Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:030275
Data do Acordão:04/18/2002
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:GOUVEIA E MELO
Descritores:DIREITO DO AMBIENTE.
PRESUNÇÃO LEGAL.
GESTÃO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS
Sumário:A 1ª. parte da al. b) do nº. 2 do artº. 2º. do DL nº. 121/90, de 9 de Abril, encerra uma presunção legal quanto à perigosidade dos resíduos ali previstos, a qual pode ser infirmada por contraprova a fazer nos termos da 2ª. parte do mesmo preceito legal, a qual cabe ao particular interessado se a Administração houver por acto seu declarado certos resíduos como perigosos ao abrigo da aludida 1ª. parte da al. b) do nº. 2 do artº. 2º. do referido diploma, resíduos detidos por aquele primeiro.
Nº Convencional:JSTA00057791
Nº do Documento:SAP20020418030275
Data de Entrada:01/04/1996
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DO AMBIENTE E DEFESA DO CONSUMIDOR
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC STA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER.
Legislação Nacional:DL 121/90 DE 1990/04/09 ART2 N2 B.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da 1ª. Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
A...., vem recorrer para este Tribunal Pleno do acórdão da Secção, de fls. 412 e segts., que negou provimento ao recurso contencioso que junto da mesma havia interposto tendo por objecto o despacho do Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor, de 23/10/91.
Nas suas alegações conclui a ora recorrente do seguinte modo, que se transcreve:
« 1ª. - Existe incompatibilidade entre os efeitos jurídicos resultantes da aprovação tácita do pedido de licenciamento do tratamento e recuperação das escórias e os efeitos do acto recorrido que se prendem com a elaboração de um plano de reenvio dessas escórias para a procedência, bem como entre o acto expresso de aprovação do tratamento das sucatas, com a autorização do armazenamento das escórias produzidas e o acto recorrido.
2ª. - Aquela aprovação tácita verificou-se antes e depois do acto recorrido, pelo que este foi revogado implicitamente ( v., por todos, ac. do T. Pleno de 7/11/91 e doutrina e jurisprudência nele citadas ).
« 3ª. - O Acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia (v. artº. 668º./l/d) do Cód. Proc. Civ.), já que não se pronunciou sobre a questão jurídica da revogação implícita do acto recorrido em resultado da incompatibilidade entre a posterior aprovação expressa - dada no processo de licenciamento industrial - para transformar as sucatas e armazenar as escórias, de acordo com as condições estabelecidas pela própria D.G.Ambiente, e o acto recorrido que manda apresentar um plano de reenvio das escórias existentes, violando em qualquer caso o principio constitucional e legal do respeito pelos direitos adquirido consagrado no artigo 266º./1 da Constituição e 4º. do Cód. de Proc. Adm..
« 4ª. - A situação objecto do acto recorrido reporta-se ao armazenamento de produtos minerais, na sequência das importações legalmente autorizadas, pelo que está expressamente excluída do âmbito de aplicação do DL nº. 488/85, nos termos do disposto no seu artigo 8º..
« 5ª. - O acórdão recorrido efectuou uma apreciação da matéria de facto, já que em nenhum ponto dos relatórios do LNETI e da ECOPLAN se refere a existência de produtos que contenham dioxinas que de algum modo possam ser perigosas para a saúde humana ou o ambiente, pelo que os erros de facto são evidentes, enfermando o acto recorrido de erro nos pressupostos.
« 6ª. - O acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do DL nº. 488/85, da Portaria nº. 347/87 e do DL nº. 121/90, já que o acto recorrido viola o disposto nos artºs. 2º. e 8º. do DL 488/85, de 25 de Novembro, bem como o regime consignado na Portaria nº. 347/87, de 4/5, na medida em que os resíduos importados não correspondiam a resíduos perigosos, as operações de importação não se incluíam no âmbito de aplicação desses diplomas, não estava em causa o licenciamento de qualquer operação de eliminação e a própria lei concedia tratamento diferenciado ao mero armazenamento de produtos minerais.
« 7ª.- As importações promovidas pela ora recorrente - legalmente autorizadas pelas competentes alfandegárias ( v. doc. nº. 4 junto com as alegações apresentadas no Tribunal a quo ) - ocorreram num período compreendido entre 1987 e 1990, em data anterior à da entrada em vigor do DL nº. 121/90, de 9/4, que lhes não é aplicável mercê do princípio da não retroactividade da lei ( v. artº. 20º. ).
« 8ª. - No aliás douto acórdão recorrido fez-se errada interpretação e aplicação do disposto no artº. 2º./2/b) do DL nº. 121/90, já que a prova invocada pelo Tribunal a quo para justificar a qualificação de resíduos perigosos não respeitou as regras de métodos legais de ensaio e classificação constantes da Tabela nº. 5, do DL nº. 121/90.
« 9ª. - Da análise do processo instrutor permite-se verificar, segundo o relatório da ECOPLAN, que “o teor de PCDD/F da amostra analisada, expresso em TE segundo BGA, situa-se um pouco acima do valor orientativo para o saneamento de solos em parques infantis” ( v. Instrutor ), para mais adiante se formular a seguinte conclusão: “o teor de PCDD/F da amostra analisada situa-se claramente abaixo do valor limite do regulamento de substâncias perigosas, tanto no que se refere ao total dos 8 congéneres como a 2,3,7,8 - tetra CDD” (v. doc. nº.1 junto com as alegações apresentadas no Tribunal a quo).
« 10ª. - O relatório da ECOPLAN, que a autoridade recorrida invoca no seu despacho, que comprova a circunstância de as escórias importadas pela ora recorrente não atingirem os limiares de perigosidade para a saúde humana ou para o ambiente a que alude o artº. 2º. do DL 488/85,de 25/11, para efeito da qualificação de resíduos como perigosos ou tóxicos, pelo que também por este motivo o acórdão recorrido enferma de erro na apreciação da matéria de facto e de direito.
« 11ª. - O relatório do LNETI de 1991 expressamente considerou que “ dado que a legislação em vigor não refere os limites máximos admissíveis, nem certamente se poderão considerar os elementos nela referidos que se encontrem na forma de liga metálica ou outra forma de combinação estável, admite-se que só poderão ser considerados numa solução aquosa proveniente da lixiviação do material ” ( v. fls. 11 do relatório do LNETI ).
« 12ª. - Na parte final daquele relatório expressamente se refere que a metodologia utilizada na pesquisa dos constituintes das escórias “apenas poderá dar uma indicação da poluição possível, proveniente de armazenamento das escórias, nos terrenos e cursos de água, sob as condições atmosféricas normais ” - v. Instrutor.
« 13ª. - Do mesmo relatório resulta que o armazenamento e o processamento das escórias não se podem considerar como perigosos para o homem e o ambiente, desde que tal como relativamente a qualquer matéria prima contendo compostos ou elementos susceptíveis de originarem poluição, se tenha atenção ao seu confinamento durante o armazenamento e à monitorização dos eventuais lixiviados.
Consequentemente,
« 14ª. - No acórdão recorrido ao considerar-se que a ora recorrente não provou que as escórias se não integrassem em qualquer das classes enunciadas na tabela nº. 5 do anexo I, fez errada interpretação e aplicação do disposto no artº. 2º./2/b) do DL nº. 121/90, e normas constantes da Tabela nº. 5, cometendo ainda um erro grosseiro na apreciação das provas, que é sindicável por este Tribunal, tanto mais que não está apurado se no relatório do INETI de 1991 e de 1993 foram observadas as regras e métodos de ensaio previstas na tabela nº. 5 e legislação para que remete.
« 15ª. - A procedência do presente recurso com este fundamento sempre implicará a baixa do processo para apuramento desses factos, que são condição prévia à classificação das escórias como perigosas e tóxicas ( v. artº. 729º./3 do CPC, aplicável ex vi do disposto no artº. 1º. da LPTA ).
« 16ª. - O acórdão recorrido violou o princípio da legalidade e da competência ( v. artºs. 266°./2 CRP e 3º. e 29°. do CPA ) ao considerar que o acto recorrido foi praticado ao abrigo de um poder discricionário da Administração, uma vez que aquele enferma de incompetência, na medida em que não existe norma legal que lhe atribua, expressa ou implicitamente, poderes para praticar um acto com aquele conteúdo.
« 17ª. - O acórdão recorrido violou clara e frontalmente o princípio da legalidade e da competência ao julgar que o acto recorrido não era ilegal não obstante não existir norma legal alguma que preveja o reenvio das escórias em causa à procedência ou que obrigue a recorrente a proceder ao estudo das soluções nesse sentido, e muito menos qualquer norma que atribua um poder discricionário para o efeito ao autor do acto recorrido enfermando ainda de incompetência.
« 18ª. - O acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação o disposto nos artºs. 268º./3 da CRP e artº. 1º. do DL nº. 256-A/77, de 17/6, já que o acto recorrido enferma de vício de forma por falta de fundamentação, pois: a) não contém quaisquer fundamentos de facto;
b) o conteúdo dos relatórios constantes do processo instrutor sempre seriam contraditórios, entre si e com a própria decisão, o que equivale à falta de fundamentação;
c) os fundamentos de direito resumiram-se à identificação abstracta de diplomas gerais ou do seu espírito são claramente insuficientes, o que equivale à falta de fundamentação.
« 19ª. - O acórdão recorrido violou os princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade, na vertente da proibição do excesso, já que o acto recorrido enferma de violação de tais princípios, uma vez que o eventual risco ambiental que pudesse existir sempre seria contido, tão só pela melhoria da cobertura das escórias, antes efectuada pela recorrente, e reforçada após o acto recorrido, como o comprovam o facto de decorridos 4 anos o solo não apresentar qualquer contaminação, e as afirmação públicas recentemente produzidas pelas organizações ecologistas e autoridades sobre a matéria ».
O Exmº. magistrado do Mº.Pº. junto deste Tribunal Pleno é de parecer que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais e redistribuído que foi o processo ao presente relator, cumpre decidir.
*
A primeira questão que importa apreciar é a da nulidade que a ora recorrente, “A...”, assaca ao acórdão recorrido, sob a forma de omissão de pronúncia [ artº. 668º., nº. 1, al. d) do Cód. Proc. Civ.] – matéria das conclusões 1ª., 2ª. e 3ª. das alegações, acima transcritas.
Segundo aquela, tal omissão teria por objecto a questão que a mesma havia suscitado no âmbito do seu recurso contencioso perante a Secção de o acto impugnado ter, na sua perspectiva, revogado de forma implícita, mas em todo o caso de modo ilegal, a anterior aprovação tácita e depois expressa de que fora objecto a sua pretensão, formulada à Administração, de licenciamento do tratamento e recuperação das escórias e de transformação e armazenamento das mesmas.
Ainda segundo a recorrente, tal licenciamento ( ou licenciamentos ) seriam incompatíveis com o efeito jurídico – e daí a sua revogação implícita – resultante do despacho contenciosamente impugnado((1) Que, como se disse, é o despacho do Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do consumidor, de 23/10/91.1), pois que este se traduziu, num dos seus segmentos, na imposição feita aquela, de apresentar no prazo de 30 dias “ um plano de envio para os países de origem das escórias que importou ”.
Ora, alega a recorrente, semelhante questão, apesar de colocada ao tribunal a quo – a Secção – não foi por ela apreciada, como devia, e daí a apontada nulidade do acórdão da mesma, ora impugnado.
Mas não é assim.
Na verdade, como se vê daquele aresto, a fls. 431 – 432 do mesmo, considerou-se aí de modo expresso, no âmbito da acima descrita questão, que “ para além de não ter havido revogação do ( invocado ) deferimento tácito ”, o acto impugnado contenciosamente foi proferido pela entidade competente em matéria de protecção do ambiente ao abrigo de normas de direito público, “ sendo assim indiferente que o fosse autonomamente ou durante o processamento do licenciamento destinado a transformar ou a reciclar as escórias importadas ”.
Isto porque – acrescentou logo o aresto impugnado – uma coisa é o licenciamento para a instalação de uma unidade industrial, da competência do Ministério da Indústria e Energia e outra, bem diferente, é a decisão tomada no caso então em apreciação relativa à “ existência de depósito de escórias de alumínio a céu aberto e na defesa da saúde pública e do meio ambiente em conformidade com o disposto na Portaria nº. 374/87, de 4/5 ”.
Dos passos acabados de transcrever resulta claramente que para o acórdão recorrido – bem ou mal não está agora em discussão – o acto impugnado contenciosamente, por se encontrar em plano diferente e dizer respeito a interesses também diversos dos actos que tivessem sido proferidos ou se tivessem formado no âmbito do licenciamento industrial, não tocou quanto aos seus efeitos, nestes últimos.
Não se verifica, pois, a invocada nulidade.
Improcede assim a matéria das conclusões 1ª., 2ª. e 3ª. das alegações (quanto à violação do princípio constitucional do “ respeito pelos direitos adquiridos ”, expressa na parte final da conclusão 3ª., trata-se de matéria sobre a qual se não pronunciou o acórdão recorrido, por junto dele não ter sido suscitada, e daí que tal matéria se encontre fora dos poderes de cognição deste Tribunal Pleno).
*
Passemos, agora, a analisar a matéria das conclusões 6ª. a 15ª. das alegações.
Nelas suscita a ora recorrente questões de dois tipos.
De um lado defende não ser aplicável à situação contemplada no despacho contenciosamente impugnado o quadro legal nele expressamente invocado em sede da respectiva fundamentação de direito, constituída no caso pelo DL nº. 488/85, de 25/11, a Portaria nº. 374/87, de 4 de Maio, emitida ao abrigo do nº. 3 do artº. 4 daquele diploma, e o DL nº. 121/90, de 4/9 – conclusões 6ª., 7ª. e 8ª..
E, de outro lado, continua a mesma recorrente a contestar que as escórias de alumínio possam ser qualificadas como o foram no despacho recorrido – para o efeito de justificarem as determinações nele dirigidas à recorrente – como “resíduos perigosos” – conclusões 9ª., 10ª., 11ª., 12ª., 13ª., 14ª. e 15ª..
Começando pela análise da pertinência à situação sub judice do aludido quadro legal, desde já se adianta não merecer censura o acórdão recorrido quando decidiu no sentido da sua aplicação.
Começando pelo DL nº. 488/85, o mesmo aplica-se, nos termos do seu artº. 1º. ao “ detentor de resíduos, qualquer que seja a sua natureza ”, e não há dúvida – é o que resulta da matéria de facto recolhida no acórdão da Secção – que a ora recorrente era detentora de resíduos ( escórias de alumínio ), isto independentemente do problema de saber qual a origem dessa detenção ( importação ou outra ).
Por sua vez, a Portaria nº. 374/87, de 4 de Maio, como resulta da respectiva lei habilitante ( o nº. 3 do artº. 4º. daquele DL nº. 488/85 ), limitou-se a regular este último diploma, tendo pois idêntico campo de aplicação.
Resta o DL nº. 121/90, de 9 de Abril, diploma entrado em vigor em 2/7/90 (cfr. seu artº. 20º.), ou seja anteriormente à prolacção do despacho contenciosamente impugnado, que foi cometido em 23/10/91.
Dispõe este diploma, no seu artº. 1º., nº. 1, ser o mesmo aplicável ao controlo do movimento transfronteiriço de resíduos perigosos, abrangendo as operações de exportação, de importação e de trânsito dos mesmos através do território nacional ou da zona sujeito às regras estabelecidas no mesmo diploma, definindo depois no seu artº. 2º., nº. 2, al. b), o que deve entender-se por “ resíduos perigosos ”.
Parece evidente que semelhante diploma – tal como decidiu o acórdão recorrido – se não aplica exclusivamente às puras operações de exportação, importação e trânsito dos resíduos daquela natureza, mas também aos mesmos resíduos quando, por qualquer título, sejam detidos ou se encontrem em território natural, uma vez que a razão justificativa é a mesma.
Daí que, no caso sub judice, o problema da qualificação das escórias de alumínio, detidas pela ora recorrente e tidas em vista no despacho impugnado como “resíduos perigosos”, deva ser resolvido por apelo à regra da falada al. b) do nº. 2 do artº. 2º. daquele DL nº. 121/90, tal como decidiu e bem o aresto recorrido – problema este que mais adiante será analisado -, uma vez que as definições contidas naquele artº. 2º. substituíram ( revogação tácita ) a constante no artº. 2º. do DL nº. 488/85.
Improcede assim a matéria das conclusões 6ª., 7ª. e 8º..
Vejamos, agora, se a qualificação feita no despacho recorrido, das escórias de alumínio detidas pelo ora recorrente, como “ resíduos perigosos ”, se mostra exacta nos respectivos pressupostos ( conclusões 9ª., 10ª., 11ª., 12ª., 13ª., 14ª. e 15ª. ).
A resposta nesta matéria do acórdão recorrido foi afirmativa.
E semelhante decisão, adiante-se desde já, não merece qualquer censura, contrariamente à tese da ora recorrente que, como vimos, a impugna no presente recurso jurisdicional.
*
Liminarmente importa esclarecer um ponto.
É que a Secção, no domínio dos seus poderes inquisitórios, como resulta da matéria de facto relatada por aquela no aresto impugnado, no sentido de procurar esclarecer da exactidão do aludido pressuposto de que partiu o despacho recorrido – de que se estava na presença de “ resíduos perigosos ” – na fase da instrução do recurso contencioso foi realizado, a pedido do Tribunal e concluído em Dezembro de 93 ( fls. 123 e segts. dos autos ), um novo exame às escórias detidas pela recorrente.
E a mesma Secção, apreciou o resultado de semelhante exame, em conjunto com os anteriores já realizados no âmbito do procedimento administrativo, e nesse estrito âmbito identificou entre os elementos químicos constantes das aludidas escórias o crómio, níquel, cobre, zinco, chumbo e flúor.
Ora esta asserção, feita pelo aresto impugnado, situando-se no domínio dos factos, é insusceptível de apreciação por parte deste Tribunal Pleno quanto à sua correcção ( artº. 21º., nº. 3, do ETAF, na redacção do DL nº. 229/96, de 29/11).
Haverá, pois, que partir dela – da sua exactidão – para o efeito de determinar se a qualificação feita do despacho impugnado das escórias de alumínio como “resíduos perigosos” se mostra ou não errada.
O acórdão recorrido respondeu aqui negativamente e também agora semelhante juízo decisório não merece qualquer censura.
Na base de semelhante entendimento considerou tal aresto aplicável a já referida al. b) do nº. 2 do artº. 121/90, isto porque contendo os resíduos em causa as já acima referidas substâncias identificadas na tabela nº. 4 do anexo I daquele diploma, tais resíduos são de considerar perigosos, por assim o dizer aquele preceito legal, não tendo a recorrente feito a prova – acrescenta o mesmo aresto – de tais substâncias não serem classificadas em nenhuma das classes enunciadas na tabela nº. 5 do aludido anexo I daquele DL nº. 121/90.
Vejamos mais detidamente este aspecto.
*
Dispõe a já citada al. b) do nº. 2 do artº. 2º. do DL nº. 121/90 que, na acepção do mesmo diploma, se entende por “ resíduos perigosos ”,
« todos os resíduos enumerados na tabela nº. 3-A ou os resíduos enumerados na tabela nº. 3-B e que contenham algumas das substâncias enumeradas na tabela nº. 4, a não ser que, em qualquer dos casos, seja possível provar que eles não sejam classificados em nenhuma das classes enunciadas na tabela nº. 5 do anexo I ».
Ora as escórias encontram-se, enquanto tais, enumeradas na tabela nº. 3-B (código 22) e porque as detidas pela recorrente continham substâncias também enumeradas na tabela nº. 4 ( crómio, níquel, cobre, zinco, chumbo e flúor ), há que as considerar como “ resíduos perigosos ”, nos termos da 1ª. parte do acima transcrito preceito legal.
Só que o mesmo, na sua 2ª. parte, faz a ressalva de que assim não será desde “ que seja possível provar que eles ( os “ resíduos perigosos ”) não sejam classificados em nenhuma das classes enunciadas na tabela nº. 5 do anexo I ”.Defende a ora recorrente que essa prova não foi no caso feita e que sem isso as ditas escórias de alumínio não podem ser consideradas como “resíduos perigosos”.
Mas também não é assim.
Na verdade, o que resulta da 1ª. parte da mencionada regra da al. a) do nº. 2 do artº. 2º. do citado DL nº. 121/90 é a enunciação de uma presunção legal : “ todos resíduos enunciados na tabela nº. 3-A ou os resíduos enunciados na tabela nº. 3-B e que contenham alguma das substâncias enumeradas na tabela nº. 4 “ são considerados como “ resíduos perigosos ”.
Só que semelhante inferência legal poderá ser infirmada desde que seja provado que tais resíduos não são classificados em nenhuma das classes enunciadas na tabela nº. 5 do anexo I ( por falta de nocividade ).
Como a ora recorrente detinha, no caso, as escórias de alumínio, contra ela funcionava a regra da presunção contida na 1ª. parte da al. b) do nº. 2 do artº. 2º. daquele DL nº. 121/90, e daí que sobre ela recaísse o ónus da contraprova, o que não fez, funcionando portanto contra a mesma a ilação legal resultante da mesma presunção( (1) Daí que não tenha sentido a pretensão da recorrente no sentido da ampliação da matéria de facto nesse âmbito).
Quanto à alegação, também feita pela ora recorrente, de o mesmo preceito legal não ser aplicável na situação sub judice, uma vez que a Secção se baseou, segundo igualmente defende, em prova que não respeitou os métodos legais de ensaio e classificação constantes da tabela nº. 5 do mesmo DL nº. 121/90, trata-se de questão nova que a recorrente não suscitou perante aquela Secção e de que a mesma não conheceu e daí que este Tribunal Pleno a não possa, agora, apreciar em via de recurso do aresto por aquela proferido.
Improcede, pois, a matéria das conclusões 6ª. a 15ª..
Nas conclusões 16ª. e 17ª. das alegações insurge-se a recorrente quanto ao entendimento perfilhado no aresto impugnado de a Administração se encontrar investida de um poder discricionário para praticar o acto recorrido com o conteúdo que ele tem, isto para responder à objecção produzida por aquele – e que agora reproduz – de na situação sub judice não haver norma legal que investisse a mesma Administração, de forma expressa ou implícita, nos poderes para a prática do acto com o conteúdo que apresenta.
Vejamos.
O acto impugnado contenciosamente, é o que resulta da matéria de facto recolhida pela Secção, analisa-se numa determinação dirigida à recorrente no sentido de ela, no prazo de 30 dias, tomar duas medidas: a elaboração de um plano de envio para os países de origem das escórias que havia importado e a minimização dos efeitos sobre o ambiente das escórias e lamas armazenadas nas suas instalações em Setúbal.
Subjacente a tais determinações encontra-se a imposição, dirigida contra a mesma recorrente, de a mesma remover ( a expensas suas ou da própria Administração ) as escórias de alumínio por si detidas nas suas instalações em Setúbal.
Determinação essa que encontra apoio legal no princípio expresso no nº. 1 do artº. 11 do já referido DL nº. 121/90, segundo o qual o detentor de resíduos perigosos “tomará todas as medidas necessárias para executar ou fazer executar, a eliminação de (tais) resíduos perigosos, de forma a proteger a saúde humana e a qualidade do ambiente”.
Trata-se de um princípio geral, aplicável não só no estrito âmbito do próprio DL nº. 121/90 ( de controlo do movimento transfronteiriço de resíduos perigosos ), mas a todos os detentores de resíduos perigosos.
Improcede a matéria das conclusões 16ª. e 17ª..
*
Na conclusão 18ª. insurge-se a ora recorrente quanto ao juízo formulado no acórdão recorrido de o acto impugnado se encontrar devidamente fundamentado, julgando assim improcedente a tese daquela segundo a qual tal acto não apresentava qualquer fundamentação de facto, de o conteúdo dos relatórios em que se apoiou ser contraditório entre si e com a decisão, e de a fundamentação de direito do mesmo acto se revelar como abstracta.
Mas também aqui carece a recorrente de razão.
O acórdão recorrido, ao conhecer do vício alegado perante a Secção, da falta de fundamentação do acto impugnado, a fls. 436 e segts., fez uma longa explanação, analisando a fundamentação de facto daquele e respectiva congruência, e concluindo nesse domínio que “ um destinatário postado no lugar da A... não poderia deixar de compreender as razões pelas quais a entidade recorrida lhe determinou para, no prazo de 30 dias, elaborar um plano de envio para os países de origem das referidas escórias e para minimizar os efeitos das mesmas sobre o ambiente, pois todos os indicadores, quer dos relatórios de análises, quer da informação nº. 94, eram no sentido da perigosidade das escórias ante o preceituado nos DLs. nºs. 488/85 e 121/90 ”.
Reitera-se agora semelhante juízo.
Quanto à insuficiência da fundamentação de direito – que a ora recorrente continua a defender verificar-se -, o acórdão recorrido, arrimando-se na jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, entendeu, no seu seguimento, que tal fundamentação não exige a indicação precisa dos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado.
Não há qualquer motivo que possa agora levar à revisão de semelhante entendimento, que é assim de manter.
Improcede deste modo a matéria da conclusão 18ª..
*
Finalmente, na conclusão 19ª., continua a recorrente a defender que o acto recorrido violou o princípio da justiça e da proporcionalidade.
O acórdão da Secção ponderou a respeito do alegado carácter desproporcionado, por excessivo, da determinação contida no acto impugnado, do envio das escórias para os países de origem, o seguinte:
« Sucede, no entanto, que em Portugal ainda não existem meios técnicos, como se disse já, para eliminar das escórias os elementos perigosos que contêm, pelo que só o reenvio para os países de origem é a única solução viável para evitar a contaminação dos solos, para além de que foi determinado à recorrente que minimizasse os efeitos sobre o ambiente das referidas escórias, nomeadamente com a cobertura das mesmas e drenagem eficaz, o que até agora não fez ».
Resulta do passo transcrito que a Secção julgou, no domínio da matéria de facto, não existirem em Portugal os meios técnicos para eliminar das escórias os elementos perigosos, mais julgando que até à prolacção do acto a recorrente não havia providenciado no sentido de minimizar os efeitos das escórias sobre o ambiente.
Daí que a assunção pela recorrente de tais previdências por um lado e a obrigação do reenvio das escórias para os países de origem por outro, se configurem no caso como os meios necessários a eliminar a perigosidade dos referidos resíduos.
Não se vê que outras medidas pudessem ser razoavelmente tomadas no apontado circunstancialismo.
Improcede a matéria da conclusão 19ª..
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.
Taxa de justiça: € 500
Procuradoria : € 250
Lisboa, 18 de Abril de 2002
Gouveia e Melo ( Relator ) - António Samagaio - Azevedo Moreira - Isabel Jovita - Adelino Lopes - Abel Atanásio - Pamplona de Oliveira - João Cordeiro.