Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0113/12.6BEPNF 0133/16
Data do Acordão:06/17/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
QUANTIFICAÇÃO
MATÉRIA COLECTÁVEL
RECURSO JURISDICIONAL
PROCEDIMENTO
REVISÃO
Sumário:I - Não viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva a interpretação da norma constante do art.89º-A nº 7 LGT com o sentido de que o recurso para o tribunal tributário com tramitação urgente nela prevista constitui a única via de impugnação judicial da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto.
II - A decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, com fundamento em manifestações de fortuna, inclui não apenas a enunciação dos pressupostos para a aplicação do método indirecto mas igualmente a quantificação da matéria colectável resultante da aplicação dos critérios legais (art.89º- A nºs 4/ 5 LGT)
III - O legislador excluiu expressamente o pedido de revisão da matéria colectável como forma adequada de reacção contra a quantificação da matéria colectável constante da decisão de avaliação (arts 89º-A nº7 último segmento e 91º LGT)
Nº Convencional:JSTA000P26053
Nº do Documento:SA2202006170113/12
Data de Entrada:01/25/2017
Recorrente:A.......... E OUTROS
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1. A……………… e B………………. interpuseram recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel em 5 junho 2014 que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra liquidação adicional de IRS (ano 2007) no montante de € 87 789,75

1.2. Os recorrentes apresentaram alegações que sintetizaram com a formulação das seguintes conclusões:
1.ª
Por força das alterações introduzidas pela revisão constitucional de 1989, foi alterada a concepção do contencioso tributário, adoptando-se uma concepção subjectivista, passando o cerne do processo a ser a defesa dos direitos e interesses do particular, sempre que estes sejam afectados por qualquer acto lesivo praticado pela Administração Fiscal, garantindo assim uma tutela jurisdicional plena.
2.ª
A plenitude da garantia jurisdicional tributária leva ao afastamento da ideia de que os tribunais só podem reconhecer a legalidade dos actos através dos meios processuais existentes, ou seja, se os direitos ou interesses do particular lesado não puderem ser tutelados por uma das formas de processo tipificadas na lei, mesmo assim não podem deixar de ser tutelados, devendo o tribunal encontrar um meio que permita ao particular defender os seus direitos ou interesses ofendidos, afastando-se assim o princípio da tipicidade dos meios processuais previstos na lei.
3.ª
O processo tributário passa assim a ter um carácter instrumental, servindo de instrumento para que o particular garante a tutela dos seus direitos ou interesses atingidos por uma actuação ilegal da administração tributária, passando as formalidades processuais a ser vistas como forma de garantir uma decisão justa e não como entrave destinado a dificultar a apreciação do mérito da causa.
4.ª
Os RECORRENTES impugnaram a liquidação de IRS referente ao ano de 2007, por entenderem que a referida liquidação enferma de ilegalidades que põem em causa os seus direitos, tendo a FP invocando na sua contestação a excepção da utilização de meio processual impróprio por parte dos RECORRENTES.
5.ª
A douta sentença sob recurso julgou improcedente a impugnação deduzida pelos RECORRENTES por entender "da decisão de fixação da matéria tributável tinha de ser impugnada judicialmente por recurso interposto nos termos do art 89.º-A. n.ºs 7 e 8 da LGT, porquanto consubstancia um ato tributável destacável do procedimento tributário."(sub. nosso).
É este o ponto essencial, que põe em causa toda a defesa dos RECORRENTES, uma vez que, entendendo-se que este não é o meio próprio para impugnar a legalidade da liquidação, a impugnação teria naturalmente de improceder.
6.ª
A douta sentença sob recurso que julga improcedente a impugnação judicial deduzida pelos RECORRENTES encontra o seu fundamento na informação n.º 844/2010, de 25.11.2010 da Direcção de Serviços de Justiça Tributária, que determina que nas situações em que seja fixada a matéria tributável com recurso ao método previsto nos artigos 87.°, alínea f), actual número e, alínea f) e 89.º -A, ambos da LGT, o meio próprio para reagir contra a decisão de fixação da matéria tributável deixa de ser a revisão da matéria tributável e passa a ser o recurso previsto no número 7 do artigo 89.º-A.
7.ª
A referida informação interpreta o n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT no sentido de que o recurso ali referido, nos casos de utilização de métodos indirectos por manifestação de fortuna, substitui revisão da matéria tributável prevista nos artigos 91º e seguintes da LGT
8.ª
Salvo o devido respeito e melhor opinião, entendem os RECORRENTES que a informação da Direcção de Serviços da Justiça Tributária faz uma interpretação errada da lei, pelo que a sentença proferia, porque encontra o seu fundamento na referida informação, enferma do mesmo vício.
9.ª
A decisão referida no n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT, ao contrário do que defende a FP é apenas a de utilização dos métodos indirectos nos casos de manifestação de fortuna e não a da fixação da matéria tributável com base no recurso a esses métodos.
10.ª
Se o sujeito passivo entender que não se verificam os pressuposto que permitem a utilização dos métodos indirectos para determinação da matéria tributável, face à decisão de utilização desse método por parte da Administração Tributária, para reagir contra essa decisão deve fazer uso do recurso previsto no n.º 7 do artigo 89.º-A, em tudo semelhante ao recurso das decisões do órgão de execução fiscal previsto no artigo 276.º do CPPT.
11.ª
Se o que está em causa é o valor da matéria tributável fixado pela administração tributária determinada com recurso aos métodos indirectos, ainda que nos casos de manifestações de fortuna, o meio a usar para reagir contra esse valor só pode ser o da revisão da matéria tributável previsto nos artigos 91.º e seguintes da LGT, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 86.º também da LGT.
12.ª
Não faz qualquer sentido que a lei preveja o uso de dois meios de defesa judiciais para reagir contra a quantificação da matéria tributável, que defende a FP na informação referida ao dizer que o sujeito passivo deve recorrer da decisão de fixação da matéria tributável para o tribunal tributário, e que, no caso de indeferimento do pedido formulado pelo sujeito passivo, este poderá ainda, depois de notificado da liquidação, impugnar aquela liquidação, novamente com base na errónea quantificação da matéria tributável.
13.ª
A sentença sob recurso, cuja fundamentação, no que respeita ao meio utilizado pelos recorrentes para reagir contra a liquidação, salvo o devido respeito, enferma do mesmo erro de interpretação da lei que a informação da Direcção de Serviços da Justiça Tributária, pelo que deve ser revogada.
Sem prescindir,
14.ª
Os RECORRENTES foram notificados do relatório de inspecção e pediram a revisão da matéria tributável previsto no artigo 91.º da LGT, uma vez que foi essa a forma que lhe foi indicada pela FP para reagir contra a fixação da matéria tributável, uma vez que, nesse momento, era seu entendimento que este era o meio próprio.
15.ª
Notificados da decisão proferida no procedimento de revisão da matéria tributável, os RECORRENTES, por não concordarem com essa decisão, impugnaram judicialmente a liquidação efectuada pela FP que correu termos no Tribunal recorrido sob o n.º 882/10.8BEPNF.
16.ª
Já depois de fixada a matéria tributável no âmbito do procedimento de revisão e impugnada a liquidação daí resultante, a FP alterou o seu entendimento em relação à forma de reagir contra a fixação da matéria tributável obtida no procedimento de inspecção, no sentido de que o meio próprio para reagir contra a decisão de fixação da matéria tributável passava a ser o recurso previsto no número 7 do artigo 89.º-A.
17.ª
Com base nesse novo entendimento da Direcção de Serviços de Justiça Tributária, sancionado superiormente, a FP decidiu anular tudo o que havia sido feito até ali, em prejuízo dos RECORRENTES e seu benefício, tendo sido anulada a liquidação efectuada e feita nova liquidação que foi notificada aos RECORRENTES com indicação do que passava a ser o meio próprio para reagir.
18.ª
Os RECORRENTES, como já haviam pedido a revisão da matéria tributável e impugnado a liquidação, não entenderam a nova notificação que lhes foi enviada, razão pela qual não recorreram da decisão.
19.ª
A alteração do entendimento da FP sobre a interpretação da lei, num aspecto meramente formal, não pode ser usado pela FP em prejuízo dos RECORRENTES.
20.ª
O Tribunal, no momento da decisão sobre a procedência ou improcedência da impugnação, deverá ir sempre em busca da verdade material com vista a uma decisão justa, devendo o processo ser visto como instrumento, que não deve constituir um entrave à apreciação do mérito da causa, sob pena de violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva e anti formalista ou "pro actione".
21.ª
Só assim é possível ir em busca da verdade material e isso não foi feito, pelo também por este motivo a douta sentença sob recurso deve ser revogada, como que será feita JUSTIÇA!

1.3. A recorrida não apresentou contra-alegações.

1.4. Por sentença proferida em 2 novembro 2015 o Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, indicando como competente o Supremo Tribunal Administrativo (processo electrónico p.582)

1.4 O Ministério Público no Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido da negação de provimento ao recurso (processo electrónico p. 603)

1.5. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
A) Os impugnantes foram sujeitos a um procedimento de inspecção aos anos de 2007 e 2008 que está documentado no RIT de fls 21 a 26 verso do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido,
B) Com base nesse RlT e nas suas conclusões a administração tributária procedeu à correção do rendimento dos impugnantes nos anos de 2007 e 2008, tendo-lhes fixado o rendimento de €245,168,88, no ano de 2007, e de €167.051,82, no ano de 2008, nos termos dos arts, 87.º, Alínea.f) , da LGT, 39º e 65º, n.º 2, do CIRS (fls 16 a 26 verso do PA).
C) Os impugnantes foram notificados desse RIT pelo ofício de fls. 33 verso do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
D) Os impugnantes requereram o pedido de revisão da matéria tributável (fls. 33 do PA).
E) Por falta de acordo na comissão e revisão, por decisão de 02/08/2010, por delegação do Diretor de Finanças e nos termos do art. 92,°, n.º 6, da LGT foi indeferido o pedido de revisão da matéria tributável e foi fixado o acréscimo de património de €245.168,88, no ano de 2007, e de €167.031,82, no ano de 2008, a que foi deduzido o rendimento líquido total declarado de €1.905,12 e €4.898,86, nos anos de 2007 e 2008, de que resultou um rendimento na categoria G de €243.263,76 e €162.152,96, nos anos de 2007 e 2008 (fls. 27 a 32 verso do PA).
F) Esta decisão deu origem à liquidação n.º 2010 500 490 7306 de fIs. 23 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
G) Esta liquidação foi impugnada no processo de impugnação judicial n.º 882/10.8 BEPNF, cuja petição inicial está junta de fIs. 106 a 116, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
H) A Fazenda Pública foi notificada para contestar em 17/01/2011 e não contestou (fls. 117).
I) Em 29/03/2012 a Fazenda Pública requereu a extinção da instância desse processo de impugnação judicial, com base na decisão de revisão do ato tributário aí impugnado de 14/06/2011, junto a esse processo e ora junto de fls. 146 a 151, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
J) Os impugnantes foram notificados desse requerimento e do respectivo documento anexo nesse processo (nº 152 e 153).
K) Esse processo de impugnação judicial foi julgado extinto com base nesse requerimento e documento anexo (fls. 117 e 118).
L) A administração tributária procedeu à revisão oficiosa do ato tributário que decidiu notificar os impugnantes nos termos do art. 91.º da LGT e da respetiva liquidação anulando-a (fls 146 a 150 dos autos e 14, 15 e 34 e seguintes do PA).
M) Com a anulação da liquidação referida em F) a administração tributária procedeu a nova notificação do RIT de fls. 21 a 26 verso do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido, pela notificação constante de fls. 18 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido, recebida pelo impugnante em 26/08/2011 (fls. 18 a 20 do PA).
N) A notificação desta decisão veio a dar origem à nova liquidação oficiosa de IRS de 2007 n.º 2011 5005059470, de fls. 38 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que apurou um valor a pagar de €87.789,75 e que constitui a liquidação impugnada nestes autos.
O) Esta liquidação tinha como data limite de pagamento voluntário 14/11/2011 (fls. 39 do PA).
P) Esta liquidação foi notificada aos impugnantes por carta registada pelo registo postal RY544159925PT, de 11/10/2011 (fls. 39 do PA e confissão dos impugnantes).
Q) Os impugnantes apresentaram a petição inicial em 10/02/2012 (fls. 2 do PA).
R) Os impugnantes não recorreram da decisão de fixação a matéria tributável (dos autos).
S) Os impugnantes não apresentaram reclamação graciosa desta liquidação (fIs. 36 verso do PA).
T) Até 08/12/2011 os impugnantes não tinham pago a liquidação impugnada (fls. 36 verso do PA).


2.2. DE DIREITO
2.2.1. Questão decidenda: determinação do meio processual adequado para reacção contra a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, resultante de manifestações de fortuna (art.89º-A nº7 LGT)

2.2.2. Apreciação jurídica
2.2.2.1. No acórdão 554/2009, 27.outubro 2009 o Tribunal Constitucional, apreciando alegada violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, pronunciou-se no sentido de não julgar inconstitucional a norma do n.º 7 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária (redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro) quando interpretada no sentido de que a forma processual urgente, aí prevista, constitui a única via de impugnação judicial da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto;
Com interesse para a apreciação da questão decidenda transcrevem-se excertos da fundamentação do acórdão:
A questão que se coloca no presente recurso é a de saber se a previsão legal de um recurso contencioso específico para impugnar a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, na medida em que implica − como entendeu a decisão recorrida − que o contribuinte fica impedido de atacar aquela decisão em momento posterior, designadamente, no âmbito da impugnação judicial do acto de liquidação do imposto (que tenha por base a dita decisão de avaliação) viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Ou seja, importa saber se é conforme ao princípio da tutela jurisdicional efectiva o entendimento de que a forma processual urgente, prevista no artigo 89.º-A, n.º 7, da LGT, é a única via de impugnação judicial da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto. O que significa que, caso o contribuinte não lance mão deste meio processual, já não poderá questionar aquela decisão em sede de impugnação judicial do acto de liquidação do imposto (que teve como pressuposto a referida decisão).
A esse respeito cumpre salientar que a urgência do meio processual não é necessariamente desvantajosa para o contribuinte impugnante, pois embora lhe imponha prazos de actuação mais curtos, assegura-lhe, em contrapartida, maior celeridade na decisão. No caso em apreço, a forma processual questionada oferece, inclusivamente, uma outra garantia ao contribuinte: a do efeito suspensivo, que é concedido ope legis com a mera entrada da petição de recurso, ficando a administração tributária impedida de praticar o acto de liquidação antes da decisão deste recurso. Trata-se, aliás, de um efeito que não é comum nem à impugnação judicial do acto de liquidação do imposto (nesta, o efeito suspensivo só se obtém através da prestação de garantia adequada − cfr. artigo 103.º, n.º 4, do CPPT), nem à impugnação dos actos administrativos em geral (cuja suspensão, em regra, só pode ser obtida através de uma providência cautelar, intentada previamente ou na pendência da acção principal − cfr. artigos 50.º e s. e 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Note-se que a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto configura um acto intermédio, se perspectivado no âmbito do procedimento mais amplo que termina com o acto de liquidação. Mas é também um acto que encerra uma fase daquele procedimento (ou um seu incidente) em termos de se poder considerar que as questões aí decididas não devem ser retomadas em momento ulterior. Não se mostra, por isso, desadequada ou insuficiente, face ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, a previsão legal de um meio específico de impugnação judicial desta decisão − que permite a sua impugnação directa e imediatamente, que tem natureza urgente e efeito suspensivo relativamente à prática do acto de liquidação − com preclusão da possibilidade de questionar posteriormente tal decisão, aquando da impugnação do acto de liquidação.
Esta interpretação da norma, afirmando a natureza de acto destacável da decisão de avaliação da matéria colectável, insusceptível de reapreciação em posterior impugnação judicial do acto de liquidação dela resultante, foi acolhida em jurisprudência consolidada do STA-SCT (acórdãos 24.09.2008 processo 0342/08; 9.09.2009 processo 0188/09; 6.07.2011 processo 0422/11; 8.07.2015 processo 0225/15).
Sublinha-se a relação umbilical entre a liquidação do imposto e a decisão de avaliação da matéria colectável como seu pressuposto necessário, inequivocamente apontando no sentido de a fundamentação da decisão dever incluir não apenas a verificação dos pressupostos para a aplicação do método indirecto emergente das manifestações de fortuna injustificadas mas igualmente a quantificação da matéria colectável resultante da sua aplicação
2.2.2.2. Os recorrentes sustentam que o recurso jurisdicional da decisão de fixação da matéria colectável pelo método indirecto resultante de manifestações de fortuna apenas tem como objecto os pressupostos legais da sua aplicação, devendo a resultante quantificação da matéria colectável, ser discutida no procedimento de revisão (art. 91º e sgs. LGT)
Este entendimento não pode ser acolhido, convocando-se para a sua refutação os seguintes argumentos:
- a adopção da interpretação pretendida violaria flagrantemente a coerência do sistema jurídico, critério hermenêutico fundamental, ao decompor o despacho de avaliação da matéria colectável em duas componentes autónomas:
- a componente dos pressupostos para a aplicação do método indirecto, sujeita a controlo jurisdicional; a componente da avaliação da matéria colectável, passível de revisão em procedimento administrativo
- a incoerência desta solução radica na circunstância de o efeito suspensivo do recurso jurisdicional ser incompatível com um hipotético pedido de revisão, que careceria de objecto na medida em que a matéria colectável não poderia ser fixada antes da decisão do recurso sobre os pressupostos da aplicação do método indirecto;
- no pressuposto de que a discussão sobre a quantificação da matéria colectável deveria acontecer no recurso jurisdicional, o legislador excluiu expressamente como meio de reacção o pedido de revisão da matéria tributável, primordialmente orientado para a solução de divergência quanto à quantificação da matéria tributável relevante para a liquidação do imposto, mediante o estabelecimento de um acordo entre o contribuinte e a administração tributária (art.89º-A nº7 último segmento e 92º nº1 LGT)
- a especificidade do regime do recurso jurisdicional está claramente afirmada pela circunstância de coarctar a possibilidade excepcional de, no procedimento de revisão, ser discutida a questão de direito dos pressupostos de determinação indirecta da matéria tributável (art. 91º nº14 LGT)
2.2.2.3. A primeira liquidação do imposto foi anulada por iniciativa da administração tributária, com fundamento na errónea indicação do pedido de revisão como meio processual adequado de reacção contra a respectiva fixação da matéria tributável, tendo os recorrentes sido notificados da decisão de extinção da instância na impugnação judicial e da anulação da liquidação (factos provados A)/G H)/L))
Por isso não pode ser acolhida a alegação de erro quanto ao meio processual adequado na interpretação da segunda notificação do relatório da inspecção tributária com a fixação da matéria colectável (de onde resultou a segunda liquidação, objecto da presente impugnação judicial), na medida em que aí é indicado com meridiana clareza o recurso jurisdicional como meio processual de reacção (18ª conclusão; factos provados M); art.89º-.A nº7 LGT)
Neste contexto, assumindo a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto a natureza de acto destacável do procedimento de liquidação (supra 2.2.2.1.) a ausência de interposição de recurso jurisdicional firmou-a na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, insusceptível de reapreciação na impugnação judicial da liquidação resultante daquela matéria colectável (art. 89º-A nº7 LGT)

3.DECISÃO
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo - Secção de Contencioso Tributário em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes (art. 527º nºs 1/2 CPC / art.2º al.e) CPPT)

Lisboa, 17 de junho de 2020. - José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.