Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0828/14
Data do Acordão:08/13/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
RESPONSABILIDADE POR CUSTAS
Sumário:I - Se na pendência de reclamação da decisão do Director-Geral dos Impostos veio a ser revogado o acto reclamado, tal significa que o recorrente obteve a satisfação da sua pretensão por a autoridade tributária ter revogado o acto, ainda que sem ter decidido que lhe assistia razão.
II - Verifica-se, nesse caso a inutilidade da lide é superveniente na medida em que, instaurada esta, veio a ficar sem objecto por aquilo que a recorrente pretendia obter com a reclamação ter sido atingido pela revogação do acto sob reclamação.
III - A responsabilidade pela totalidade das custas, neste caso, fica a cargo do requerido por a inutilidade lhe ser imputável, face ao disposto no artº 536.º (art.º 450.º CPC 1961) do actual Código de Processo Civil, nos seus nºs 3 e 4.
Nº Convencional:JSTA00068865
Nº do Documento:SA2201408130828
Data de Entrada:07/03/2014
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
RECLAMAÇÃO ORGÃO EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPC13 ART536 N3 N4 ART529 N4.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga
. de 15 de Maio de 2014

Declarou extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide.
Custas pela Reclamante.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A……………….., Ldª, veio interpor o presente recurso da decisão judicial supra mencionada, proferida no processo n° 955/14.8BEBRG - autos de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, decisão do Director-Geral dos Impostos, de 29.11.2013, proferida no âmbito do processo de execução fiscal n.° 1775201301054074, que determinou a aplicação do crédito de €134.674,29, resultante do reembolso de IVA do mês de Outubro de 2013, no pagamento da dívida exequenda, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
1ª) O presente recurso tem por objeto a decisão que condenou a ora Recorrente no pagamento das custas do processo e visa a reforma da sentença recorrida quanto a custas.

2ª) O Meritíssimo Juiz a quo entendeu que os autos só foram remetidos a juízo porque a Recorrente manifestou interesse no prosseguimento da Reclamação, não obstante o órgão de execução fiscal ter revogado o ato reclamado após a apresentação da Reclamação subjacente aos presentes autos.

3ª) A decisão recorrida assenta em lapsos quanto aos pressupostos da condenação em custas:
(i) a inutilidade superveniente da lide dos presentes autos consubstancia-se na revogação do ato reclamado, confessamente ilegal, o que torna a inutilidade inequivocamente imputável à Autoridade Tributária, que reconhecendo tal ilegalidade o revogou após apresentação da reclamação, e
(ii) a Recorrente não requereu a remessa dos autos para tribunal nem argumentou que era imprescindível existir uma decisão judicial para apurar a responsabilidade pelas custas.

4ª) Da resposta da Recorrente à notificação da Autoridade Tributária sobre a revogação do ato reclamado resulta claro que:
(i) a Recorrente declarou aceitar o arquivamento dos autos se a Autoridade Tributária procedesse ao pagamento voluntário das custas inerentes à Reclamação,
(ii) tendo imputado a esta entidade a responsabilidade pelo pagamento das mesmas.

5ª) Nos termos do disposto no artigo 536º, n.º 3, in fine, do CPC, salvo nos casos de inutilidade supervenientes especificados nos números anteriores do mesmo preceito legal, o réu (que ora se equipara a reclamado) será responsabilizado pelo pagamento da totalidade das custas e a inutilidade superveniente da lide lhe for imputável, sendo certo que, nos termos do disposto no artigo 536º, n.º 4, do CPC, a inutilidade superveniente da lide é imputável ao réu quando “decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor” (que ora se equipara a reclamante).

6ª) A decisão recorrida viola frontalmente os preceitos em causa, na medida em que, in casu, a pretensão da Recorrente - a anulação do ato reclamado - foi satisfeita voluntariamente pelo Recorrido que revogou o ato sem ser por determinação judicial.

7ª) A decisão recorrida atenta também contra princípios basilares de Direito e de justiça, pois a Autoridade Tributária está vinculada ao princípio da legalidade, devendo abster-se da prática de atos ilegais, e é obrigada “à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”, em caso de procedência de procedimentos administrativos ou processos judiciais apresentados pelo sujeito passivo (incluindo a recuperação das custas incorridas para obter o reconhecimento e/ou correção da ilegalidade), nos termos do disposto no artigo 100º da LGT.

8ª) Quando o ato reclamado foi revogado, já a Recorrente tinha apresentado Reclamação judicial do mesmo, ou seja, já a instância judicial se tinha iniciado, pelo que a satisfação da sua pretensão, de forma voluntária por parte do Recorrido, é inequivocamente superveniente à sua ação, pelo que a inutilidade superveniente da lide não pode deixar de ser imputável ao Recorrido, assim como a responsabilidade pelas custas (que também já tinham sido incorridas à data da revogação do ato reclamado, ou seja, à data em que a lide se tornou inútil).

9ª) A lide não se tornou inútil quando a Reclamação foi encaminhada para o tribunal ou quando a Recorrente respondeu à notificação da Autoridade Tributária sobre a revogação do ato em causa, mas sim quando o Recorrido revogou o ato (que já tinha sido) reclamado.

10ª) A resposta dada pela Reclamante à notificação da Autoridade Tributária encerra em si o assentimento ao arquivamento proposto pela Autoridade Tributária a par da reclamação de pagamento do que já tinha despendido em custas por causa do meio processual acionado, pelo que, ao pretender atribuir-lhe a responsabilidade pelo prosseguimento dos autos, o Meritíssimo Juiz a quo devia, então, ter-se pronunciado sobre a pretensão manifestada pela Reclamante nessa resposta: o pagamento das custas devidas.

11ª) Não o tendo feito, verifica-se nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais.

12ª) O Tribunal recorrido interpretou erradamente as normas constantes do artigo 536º nº 3 e nº 4, do CPC e do artigo 100º da LGT.

Requereu que seja concedido provimento ao recurso e, em consequência, reformada a decisão recorrida quanto a custas;

Ou, subsidiariamente, ser declarada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a reclamação de pagamento das custas.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da revogação da sentença recorrida por entender que a inutilidade superveniente da lide é imputável à Administração Tributária.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Questão objecto de recurso:

1- Quem deve suportar as custas perante a concreta situação de inutilidade superveniente da lide.

A empresa recorrente apresentou, em 20 de Dezembro de 2013, reclamação da decisão do Director-Geral dos Impostos, datada de 29 de Novembro de 2013, proferida no âmbito do processo de execução fiscal n.° 1775201301054074, que determinou a aplicação do crédito de €134.674,29, resultante do reembolso de IVA do mês de Outubro de 2013, no pagamento da dívida exequenda.
Na pendência dessa reclamação, em 1 de Abril de 2014, foi notificada da revogação do acto reclamado e, consequentemente, foi declarada extinta a lide por inutilidade superveniente. Significa isso que o recorrente obteve a satisfação da sua pretensão por a autoridade tributária ter revogado o acto, ainda que sem ter decidido que lhe assistia razão. A inutilidade da lide é superveniente na medida em que, instaurada esta, veio a ficar sem objecto por aquilo que a recorrente pretendia obter com a reclamação – não aplicação do crédito de €134.674,29, resultante do reembolso de IVA do mês de Outubro de 2013 no pagamento do montante exequendo – ter sido atingido pela revogação da decisão que determinara essa forma de pagamento da quantia exequenda.
A revogação do acto foi efectuada pela Administração Tributária, seguramente porque entendeu que, face aos preceitos legais aplicáveis à situação, a decisão que veio a ser revogada era desconforme com o direito.
Foi a Administração Tributária que determinou essa «errada forma de pagamento da quantia exequenda» como foi ela que, para emendar o seu erro procedeu à revogação daquela primeira decisão, pelo que nem a decisão revogada, nem a decisão revogatória são imputáveis à recorrente.
Esta, no exercício dos seus direitos apresentou reclamação contra um acto que considerava ilegal, sendo que essa mesma ilegalidade foi reconhecida pela Administração Tributária com a revogação da decisão inicial e objecto de reclamação.
Notificada dessa revogação a recorrente não colocou qualquer obstáculo a que a reclamação fosse julgada finda, tendo apenas reclamado a quantia que despendera a título de taxa de justiça com a reclamação.
A Administração Tributária poderia ter devolvido esse valor e não o fez. Nesta medida, a remessa dos autos a juízo para que uma decisão judicial declarasse a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide é, ainda, imputável à administração tributária e não à recorrente. Com efeito, se o acto revogado era ilegal, como se deduz que fosse face à sua revogação pela entidade que o praticara, e o Tribunal viesse a verificar tal ilegalidade, as custas seriam suportadas pela Administração Tributária e a recorrente indemnizada pelos valores despendidos com o processo – taxa de justiça, incluída - a título de custas de parte – artº 529º, nº 4 do actual Código de Processo Civil -. Ora, numa situação em que é a própria Administração Tributária a voluntariamente reconhecer que o acto inicial praticado não poderia manter-se na ordem jurídica, não poderia a recorrente ficar em pior situação no que concerne a ser reembolsada dos montantes despendidos com o processo, do que estaria se a Administração Tributária persistisse na sua posição inicial e o acto viesse a ser revogado por decisão judicial.
Não se descortina, pois, qualquer fundamento para que se entenda que a inutilidade superveniente da lide é imputável à recorrente como entendeu a decisão recorrida.
A situação em análise tem enquadramento no disposto no artº 536.º (art.º 450.º CPC 1961) do actual Código de Processo Civil, nos seus nºs 3 e 4:
3 - Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.

4 - Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas.

Nos presentes autos de reclamação a ora recorrente era aí requerente e a inutilidade superveniente da lide é imputável à requerida – Administração Tributária – que satisfez voluntariamente a pretensão formulada pelo requerente/recorrente no processo de reclamação.
Não pode, assim manter-se a decisão recorrida que enferma de vício de ilegalidade a determinar a sua revogação.

Uma última nota, ainda que se trate de pedido subsidiário, apenas para referir que não enferma a sentença recorrida de qualquer nulidade por vício de omissão de pronúncia, como parece querer invocar-se uma vez que, ao invés do habitual numa sentença, não se contem nela, apenas, uma mera estatuição quanto à responsabilidade das partes quanto a custas, mas analisa-se toda a questão relativa a quem é imputável a inutilidade superveniente.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e determinando que as custas da reclamação ficam a cargo da recorrida.

Sem custas.

Lisboa, 13 de Agosto de 2014. – Ana Paula Lobo (relatora) – Madeira dos SantosCosta Reis.