Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01744/06.9BELSB
Data do Acordão:07/13/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
LEGITIMIDADE
IFADAP
FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
COBRANÇA
DÍVIDA
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Quando estiver em causa a cobrança, através de processo de execução fiscal, de uma dívida não tributária de que é credora uma entidade pública, na falta de norma que atribua ao representante da Fazenda Pública competência para a sua representação processual, ela caberá ao órgão que tiver poderes para a representar em juízo, através de mandatário judicial.
II - Deste modo, estando a ser cobrada coercivamente uma dívida ao IFADAP, resultante de incumprimento de contrato, os poderes de representação em juízo em processo de oposição a essa execução pertencem ao Conselho Directivo do “Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP (IFAP, IP) - ” - sucessor legal nas atribuições daquele (artº 17º, nº 1 do DL nº 77/2007, de 29 de Março) - e não à Fazenda Pública, por força das disposições combinadas do artigos 15.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 21.º, n.º 3, da Lei nº 3/2004, de 15 de Janeiro
III - A ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, fundamentada na prescrição do procedimento administrativo para a determinação da existência ou não de irregularidade na aplicação/uso dos subsídios atribuídos ao abrigo de programas financeiros da União, não constitui fundamento válido da oposição à execução, uma vez que tal fundamento mesmo apenas pode ser invocado perante a jurisdição administrativa, sendo a acção administrativa o meio judicial adequado, à luz do direito nacional, para reagir contra a (in)validade do acto de liquidação, in casu, do acto que determina a restituição das quantias pagas com fundamento em irregularidade, o que significa que não tem qualquer virtualidade a alegação do Recorrente quanto invoca a prescrição do procedimento (prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95) no âmbito do processo de execução fiscal.
IV - O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) interpreta o art. 3.º n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, em sentido que permite concluir, sendo o prazo de três anos, aí inscrito, implicante da impossibilidade, total, intransponível, de executar uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos, dever ser esse triénio, se necessário, valorado como o do prazo, regra, ordinário, de prescrição do tipo de dívidas, como a em cobrança no presente processo de execução fiscal, subsumível ao regime instituído pelo identificado Regulamento.
V - Fixado em três anos, o prazo, normal, de prescrição da obrigação de restituição/pagamento dos montantes em dívida ou indevidamente recebidos, eventualmente, acrescidos de juros, em consequência da prática de actos lesivos dos interesses financeiros da União, o seu decurso tem de ser sujeito, desde logo, às causas de interrupção, compatíveis, vigorantes no ordenamento jurídico nacional, como, indiscutivelmente, é o caso da citação - cf. art. 323.º n.º 1 do Código Civil (CC), do devedor/obrigado à restituição, no âmbito de processo judicial, destinado à cobrança dos montantes em dívida, obviamente, com a eficácia estabelecida nos arts. 326.º e 327.º n.º 1 do CC.
VI - Perante o enquadramento descrito, e em função da factualidade apurado nos autos, é manifesto que o prazo de 3 anos para o exercício do direito de executar consagrado no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento foi observado, na medida em que a instauração da execução ocorreu em 23/03/2006 e a citação em 13-04-2006, de modo que, tendo presente que a jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do art. 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do art. 327.º do CC), tem de concluir-se, com base em fundamentos distintos dos referidos na sentença recorrida, que não se verificou a prescrição à luz dos normativos ínsitos no citado Regulamento 2988/95.
Nº Convencional:JSTA00071519
Nº do Documento:SA22022071301744/06
Data de Entrada:06/29/2021
Recorrente:A............
Recorrido 1:IFADAP/INGA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:DESPACHO E SENTENÇA DO TT DE LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:LEGITIMIDADE EM PROCESSO TRIBUTÁRIO
Área Temática 2:PRESCRIÇÃO DE DÍVIDA
Legislação Nacional:Artº 17º, nº 1 do DL nº 77/2007, de 29 de Março, ARTIGOS 15.º, n.º
1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 21.º, n.º 3, da Lei nº 3/2004, de 15 de Janeiro
Legislação Comunitária:REGULAMENTO 2988/95.
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 1744/06.9BELSB (Recurso Jurisdicional)
1. RELATÓRIO

A…………, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional do despacho proferido no início da audiência de inquirição de 01-02-2010, que, pronunciando-se sobre o requerido a fls. 108 e seguintes, pelo ora Recorrente, decidiu indeferi-lo e considerar o IFADAP parte legítima para estar em juízo neste processo, com fundamento no art. 15º, nº 1, al. a) do CPPT e da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 05-02-2020, que julgou parcialmente procedente a pretensão pelo mesmo deduzida na presente OPOSIÇÃO relacionada com a execução fiscal contra si instaurada para cobrança coerciva de dívidas ao IFADAP - Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas e os correspondentes juros à taxa legal.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

A. Quanto ao despacho de 01-02-2010

“ (…)

1. No processo de execução fiscal, promovida pelo Representante da Fazenda Pública, em representação do Estado, é este o competente e quem tem legitimidade para a contestação da oposição, nos termos do art. 15º, nº 1, aI. a) CPPT.

2. Não tendo o Representante da Fazenda Pública contestado, por parte do Estado, apesar de lhe ter sido deferida a prorrogação do prazo para contestar, que requereu, deve dar-se como provada a matéria alegada na contestação, nos termos e por força do nº 2 do artº 490º do CPC, aplicável ao caso “ex vi” aI. e) do artº 2º do CPPT.

3. O IFADAP não pode contestar em representação do Estado, nem em processo que não seja parte, ou em que não tenha sido admitido a intervir, quando isso tenha sido requerido pelos meios processuais e legais apropriados. No caso, o IFADAP não é parte no processo nem foi admitido a intervir.

4. O IFADAP não é parte legítima, pelo que não podia contestar, como decorre do artº 15º, nº 1, aI. a) do CPPT.

5. Mas, inopinadamente, o IFADAP veio apresentar uma contestação, mas extemporânea, porque fora do prazo.

6. Pela decisão recorrida (se salvo o devido respeito e melhor opinião) foi feita errada aplicação do artº 15º, nº 1, aI. a) do CPPT, que confere a representação do Estado ao Representante da Fazenda Pública.

7. Tendo sido notificado, o Representante da Fazenda Pública, para contestar e tendo-lhe sido deferida a prorrogação do prazo para o efeito, ao abrigo da prerrogativa que lhe assiste, estabeleceu-se caso julgado no processo sobre a parte legítima, o Estado, e a sua representação pelo Representante da Fazenda Pública, pelo que a decisão recorrida o violou.

8. Em obediência ao princípio da estabilidade da instância, o IFADAP não poderia ter sido admitido a contestar, sem prévio pedido de intervenção, processado nos termos legais (cfr. arts. 320º e segs., CPC), nem poderia contestar sem previamente ter sido admitido, cfr. arts. 268º e segs., CPC). Essas normas foram desrespeitadas, com o cometimento das correspondentes nulidades, que se assacam à decisão recorrida e à omissão de decisão quanto ao mais nela não apreciado, inclusive quanto à inquirição de testemunhas não admitidas.

9. Não é admitido e constitui nulidade processual que, por parte da mesma entidade, o Estado, intervenham dois representantes ou um representante legal e outra entidade na mesma posição processual e de representação (e ambos admitidos a contestar), pois trata-se de uma situação anómala e manifestamente irregular, padecendo de nulidade, para mais sem que tenha havido um qualquer despacho a admitir e fundamentar tal acaso.

Termos em que pede o deferimento do peticionado neste recurso e a reparação do agravo, com a declaração da ilegitimidade do IFADAP, dando sem efeito a sua contestação e ordenando que a mesma seja desentranhada dos autos, com as legais consequências, inclusive quanto à admissão dos factos da oposição à execução (ex vi artº 490º, nº 2, CPC) e com a verificação das nulidades invocadas, como é de Justiça!”

B. Quanto à sentença recorrida:

“(…)

(a) a douta sentença, no segmento relativo à prescrição da dívida em execução, ao considerar que a prescrição observa o prazo de 20 anos previsto no artigo 309º do Código Civil, enferma de erro de julgamento por desconsiderar o do Regulamento CEE nº 2988/95, aplicável ao caso, face à fixação de jurisprudência ínsita no Acórdão nº 1/2015 do STA; na verdade,

(b) o Tribunal “a quo” encontrava-se vinculado ao que foi decidido no douto acórdão do STA nº 1/2015 e que uniformizou jurisprudência no sentido de que “na ausência de legislação nacional consagrando prazo de prescrição mais longo do que o previsto no art. 3, nº 1, do Reg. (CE Euratom) n.º 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro, é este o aplicável”;

(c) o prazo dentro do qual podia ser pedida, ao Recorrente, a devolução de ajudas financeiras concedidas ao abrigo do Regulamento CEE nº 797/85, ajudas cujo recebimento foi titulado pelo contrato celebrado entre o Recorrente e o Recorrido no âmbito do projeto nº 87.53.6528.0, é de 4 anos, face ao que se dispõe no nº 1 do artigo 3º do Regulamento CEE nº 2988/95;

(d) as irregularidades que o Recorrido considerou relevantes para determinar a devolução das ajudas e que consubstanciam a dívida exequenda, reportam-se aos anos de 1989 e 1990;

(e) o Recorrente somente foi notificado da rescisão unilateral do contrato relativo ao projeto nº 87.53.6528.0, em 18/03/2005, pelo que já se encontrava precludido o prazo de 4 anos, previsto no nº 1 do artigo 3º do sempre invocado Regulamento CEE nº 2988/95, para que o Recorrido o pudesse fazer;

(f) por outro lado, tendo o Tribunal “a quo” desconsiderado a aplicação do questionado Regulamento, ele sempre teria de aplicar o regime decorrente do artigo 40º do Dec. Lei nº 155/92, que tutela a devolução, ao erário público, de verbas deste recebidas.

Termos em que, dando V. Ex.cias provimento ao recurso e revogando a sentença recorrida, farão a costumada JUSTIÇA.

Não houve contra-alegações em qualquer das situações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento a ambos os recursos, sem prejuízo de se ordenar o reenvio ao T.J.U.E., a título prejudicial.

Por despacho de 17-12-2021, foi determinada, ao abrigo do art. 272º nº 1 do C. Proc. Civil ex vi art. 2º al. e) do CPPT, a suspensão da instância até à decisão do reenvio prejudicial suscitado por este S.T.A. no processo nº 03138/12.8BEPRT.

Por acórdão de 7 de Abril de 2022, o TJUE, nos processos apensos C-477/20 e C-448/20, esclareceu o seguinte:

«[…]

1) O artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros [da União Europeia], deve ser interpretado no sentido de que, sob reserva do respeito dos princípios da equivalência e da efetividade, não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual, para efeitos de impugnação de uma decisão de cobrança de montantes indevidamente pagos, adotada após o decurso do prazo de prescrição do procedimento previsto nessa disposição, o seu destinatário é obrigado a invocar a irregularidade dessa decisão num determinado prazo perante o tribunal administrativo competente, sob pena de caducidade, e já não se pode opor à execução da referida decisão ao invocar a mesma irregularidade no âmbito do processo judicial de cobrança coerciva intentado contra si.

2) O artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que tem efeito imediato nas ordens jurídicas nacionais, sem que seja necessário que as autoridades nacionais tomem medidas de aplicação. Daqui resulta que o destinatário de uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos deve, em qualquer caso, poder invocar o termo do prazo de execução previsto no artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, desse regulamento ou, se for caso disso, de um prazo de execução prolongado em aplicação do artigo 3.º, n.º 3, do referido regulamento, a fim de se opor à cobrança coerciva desses montantes.

3) O artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que o prazo de execução que estabelece começa a correr a partir da adoção de uma decisão que impõe o reembolso dos montantes indevidamente recebidos, devendo esse prazo correr desde o dia em que essa decisão se torne definitiva, ou seja, do dia do termo dos prazos de recurso ou do esgotamento das vias de recurso.

4) O artigo 3.º, n.º 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual o prazo de execução previsto no primeiro parágrafo deste número é interrompido pela citação para a cobrança coerciva da dívida objeto de uma decisão de cobrança.
[…]».

Notificadas as partes para se pronunciarem, querendo, sobre o teor do acórdão do TJUE antes mencionado, apenas o Recorrente tomou posição sobre a matéria, concluindo no sentido de que o exequente IFADAP, quando emitiu a certidão de dívida que serviu de base à execução a que o Requerente se opôs, já não podia proceder à sua execução da tal dívida, uma vez que a mesma, por se reportar aos anos de 1989 e 1990, já não poderia ser executada.

O Ministério Público junto deste Tribunal reiterou o parecer no sentido de dever ser negado provimento a ambos os recursos.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em analisar a invocada excepção de ilegitimidade do IFADAP para intervir nos autos, não tendo, por isso, legitimidade para apresentar a contestação que apresentou nos autos, a qual competia ao representante da FP e ainda em apreciar se as dívidas exequendas em cobrança coerciva no processo de execução fiscal referido nos autos se encontram ou não prescritas.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

A) O oponente preparou e apresentou ao IFADAP, um projeto de investimento tendo em vista candidatar-se à atribuição de ajudas ao abrigo do Regulamento (CEE) 797/85, de 12 de março, do Conselho das Comunidades Europeias e do Dec. Lei nº 79-A/87, de 18 de fevereiro, alterado pelo Dec. Lei nº 81/91, de 19 de fevereiro, ajudas que visavam a melhoria da eficácia das estruturas agrícolas (conforme resulta de fls. 17 e segs.).

B) O projeto de investimento preparado e apresentado ao IFADAP, pelo oponente, foi registado como processo nº 87.53.6528.0 (conforme resulta de fls. 17).

C) Na sequência da aprovação do mencionado projeto de investimento, entre o IFADAP e o executado, foi celebrado um contrato de atribuição da ajuda correspondente, composta de três parcelas, assim especificadas:

- Subsídio no montante de PTE 11.971.259$ (equivalente a € 59.713,73),

- Prémio à primeira instalação de jovem agricultor, no montante de PTE 1.410.053$ (equivalente a € 7.033,31) (conforme resulta de fls. 27).

D) A concessão da ajuda referida na alínea anterior foi objeto de contrato escrito, celebrado entre o IFAP e o oponente em 19/08/1989, o qual faz parte do antes mencionado processo nº 87.53.6528.0 (conforme resulta de fls. 27).

E) Decorre do texto contratual - conferir a cláusula I do contrato a que se refere a alínea anterior:

"Para todas as questões emergentes deste contrato, ou da sua execução, é competente o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro.”
F) O IFADAP que, em 15/02/1994, extraiu a certidão de dívida que constitui fls. 28 a 30.
G) Em 15/09/1997, foi instaurada ação executiva para pagamento de quantia certa contra o ora Oponente (conforme resulta de fls. 31).
H) Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07/12/2004, foi confirmado despacho de 16/12/2003, proferido no processo a que se refere a alínea anterior, que julgou extinta a instância por deserção (conforme resulta de fls. 35 e 41).

I) Em 18/03/2005, o Oponente foi notificado da rescisão unilateral do contrato relativo ao projeto nº 87.53.6528.0 e para proceder à devolução de ajudas (conforme resulta de fls. 13 a 15 do PAT em apenso).

J) Em 30/12/2005, o IFADAP emitiu a certidão de que constitui fls. 4 do PAT em apenso e que aqui se dá por reproduzida.

K) Em 23/03/2006, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3263200601018752, no Serviço de Finanças de Lisboa 12, contra o Oponente para cobrança coerciva de dívidas ao IFADAP (conforme resulta do PAT em apenso).

L) O Oponente foi citado em 13/04/2006 (conforme resulta de fls. 5 do PAT em apenso).

M) A petição inicial foi apresentada em 15/05/2006 (conforme resulta de fls. 2).


*

2.2. FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO.
A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
*
2.3. FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão inexistem fatos invocados que devam considerar-se como não provados.”
«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que, para além da matéria relacionada com o despacho proferido no início da audiência de inquirição de 01-02-2010, que, pronunciando-se sobre o requerido a fls. 108 e seguintes, pelo ora Recorrente, decidiu indeferi-lo e considerar o IFADAP parte legítima para estar em juízo neste processo, com fundamento no art. 15º, nº 1, al. a) do CPPT, a questão essencial a dirimir no âmbito do presente recurso consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao ter considerado que não estando em causa dívidas de natureza tributária, é aplicável às mesmas o prazo de 20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil pelo que reportando-se as dívidas aos anos de 1989 e 1990 e tendo a interrupção da prescrição ocorrido com a citação para a execução em 13/04/2006 (artº 323º, nº 1 do CC), não se mostram prescritas as dívidas exequendas.

No que concerne ao despacho de 01-02-2010, o Recorrente aponta que no processo de execução fiscal, promovida pelo Representante da Fazenda Pública, em representação do Estado, é este o competente e quem tem legitimidade para a contestação da oposição, nos termos do art. 15º, nº 1, aI. a) CPPT e não tendo o Representante da Fazenda Pública contestado, por parte do Estado, apesar de lhe ter sido deferida a prorrogação do prazo para contestar, que requereu, deve dar-se como provada a matéria alegada na contestação, nos temos e por força do nº 2 do artº 490º do CPC, aplicável ao caso “ex vi” aI. e) do artº 2º do CPPT, sendo que o IFADAP não pode contestar em representação do Estado, nem em processo que não seja parte, ou em que não tenha sido admitido a intervir, quando isso tenha sido requerido pelos meios processuais e legais apropriados. No caso, o IFADAP não é parte no processo nem foi admitido a intervir e, como tal, não é parte legítima, pelo que não podia contestar, como decorre do artº 15º, nº 1, aI. a) do CPPT, verificando-se, no entanto, que o IFADAP veio apresentar uma contestação, mas extemporânea, porque fora do prazo.

Que dizer?

Desde logo, cumpre notar que não existe qualquer dúvida no sentido de que os serviços de finanças têm competência para a cobrança coerciva de dívidas ao IFADAP, resultantes de incumprimento de contratos de atribuição de judas financeiras, mediante processo de execução fiscal.

Com efeito, tal como se aponta no Ac. deste Supremo Tribunal de 04-05-2011, Proc. nº 202/11, www.dgsi.pt, “O IFADAP é um instituto de direito público, dotado de personalidade jurídica, com autonomia administrativa e financeira e património próprio, que se rege pelo disposto no seu Estatuto e, subsidiariamente, pelas normas aplicáveis às empresas públicas, e que tem como atribuições a promoção do desenvolvimento da agricultura e das pescas, bem como do sector agro-industrial, em especial através de esquemas de financiamento, directo ou indirecto, às referidas actividades, competindo-lhe assegurar o funcionamento dos sistemas de apoio e de ajudas comunitárias e nacionais aos sectores da agricultura e das pescas (artigos 1.º, 3.º e 5.º do DL 414/93, de 23/12).

Sobre os contratos de atribuição de ajudas celebrados pelo IFADAP no âmbito das suas atribuições, se pronunciou já o Tribunal Constitucional, em acórdão de 23/3/2007, no recurso n.º 859/03, onde se afirma, designadamente, que “(…) seja qual for o critério que se adopte para a qualificação dos contratos como administrativos, há que concluir, face ao regime legal aplicável e ao clausulado concretamente estabelecido, que reveste essa natureza o contrato celebrado entre o recorrente e o IFADAP.

Trata-se de um acordo de vontades em que uma das partes é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e património próprio (artigo 1.º dos Estatutos do IFADAP, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 414/93, de 23 de Dezembro), a quem são conferidos poderes de direito administrativo, entre os quais a competência para emitir actos administrativos e celebrar contratos administrativos como meio de prosseguir as suas atribuições, que consistem na promoção do desenvolvimento da agricultura e das pescas, bem como do sector agro-industrial, em especial através de esquemas de financiamento, directo ou indirecto, às referidas actividades (artigo 5.º dos referidos Estatutos). Na situação específica em causa, trata-se de contrato celebrado no âmbito de gestão de fundos públicos, inserida na actividade mais ampla de fomento de determinados interesses públicos, designadamente através da atribuição de ajudas pelo IFADAP aos particulares (no caso, ao ora recorrente), para que estes invistam nessas mesmas estruturas.

Acresce que, no âmbito da regulamentação legal e convencional do contrato, são consagradas cláusulas exorbitantes, inadmissíveis num contrato de direito privado (isto é, de cláusulas apenas concebíveis numa relação jurídica em que pelo menos uma das partes é a Administração intervindo nessa qualidade), como a atribuição ao IFADAP de poderes de acompanhamento, fiscalização e controlo de programas e projectos apoiados por ajudas nacionais ou comunitárias (artigo 5.º, n.º 2, alínea e), dos Estatutos) ou do poder de unilateralmente rescindir ou modificar o contrato no caso de incumprimento pelo beneficiário de qualquer das suas obrigações (…). (…) deparamos nesta hipótese com a determinação autoritária do pagamento de determinada quantia em consequência do exercício de um poder sancionatório. Na verdade, a atribuição de um poder com tal conteúdo à Administração constitui um factor determinante para a conclusão pela administratividade dos contratos em causa: trata-se manifestamente de um poder outorgado à entidade administrativa, exorbitante do direito privado e que releva da respectiva supremacia jurídico-pública. Na relação constituída, o contraente público detém o poder de praticar actos administrativos no âmbito da execução do contrato que celebrou com o particular, o que não sucederia se estivéssemos no horizonte de um contrato de direito privado.». O citado acórdão do TC julgou organicamente inconstitucional, por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea q) da CRP [actual alínea p)], a norma constante do artigo 53.º, n.º 2 do DL 81/91, de 19/2, que determina a competência dos tribunais civis para as execuções instauradas pelo IFADAP em virtude do não cumprimento pelos particulares dos respectivos contratos de atribuição de ajudas. Por outro lado, o acto de rescisão do contrato por incumprimento das obrigações assumidas tem a natureza de acto administrativo, na medida em que traduz uma estatuição autoritária do IFADAP fundada no regime jurídico aplicável (artigos 52.º do DL 81/91, de 19/2, e 120.º do CPA e acórdãos da SCA do STA de 2/5/2000 e de 24/6/2004, nos recursos 45774 e 1229/03, respectivamente).

Acresce que, «nos casos e termos expressamente previstos na lei», podem ser cobradas mediante processo de execução fiscal, as dívidas ao Estado e «a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo», de acordo com o que se estabelece na alínea a) do n.º 2 do artigo 148.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Isso significa que a admissibilidade da utilização do processo de execução fiscal depende necessariamente de lei expressa que tal preveja.

E o que é certo é que, relativamente a dívidas que devam ser pagas por força de acto administrativo, como as do IFADAP, o n.º 1 do artigo 155.º do Código do Procedimento Administrativo estabelece que “quando por força de um acto administrativo devam ser pagas a uma pessoa colectiva pública, ou por ordem desta, prestações pecuniárias, seguir-se-á, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal regulado no Código de Processo Tributário”.

Ora, esta norma de carácter geral satisfaz a referida exigência de lei expressa, e, dessa forma, legitima a cobrança dos créditos do IFADAP, de reposição considerada indevidamente recebida, mediante o processo de execução fiscal - cf., por todos, neste sentido, os acórdãos desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 13/5/2009, de 20/5/2009 e de 25/6/2009, proferidos nos recursos n.ºs 187/09, 427/09 e 416/09, onde se cita Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 5.ª edição, a fls. 23, anotação 5.ª ao artigo 148.º.

Daí que os serviços de finanças tenham, pois, competência para instaurar os processos de execução fiscal que visam a restituição de ajudas previamente decidida pelo IFADAP (actual IFAP, IP)”.

Nesta sequência, cabe analisar se, na situação dos autos, a Fazenda Pública tem legitimidade para representar o IFADAP num processo de oposição à execução fiscal.

Pois bem, trata-se de matéria sobre a qual este Supremo Tribunal também já tomou posição, tal como se colhe do Ac. deste Supremo Tribunal de 25-11-2009, Proc. nº 0823/09, www.dgsi.pt, onde se aponta que:

“…

Aqui chegados, importa agora relacionar o que ficou escrito com o determinado no artº 15º, nº 1, alínea a) do CPPT, que estabelece o seguinte:

“1- Compete ao representante da Fazenda Pública nos tribunais tributários:

a) Representar a administração tributária e, nos termos da lei, quaisquer outras entidades públicas no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal”.

Sobre questão semelhante escreveu-se no recente Acórdão de 31 de Janeiro de 2008 – Recurso nº 727/07, deste Tribunal e Secção:
“Resulta da interpretação desta norma que compete à Fazenda Pública representar nos Tribunais Tributários, a administração tributária e, nos termos da lei (ou seja quando houver lei expressa a dizê-lo), representar outras entidades públicas, no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal.

Ora, se à Fazenda Pública compete representar a administração tributária, tal significa que a sua competência (aqui atribuída genericamente) se reporta às situações em que estejam em causa tributos.

Nos termos do artigo 3º da Lei Geral Tributária (LGT), são tributos os impostos, as taxas, as contribuições financeiras a favor de entidades públicas e outras espécies tributárias.

Na situação dos autos, o que está em causa é a cobrança coerciva de uma dívida ao IFADAP.

Desta forma, verifica-se o que está em causa nestes autos, não é uma situação tributária, mas antes uma situação contratual, na qual a administração não praticou nenhum acto administrativo, nem liquidou qualquer tributo.

Assim sendo, competirá ao próprio IFADAP/INGA efectuar e representação processual dos seus interesses nestes autos, devendo-se afastar a representação da Fazenda Pública (vide CPPT anotado pelo conselheiro Jorge de Sousa, 4ª edição, Visilis, 2003, pág. 137, nota 20 ao artigo 15.º).

Desta forma, será antes o IFADAP/INGA quem deverá ser parte nos autos e não a Fazenda Pública, porquanto aquele organismo se encontra dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, sendo representado pelo respectivo presidente do conselho de administração, o qual possui poderes de representação em juízo (vide artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 250/2002, de 21 de Novembro)”. (Em sentido idêntico, e com referência ao Instituto da Vinha e do Vinho, se pronunciaram os Acórdãos do mesmo tribunal e Secção, de 20 de Maio de 2009 – Recurso nº 388/09 e de 13.02.2008 – Recurso nº 0968/07).

Em sentido idêntico, Jorge Lopes de Sousa - CPPT Anotado e Comentado, 5ª edição - Vol I, pág. 195, em nota ao artº 15º citado, escreve: “De qualquer forma, a representação pela Fazenda Pública de entidades não enquadráveis no conceito de Administração Tributária, é feita “nos termos da lei”, pelo que só poderá ocorrer se alguma lei a estabelecer, de forma genérica ou especial.

Assim, quando estiver em causa a cobrança através de processo de execução fiscal de uma dívida não tributária de que é credora uma entidade pública (por exemplo, reembolsos ou subsídios) na falta de norma que atribua ao representante da Fazenda Pública competência para a sua representação processual, ela caberá ao órgão que tiver poderes para a representar em juízo, através de mandatário judicial”.

Então, estando em causa nos autos a cobrança coerciva de um subsídio não devolvido e de que é credor um Instituto Público, e sendo certo que não existe lei a atribuir competência à Fazenda Pública para representar processualmente esse Instituto, cabe ao seu Conselho Directivo assegurar essa representação, com a designação de mandatário judicial, tal como, aliás, resulta das normas acima transcritas. …”.

A partir daqui, resulta manifesto que o recurso apresentado no que concerne ao despacho de 01-02-2010 não pode proceder, dado que, é inequívoco que neste processo cabe ao IFADAP assegurar a representação processual dos interesses nestes autos, sendo que a contestação apresentada tem de ser considerada tempestiva, dado que, o Tribunal a quo promoveu apenas a notificação da Fazenda Pública para contestar, tendo ainda deferido a peticionada prorrogação de prazo para o efeito, situação que não tem qualquer relevo processual, na medida em que, como vimos, não cabia à Fazenda Pública assumir tal representação, o que significa que a contestação apresentada pelo IFADAP tem de ser considerada tempestiva, dado que, na situação dos autos, perante o exposto, teria de ser assegurada a adequação tramitação dos autos, o que implicaria desconsiderar toda e qualquer intervenção da Fazenda Pública nos autos e fazer intervir o IFADAP, o que não se mostra necessária, dado que, com a junção da sua contestação aos autos como que ficou regularizada a situação em termos processuais, nada mais se impondo considerar nesta sede.

O Recorrente questiona ainda a sentença proferida nos autos, defendendo que ocorreu a prescrição da dívida exequenda porque as irregularidades que o Recorrido considerou relevantes para determinar a devolução das ajudas e que consubstanciam a dívida exequenda, reportam-se aos anos de 1989 e 1990, no entanto, só foi notificado da rescisão unilateral do contrato relativo ao projeto nº 87.53.6528.0, em 18/03/2005, pelo que já se encontrava precludido o prazo de 4 anos, previsto no nº 1 do artigo 3º do invocado Regulamento CEE nº 2988/95, não podendo ser pedida, ao Recorrente, a devolução de ajudas financeiras concedidas ao abrigo do Regulamento CEE nº 797/85.

Ora, a sentença recorrida, fazendo apelo às normas do processo civil, entendeu não estar prescrita a dívida em cobrança coerciva porque o prazo aplicável é de 20 anos e interrompeu-se em 13/04/2006.

Analisando:

Como já ficou dito, neste domínio, cabe notar que não é aplicável o disposto no artº. 40º, 1, do DL nº. 155/92 (que fixa o prazo de prescrição em 5 anos para a reposição de dinheiros públicos) porque estamos perante dívida relativa à aplicação de fundos comunitários ao abrigo do Regulamento (CEE) 797/85, de 12 de Março, do Conselho das Comunidades Europeias, que institui uma acção comum relativa à melhoria da eficácia das estruturas agrícolas para além de que a certidão executiva não faz qualquer distinção entre as verbas financiadas pela UE e pelo Governo Português, sendo que no preâmbulo do aludido Regulamento, consta que “as medidas e sanções comunitárias adoptadas no âmbito da realização da política agrícola comum são parte integrante do regime de ajudas” a que esse Regulamento se refere e entre as referida medidas, insere-se a prevista no art. 4.º desse Regulamento - “Qualquer irregularidade tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida”.

Diga-se ainda que a referida ajuda está inserida em medida da política agrícola comum, ficando sujeita ao Regulamento (CE/Euratom) n.º 2988/95, do Conselho, de 18/12, publicado no Jornal Oficial n.º L 312 de 23/12/1995, p. 0001-0004, pela qual se visa proteger os interesses financeiros da União Europeia pelo que padece de erro de julgamento a douta sentença recorrida ao não ter interpretado os factos dados como provados à luz daquele Regulamento e não tendo aplicado os prazos previstos no mesmo, aplicáveis ao caso dos autos, na ausência de disposições de direito interno que prevejam prazos especiais para o efeito.

Ora, o Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias estabelece, no seu artigo 3º que:

“1. O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no nº 1 do artigo 1º. Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.

O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa.

A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer acto, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.

Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, excepto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o nº 1 do artigo 6º.

2. O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se toma definitiva.

Os casos de interrupção e de suspensão são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional.

3. Os Estados-membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo que os previstos respectivamente nos respectivamente nos 1 e 2.”

O artigo 3º, n.º 3, do citado Regulamento permite que os Estados-Membros apliquem prazos de prescrição mais longos do que os de quatro e três anos previsto no nº 1, primeiro parágrafo, desde artigo, resultantes de disposições de direito comum anteriores à adopção do referido regulamento.

Com interesse nesta matéria, o probatório informa que o Oponente em 18/03/2005 notificado da rescisão unilateral do contrato relativo ao projeto nº 87.53.6528.0 por não satisfação dos compromissos contratuais e para proceder à devolução das ajudas (al. I)), sendo que em 30/12/2005, o IFADAP emitiu a certidão de dívida da qual consta a obrigação do reembolso das quantias de que foi beneficiário por não reunir as condições previstas na lei aplicável (al. J)) e em 23/03/2006, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3263200601018752, no Serviço de Finanças de Lisboa 12, contra o Oponente para cobrança coerciva de dívidas ao IFADAP (als. J) e K)).

Pois bem, com referência à realidade que envolve os presentes autos, já tinha sido apontado no Ac. deste Supremo Tribunal de 18-11-2020, Proc. nº 0609/14.5BEBRG, www.dgsi.pt, que “ … no n.º 1 do artigo 3.º, regulou expressa e directamente a prescrição do procedimento, estabelecendo o prazo de prescrição (4 anos), fixando o momento inicial da sua contagem ou o modo como esta se deve processar (em função da natureza instantânea ou continuada ou repetida da (s) irregularidades cometidas), enunciando o único facto que qualificou como facto interruptivo da prescrição do procedimento (qualquer acto emanado pela autoridade competente manifestando a intenção de instaurar ou instruir o procedimento por irregularidade de que seja dado conhecimento ao destinatário), determinando que a contagem desse prazo se reiniciaria após cada interrupção e impondo como prazo máximo do procedimento administrativo (excepto nas situações de suspensão a que se reporta o artigo 6.º, n.º 1), o prazo de 8 anos (dobro do prazo de prescrição de 4 anos) para todas as situações em que, nessa data, (decorridos os referidos 8 anos), ainda não tenha sido aplicada uma medida ou sanção. …”.

Ora, é sabido que a violação dos prazos atrás referidos, tem que ser arguida, após a notificação da decisão da rescisão unilateral, através da competente acção, e no respectivo prazo (artigos 163º do CPA e 58º do CPTA), sendo que a partir da notificação da data da rescisão unilateral - 18-03-2005 - dispõe o aqui Recorrente de três meses para impugnar jurisdicionalmente essa decisão nos termos do artigo 58.º n.º 2, al, b) do CPTA, na redacção vigente até à entrada em vigor do DL n.º 214-G/2015, de 2-10), verificando-se que não há noticia (nem o Recorrente invoca) que essa impugnação se tenha concretizado.

Antes de avançar, importa recordar que por despacho de 17-12-2021, foi determinada, ao abrigo do art. 272º nº 1 do C. Proc. Civil ex vi art. 2º al. e) do CPPT, a suspensão da instância até à decisão do reenvio prejudicial suscitado por este S.T.A. no processo nº 03138/12.8BEPRT, sendo que por acórdão de 7 de Abril de 2022, o TJUE, nos processos apensos C-477/20 e C-448/20, esclareceu o seguinte:

«[…]

1) O artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros [da União Europeia], deve ser interpretado no sentido de que, sob reserva do respeito dos princípios da equivalência e da efetividade, não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual, para efeitos de impugnação de uma decisão de cobrança de montantes indevidamente pagos, adotada após o decurso do prazo de prescrição do procedimento previsto nessa disposição, o seu destinatário é obrigado a invocar a irregularidade dessa decisão num determinado prazo perante o tribunal administrativo competente, sob pena de caducidade, e já não se pode opor à execução da referida decisão ao invocar a mesma irregularidade no âmbito do processo judicial de cobrança coerciva intentado contra si.

2) O artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que tem efeito imediato nas ordens jurídicas nacionais, sem que seja necessário que as autoridades nacionais tomem medidas de aplicação. Daqui resulta que o destinatário de uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos deve, em qualquer caso, poder invocar o termo do prazo de execução previsto no artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, desse regulamento ou, se for caso disso, de um prazo de execução prolongado em aplicação do artigo 3.º, n.º 3, do referido regulamento, a fim de se opor à cobrança coerciva desses montantes.

3) O artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que o prazo de execução que estabelece começa a correr a partir da adoção de uma decisão que impõe o reembolso dos montantes indevidamente recebidos, devendo esse prazo correr desde o dia em que essa decisão se torne definitiva, ou seja, do dia do termo dos prazos de recurso ou do esgotamento das vias de recurso.

4) O artigo 3.º, n.º 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual o prazo de execução previsto no primeiro parágrafo deste número é interrompido pela citação para a cobrança coerciva da dívida objeto de uma decisão de cobrança.
[…]».

Com este pano de fundo, impõe-se prosseguir o nosso caminho, indagando da possibilidade de invocar a prescrição do procedimento (prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95) no âmbito do processo de execução fiscal, até porque a questão foi suscitada perante o TJUE para apurar, no essencial, se o disposto no artigo 204.º n.º 1, al. h) do CPPT pode ser interpretado no sentido de que a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, fundamentada na prescrição do procedimento administrativo para a determinação da existência ou não de irregularidade na aplicação/uso dos subsídios atribuídos ao abrigo de programas financeiros da União, não constitui fundamento válido da oposição à execução, uma vez que tal fundamento mesmo apenas pode ser invocado perante a jurisdição administrativa, sendo a acção administrativa o meio judicial adequado, à luz do direito nacional, para reagir contra a (in)validade do acto de liquidação, in casu, do acto que determina a restituição das quantias pagas com fundamento em irregularidade.

No acórdão de 07.04.2022, o TJUE veio esclarecer claramente que o direito europeu não se opõe a esta interpretação do artigo 204.º n.º 1, al. h) do CPPT, pelas seguintes razões:

Primeiro, porque o Regulamento n.º 2988/95 “não determina as vias de recurso disponíveis para impugnar as decisões que impõem medidas e sanções administrativas, nem os órgãos jurisdicionais competentes para delas conhecer, e também não prevê prazo de caducidade ou de prescrição no termo do qual essas decisões, por não terem sido impugnadas perante o juiz competente, adquirem carácter definitivo” (§52 do acórdão C-447/20 e C-448/20), o que significa que, para efeitos de impugnação da legalidade do acto que exige a restituição das quantias pagas valem aqui as regras do artigo 58.º do CPTA, cabendo ao beneficiário da subvenção impugnar juntos dos tribunais administrativos, mediante acção administrativa, a eventual prescrição do procedimento que exige aquela restituição por irregularidade;

Segundo, porque esta solução - a de que a prescrição do procedimento tem de fazer-se valer junto da jurisdição administrativa e não pode ser invocada no processo de execução fiscal em sede de oposição à execução – cumpre as exigências do princípio da equivalência, ou seja, “não é uma solução menos favorável do que as soluções análogas do direito interno” (§52 do acórdão C-447/20 e C-448/20). Com efeito, constitui jurisprudência uniforme entre nós que a legalidade do acto tributário que serve de título executivo não pode ser questionada na fase de execução fiscal, a não ser nos casos em que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra aquele acto de liquidação (v., por último acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Junho de 2021, proc. n.º 0254/12.0BELRA 0599/17). Existindo, como existe, a possibilidade de o executado atacar judicialmente o acto que exige a restituição da subvenção e que serve de título à dívida exigida no processo de execução fiscal, vale aqui o regime regra do processo executivo, segundo a qual não pode, nesta sede, conhecer-se de um fundamento de ilegalidade do referido acto que determina a reposição da subvenção.

Aliás, o acórdão do TJUE afirma expressamente a este respeito, no §54, o seguinte: “Nos casos em apreço, nenhum elemento contido nas decisões de reenvio permite considerar que o prazo de três meses, previsto no artigo 58.º, n.º 1, do CPTA, para impugnar uma decisão administrativa, como as decisões de cobrança impugnadas, a título incidental, nos processos principais, é contrário ao princípio da equivalência”.

Terceiro, porque a defesa dos direitos do beneficiário da subvenção não se revela impossível, nem sequer excessivamente difícil, em razão da aplicação do regime regra do 204.º n.º 1, al. h) do CPPT, ou seja, este ónus de impugnação em sede de acção administrativa dos fundamentos que ditam a ilegalidade do acto que determina a reposição das subvenções com fundamento na prescrição do procedimento não afecta o princípio da efectividade das garantias dos administrados.

Neste sentido concluiu também o TJUE no § 55 do acórdão que estamos a seguir ao afirmar o seguinte: “No que respeita ao princípio da efetividade, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que a fixação de prazos razoáveis de recurso, sob pena de caducidade, satisfaz, em princípio, a exigência de efetividade, na medida em que constitui uma aplicação do princípio fundamental da segurança jurídica. Com efeito, tais prazos não são suscetíveis de tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União, embora, por definição, o termo desses prazos acarrete a improcedência, total ou parcial, da ação intentada (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de fevereiro de 2008, Kempter, C-2/06, EU:C:2008:78, n.º 58, e de 14 de fevereiro de 2019, Nestrade, C-562/17, EU:C:2019:115, n.º 41).

E o aresto do Tribunal Europeu vai mais longe a este propósito e acrescenta ainda nos §§ 57 e 58 o seguinte: “A este respeito, disposições nacionais, como o artigo 58.º, n.º 1, e o artigo 59.º, n.º 2, do CPTA, que preveem que o destinatário de uma decisão administrativa, como as decisões de cobrança impugnadas, a título incidental, nos processos principais, dispõe de um prazo de três meses a contar da notificação da referida decisão para a contestar, sob pena de caducidade, não parecem ser contrárias ao princípio da efetividade. Com efeito, esse prazo tem caráter razoável se permitir ao interessado avaliar se existem motivos para contestar a decisão que lhe diz respeito e, se for caso disso, preparar o recurso da mesma. Além disso, o seu início a partir da notificação do ato garante que o interessado não se encontra numa situação em que esse prazo tenha decorrido, mesmo que tenha tido conhecimento da sua adoção (v., por analogia, Acórdão de 11 de setembro de 2019, Cãlin, C-676/17, EU:C:2019:700, n.ºs 47 e 48) - cfr. Ac. deste Supremo Tribunal de 18-05-2022, Proc. nº 053/16.0BEMDL, www.dgsi.pt.

Assim sendo, não tem qualquer virtualidade a alegação do Recorrente quanto invoca a prescrição do procedimento (prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95) no âmbito do processo de execução fiscal.

E quanto à prescrição das dívidas apontadas nos autos?

Neste âmbito, tendo como ponto de referência o Acórdão do TJUE, foi ponderado no Ac. deste Supremo Tribunal de 18-05-2022, Proc. nº 02502/21.6BEPRT, www.dgsi.pt que:

“…

O conteúdo deste pronunciamento (complementado, necessariamente, com os pertinentes fundamentos), além de outras leituras que possa permitir, na nossa, é elucidativo e seguro de que:

- no n.º 1 do art. 3.º do Regulamento é concedido, aos operadores económicos, um prazo (de 4 ou 3 anos) em que podem invocar a prescrição dos procedimentos, administrativos, respeitantes a uma qualquer irregularidade (definida no art. 1.º n.º 2), a fim de se oporem à aplicação, contra si, de uma, qualquer, das medidas e/ou das sanções administrativas, previstas nos arts. 4.º e 5.º do mesmo Regulamento;

- a invocação desta prescrição (dos procedimentos administrativos), isto é, a alegação de que uma certa e determinada decisão (do órgão administrativo competente) de cobrança de montantes indevidamente pagos/recebidos foi adotada após o decurso dos aplicáveis 4 (ou 3) anos, no ordenamento jurídico português, tem de ser feita, dentro do prazo processualmente previsto, perante o tribunal administrativo competente, não sendo, portanto, invocável no âmbito de um, possível, processo (judicial) de cobrança coerciva (dos montantes indevidamente pagos/recebidos), por norma, execução fiscal, contra o devedor, intentado;

- uma vez sedimentada decisão (nacional) que aplique uma medida administrativa, como, por exemplo, a cobrança de ajudas (da União) indevidamente recebidas [ou uma sanção administrativa (Apesar de o art. 3.º n.º 2 do Regulamento mencionar “sanção administrativa”, segundo o TJUE, o mesmo “visa simultaneamente as sanções administrativas, na aceção do artigo 5.º, n.º 1, deste regulamento, e as medidas administrativas, na aceção do artigo 4.º, n.º 1, do referido regulamento, que podem ser adotadas com vista à proteção dos interesses financeiros da União”.)], o destinatário daquela, se decorrer o prazo de, no mínimo, 3 anos sem que o processo de cobrança coerciva (da dívida respetiva) seja instaurado, pode opor-se ao correspondente processo de execução (fiscal);

- acresce, segundo o TJUE, que “a eventual inexistência de fundamento de oposição previsto pelo direito de um Estado-Membro em tal caso não pode impedir o destinatário de uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos de invocar o termo do prazo de execução previsto no artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95”;

- o prazo aplicável de execução da decisão (administrativa), em princípio, de 3 anos, começa a correr desde o dia em que tal decisão se torna definitiva, ou seja, insuscetível de recurso (por termo do prazo ou esgotamento das vias de recurso/impugnação administrativa);

- a citação (nos moldes em que seja regulada pelas legislações nacionais) do executado, funciona, como causa interruptiva do prazo previsto no art. 3.º n.º 2 do Regulamento.

Outrossim, no âmbito do reenvio em apreço, o TJUE, após referenciar que o STA “pretende saber se o artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que o termo do prazo nele previsto implica a prescrição da dívida objeto de uma decisão de cobrança”, expendeu, além do mais: «

(…).

79 Por outro lado, como foi recordado no n.º 50 do presente acórdão, o prazo previsto no n.º 1 desse artigo destina-se a garantir a segurança jurídica dos operadores económicos. Estes devem poder determinar, de entre as suas operações, quais são definitivas e quais continuam a poder ser objeto de um procedimento.

80 O n.º 2 do referido artigo prossegue o mesmo objetivo de segurança jurídica. Permite assim aos operadores económicos determinar se uma decisão adotada no termo de procedimentos instaurados contra uma irregularidade ainda pode ser executada. (…).

81 Importa ainda salientar que o facto de considerar que os prazos mínimos referidos no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento n.º 2988/95, cuja duração é, em princípio, suficiente para permitir às autoridades nacionais a atuação contra uma irregularidade lesiva dos interesses financeiros da União (…).

(…).

84 (…). Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, se o Tribunal de Justiça declarar que o termo do prazo previsto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 2988/95 implica a prescrição da dívida objeto dessas decisões, os recorridos nos processos principais dispõem, com base no direito português, de um fundamento de oposição à cobrança coerciva da dívida em questão. Além disso, há que salientar que o órgão jurisdicional de reenvio não deu conta de uma disposição segundo a qual, no direito português, seria possível aplicar um prazo de execução mais longo do que o fixado no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 2988/95, em conformidade com a faculdade que os Estados-Membros conservam ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3, deste regulamento.

85 Feita esta precisão, importa recordar, como resulta da análise do âmbito de aplicação do artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, que este dispõe que o prazo de execução das decisões que impõem uma medida ou uma sanção administrativa é de três anos. Daqui resulta que, sem prejuízo da faculdade que os Estados-Membros conservam ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3, deste regulamento, após o termo do prazo fixado no n.º 2, primeiro parágrafo, deste artigo, essas decisões já não podem ser executadas.

86 No que respeita especificamente a uma decisão que comporta uma medida administrativa que obriga o seu destinatário a reembolsar um montante indevidamente recebido, o termo do referido prazo tem como consequência que o montante em causa já não pode ser recuperado através da execução coerciva. Se for caso disso, o destinatário dessa decisão pode, portanto, opor-se aos processos de execução.

(…).

91 Esta conclusão não pode ser infirmada pelo artigo 3.º, n.º 3, do Regulamento n.º 2988/95. Com efeito, mesmo que os Estados-Membros façam uso da possibilidade de aplicar um prazo de execução mais longo do que o previsto no n.º 2 desse artigo 3.º, o termo do prazo assim prorrogado conduz igualmente à impossibilidade de executar uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos.

92 Nestas circunstâncias, para responder de maneira útil ao órgão jurisdicional de reenvio sobre a questão de saber se os destinatários das decisões de cobrança dos montantes indevidamente recebidos se podem opor à sua execução coerciva após o termo do prazo previsto no artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, não é necessário determinar se o termo desse prazo implica igualmente a prescrição da dívida objeto dessas decisões.»

Posto isto, julgamos extraível, do conteúdo dos transcritos considerandos, a ideia de que, podendo o escalpelizado Regulamento não ter objetivado, de forma inequívoca, resolver aspetos relacionados com a prescrição (negativa), enquanto causa extintiva do cumprimento de uma prestação ou fundamento de oposição ao exercício de um direito prescrito, da dívida (exequenda), correspondente à expressão monetária (final) de uma irregularidade praticada, nos termos e para os seus efeitos, o TJUE interpreta o art. 3.º n.º 2, primeiro parágrafo, do mesmo, em sentido que nos permite concluir, sendo o prazo de três anos, aí inscrito, implicante da impossibilidade, total, intransponível, de executar uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos, dever ser esse triénio, se necessário, valorado como o do prazo, regra, ordinário, de prescrição do tipo de dívidas, como a em cobrança no presente processo de execução fiscal, subsumível ao regime instituído pelo Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995. …”.

Assumida esta conclusão, imediatamente, temos de, em definitivo, abandonar a corrente jurisprudencial que, durante muito tempo, afirmou, pacificamente, a operância, em situações deste cariz, do prazo ordinário de prescrição, estabelecido no art. 309.º do Código Civil (CC), ou seja, 20 anos.

Outrossim, não havendo, contemporaneamente, razões capazes de nos levarem a infletir na inviabilidade (justificada no acórdão, do STA, de 8 de outubro de 2014, processo n.º 0398/12) da assunção do prazo de prescrição, de cinco anos, previsto no art. 40.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 155/92 de 28 de junho (Para a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas/dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado.), bem como, no pressuposto indiscutível, de que o legislador nacional, até ao momento presente, nenhum estabeleceu, privativa ou remissivamente, julgamos, em função, sobretudo, dos propósitos/objetivos pretendidos alcançar pelos órgãos, executivo e judicial, da União, fixar, compativelmente, em 3 (três) anos, o prazo, normal, de prescrição da obrigação de restituição/pagamento dos montantes em dívida ou indevidamente recebidos, eventualmente, acrescidos de juros, em consequência da prática de atos lesivos dos interesses financeiros da União (Sem olvidar, ainda, ter-se o rte limitado a sustentar a aplicação do prazo prescricional de 4 anos a que se refere o art. 3.º n.º 1 do Regulamento, que, como tal e já vimos, só podia ser invocado no/junto do competente processo e tribunal administrativo.).

Firmado este prazo, resta dizer que se tem de sujeitar o seu decurso, desde logo, às causas de interrupção, compatíveis, vigorantes no ordenamento jurídico nacional, como, indiscutivelmente, é o caso da citação - cf. art. 323.º n.º 1 do CC, do devedor/obrigado à restituição, no âmbito de processo judicial, destinado à cobrança dos montantes em dívida, obviamente, com a eficácia estabelecida nos arts. 326.º e 327.º n.º 1 do CC. …”.

Deste modo, estabelecido que prazo prescricional de três anos, que começa a correr desde o dia em que a decisão (administrativa), determinante da restituição/pagamento, se torna definitiva, só se interrompe na data em que for efectivada a citação do executado (na execução fiscal), é manifesto que a sentença recorrida errou no seu julgamento, quando assumiu como aplicável, in casu, o prazo prescricional de 20 anos, para cobrança da dívida exequenda.

Apesar disso, perante o enquadramento descrito, e em função da factualidade apurada nos autos, é manifesto que o prazo de 3 anos para o exercício do direito de executar consagrado no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento foi observado, na medida em que a instauração da execução ocorreu em 23/03/2006 e a citação em 13-04-2006 (cfr. L)) do probatório.

Sendo assim, como é, e tendo presente que a jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do art. 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do art. 327.º do CC) - cfr. Ac. deste Supremo Tribunal de 04-05-2022, Proc. nº 02030/21.0BEPRT, www.dgsi.pt, tem de concluir-se, com base em fundamentos distintos dos referidos na sentença recorrida, que não se verificou a prescrição à luz dos normativos ínsitos no citado Regulamento 2988/95, carecendo de razão o Recorrente neste domínio, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso na parte em que visa a sentença proferida nos autos.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento a ambos os recursos.

Custas pelo Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 13 de Julho de 2022. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.