Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01172/12
Data do Acordão:01/28/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:PROT DO ALGARVE
LICENÇA DE CONSTRUÇÃO
EDIFICAÇÃO DISPERSA
RAZÕES PONDEROSAS
Sumário:I - Refere o n.º 2 do artigo 26.º do PROT-Algarve que, “Por razões ponderosas demonstradas pelo interessado, designadamente as que digam respeito à organização de explorações agrícolas, podem, excepcionalmente, ser autorizadas edificações isoladas, desde que daí não resultem derrogações ao estabelecido no presente diploma”.
II - (i) As “razões ponderosas” podem reportar-se a interesses pessoais, designadamente, a organização de uma exploração agrícola por um particular; (ii) o legislador deu relevo a uma razão ponderosa que associa as razões pessoais à utilização agrícola dos solos; (iii) a razão ponderosa exemplificada, porque assim o é, não é de molde a excluir outras razões, designadamente de natureza pessoal – ou seja, a referência às explorações agrícolas não aboliu totalmente a indeterminação do conceito utilizado; (iv) não é qualquer razão que deve ser aceite como razão ponderosa.
Nº Convencional:JSTA00069539
Nº do Documento:SA12016012801172
Data de Entrada:09/05/2014
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE VILA DO BISPO E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR URB - INSTR GESTÃO TERRITORIAL.
Legislação Nacional:CPC13 ART608 ART670.
CPC ART668 N1 C D.
CPTA ART150.
DRGU 11/91 ART26.
RCM 149/95 ART30.
CONST ART111.
Referência a Pareceres:CC PGR 09/07/1997.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. O Ministério Público intentou no TAF de Loulé acção administrativa especial em defesa da legalidade, do urbanismo e do ordenamento do território contra o Município de Vila do Bispo e os contra-interessados A………… e o marido B………… (entretanto falecido). Visava com esta acção, em concreto, a impugnação do despacho do Presidente da Câmara Municipal de Vila do Bispo de 14.04.03, que deferiu à contra-interessada o pedido de licenciamento da construção de uma moradia unifamiliar para habitação num terreno situado em espaços não urbanizáveis, zonas preferenciais, florestais e na Reserva Agrícola Nacional (RAN).

O TAF de Loulé, por sentença de 12.08.10, julgou a acção improcedente e absolveu a entidade demandada do pedido.

O Autor recorreu para o TCAS que, por acórdão de 19.04.12, acordou em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.

2. O Recorrente apresentou alegações, concluindo, no essencial, do seguinte modo:

“1 - O interposto recurso de revista deve ser admitido, por reunir todos os pressupostos exigidos pelo artº 150°, nºs 1 e 4 do CPTA.
2 - Deve ser declarada a nulidade do Acórdão recorrido, atenta a quádrupla oposição entre os respectivos fundamentos e a decisão, nos termos do artº 668º, nº 1 al. c) do CPC, posto que se apoiou em parecer do CC da PGR, em Ac. do STA, em parecer do IGAT, em parecer da CCRAA, todos de sentido precisamente opostos ao decidido.
3 - Deve ser declarada a nulidade do Acórdão recorrido, atenta a dupla omissão de pronúncia, nos termos do artº 668º, nº 1 al. d) do CPC, pois se não pronunciou sobre a inoperância do Ac. do STA de 9.4.2003, nem sobre as invalidades do parecer da CRRAA e da informação prévia da Câmara Municipal alegadas pelo Ministério Público.
4 - Deve ser declarada a nulidade do Acórdão recorrido, atento um triplo excesso de pronúncia, nos termos do artº 668º, nº 1 al. d) do CPC, porque extravasou os limites do que poderia conhecer e julgar, violando o princípio constitucional da separação de poderes do comando do artº 111º da CRP, por aditar matéria de facto que é matéria de direito e uma fundamentação nova à fundamentação inexistente dos actos da Câmara Municipal e da CCRAA.
5 - O despacho do Presidente da Câmara Municipal de Vila do Bispo de 14 de Abril de 2003, que deferiu à contra-interessada o pedido de licenciamento da construção de uma moradia unifamiliar para habitação num terreno situado em espaços não urbanizáveis, zonas preferenciais, florestais" e na "Reserva Agrícola Nacional (RAN), solos com potencial capacidade de uso agrícola, sem ligação com actividades agrícolas ou florestais, violou os artigos 30º nº 5 do Regulamento do PDM de Vila do Bispo e do artigo 26.º nº 2 do PROT-Algarve, inexistindo razões ponderosas que admitissem a edificação dispersa.
6 - Tanto a sentença da primeira instância como o Acórdão agora recorrido aceitaram como razões ponderosas as usadas pela contra-interessada e admitidas pela Administração, violaram igualmente não apenas as sobreditas normas legais por erro de interpretação e de aplicação, como ambos reconheceram a falta da fundamentação administrativa, que os obrigou a supri-la nos termos referidos, mesmo com grosseira violação do princípio constitucional da separação de poderes.
Termos em que deve ser revogado o Acórdão recorrido e proceder por provada a acção administrativa especial e consequentemente declarada a nulidade do acto administrativo impugnado e declarado nulo e de nenhum efeito o alvará de licença de construção nº 231/2003 de 10 de Dezembro de 2003 da Câmara Municipal de Vila do Bispo, como é de
JUSTIÇA”.

3. O recorrido contra-alegou, e concluiu assim:

“A) O art. 150.º n.º 1 do CPTA, não deve, assim, ser entendido como um recurso generalizado de revista, antes sim, apenas será admitido num número limitado de casos.
B) O artigo 150.º tem como pressupostos (i) a importância fundamental da questão por virtude da sua relevância jurídica; (ii) de a apreciação do recurso ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
C) Ora, s.m.o., o que o Recorrente pretende nesta instância é que seja proferida uma decisão que vá ao encontro da sua pretensão e não a nulidade ou do erro de julgamento que, eventualmente, as instâncias recorridas tivessem incorrido.
D) A decisão proferida não citou ilegitimamente o Parecer do CC da PGR de 9.7.97 tanto é, que dispõe nos pontos 1 e 2 das conclusões, o seguinte:
(…)
1. Incumbe exclusivamente aos órgãos municipais competentes para o licenciamento de “edificações isoladas”, no exercício dos poderes discricionários conferidos pelo n.º 2 do artigo 26.º do PROT-Algarve, aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 11/91, de 21 de Março, apreciar e decidir das “razões ponderosas” que, nos termos do mesmo normativo, podem justificar as edificações;
2. As “razões ponderosas" susceptíveis de justificar a outorga da licença supõem a existência de uma conexão funcionalmente apreciável entre a edificação isolada e os usos do solo planificados – nomeadamente nas “zonas de recursos naturais e equilíbrio ambiental” –, quer na óptica do bom aproveitamento desses usos, quer, em relação de coordenação, na dos interesses do titular. (…)
E) Não existe qualquer derrogação ao PROT-Algarve, bem pelo contrário, o seu art. 18.º n.º 2, respeitante às intervenções em zonas preferenciais de desenvolvimento agro-florestal (o que se aplica no caso concreto), determina que, as mesmas deverão ter por fim a fixação das populações e a sua dignificação.
F) Os fundamentos invocados não estão em oposição com a decisão ora recorrida.
G) Afirma o Recorrente que a decisão cita ilegitimamente o Ac. do STA de 9.4.2003, R. 0116/93, mas, também aqui não existirá, com o devido respeito, razões ao ora Recorrente, porquanto o Douto TCA fundamentou a sua decisão com base em toda a prova produzida, designadamente, o Parecer 9/07 da IGAT o Ac. do STA de 09.04.2003.
H) Na pág. 6 in fine e pág. 7 do Parecer 9/97 emanado pela IGAT que se afirma:
“(…)
A interpretação defendida pelo PGR baseia-se num argumento literal que não se nos afigura definitivo: o facto de o art. 26º, n.º 2 do PROT apenas referir, a título de exemplo de “razões ponderosas”, as “que digam respeito à organização de explorações agrícolas” Ora tal menção apenas, como se afirma, carácter meramente exemplificativo, o que não lhe confere a susceptibilidade de indiciar uma necessária conexão funcional entre a edificação e os usos a que o solo se encontra vinculado. Tal como é afirmado no parecer da PGR, estamos no domínio onde a administração local goza de poderes discricionários, não sendo o espírito da lei suficientemente restrito para cercear o conteúdo das valorações feitas pelo decisor. Parece ser efectivamente em sede de classificação dos espaços que são feitas considerações de carácter estritamente funcional, que se prendem com as aptidões intrínsecas dos solos e que justificam a sua afectação a um fim dominante (protecção aos sistemas aquíferos, exploração agrícola, protecção da natureza, exploração e conservação de espécies florestais, aproveitamento agrícola e florestal, etc). O art.° 26º. nº 2 do PROT-Algarve terá assim a natureza de norma legal habilitante para uma afectação excepcional de tais solos a outros fins que não aqueles que determinaram as restrições impostas, sendo que neste contexto, as "razões ponderosas" que a lei impõe como condição de autorização de edificações apontam já não para motivos de natureza funcional mas sim subjectiva e pessoal (v. Ac. STA de 4/09/2003. processo 0116/03).
I) Apenas se poderá dizer que existirá um erro de escrita ao ter mencionado «Todavia, como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.04.2003, P.0116/03» em vez de fazer referência do texto ao parecer da IGAT.
J) O parecer favorável da CCRAA, não está em oposição com a decisão recorrida.
K) O parecer da CCRAA comprovou que da autorização da edificação não resultava qualquer prejuízo ambiental ou para a utilização de solos.
L) Não tendo havido qualquer alteração das circunstâncias de facto e de Direito, não haveria razão para indeferir a pretensão do licenciamento da obra.
M) Neste sentido, vejamos o comentário ao art.º 17º do Dec-lei 555/99, de 16 de Dezembro (Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes, Fernanda Maçãs, in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, Comentado, 2ª Edição 2009 - Almedina, págs. 228),
“(...)
Passado o prazo de um ano após a notificação da informação prévia favorável sem que o pedido de licenciamento tenha sido requerido ou a comunicação prévia tenha sido apresentada, aquela perde o seu carácter vinculativo para a câmara municipal e constitutivo de direitos para o particular. Não significa isto, no entanto, que a informação prestada naquele acto seja juridicamente irrelevante. Com efeito, o acto em si mantém o seu visto para os actos deste tipo, desde logo o previsto no art.º 7º, n.º 2 do CPA. Isto significa, como vimos, que se entretanto as regras urbanísticas se alterarem não está a câmara municipal obrigada a emitir um licenciamento em conformidade com a informação prévia (porque já não é vinculativa) nem a ter de indemnizar o seu titular por pôr em causa os seus direitos (o direito à licença já caducou com o decurso do prazo do ano). Mas significa também que, se entretanto as circunstâncias de facto e de direito não se tiverem alterado, não pode a câmara municipal, sem mais, indeferir o respectivo pedido de licenciamento ou rejeitar a comunicação prévia.”
N) O próprio Acórdão proferido pelo STA, de 22 de Março de 2007, Proc. 0390/06, referido pelas mesmas autoras, segue o entendimento que vai mais longe:
Se a viabilidade era legal, isto é, se ela traduzia a fidelização ao quadro jurídico vigente, por obedecer a todas as prescrições imperativas da lei, então não podia a Câmara decidir de modo diferente no acto final do procedimento, se entre aquela (informação prévia) e este (deferimento do licenciamento) não tivesse havido modificação das circunstâncias de facto e de direito.”
O) Resulta claro que, não havendo alteração legal dos regimes jurídicos urbanísticos em causa, nem havendo alterações de facto, situação que seria do conhecimento da Câmara Municipal, não fará sentido emitir novo parecer o qual, comprovou que da autorização da edificação não resultava qualquer prejuízo ambiental ou para a utilização de solos, ou seja, o licenciamento em causa não prejudica o uso dos solos ou o seu potencial aproveitamento.
P) Pelas duas ordens de razão apresentadas pelo Recorrente, o Acórdão recorrido não padece, por omissão de pronúncia, e por isso, não sofre da nulidade prevista no art.º 668.º n.º 1 al. d) do CPC.
Q) Isto porque, nos termos do art. 685-A do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual, conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração da anulação da decisão.
R) Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito legal que, versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) as normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c)(...)
S) Analisado o recurso intentado, tanto junto do TAF-Loulé, como o ora recorrido, não se vislumbra que o ora Recorrente tenha alegado sobre qualquer das duas razões, ora alegadas, devendo ser o presente recurso de revista julgado improcedente.
T) Mesmo que, assim não se entenda, sempre se dirá que se deverá entender que, do ponto de vista material, a caducidade urbanística possui contornos específicos em face da figura genérica da caducidade de origem juscivilística, distinguindo-se, no direito do urbanismo, a caducidade preclusiva da chamada caducidade sanção.
U) Torna-se forçoso concluir que a caducidade não opera de forma automática, tendo, antes, de ser declarada no âmbito de um procedimento que garanta a audiência do interessado.
V) É o próprio Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) que no seu art. 71º n.º 5, inserido na Subsecção II “Caducidade e revogação da licença, admissão da comunicação prévia e autorização de utilização” dispõe “As caducidades previstas no presente artigo são declaradas pela câmara municipal, com audiência prévia do interessado”.
W) Não nos parece existir s.m.o. omissão de pronúncia, primeiro porque o Recorrente em sede de recurso não alegou a omissão de pronúncia, apenas pediu que fosse declarada a nulidade do Despacho do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Vila do Bispo de 14 de Abril de 2003, que deferiu à contra-interessada o pedido de licenciamento da construção de uma moradia unifamiliar.
X) O excesso de pronúncia a ser alegado teria de o ser em sede de reclamação junto do Tribunal recorrido e não em sede de Recurso de Revista, a qual tem um carácter excepcional.
Y) As “razões ponderosas” constituem, na verdade, um conceito indeterminado, aberto à integração, caso a caso, pela entidade competente (órgão municipal), e a locução “designadamente” se deve entender como meramente exemplificativa e não taxativa.
Z) Não há violação dos artigos 30.º, n.º 5 do Regulamento do PDM de Vila do Bispo, e art. 26.º, n.º 2 do PROT-Algarve.

Pelo exposto, e s.m.o., não nos parece haver razão do Recorrente, pois que, em qualquer das instâncias, a questão foi bem analisada, ponderada e decidida com recurso a toda a factualidade e prova produzida nos autos, devendo ser julgado improcedente o recurso ora interposto e mantida a decisão proferida pelo Tribunal a quo.

Nestes termos e atento o exposto,
Deverá ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal "a quo", assim se fazendo
JUSTIÇA”.

4. Também a contra-interessada apresentou as suas contra-alegações, e, quanto ao mérito da causa, concluiu, no essencial, assim:

“1º O Recurso de Revista constitui um duplo grau de recurso jurisdicional, conferido apenas para casos excepcionais e não para uma utilização generalizada para revisão das decisões proferidas pelos TCA's em sede de recurso.
2º No caso em apreço trata-se do licenciamento de uma construção particular, de grande relevância para a contra-interessada que, depois de obter as devidas licenças espera há anos poder concluí-la e aí residir, situação que em nada afecta interesses comunitários, em nada ficando a comunidade afectada ou prejudicada com o licenciamento.
3º O recorrente procurou fundamentar a admissibilidade em alegadas alterações de textos ou citações de acórdãos ou pareceres mas, em rigor, e o que importa verdadeiramente, é a aplicação da lei ao caso concreto que foi devidamente interpretada e fundamentada.
4º Não se verifica, assim, estarem preenchidos os pressupostos do art. l50º CPTA, pelo que não deve o presente recurso der admitido. Sem prejuízo,
5º O douto acórdão não faz errada interpretação do Parecer do Conselho Consultivo da P.G.R. citado nos autos, cuja cópia consta a fls. 68 e sgts, porquanto o nº 3 citado, vem referir que o exercício do poder de autorização conferido pelo nº 2 do art. 26° o órgão competente está vinculado às prescrições do PROT-Algarve e impedido de licenciar edificações isoladas em derrogação das mesmas, havendo, como tal, que ter em conta o nº 2 do art. 26° do PROT, para a devida interpretação.
6º A ora alegante fundamentou a sua pretensão de licenciar a construção de moradia em razões que o Município da Vila do Bispo aceitou como sendo razões ponderosas;
7º As razões ponderosas não têm, ao contrário do que invoca o Ministério Público, que ser forçosamente relacionadas com actividades agrícolas, porquanto resulta quer do referido art. 26º/2 do PROT-Algarve quer do art. 30º/5 do PDM da Vila do Bispo a existência de um conjunto de excepções.
8º Resulta da expressão “designadamente” utilizada no texto do art. 26/2 PROT e 30/5 PDM da Vila do Bispo que as razões ponderosas não têm forçosamente que respeitar a explorações agrícolas, sendo como tal meramente exemplificativa e não taxativa.
9º O conceito de “razões ponderosas” não está definido ou tipificado, cabendo à Câmara Municipal apreciar e decidir se as razões invocadas poderiam ser entendidas como tal, estando-lhe reservada liberdade na apreciação da relevância e adequação das razões invocadas à realização do interesse público tutelado pelas normas.
10º O legislador quis precisamente conferir ao Órgão próprio a possibilidade de decidir, face às razões apresentadas, relevantes, que pudessem justificar a autorização de licenciamento, sem posições extremas ou estranguladoras que uma visão limitada (e que não tem corpo no texto da lei) da mera conexão à exploração agrícola não deixaria de causar.
11º A Câmara Municipal da Vila do Bispo entendeu que no caso concreto, dadas as razões invocadas e até no sentido de cumprir o objectivo de fixação das populações (para mais num concelho pobre e com pouca população jovem) se justificava atender às razões invocadas, tendo-as considerado como ponderosas.
12º Não se tendo limitado a autorizar a construção, fazendo-o apenas após obtenção de parecer favorável por parte da CCDR Algarve, tomado por deliberação de 17 de Julho de 2001 por esta entidade.
13º Tal parecer comprovou que da autorização de edificação não resultaria qualquer prejuízo ambiental ou para a utilização dos solos (de outra forma a CCDR não teria emitido parecer favorável), pelo que a Câmara Municipal de Vila do Bispo poderia dar seguimento ao licenciamento, atentas as razões ponderosas invocadas, sendo certo que lhe cabe a ela, em exclusivo apreciar tais razões, salvaguardadas, como o foram, as imposições legais.
14º Não existindo, como tal, qualquer erro de julgamento na aplicação do direito, tendo-se feito a correcta interpretação das normas dos arts. 30º nº 5 do Regulamento do PDM de Vila do Bispo e do art. 26º/2 do PROT-Algarve.
15º De onde se conclui não ter existido qualquer ilegalidade, pelo que deve o Recurso formulado pelo Ministério Público ser julgado improcedente.
16º O Acórdão de 09.04.2003 (proc. 0116/03) admite o carácter excepcional do licenciamento, tendo em conta as razões ponderosas que sejam requeridas e demonstradas, não existindo, como tal, interpretação errada do sentido dado a tal acórdão.
17º Do parecer do IGAT junto agora aos autos na íntegra, resulta que o prazo para proposição das convenientes Acções Administrativas Especiais já decorreu, de acordo com o art. 58º nº 2 a) do CPTA, e que, como tal, o acto seria inatacável, facto que, por ser de direito, aqui igualmente se invoca, devendo ser devidamente apreciada.
18º Relativamente à menção que é feita ao parecer favorável do CCRAA tomado por deliberação de 17 de Julho de 2001 e que já teria caducado, é o mesmo citado como enquadramento na interpretação das razões ponderosas, por parte da Câmara Municipal de Vila do Bispo, a qual agiu no sentido de cumprir o objectivo de fixar as populações, num concelho pobre e de pouca população jovem e que o fez tendo conhecimento da existência de tal parecer favorável, tendo, como tal, ponderado o pedido, avaliado e realçado como ponderosa a razão invocada pela requerente, fazendo-o na certeza de que tal autorização não criava qualquer prejuízo ambiental ou para a utilização dos solos, não prejudicando o seu uso ou potencial aproveitamento.
19º Não existe qualquer omissão de pronúncia por parte do douto acórdão, porquanto a consideração das razões ponderosas tidas em conta pelo Município da Vila do Bispo e a sua admissibilidade como fundamentação para se decidir pelo seu deferimento estão suficientemente fundamentadas no douto acórdão recorrido, quer em termos de facto quer de direito.
20º Sendo que a questão da caducidade, não consta suficientemente clara e expressa, no recurso apresentado, não se afigurando, como tal, que tenha existido qualquer omissão de pronúncia por parte do Venerando Tribunal a quo.
21º Finalmente, não se verifica, no entendimento da contra-interessada a existência de intromissão e excesso de pronúncia por parte do Tribunal, porquanto este mais não fez que apreciar a decisão do município e enquadrar a matéria em causa, a decisão proferida em sede de primeira instância, o que foi alegado pelas partes, fundamentando assim a decisão que proferiu e a razão pela qual a mesma foi tomada e no sentido em que o foi. Não o tendo feito, estaríamos perante uma decisão, aí sim, nula, por falta de fundamentação.
22º O Tribunal não se intromete na deliberação do Município, não a altera, nem complementa. Limita-se a, perante o que lhe é trazido por todas as partes, proceder à respectiva análise e fundamentação do acórdão, como aliás, lhe compete, sem que se vislumbre qualquer intromissão ou invasão da sustentação dos actos administrativos.
23º Nem existiu, com o devido respeito, e ao contrário do que se alega qualquer necessidade por parte do Acórdão recorrido de sustentar os actos administrativos com nova fundamentação. O que se verifica é que a Câmara Municipal de Vila do Bispo apreciou o pedido formulado pela ora contra-interessada e aceitou os motivos por ela apresentados, deferindo o pedido nos termos em que o mesmo foi requerido e atentos os motivos nele invocados, não existindo, pois, qualquer intromissão. O Tribunal limita-se a fundamentar a sua própria decisão, face à matéria em causa e aos elementos constantes dos autos.

Nestes Termos, deverá ser negado provimento ao Recurso e consequentemente mantida a douta Sentença e acórdão nos exactos termos em que foi proferido.

V.EXAS MUI DOUTAMENTE APRECIARÃO E FARÃO, COMO SEMPRE, JUSTIÇA!”.

5. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 24.06.14, veio a ser admitida a revista (fls. 403-5), nos seguintes termos:
“(…)
O acórdão recorrido acolheu a decisão do TAF de Loulé que julgou improcedente a acção administrativa especial de declaração de nulidade de actos administrativos praticados pela Câmara Municipal e pelo Presidente da Câmara Municipal de Vila do Bispo que licenciaram, «por razões ponderosas», a edificação de uma moradia unifamiliar em prédio rústico situado em espaço florestal e fora das principais zonas de edificação urbanística. Para o TCA, em conformidade com a sentença, face à conjugação do disposto nos artigos 26.º, n.º 2 do PROT-Algarve e artigo 30.º, n.º 5 do Regulamento PDM de Vila do Bispo, as «razões ponderosas demonstradas pelo interessado» podem revestir uma vertente subjectiva (as razões e justificações do particular) e não, apenas, enquadrar-se numa vertente objectiva de construção do edifício numa perspectiva económica, designadamente respeitante à organização de explorações agrícolas.
Recentemente, pelo acórdão de 29/05/2014, Proc. 299/14, foi admitido recurso excepcional de revista, num caso em que se pretende ver apreciado o mesmo problema essencial, com a seguinte ponderação final:
«Indica o recorrente que existem outros casos análogos em litígio.
E na verdade há indícios de reiterada conflitualidade com base na mesma problemática, como manifesta o recorrente e de que são expressão nesta Formação, a título meramente exemplificativo, o processo 135/13, com acórdão de 15.5.2013 e o processo 132/14, com acórdão de 06.03.2014; sendo que, então, se entendeu não haver lugar à admissão de revista.
Se bem que, como se disse nesse último acórdão, se esteja perante questão jurídica intrinsecamente dependente das circunstâncias de cada caso, pode concluir-se, pela reiteração dos conflitos, que se está perante problema a assumir importância fundamental, destacando-se a utilidade que a revista possa vir a ter, principalmente para os municípios, através de uma orientação jurídica esclarecedora que possa surgir do entendimento deste Supremo.
Assim, e apesar da solução do presente caso ser confrontada com as limitações de poder cognoscitivo inerente ao recurso de revista, justifica-se a sua admissão».

É esta a ponderação que se mantém, pelo que também no presente caso deve admitir-se o recurso.

3. Pelo exposto, decide-se admitir a revista”.

6. Devidamente notificado para se pronunciar, querendo, sobre o mérito do recurso (art. 146.º, n.º 1, do CPTA), o Digno Magistrado do MP não emitiu qualquer parecer ou pronúncia.

7. Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:

São os seguintes os factos pertinentes e provados e fixados pelas instâncias:

“1. No dia 24 de Julho de 1997 a contra-interessada A………… apresentou na Câmara Municipal de Vila do Bispo um requerimento a pedir parecer quanto à viabilidade de construção de uma moradia unifamiliar no prédio rústico situado na ………, freguesia de …….., concelho de Vila do Bispo, inscrito na matriz rústica sob o artigo 138 – Secção C, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Bispo sob o nº 00755, de que era proprietária, que deu origem ao processo administrativo n° 35/97 - motivação: docs. nº 2, 3 e 4 juntos com a p. i.
2. Esse prédio situa-se, de acordo com a Planta de Ordenamento e a Planta de Condicionantes do Plano Director Municipal (PDM) de Vila do Bispo, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 149/95, de 24 de Novembro (com as alterações ratificadas pelas RCM nº 38/97, 12/03 e 163/97, 25/09) em «espaços não urbanizáveis, zonas preferenciais, florestais» e na «Reserva Agrícola Nacional (RAN), solos com potencial capacidade de uso agrícola» - motivação: docs. nº 5 e 6 juntos com a p.i.
3. Em 19 de Agosto de 1997 e 22 de Setembro de 1997 foram emitidas informações técnicas por arquitecto da Câmara Municipal de Vila do Bispo (C………), que das duas vezes se pronunciou no sentido de que a pretensão da contra-interessada não reunia condições de deferimento - motivação: docs. nº 5 e 6 juntos com a p.i.
4. Confrontada a contra-interessada com tais pareceres, apresentou, em 16 de Outubro de 1997, um requerimento na Câmara Municipal de Vila do Bispo em que apresentava e solicitava que fossem consideradas ponderosas as razões que a seguir se transcrevem:
«Sou natural da ……… (nascida e criada) e aqui tenho vivido com a minha família (meu marido e dois filhos) meus pais tios e restante família todos praticamente residem neste concelho. Uma vez que eu e o meu marido comprámos um lote na zona industrial, construímos uma oficina e aqui trabalhamos solicito a V. Exª a colaboração no sentido de conseguirmos construir uma habitação própria para neste concelho residir, não faz sentido ir comprar casa em Lagos ou nos arredores. É neste Concelho que trabalhamos e é nele que queremos residir; não tenho habitação própria nem outro terreno para construir» - motivação: doc. nº 7 junto com a p.i.
5. Na sequência desse requerimento, o mesmo arquitecto da Câmara Municipal de Vila do Bispo elaborou nova informação, datada de 2 de Dezembro de 1997 que tem exactamente o mesmo teor da informação anterior, tendo acrescentado apenas o seguinte:
«A requerente juntou ao processo requerimento onde invoca razões ponderosas.
A Câmara Municipal decidirá como lhe aprouver como mais conveniente» - motivação: doc. nº 8 junto com a p.i.
6. Por deliberação de 23 de Dezembro de 1997 a Câmara Municipal de Vila do Bispo decidiu «Emitir parecer favorável, aceitando as razões ponderosas evocadas pelo requerente, devendo obter parecer da DRAA» - motivação: doc. nº 9 junto com a p.i.
7. Decisão que comunicou à contra-interessada por ofício de 29 de Dezembro de 1997 - motivação: doc. nº 10 junto com a p.i.
8. No seguimento dessa informação prévia, a contra-interessada apresentou em 24 de Abril de 2002 um requerimento de licenciamento de obras para construção de uma moradia, com uma área de construção de 150,00m2, que deu origem ao Processo de Obras nº 62/2002 - motivação: resulta dos autos
9. Por deliberação de 30 de Julho de 2002, Câmara Municipal de Vila do Bispo decidiu aprovar o projecto de arquitectura, devendo a contra-interessada submeter à aprovação os projectos das especialidades necessários à execução da obra no prazo de 6 meses - motivação: doc. nº 11 junto com a p.i.
10. Esses projectos foram tempestivamente apresentados, e por despacho do Presidente da Câmara Municipal de Vila do Bispo de 14 de Abril de 2003 foi deferida a licença de construção - motivação: doc nº 1 junto com a p.i.
11. Em 10 de Dezembro de 2003 a Câmara Municipal de Vila do Bispo emitiu o respectivo alvará de licença de construção, com o nº 231/2003 - motivação: doc nº 1 junto com a p.i.

Adita-se a esta factualidade o nº 12, com o seguinte teor:
12. A CCDR- Algarve emitiu parecer favorável à construção da moradia unifamiliar indicada no nº 1, comprovativo de que da autorização da mesma não resultaria qualquer prejuízo ambiental ou relativo à utilização de solos (cfr. Doc. junto a fls.10 e artigo 14º da contestação da contra-interessada)”.

2. De direito:

2.1. Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem – sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts 635.º e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi do art. 140.º do CPTA).
Ora, do teor das conclusões das alegações do Recorrente resulta que são de dois tipos as questões que o mesmo pretende ver decididas por este Supremo Tribunal. São elas as seguintes:

1) Várias nulidades, quais sejam:

(i) “a quádrupla oposição entre os respectivos fundamentos e a decisão, nos termos do artº 668º, nº 1 al. c) do CPC, posto que se apoiou em parecer do CC da PGR, em Ac. do STA, em parecer do IGAT, em parecer da CCRAA, todos de sentido precisamente opostos ao decidido” (conclusão 2);

(ii) “a dupla omissão de pronúncia, nos termos do artº 668º, nº 1 al. d) do CPC, pois se não pronunciou sobre a inoperância do Ac. do STA de 9.4.2003, nem sobre as invalidades do parecer da CRRAA e da informação prévia da Câmara Municipal alegadas pelo Ministério Público” (conclusão 3);

(iii) “um triplo excesso de pronúncia, nos termos do artº 668º, nº 1 al. d) do CPC, porque extravasou os limites do que poderia conhecer e julgar, violando o princípio constitucional da separação de poderes do comando do artº 111º da CRP, por aditar matéria de facto que é matéria de direito e uma fundamentação nova à fundamentação inexistente dos actos da Câmara Municipal e da CCRAA” (conclusão 4).

2) Erro de interpretação e de aplicação dos artigos 26.º, n.º 2, do PROT-Algarve e 30.º, n.º 5, do Regulamento PDM de Vila do Bispo, e violação “grosseira” do princípio constitucional da separação de poderes em virtude do suprimento da falta da fundamentação da decisão administrativa (conclusão 6).

Vejamos que assiste ou não razão ao Recorrente nas suas pretensões.

2.2. Iniciando a nossa análise com a questão das alegadas nulidades imputadas ao acórdão recorrido e acima devidamente assinaladas, constatamos que sobre elas já houve uma pronúncia do TCAS em conferência. Efectivamente, por despacho do relator, de 13.11.12 (fl. 386), foi decidido, por este STA que o “Tribunal ‘a quo’ deve pronunciar-se sobre as nulidades dado que a norma do art. 670.º, n.º 5, do CPC é aplicável ao recurso de revista previsto no art. 150.º do CPTA e, segundo o respectivo dispositivo, quem proferiu a decisão arguida de nulidades deve apreciar o respectivo requerimento se esta decisão integra a decisão recorrida.
Nos termos expostos e atento o n.º 5 do art. 670.º do CPC remeta ao TCA”.

Na sequência, o TCAS, por acórdão de 05.12.13 (fls. 389-390), pronunciou-se sobre as nulidades invocadas pelo recorrendo, considerando que as mesmas não se verificam. Atentemos nos seus argumentos.

“(…)
Quanto à 1.ª (oposição entre fundamentos e decisão) diz o recorrente que a decisão se apoiou em pareceres (da PGR e do CCRA) apontou em sentido oposto.
Sem qualquer razão.
O Acórdão explica que compete aos órgãos municipais competentes para o licenciamento de edificações urbanas (…) apreciar e decidir o conceito de ‘razões ponderosas’ (conceito indeterminado) que pode justificar, excepcionalmente, a outorga de determinadas licenças.
O recorrente manifesta deficiente compreensão da questão, uma vez que as razões ponderosas não têm que ser forçosamente relacionadas com actividades agrícolas, como resulta do artigo 26º, nº 2 do PROT-Algarve e do artigo 30º, nº 5 do PDM. A integração do conceito compete à Câmara Municipal respectiva.
Está tudo explicado a fls. 300 e 301 do Acórdão, de onde um destinatário médio conclui não existir qualquer derrogação ao PROT-Algarve, sendo de destacar a doutrina contida no douto Acórdão do STA de 09.04.03, Proc. n.º 0116/03, do Sr. Juiz Conselheiro, Dr. Vítor Gomes (cfr. fls 298).
Quanto à omissão de pronúncia, é por demais óbvio que a mesma não se verifica, não só porque o recorrente não a alegou em sede de recurso (…) como também, mesmo que estivesse em causa a caducidade do parecer emanado da CRRAA, a mesma teria de ser invocada pela Câmara Municipal, o que não sucedeu (cfr. as palavras do recorrido Município a fls. 354).
Finalmente, quanto ao pretenso excesso de pronúncia, o recorrente limitou-se a alegar (concl. 4ª) que o Acórdão recorrido cometeu um triplo (!?) excesso de pronúncia, porque extravasou os limites do que poderia conhecer, violou o princípio da igualdade e aditou matéria de facto que é matéria de direito.
Não está tipificado qualquer excesso de pronúncia.
O Acórdão apreciou a decisão do Município e enquadrou a matéria em causa, procedendo à respectiva apreciação e fundamentação. Não se compreende porque é invocado a violação do princípio da igualdade, que é uma valoração que nada tem a ver com excesso de pronúncia, nem que tenha sido aditada «matéria de facto que é matéria de direito».
A tudo isto acresce que a matéria relativa a nulidades deveria ter sido (e não foi) reclamado junto do tribunal recorrido, sendo duvidoso que o possa ser em sede de recurso de revista, atento o carácter excepcional deste (cfr. por todos o Ac. STA de 23.05.2012, Proc. nº 0356/12).
Em face do exposto, e sem necessidade de outras considerações acordam em indeferir a douta arguição de nulidades pelo recorrente Ministério Público”.

Analisados os argumentos do Recorrente e a resposta dada pelo TCAS, cumpre apreciar.

(i) quanto à “quádrupla oposição entre os respectivos fundamentos e a decisão, nos termos do artº 668º, nº 1 al. c) do CPC”, conclui-se que não ocorre a causa de nulidade de acórdão por contradição entre os fundamentos e a decisão; efectivamente, e desde logo, o acórdão recorrido não fundamenta a decisão no parecer da PGR, sendo este último mencionado numa transcrição que nele é feita de um trecho do parecer do IGAT [erradamente identificado como sendo do Acórdão deste STA de 09.04.03, Proc. n.º 0116/03] em que, precisamente, se contraria o argumento puramente literal sustentado naquele primeiro parecer; já o trecho do Acórdão do STA de 09.04.03 não pode de modo algum ser lido como estando em oposição com a decisão do acórdão recorrido – na verdade, este trecho torna-se mais compreensível quando enquadrado no caso sob que incidiu o aresto em apreço, em que, entre outros aspectos, estava em causa a eventual caducidade de um licenciamento de uma moradia baseado em razões ponderosas no caso em que, como nos autos, o Recorrente adquiriu o prédio rústico relativamente ao qual houve um tal licenciamento; finalmente, o acórdão recorrido tomou, sim, como referência os pareceres do IGAT e da CRRAAlgarve, ambos apontando num sentido que em nada contraria a decisão recorrida.
Improcede, deste modo, a conclusão 2 das alegações do Recorrente.

(ii) quanto à “dupla omissão de pronúncia, nos termos do artº 668º, nº 1 al. d) do CPC”, esta imputação é contestada pelo acórdão de sustentação, onde desde logo se afirma que tal omissão de pronúncia não chegou a ser formulada em sede de recurso. E com toda a razão, pois, efectivamente, nas conclusões das alegações do Recorrente para o TCAS nenhuma referência é feita “à inoperância do Ac. do STA de 9.4.2003, nem sobre as invalidades do parecer da CRRAA e da informação prévia da Câmara Municipal alegadas pelo Ministério Público”.
Improcede, deste modo, a conclusão 3 das alegações do Recorrente.

(iii) quanto ao “triplo excesso de pronúncia, nos termos do artº 668º, nº 1 al. d) do CPC”, no acórdão de sustentação contra-argumenta-se que “não está tipificado qualquer excesso de pronúncia”. Na realidade, a argumentação do Recorrente neste particular aspecto não é muito cristalina. Sem embargo disso, é possível inferir-se a ideia de que da decisão do TCAS não deveria constar a consideração de que “a Câmara Municipal de Vila do Bispo agiu no sentido de cumprir o objectivo, sem dúvida ponderoso, de fixar as populações, num concelho pobre e de pouca população jovem”. De igual modo, não deveria aí dizer-se que o parecer do CRRAAlgarve “comprovou que da autorização da edificação não resultava qualquer prejuízo ambiental ou para a utilização de solos, ou seja, o licenciamento em causa não prejudica o uso dos solos ou o seu potencial aproveitamento”. Ao fazê-lo, o acórdão do TCAS terá aduzido um fundamento à decisão da Câmara Municipal de Vila do Bispo e, de idêntico modo, ao parecer do CRRAAlgarve. Com isto, terá violado o princípio da separação dos poderes [e não o princípio da igualdade, como erradamente se refere no acórdão recorrido], em virtude de alegadamente ter interferido nas competências daqueles órgãos. Quid juris?
Antes de mais, na decisão da Câmara Municipal de Vila do Bispo quanto ao licenciamento aqui em causa não é possível encontrar qualquer referência a políticas de fixação de populações. Acresce a isso que o juízo relativo ao parecer do CRRAAlgarve é puramente conclusivo. Em todo o caso, não se pode falar de violação do princípio da separação de poderes, pois o TCAS não adoptou o acto administrativo em crise e nem alterou o seu teor.
Além disso, não se pode dizer que o acórdão recorrido tenha decidido questão que não tenha sido chamado a decidir e que não seja de conhecimento oficioso. Antes acrescentou considerações, a título meramente adjuvante, no plano da fundamentação da sua decisão. Por este motivo, não se pode concluir que tenha havido excesso de pronúncia, uma vez que esse excesso se localiza num aspecto argumentativo do julgado.

2.3. Passando, agora, à análise do alegado “erro de interpretação e de aplicação dos artigos 26.º, n.º 2, do PROT-Algarve e 30.º, n.º 5, do Regulamento PDM de Vila do Bispo, e [à] violação “grosseira” do princípio constitucional da separação de poderes em virtude do suprimento da falta da fundamentação da decisão administrativa”.
Relativamente à pretensa violação do princípio da separação dos poderes, nada mais há a acrescentar ao que já foi mencionado em sede de análise dos alegados excessos de pronúncia.
Quanto ao erro de julgamento derivado da pretensa errada interpretação e consequente errada aplicação dos artigos 26.º, n.º 2, do PROT-Algarve e 30.º, n.º 5, do Regulamento PDM de Vila do Bispo (entretanto, alterado), atentemos, desde já, no seu teor.

Artigo 26.º (Proibição de edificação dispersa)

“1 – Sem prejuízo do disposto nos artigos 23.º, 24.º e 25.º, fora das zonas de ocupação urbanística, a que se referem os artigos 9.º e 11.º, não podem ser autorizadas operações de loteamento nem novas edificações que provoquem ou aumentem a edificação dispersa.
2 – Por razões ponderosas demonstradas pelo interessado, designadamente as que digam respeito à organização de explorações agrícolas, podem, excepcionalmente, ser autorizadas edificações isoladas, desde que daí não resultem derrogações ao estabelecido no presente diploma”.
30.º (Do uso)

“(…)
5 – Nos espaços não urbanizáveis, por razões ponderosas demonstradas pelo interessado, designadamente as que digam respeito à organização de explorações agrícolas, podem, excepcionalmente, ser autorizadas edificações isoladas, desde que daí não resultem derrogações ao estabelecido no presente diploma”.
(…)”.

Com base no teor destes preceitos, e confortado pelo parecer do Conselho Consultivo da PGR, entende o Recorrente que nunca as razões invocadas pelos contra-interessados para fundar o seu pedido de licenciamento de obras para construção de moradia – porque de carácter eminentemente pessoal ou subjectivo, nada tendo que ver com actividades agrícolas – poderiam integrar o conceito de “razões ponderosas”. Com efeito, naquele parecer diz-se, entre outras coisas, que “2. As «razões ponderosas» susceptíveis de justificar a outorga da licença supõem a existência de uma conexão funcionalmente apreciável entre a edificação isolada e os usos do solo planificados – nomeadamente nas ‘zonas de recursos naturais e equilíbrio ambiental’ –, quer na óptica do bom aproveitamento desses usos, quer, em relação de coordenação, na dos interesses do titular”. Vejamos se lhe assiste razão.

Em face de todo o exposto, facilmente se intui, está aqui em causa o preenchimento do conceito indeterminado “razões ponderosas”. Como é sabido, a utilização de conceitos indeterminados não significa necessariamente a atribuição de poderes discricionários, mas, em todo o caso, implica a existência de uma apreciável margem de apreciação, in casu,para o licenciador das obras de construção, a Câmara Municipal de Vila do Bispo. No n.º 2 do artigo 26.º do PROT Algarve, o legislador entendeu exemplificar uma situação configurável como razão ponderosa, referindo a organização de explorações agrícolas. Além disso, neste mesmo dispositivo chama a atenção para a necessidade de que, da autorização excepcional de licenciamento de edificações dispersas “não resultem derrogações ao estabelecido no presente diploma”. Daqui se podem extrair várias ilações:

(i) as “razões ponderosas” podem reportar-se a interesses pessoais, designadamente, a organização de uma exploração agrícola por um particular;
(ii) o legislador deu relevo a uma razão ponderosa que associa as razões pessoais à utilização agrícola dos solos;
(iii) a razão ponderosa exemplificada, porque assim o é, não é de molde a excluir outras razões, designadamente de natureza pessoal – ou seja, a referência às explorações agrícolas não aboliu a indeterminação do conceito utilizado;
(iv) não é qualquer razão que deve ser aceite como razão ponderosa.

Centrando-nos, agora, nesta última ilação, diga-se que, não obstante a margem de livre apreciação que cabe ao órgão administrativo competente para integrar o conceito indeterminado, o necessário carácter ponderoso das razões invocadas, a inclinação do legislador por razões que ainda tenham que ver o aproveitamento agrícola dos solos e a obrigação de não derrogar o estabelecido no diploma em causa (como se menciona no parecer do Conselho Consultivo da PGR, um aspecto claramente vinculado do acto) estabelecem alguns condicionamentos em termos de decisão de licenciamento. Assim, por exemplo, a invocação de razões estritamente individuais e claramente não excepcionais, como aquelas que foram apresentadas pelos então contra-interessados e que foram aceites pela Câmara Municipal de Vila do Bispo, não devem ser consideradas adequadas para preencher o conceito de “razões ponderosas”. Pela simples razão de que a excepcionalidade da autorização prevista no n.º 2 do artigo 26.º do PROT Algarve não se compagina bem com a motivação comum, que per se não justifica essa excepcionalidade e a consequente derrogação do regime protector dos bens que se pretendem tutelar com a proibição de edificação dispersa em zonas não urbanizáveis e integradas na RAN. Se assim não for, e se motivos idênticos aos invocados pelos então contra-interessados forem suficientes para fundar a excepção à proibição contida no n.º 1 do artigo 26.º do PROT Algarve, a excepcionalidade rapidamente redundará em normalidade.
Ainda no âmbito da apreciação em curso, cumpre realçar que a decisão licenciadora deverá apresentar uma fundamentação suficiente e adequada, antes de mais, porque, como se viu, a margem de livre apreciação de que gozam as câmaras municipais neste domínio não é total e ilimitada. Além de que, o dever de boa administração que sempre impende sobre a Administração obriga-a a encontrar a melhor solução possível para o interesse público. Mas, como resulta dos autos, a Câmara Municipal de Vila do Bispo limitou-se a aderir aos motivos invocados pelos então contra-interessados, fazendo sua essa motivação, nada acrescentando no sentido de fundamentar melhor o despacho atacado. Ora, além do carácter comum dos motivos apresentados, há que referir que, como salientou em devido tempo o MP, foram emitidas duas informações técnicas pelo arquitecto da Câmara Municipal de Vila do Bispo, no sentido de que não estavam reunidas as condições de deferimento dos contra-interessados. Motivos mais do que suficientes para justificar uma actuação mais criteriosa e rigorosa daquele órgão municipal, e para lhe impor uma decisão bem fundamentada, que permitisse ao julgador avaliar se, por exemplo, não houve desvio de poder.

Sucede, porém, que o Recorrente MP alicerçou toda a sua posição na distinção entre interesses subjectivos/pessoais e interesses relacionados com a finalidade dos terrenos, designadamente interesses agrícolas, não atacando aqueles aspectos acabados de mencionar, relacionados com a excepcionalidade das “razões ponderosas” e com a fundamentação deficiente do despacho cuja impugnação foi por si requerida. A certeza absoluta de que as “razões ponderosas” não podem ser exclusivamente de carácter pessoal fez com que fosse descurada a possibilidade de essas “razões ponderosas” serem, afinal, tanto razões pessoais/subjectivas como razões de outra índole – desde que, obviamente, e como foi, dito, de carácter excepcional. Deste modo, não se podendo inferir que as referidas “razões ponderosas” apenas respeitam a razões relacionadas com a ocupação agrícola dos solos ou razões afins, não há como não concluir pela improcedência da pretensão do Recorrente.

2.4. Em face de todo o exposto, atendo-nos estritamente ao objecto do recurso, tal como delimitado nas conclusões das alegações do Recorrente, e abstendo-nos de mais considerações, conclui-se que a decisão do tribunal recorrido no sentido de negar provimento ao recurso intentado da decisão de primeira instância não merece censura.

III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao presente recurso de revista, com todas as legais consequências, e, em conformidade, em manter o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 28 de Janeiro de 2016. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Jorge Artur Madeira dos SantosTeresa Maria Sena Ferreira de Sousa.