Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0891/11
Data do Acordão:12/04/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não se justifica admitir o recurso de revista excepcional para apreciar questões sem especial complexidade jurídica, dependentes das circunstâncias do caso com escassas possibilidades de repetição nos seus elementos essenciais, e em que a decisão concordante das instâncias se situa no espectro das soluções juridicamente plausíveis em face do quadro factual e legal, não incorrendo em erro evidente de análise que reclame a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição.
Nº Convencional:JSTA000P18339
Nº do Documento:SA1201412040891
Data de Entrada:10/07/2011
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE ALCOBAÇA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. A………… e outros pedem revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19/5/2011, que confirmou o acórdão do TAF de Leiria mediante o qual foi julgada improcedente a acção administrativa especial, no âmbito de acção popular, em que impugnavam uma deliberação da Câmara Municipal de Alcobaça respeitante a licença e emissão de alvará de construção de um conjunto habitacional.

2. Os recorrentes pretendem ver apreciadas as seguintes questões:
1- Será que o direito de construir deve ser exercido apenas e estritamente dentro dos condicionamentos urbanísticos legalmente estabelecidos ou se “para lá dos aspectos formais há que considerar a real sustentabilidade das intervenções, minimizando as situações de risco e evitando soluções de recurso no médio prazo” de forma a não serem afrontados o direito ao ambiente, à qualidade, ao desenvolvimento sustentado, etc., de toda uma a comunidade respeitando-se e prosseguindo-se assim os Interesses Públicos de relevante Interesse Nacional consagrados nos princípios que a seguir se enunciam:
O Princípio do Desenvolvimento Sustentável;
O Princípio do Correcto Ordenamento do Território;
O Princípio do Correcto Aproveitamento dos Recursos Naturais;
O Princípio da Solidariedade Intergeracional;
O art.º 66º, n.º 1 e 2, al.s b) e d) da CRP;
Os Interesses Públicos de Protecção da Orla Costeira, da protecção e valorização dos recursos naturais e da segurança e vida e bens das pessoas;
O núcleo essencial do direito ao ambiente e qualidade de vida.
2- (...) se não obstante se ter concluído pelo “enquadramento legal nos IG em vigor” bem como o reconhecimento pelas entidades competentes “que a situação dos autos merece reflexão à luz dos estudos que têm vindo a ser realizados e das linhas de política delineadas para a gestão integrada da zona costeira” se deverá a legalidade da deliberação impugnada ser aferida pela situação existente à data da sua prolação pela aplicação pura e simples do princípio do tempus regit actum ou se a aplicação deste Princípio deve ceder à superveniência de riscos actuais mas imprevisíveis / ou não previstos data do acto licenciador atingindo-se, assim, o “estatuto de intangibilidade” do acto de licenciamento enquanto acto constitutivo de direitos,
3- (…) saber se, neste circunstancialismo [os recorrentes alegam que foi reconhecido ao 1º recorrente legitimidade para intervir no procedimento de licenciamento], e quando estão em causa tão-somente interesses da comunidade, faz ou não sentido falar de audiência de interessados sendo, em consequência, exigível dar ou não cumprimento ao artigo 100º do CPA.
4- (…) os conceitos indeterminados utilizados pela mencionada norma [art.º 53.º, n.º 3 do PDM de Alcobaça] “espaços intersticiais” e “remate de malhas urbanas” são complexos e de difícil percepção e, se nestes casos, se impõe ou não, a existência de um plano de pormenor ou uma operação de loteamento para viabilizar uma construção.
5- Porque esta matéria reveste de grande importância quer a nível da sua relevância social, quer para uma melhor aplicação do direito, (…) necessário se torna que este Tribunal se pronuncie:
a) Se a implantação de construções em áreas de REN ou em Zona de Protecção Integral delimitada com base em documentos emanados de entidades administrativas prevalecem sempre ou não e porquê sobre eventuais estudos apresentados por interessados particulares e se esta implantação efectuada pela Administração pode ou não ser infirmado pelo depoimento de testemunhas e porquê;
b) Se esta matéria – implantação de construções em áreas de REN ou em Zona de Protecção Integral – se trata ou não e porquê “de matéria de natureza técnica especializada” e se a mesma é ou não “sindicável pelo Tribunal”.
c) A actividade de planeamento, de gestão e ordenamento do território constituem uma “actuação no uso de poderes discricionários, destinados à transposição para o terreno dos limites de cada categoria de espaço.” ou, se pelo contrário, é uma actividade vinculada e dependente dos diplomas legais – desde logo a Lei de Bases de Ordenamento do Território, a Lei dos Solos e outras – que definem o que são solos urbanos, o que são solos agrícolas, o que são solos de reserva integral, ecológica, etc.

3. Os recorridos, Município de Alcobaça e B………… e C…………, Lda, opõem-se à admissão da revista, alegando que as questões não assumem relevância jurídica ou social nem reclamam a intervenção do STA para melhor aplicação do direito.

4. Baixando o processo para o efeito, o TCA Sul julgou não verificadas as nulidades arguidas pelos recorrentes, por acórdão de 10 de Julho de 2014.

5. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como se refere na exposição de motivos do CPTA "num novo quadro de distribuição de competências em que o TCA passa a funcionar como instância normal de recurso de apelação, afigura-se útil que, em matérias de maior importância, o Supremo Tribunal Administrativo possa ter uma intervenção que, mais do que decidir directamente um grande número de casos, possa servir para orientar os tribunais inferiores, definindo o sentido que deve presidir à respectiva jurisprudência em questões que, independentemente de alçada, considere mais importantes. Não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução dos litígios. Ao Supremo Tribunal Administrativo caberá dosear a sua intervenção, de forma a permitir que esta via funcione como válvula de segurança do sistema".

6. Os termos da discussão que os recorrentes propõem não permitem vislumbrar questões que possam ser qualificadas de importância fundamental. Com efeito, não está em causa a aplicação de regimes jurídicos relativamente aos quais seja manifesta uma especial complexidade de determinação ou interpretação e não se afigura que a controvérsia tenha potencialidade de expansão a um número indeterminado de casos futuros.
É certo que estamos perante domínios vocacionados para questões com potencialidade de generalização ou expansão da controvérsia. Porém, o presente litígio está estreitamente ligado às particularidades de um caso, designadamente se o empreendimento em causa respeita os condicionamentos legais, com escassas possibilidades de repetição nos seus elementos essenciais.
Quanto à primeira questão colocada importa notar o que se disse no acórdão recorrido, citando o acórdão da 1ª instância: “Ora, como já verificámos, o Plano em causa não inclui o terreno a construir em Zona de Protecção Integral, consentindo mesmo a construção no referido local. Aliás como é referido nas informações juntas pelos AA nas suas alegações e datadas de Julho de 2006 da CCR de Lisboa e Vale do Tejo "o empreendimento em causa não colide com a REN, e insere-se em espaço urbano do POOC. ... O empreendimento alvo de contestação respeita as condicionantes legais em vigor, mas a construções em áreas de arriba deve ser entendida para lá dos aspectos formais e deve considerar a sensibilidade ambiental do local. A eventual inadequação das condicionantes à dinâmica da arriba deverá ser equacionada num quadro mais global de todo o POOC e decorrente da identificação de situações semelhantes no troço da costa em causa", O Vice-presidente da CCR concordou com esta informação, referindo, que a situação merece reflexão.
Do exposto, verifica-se que o empreendimento em questão respeita as condicionantes em vigor para a zona. O que vêm referir as entidades citadas com responsabilidades na matéria em causa, é que tem de se reflectir sobre se tem ou não de ser revisto o POOC de Alcobaça/Mafra. No entanto, com o Plano actual, não há qualquer condicionante ao empreendimento em questão.
(…) Assim e se a construção em causa está em zona urbanizável, e se como refere a CCR, o empreendimento respeita as condicionantes em vigor, e se acordo com a matéria de facto dada como provada, a parte do terreno em questão não está em zona de Protecção Integral, nada leva a concluir que a deliberação impugnada tenha violado qualquer princípio que possa levar à declaração da sua nulidade ou à sua anulação.”
Ora, os recorrentes não vêm colocar uma questão de alcance geral mas antes estreitamente dependente das circunstâncias do caso, sem virtualidade de expansão da controvérsia. E, como se vê pela transcrição do acórdão recorrido, a solução encontrada depende essencialmente de matéria de facto, excluída dos poderes de cognição no âmbito do recurso de revista (n.º 4 do art.º 150.º do CPTA).
As segunda e terceira questões (acerca da aferição da legalidade da deliberação à data da sua prolação e à exigibilidade de cumprimento do art.º 100.º do CPA no caso concreto) não constituem questões jurídicas que se revistam de especial complexidade ou cuja solução não esteja coberta jurisprudencialmente, e a decisão concordante das instâncias mostra-se perfeitamente congruente com os preceitos legais invocados sem apresentar raciocínios insólitos.
A questão colocada pelos recorrentes relativamente à norma do n.º 3 do art.º 53.º do PDM de Alcobaça também não se afigura que deva ser qualificada como de importância fundamental por não levantar questões de acrescida complexidade e se circunscrever ao caso concreto e às suas especificidades intrínsecas, apresentando contornos delimitados, sem capacidade de expansão bastante que permita repercutir-se em casos futuros.
O que estará em causa é saber se no caso sujeito e face aos factos da causa, foi correctamente aplicada a lei. A esse respeito, o acórdão recorrido, confirmando a decisão da 1.ª instância, julgou: “(…) o teor do artigo 53º nº 3 do PDM só se aplica a parcelas resultantes de operações de destaque, e, no caso em análise, a parcela em causa não resultou de operações de destaque, como se consignou na matéria de facto não provada.”
Finalmente, e no que diz respeito à quinta questão enunciada pelos recorrentes, as instâncias decidiram, tendo em consideração a prova produzida, não se localizar o empreendimento em causa em zona de REN nem o POOC Alcobaça/Mafra definir a área como Zona de Protecção Integral. Ora, a formulação da questão tem como pressuposto que as construções se localizam naquelas áreas o que torna a discussão a seu propósito em discussão teórica, sem relevo para a admissibilidade do recurso de revista que se impõe dever ter uma utilidade jurídica.
E também não estamos perante uma situação de clara necessidade de intervenção do Supremo para melhor aplicação do direito. A resposta que o acórdão recorrido encontrou para as críticas desferidas contra o acórdão da 1.ª instância situam-se no espectro das soluções juridicamente plausíveis em face do quadro factual e legal em que se apoiou, procedeu à apreciação das questões suscitadas, fundamentando a sua posição, não incorrendo em erro evidente de análise que reclame a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição.

7. Decisão
Pelo exposto, decide-se não admitir a revista e condenar os recorrentes nas custas
Lisboa, 4 de Dezembro de 2014. – Vítor Gomes (relator) – São Pedro – Alberto Augusto Oliveira.