incêndio, relativamente aos quais o prestador – B………..; liquidou IVA, configuram, ou não, serviços de construção civil.

m) Ora, tal como se concretizou na petição inicial, os referidos serviços destinaram-se a ser colocados no interior de um imóvel, que já se encontrava edificado.

n) E essa circunstância condiciona, de per se, a aplicação do regime de inversão do sujeito passivo do imposto, na medida em que, resulta da alínea j) do n.º1, do artigo 2º do CIVA e, bem assim, da Directiva IVA, que o seu âmbito inclusivo se circunscreve apenas a serviços que se relacionem, directamente, com o imóvel, isto é, a serviços que tenham por objecto a realização de uma obra e que sejam necessários à sua concretização, o que não se verifica no caso concreto.

o) De resto, tratando-se de material que se destinou ao interior do imóvel, e compulsada a listagem dos fornecimentos em causa, constata-se que, contrariamente ao entendimento sufragado pela AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA e ao qual o douto Tribunal a quo aderiu, o mesmo não passou a fazer parte integrante do imóvel, porquanto, pode ser removido e colocado noutro local, caso a RECORRENTE decida alterar a localização da loja em causa.

p) Efectivamente, perscrutada a listagem dos fornecimentos e serviços em que a “B………” liquidou IVA, infere-se, desde logo, que não se trata de material integrado no edifício e indispensável à concretização da obra, tratando-se outrossim, de bens autónomos do imóvel, podendo ser removidos se a RECORRENTE optar por alterar a localização da loja.

q) Todavia e apesar de se afigurar que o trilho interpretativo subscrito pela RECORRENTE é o único consentâneo com a disciplina jurídica ínsita na citada alínea j), do n.º1 do artigo 2º do CIVA e na Directiva IVA, o certo é que, o douto Tribunal a quo, ancorando-se na Portaria 19/2004, considerou que o fornecimento e colocação de madeira, de equipamento de vigia, de equipamento de alarme e de equipamento de incêndio, se enquadram no conceito de serviços de construção civil.

r) Não obstante, da uma análise do regime ali vertido infere-se, desde logo, que na Portaria 19/2004, de 10 de Janeiro, se faz expressa menção a “instalações” e “sistemas”, enquanto na factura emitida pela sociedade B……., o termo utilizado é “equipamento”.

s) Assim sendo, e considerando que o regime de inversão do sujeito passivo é excepcional, deve proceder-se a uma interpretação literal da referida Portaria 19/2004 e, por conseguinte, absterger-se os referidos serviços do seu âmbito inclusivo.

t) Ao decidir em sentido contrário, o douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errada aplicação da norma constante na alínea j), do n.º1, do artigo 2º do CIVA, pelo que, deve a sentença recorrida ser revogada por manifesta violação da referida norma de incidência.

u) Por seu lado, e no que se reporta ao fornecimento e colocação de expositores, de equipamento de som e de equipamentos diversos, considerou o doutro Tribunal a quo que também consubstanciam serviços de construção civil por se tratar de equipamentos que «são parte imprescindível de um conjunto, estão intimamente ligados e devem adequar-se ao específico estabelecimento em que se integram e inerente actividade desenvolvida.»

v) Não obstante, entende a RECORRENTE que a decisão sindicada padece, também neste segmento, de erro de julgamento quanto à fixação do sentido e alcance aplicativo da alínea j), do n.º1, do artigo 2º do CIVA.

w) Com efeito, os referidos serviços destinaram-se a ser colocados no interior de um imóvel, que já se encontrava edificado, pelo que, em nada se relacionam, directamente, com o mesmo, tal como impõem a Directiva IVA e a alíena j), do n.º1, do artigo 2º do CIVA.

x) Deste modo, e ao contrário do entendimento erigido pelo douto Tribunal a quo, os expositores, os equipamentos diversos (balança, tensiómetros e cruz), bem como, o equipamento de som, consubstanciam, segundo as regras da experiência comum, materiais amovíveis, e, sendo assim, não integram o conceito de serviços de construção civil na acepção da alínea j), do n.º1, do artigo 2º, do Código do IVA, na medida em que, esta norma de incidência se reporta a serviços que tenham uma relação directa com a edificação do imóvel em causa.

y) Consequentemente, a tese perfilhada pelo douto Tribunal a quo não tem amparo legal, na medida em que, os materiais em causa não «são parte imprescindível de um conjunto», nem devem adequar-se ao «específico estabelecimento em que se integram e inerente actividade desenvolvida (comércio a retalho de produtos farmacêuticos em estabelecimentos especializados), sob pena de se conferir um alcance à norma contida no artigo 2º, n.º1, j) que o legislador não pretendeu, até porque se trata de um regime excepcional.

z) Ao decidir em sentido diverso, o Tribunal a quo incorreu em erro sobre os pressupostos de direito, designadamente no plano da incidência subjectiva, na medida em que, os serviços relativamente aos quais não se aplicou o regime da inversão do sujeito passivo não se subsumem no âmbito inclusivo da alínea j), do n.º1 do artigo 2º do Código do IVA, pelo que, deve a Sentença recorrida ser revogada por erro de julgamento e violação do artigo 2º, n.º1, j) do Código do IVA.

TERMOS EM QUE, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER ANULADA A DECISÃO RECORRIDA, O DESPACHO DE INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA E OS ACTOS TRIBUTÁRIOS DE LIQUIDAÇÃO DE IVA E DE JUROS COMPENSATÓRIOS IMPUGNADOS, REFERENTES AO ANO PERÍODO DE 0903T.

I.3. A Fazenda Pública apresentou contra-alegações que terminou com as seguintes conclusões:

A) Entende a recorrente que «os fornecimentos e colocação de madeiras, de expositores, de equipamentos diversos, de equipamento de som, de equipamento de vigia, de equipamento de alarme e de equipamento de incêndio» não se subsumem à norma do reverse charge, por se destinarem a um imóvel que já se encontrava edificado, não sendo abrangidos pelo conceito de «remodelação», por considerar a recorrente que a Diretiva IVA se circunscreve apenas a serviços que se relacionem, diretamente, com o imóvel, isto é, a serviços que tenham por objeto a realização de uma obra e que sejam necessários à sua concretização;

B) Carece a recorrente de razão, pois foi fixado nos factos provados que o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) apurou que «De acordo com o que havia sido adjudicado, a empresa “B……” procedeu à montagem do referido ponto comercial, tendo efetuado obras de alvenarias e pichelaria necessárias, colocação de madeiras e pladurs, pintura dos espaços, colocação do chão, bem como ao fornecimento e montagem dos expositores, equipamentos de som, equipamentos de alarmes e incêndios, etc.
(…)
No final da obra, o prestador de serviços emitiu a fatura n.º 90013, de 13-02-2009. No entanto, apesar de se tratar de prestação de serviços no âmbito da inversão do Sujeito Passivo, o prestador emitiu aquele documento com uma estranha divisão da base tributável: Sobre a quantia de €43.120,00 fez aplicar o regime de inversão de Sujeito Passivo, enquanto que sobre o restante (€52.080,00), liquidou imposto à taxa normal – 20%»;

C) Determinou a sentença ora posta em crise que «Em face do exposto, por força da lei, devem ser considerados como trabalhos de construção civil o fornecimento e colocação de madeira (ou carpintaria – cfr. matéria em 12)), fornecimento e colocação de equipamento de vigia, fornecimento e colocação de equipamento de alarme e fornecimento e colocação de equipamento de incêndio.
Salvo o devido respeito, considera-se que a impugnante aponta questões de semântica, que não alteram a solução a dar ao caso», pelo que a razão não assiste à recorrente;

D) Refere a recorrente que na Portaria 19/2004, de 10 de Janeiro, se faz expressa menção a «instalações» e «sistemas», enquanto na fatura emitida pela sociedade B………, o termo utilizado é «equipamento», o que claramente se refere a realidades equivalentes, transportando-nos novamente para uma questão de semântica;

E) Por último, considerou o douto Tribunal a quo que o fornecimento e colocação de expositores, de equipamento de som e de equipamentos diversos, também consubstanciam serviços de construção civil por serem « parte imprescindível de um conjunto, estão intimamente ligados e devem adequar-se ao específico estabelecimento em que se integram e inerente atividade desenvolvida», enquanto a recorrente considera que são dele separáveis, olvidando-se «que a sociedade B……….. apresentou “projetos” específicos (“conforme projecto”) e contemplou custos com a montagem destes equipamentos», e que, se levássemos à letra a argumentação da recorrente, a colocação de um soalho em madeira, as telhas, banheiras, torneiras e outros materiais que, com algum trabalho, se poderiam levantar do imóvel, poderiam ser tributadas autonomamente, além de que «a impugnante estava onerada com o ónus de demonstrar o caráter “fungível”/acessório/amovível dos referidos elementos, o que não se considera que tenha logrado (cfr. artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária)»

F) Conclui-se, portanto, que a atuação do Tribunal a quo não sofre de qualquer mácula, devendo a sentença manter-se nos seus exatos termos.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas., COLENDOS JUÍZES CONSELHEIROS, doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser considerado totalmente improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

I.4. O exm.º magistrado do Ministério Público teve “vista” dos autos em que emitiu o parecer em que suscita a questão da incompetência do STA em razão da hierarquia com a seguinte fundamentação:

“I. Objecto do recurso.

1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo TAF de Ponta Delgada, que julgou improcedente a ação de impugnação judicial intentada contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa, por sua vez apresentada contra os atos de liquidação de IVA do 1º trimestre de 2009 e respetivos juros compensatórios, no valor global de € 12.261,77 euros.
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido por entender que a sentença padece do vício de erro de julgamento, por “errada fixação dos respectivos pressupostos de direito, em particular do alcance a reservar ao conceito de prestações de serviços de construção civil para efeitos de subsunção na norma de incidência subjectiva prevista na citada alínea j), do nº 1, do artigo 2º do Código do IVA”.
Alega para o efeito que «os equipamentos fornecidos (e colocados) pela sociedade “B……..”, não constituem parte integrante do imóvel, como impõe a norma constante na alínea j), do n.º1 do artigo 2º do CIVA e da Directiva IVA, pelo que, não estava a RECORRENTE obrigada a autoliquidar o imposto”, pois que «compulsada a listagem dos fornecimentos e serviços em que a “B………” liquidou IVA, conclui-se, desde logo, que não se trata de material integrado no edifício e necessário à concretização da obra, tratando-se outrossim, de bens autónomos do imóvel, podendo ser removidos se a RECORRENTE optar por alterar a localização da loja»; E que «ao contrário do entendimento erigido pelo douto Tribunal a quo, os expositores, os equipamentos diversos (balança, tensiómetros e cruz), bem como, o equipamento de som, consubstanciam, segundo as regras da experiência comum, materiais amovíveis».
Conclui, assim, que o ato de liquidação impugnado padece da ilegalidade que lhe foi assacada, pelo que termina pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por decisão que julgue a ação procedente.
II. Fundamentação de facto e de direito da sentença.
1. Na decisão recorrida deu-se como assente que no ano de 2012 a Recorrente incorporou, por fusão, a sociedade “A……., Lda.”, a qual foi objecto de uma ação inspetiva incidente sobre o exercício de 2009, tendo os Serviços de Inspeção entendido proceder a correções em sede de IVA, porque no âmbito de contrato de empreitada celebrado com a empresa “………”, para a montagem e instalação de um estabelecimento comercial, no âmbito do qual e para além de outros serviços foram contratados o fornecimento e montagem de “expositores, equipamentos de som, equipamentos de alarmes e incêndios”, no valor de € 52.080,00 euros, tendo a prestadora dos serviços liquidado IVA à taxa normal, entendendo a ATA que se tratava de aquisição de serviços de construção civil e que nessa medida recaía sobre a sociedade “A……., Lda.” a obrigação, ao abrigo do disposto no artigo 2º, nº1, alínea j), do CIVA, de liquidar e entregar o imposto devido ao Estado.
Mais se deu como assente que a ATA não aceitou a dedução do imposto referente a tais serviços, no valor de € 10.416,00, tendo, na sequência de tais correções, procedido à liquidação adicional de IVA naquele montante, acrescido de juros no valor de € 1.845,77 euros.
2. Para se decidir pela improcedência da ação e após caraterização do “regime de inversão do sujeito passivo nas prestações de construção civil”, chamando à colação o disposto no Dec.-Lei nº 12/2004, e Portaria nº 19/2004, considerou o tribunal “a quo” que «devem ser considerados como trabalhos de construção civil o fornecimento e colocação de madeira (ou carpintaria – cfr. matéria em 12)), fornecimento e colocação de equipamento de vigia, fornecimento e colocação de equipamento de alarme e fornecimento e colocação de equipamento de incêndio».
Mais se considerou que: «Quanto ao fornecimento e colocação de expositores, fornecimento e colocação de equipamento de som e fornecimento e colocação de equipamentos diversos (balança, tensiómetro e cruz com 75x75 – cfr. matéria em 12)), o tribunal não pode deixar de constatar que a sociedade B…….. apresentou “projetos” específicos (“conforme projecto”) e contemplou custos com a montagem destes equipamentos.
Tais equipamentos são parte imprescindível de um conjunto, estão intimamente ligados e devem adequar-se ao específico estabelecimento em que se integram e inerente atividade desenvolvida (comércio a retalho de produtos farmacêuticos em estabelecimentos especializados – cfr. 1)),
Não se acompanha a impugnante, pois, quando considera os mesmos como elementos “fungíveis”, que podem ser removidos e reinstalados noutra unidade».

Assim sendo, a partir do momento em que os mesmos foram instalados no imóvel, deve considerar-se que nele se integram e são parte dele.
E mesmo que se discorde do referido, a impugnante estava onerada com o ónus de demonstrar o caráter “fungível”/acessório/amovível dos referidos elementos, o que não se considera que tenha logrado (cfr. artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária)».
III. Questão prévia: Incompetência do STA em razão da hierarquia.
Nos termos do artigo 282º, nº1, do CPPT, das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância é admissível recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que o mesmo é admissível para a secção de contencioso tributário do STA. Resulta assim da lei e designadamente do disposto igualmente no artigo 26º, alínea b) do ETAF, que a competência do STA se circunscreve aos recursos que tenham exclusivamente por fundamento matéria de direito.
Como se deixou exarado no acórdão do STA de 11/05/2011, tirado no recurso nº 0324/11, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas conclusões do respectivo recurso se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (v., entre outros, os acórdãos do STA de 16/12/2009 e de 21/04/2010, proferidos nos recursos n.ºs 738/09 e 189/10, respectivamente).
Ora, no caso concreto dos autos a Recorrente não se limita a insurgir-se contra o entendimento do Tribunal “a quo” sobre a interpretação e aplicação das normas jurídicas, mas igualmente sobre os juízos de facto formulados pelo tribunal, designadamente na caraterização dos equipamentos fornecidos e montados pela empresa “………” e discriminados na fatura levada ao ponto 11 do probatório.
Na verdade, pese embora o tribunal “a quo” não tenha fixado qualquer matéria de facto no probatório a este propósito A técnica de fixação da matéria de facto nas instâncias continua a privilegiar o método descritivo de documentos, ignorando as operações subjacentes aos mesmos e os factos que os mesmos incorporam ou pretendem retratar., em sede de discussão da matéria de direito, fez constar da sentença, referindo-se aos equipamentos fornecidos e colocados no estabelecimento, que: «Tais equipamentos são parte imprescindível de um conjunto, estão intimamente ligados e devem adequar-se ao específico estabelecimento em que se integram e inerente atividade desenvolvida (comércio a retalho de produtos farmacêuticos em estabelecimentos especializados – cfr. 1)).
Não se acompanha a impugnante, pois, quando considera os mesmos como elementos “fungíveis”, que podem ser removidos e reinstalados noutra unidade».
Ora, a Recorrente, como supra se deixou enunciado, alega que: «compulsada a listagem dos fornecimentos e serviços em que a “B……” liquidou IVA, conclui-se, desde logo, que não se trata de material integrado no edifício e necessário à concretização da obra, tratando-se outrossim, de bens autónomos do imóvel, podendo ser removidos se a RECORRENTE optar por alterar a localização da loja»; E que «ao contrário do entendimento erigido pelo douto Tribunal a quo, os expositores, os equipamentos diversos (balança, tensiómetros e cruz), bem como, o equipamento de som, consubstanciam, segundo as regras da experiência comum, materiais amovíveis» [conclusões P), W) e X)].
Afigura-se-nos, assim, que a Recorrente não só questiona a interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto que foram feitas na sentença recorrida, como questiona os juízos de facto formulados pelo tribunal “a quo” sobre as caraterísticas de determinados bens fornecidos pelo prestador de serviços e incorporados no estabelecimento.
Afigura-se-nos, assim, que o S.T.A. é incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, sendo competente para o efeito o TCA Sul, para o qual a recorrente poderá requerer a remessa do processo, nos termos do estatuído no artigo 18.º, nº2, do CPPT.
Em face do exposto, entendemos que deve ser julgada verificada a excepção de incompetência deste STA, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, e ser fixada a competência para a sua apreciação no TCA Sul.”
Para o caso de assim não ser entendido, emitiu ainda parecer quanto à questão suscitada pela recorrente, concluindo ainda que a sentença recorrida deve ser confirmada, ainda que com outra fundamentação.
I. 5. Notificado tal parecer quanto à incompetência suscitada, a recorrente veio a apresentar resposta em que alega, nomeadamente, que “não se verifica a invocada excepção, na medida em que, das conclusões de recurso - que delimitam o âmbito e o objecto do mesmo, se constata que a questão a dirimir é a de saber se apreciação judicativa do Tribunal a quo assentou em erro de julgamento, em particular, no que concerne ao alcance a reservar ao conceito de prestações de serviços de construção civil para efeitos de subsunção na norma de incidência subjectiva prevista na citada alínea j), do nº 1, do artigo 2º do Código do IVA., bem como que não tinha posto em causa a matéria de facto fixada.
I.6. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, antes de mais, a questão da incompetência em razão da matéria suscitada pelo exm.º magistrado do M. P..

II. Fundamentação.

II. 1. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

1) Em 3 de março de 2008, a C……., Lda., iniciou a atividade de “Comércio a retalho de produtos farmacêuticos em estabelecimentos especializados”, a que corresponde o CAE 47730, estando enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA (cfr. teor do relatório de inspeção, de fls. 7 verso do processo administrativo – anexo 4).

2) Em 24 de outubro de 2012, a sociedade C……., Lda., cessou a sua atividade, tendo sido incorporada, por fusão, na sociedade A……, Lda. (cfr. teor do relatório de inspeção, de fls. 7 verso do processo administrativo – anexo 4).

3) A sociedade A…….., Lda. requereu a transmissibilidade dos prejuízos fiscais, dos créditos de IVA e reembolso dos pagamentos especiais por conta efetuados pela sociedade C……, Lda., nos termos dos requerimentos de fls. 10, 11, 12 e 21 do processo administrativo – anexo 5).

4) Em 9 de setembro de 2013, a sociedade C…….., Lda., foi objeto de uma ação inspetiva desenvolvida pela Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Ponta Delgada, a coberto da ordem de serviço n.º OI201300087, de âmbito parcial, abrangendo o período económico de 2009, visando o controlo dos pedidos indicados em 3) (cfr. teor do relatório de inspeção, de fls. 7 verso do processo administrativo – anexo 4).

5) Em 18 de outubro de 2013, foi elaborado o relatório de inspeção, no qual se considerou em falta o IVA do período 200903T, no valor de € 10.416,00, decorrente de correções de natureza aritmética, com os fundamentos seguintes:

(…)

(cfr. fls. 8 a 10 verso do processo administrativo – anexo 4).


6) Em 18 de outubro de 2013, o Chefe da Equipa dos Serviços de Inspeção Tributária concordou com as conclusões do relatório de inspeção (cfr. fls. 6 do processo administrativo – anexo 4).

7) Em nome da sociedade C…….., Lda., foi efetuada a liquidação adicional de IVA n.º 13312377, do período de 200903T, no valor de € 10.416,00 e a liquidação de juros compensatórios n.º 13112378, no valor de € 1.845,77 (cfr. doc.s n.º 2 e n.º 3, apresentados com a petição inicial, de fls. 26 e 27 do suporte físico do processo).

8) Em 5 de junho de 2014, a sociedade C……….., Lda., apresentou um requerimento de reclamação graciosa contra o ato de liquidação adicional de IVA n.º 13312377, e o ato de liquidação de juros compensatórios n.º 13112378, dirigido à Direção de Finanças de Ponta Delgada, a qual foi tramitada com o n.º 2992201404001427 (cfr. fls. 1, 2 e 3 do processo administrativo – anexo 1).

9) Em 19 de novembro de 2015, o Chefe do Serviço de Finanças de Ponta Delgada decidiu indeferir a reclamação graciosa n.º 2992201404001427, de acordo com os fundamentos constantes da informação n.º 31011984, a qual consta de fls. 38 a 48 do processo administrativo – anexo 1).

10) Em 25 de fevereiro de 2016, a sociedade A…….., Lda., enviou a petição inicial que deu origem ao presente processo de impugnação n.º 54/16.8BEPDL, através de via postal registada n.º RD630605687PT (cfr. fls. 1 do processo administrativo).
11) A fatura n.º 90013, referida no relatório de inspeção, tem o seguinte teor:

(cfr. fls. 24 do processo administrativo – anexo 4).

12) Em 11 de abril de 2008, foi elaborado um escrito denominado “Orçamento nº 2008.012” – Memória Descritiva – Condições Específicas”, respeitante a trabalhos a efetuar a pedido do requerente “Parafarmacia ………..// A………// Loja … –………”, o qual consta de fls. 25 a 28 do processo administrativo – anexo 4.

II. 2. De direito.

Nos termos do preceituado no artigo 280.º do C.P.P.T. das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo da área do Tribunal recorrido.

Todavia, por força do mesmo preceito legal, o recurso deve ser interposto para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo se versar exclusivamente matéria de direito, ou seja, se o recurso implicar apenas a correcta interpretação das normas legais aplicáveis ou a sua correcta determinação e aplicação.

Sempre que para apreciação destas questões o Tribunal “ad quem” tenha que emitir uma apreciação ou um juízo de valor sobre a matéria de facto, designadamente, sobre o erro na sua valoração por falta insuficiência ou obscuridade dos elementos de prova a questão envolve necessariamente matéria de facto – nesse sentido, para além dos acórdãos citados pelo exm.º magistrado do MP, o acórdão do STA de 13-1-2016, proferido no processo n.º 0683/15, acessível em www.dgsi.pt, entre muitos outros.

Conforme assinala o mesmo magistrado assinala, a recorrente afirma, quer na conclusão P), quer na conclusão X) das alegações de recurso, factos que contrariam as ilações retiradas pela sentença recorrida e dos quais se conclui a ilegalidade das correcções efectuadas e que no seu entender suportam o erro sobre os pressupostos na incidência do I.V.A..

Ora, estes factos divergem da factualidade dada como provada, donde se pode concluir que o recurso não versa exclusivamente matéria de direito.

Aliás, a incompetência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do Tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até trânsito em julgado da decisão final - artigo 16.º do C.P.P.T..

E a competência dos tribunais administrativos e fiscais, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública, sendo que o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, de acordo com o artigo 13.º do C.P.T.A., aplicável, nos termos do art. 2.º, c), do C.P.P.T..

Tendo o seu conhecimento sido suscitado pelo dito magistrado, importa julgar verificada a exceção de incompetência, com prioridade sobre qualquer outra questão, e decidir, de acordo com o anteriormente exposto, ser a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e competente para o seu conhecimento o Tribunal Central Administrativo do Sul, a que o processo é de mandar remeter, nos termos do art. 18.º n.º1 do C.P.P.T., na sua actual redacção.

III. Decisão:

Nos termos expostos, os juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em julgar verificada a excepção da incompetência em razão da hierarquia da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo e competente a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul.

Remeta, nos termos do art. 18.º, n.º1, do C.P.P.T..

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.

Lisboa, 17 de junho de 2020. - Paulo Antunes (relator) - Francisco Rothes - Aragão Seia.