Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01357/15
Data do Acordão:11/17/2016
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:EMBAIXADOR
EXONERAÇÃO
ACTO POLÍTICO
ACTO ADMINISTRATIVO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA00069920
Nº do Documento:SAP2016111701357
Data de Entrada:09/07/2016
Recorrente:A..........
Recorrido 1:PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA E PRESIDÊNCIA DO CM
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC STA DE 2016/04/28.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO.
DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL ESTATUTÁRIO.
Legislação Nacional:DL 121/2011 ART21
CONST ART135 A ART133.
CPA ART148 ART151 ART152 ART153.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC029790 DE 1993/04/22.; AC STA PROC033975 DE 1994/06/09.; AC STA PROC043438 DE 1998/03/05.; AC STA PROC028775 DE 2001/05/09.; AC STA PROC0195/08 DE 2009/04/02.
Referência a Doutrina:MARCELLO CAETANO - MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO 10ED VOLI PAG8-10.
SÉRVULO CORREIA - NOÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO PAG29-30.
FREITAS DO AMARAL - CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLI PAG45.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A………, inconformado com o acórdão da Secção Administrativa proferido em 28 de Abril de 2016 que julgou improcedente a acção administrativa especial que instaurou contra a Presidência da República e a Presidência do Conselho de Ministros, em que peticionava a anulação do Decreto do Presidente da República proferido em 21/07/2015 que o exonerou do cargo de Embaixador de Portugal em ………., dele recorreu para o Pleno desta Secção, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:

«1. Deve ser revogado o Acórdão sob recurso que decidiu que o acto impugnado tem natureza exclusivamente política, por ter sido praticado pelo Presidente da República e por ter a forma de Decreto.

2. O acto foi praticado pelo Presidente da República porque a lei assim o determina, mas apenas o foi sob proposta do governo.

3. Porém, a natureza política do acto não resulta da sua forma ou por a lei assim o determinar.

4. Conforme devidamente expendido supra, deverão ser analisados os efeitos do acto, as relações jurídicas que tutela e os interesses que tutelam.

5. Deverá, então, concluir-se que a doutrina e a jurisprudência convergem quanto à adopção de um conceito restritivo de acto político, justificado por imperativos constitucionais, como o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.

6. Pelo que, o modo de concretização do acto político está directamente relacionado com a noção de função política, expressando todos eles um indirizzo político, não se integrando no exercício de qualquer outra função estadual (política, administrativa e jurisdicional).

7. O que aqui está em causa é saber se a presunção feita pelo MNE, de que a nomeação de um Embaixador é um acto político, pode ou não ser afastada em face de provas concretas que determinam que as razões da exoneração em nada são relacionadas com razões de política externa.

8. Dúvidas não haverá que o acto impugnado produziu efeitos jurídicos externos lesivos na esfera jurídica do A./recorrente, que transcendem qualquer motivo de natureza política.

9. Ao abrigo do princípio da igualdade previsto no artº 13º da CRP os funcionários diplomáticos, não podem ter menos direitos do que os demais funcionários públicos.

10. Na medida em que tal acto implica uma alteração na vida pessoal, familiar e profissional do funcionário diplomático, isto para além de publicado em DR, deveria sempre ser notificado pessoalmente ao administrado ao abrigo do disposto no artº 160º do CPA.

11. Nesta notificação pessoal, deveria ser aposta uma fundamentação da prática do acto que afastasse o espectro da suspeita da incompetência do diplomata exonerado.

12. O absoluto silêncio sobre a fundamentação do acto facilita a especulação sobre as razões do mesmo e as dúvidas recaem necessariamente sobre o diplomata e a sua competência.

13. Tal actuação é lesiva do bom nome e reputação profissional do diplomata.

14. Assim e quanto aos efeitos se não se considerar que o acto é exclusivamente administrativo, deverá considerar-se pelo menos que é um acto de natureza mista e com duplos efeitos, pelo que passível, na parte que diz respeito ao funcionário diplomático a um controle jurisdicional.

15. Urge, assim, dada a prática cada vez mais frequente de se exonerar subitamente e frequentemente diplomatas do posto em que foram colocados, fiscalizar a natureza política de tais actos, de forma a que não escapem, com tal lacónico e singelo fundamento ao controle jurisdicional, como tem logrado fazer um dos RR, o MNE, em múltiplos actos objecto de acções judiciais junto desse Venerando Supremo Tribunal».


*

Notificados os recorridos para proferirem contra alegações, apenas a Presidência do Conselho de Ministros as apresentou, formulando as seguintes conclusões:

«1. Os atos de exoneração de embaixadores, por via de Decreto Presidencial, não enfermam de qualquer vício de forma por falta de fundamentação, dado que:

i) Os atos de exoneração de embaixadores revestem-se de natureza política;

ii) Os atos de exoneração de Embaixador não carecem de fundamentação, sendo por conseguinte atos válidos e eficazes;

iii) Ainda que se considerassem atos administrativos, o que apenas a benefício de raciocínio se concebe, não existiriam quaisquer interesses legalmente protegidos violados, pelo que sempre inexistiria dever de fundamentação.

2. O reconhecimento, repetido em sede de recurso, de que, afinal, "o ato de exoneração impugnado na presente lide deverá ser considerado como um ato de natureza mista, ou seja de natureza política, na parte que interessa às razões políticas que o determinam, mas também de natureza administrativa na parte que respeita aos direitos do funcionário diplomático afetado, lesado, profissional e familiarmente por aquele ato" corresponde a reconhecer que para a avaliação daquele ato de exoneração esse Tribunal é parcialmente incompetente, na parte em que se reconhece o ato como político, e parcialmente competente, na parte em que se lhe identifica natureza administrativa decorrente (?) do facto de ser lesivo dos direitos do funcionário diplomático.

Este um imbróglio jurídico que, parece-nos, não pode ter uma solução adequada às pretensões do Autor uma vez que não sendo o ato de exoneração um ato complexo, tal como não o é o da nomeação, não pode esse Tribunal ser, em simultâneo, competente e incompetente para o conhecer.

3. A promoção de embaixadores e, naturalmente, também a exoneração, são efetuadas através de decreto, ou seja, através de uma forma solene de expressão de certos atos políticos a atos de autoridade, que não são objeto de qualquer procedimento administrativo, designadamente de audiência prévia dos interessados, nem carecem de fundamentação;

4. Na verdade, nos termos da Constituição, os decretos (de promoção e de exoneração a Embaixador) são emanados pelo Governo e assinados pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro competente em razão da matéria (artigo 201º, nº 3 da CRP) e os decretos, após assinados pelo Governo, são assinados pelo Presidente da República (artigo 134º, alínea b) da CRP);

5. Ora, quer o procedimento constitucional, quer esta forma solene que o ato de nomeação e de exoneração revestem demonstram, desde logo, a sua inegável e indiscutível associação a atos de poder político, atos de natureza constitucional e a atos de autoridade, os quais, porque submetidos a um processo constitucional previsto na Constituição e na lei, não são sujeitos a um procedimento administrativo, logo, porque não prevista nas normas constitucionais e legais que estabelecem os requisitos para a prática deste ato, não carecem de audiência prévia, nem de fundamentação, na medida em que são, por natureza, atos políticos;

6. Esta aliás a jurisprudência seguida por esse Tribunal, no Ac. STA de 11.05.1981, Proc. nº 013571, onde se decidiu que o Presidente da República é um órgão predominantemente político, pelo que resulta claro que “a sua intervenção quanto à nomeação dos embaixadores e enviados extraordinários – devendo entender-se que a faculdade de nomear implica a de exonerar – justifica-se apenas quando se esteja no domínio das relações internacionais, sendo de aceitar que os atos praticados nesse domínio revistam natureza política” (sublinhado nosso);

7. E, como é típico dos atos políticos, os mesmos não têm de ser fundamentados, não carecem de notificação, devendo apenas obedecer às condições de publicidade que a lei determina (o que no caso aconteceu com a publicação em DR) e não podem ver a sua conformidade legal apreciada pelos Tribunais Administrativos.


*

Colhidos os vistos, o processo foi submetido a julgamento.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

«1. Pelo Decreto do Sr. Presidente da República nº 61/2013, publicado na 1ª série do Diário da República de ……….., o autor, ministro plenipotenciário de 2ª classe, foi sob proposta do Governo, nomeado para o cargo de Embaixador de Portugal em ………...
2. Pelo Decreto do Sr. Presidente da República nº 68/2015, publicado na 1ª série do Diário da República de ……….., o autor, ministro plenipotenciário de 2ª classe, foi sob proposta do Governo, exonerado do cargo de Embaixador de Portugal em ………..
3. Nenhum desses actos foi precedido de procedimento administrativo.

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2.2. O DIREITO

Neste recurso interposto para o Pleno deste Supremo Tribunal, o recorrente reincide nos mesmos argumentos invocados em sede de petição inicial, com vista à impugnação do acto que o exonerou do cargo de Embaixador de Portugal em ………., reiterando que o despacho do Presidente da República é um acto administrativo, sindicável judicialmente e que padece de ilegalidades que conduzem ao vício de forma, a saber (i) falta de fundamentação e (ii) falta de notificação.

No aresto proferido em 28 de Abril de 2016 pela Secção Administrativa, foi a acção administrativa especial julgada improcedente, por não verificação de nenhuma das ilegalidades apontadas ao acto impugnado, tendo-se ainda esclarecido que o que estava em causa era, não a legalidade da promoção do autor à categoria de embaixador [caso em que o Pleno e a Secção deste Supremo Tribunal têm entendido em diversos arestos que o acto tem natureza de acto administrativo, impondo-se assim a sua fundamentação – cfr Acórdãos do Pleno de 15/11/2012 (rec. nº 621/10) e da Secção de 12/04/2007 (rec. 941/05) e de 28/09/2010 (rec. 478/10)], mas antes a natureza política ou administrativa do acto que procede à exoneração de um embaixador que se encontrava a representar Portugal num país estrangeiro.

E depois de sintetizar as duas teses em discussão [sendo a do autor/ora recorrente, a de que, embora admita que a lei concede ao Governo e ao Presidente da República uma ampla margem de livre apreciação nas decisões de nomear ou exonerar embaixadores e de aceitar que, por isso, e em certa medida, se podiam visualizar nesses actos características próprias dos actos políticos, certo é que os mesmos não têm uma natureza exclusivamente política, mas uma natureza mista político/administrativa e tal obrigar a que os mesmos tivessem de ser fundamentados; a do Réu, sustenta precisamente o contrário, no sentido de que a lei nesta matéria concede uma discricionariedade total e absoluta de escolha ao Governo e ao Presidente da República, de molde a dispensar a fundamentação aos actos de exoneração], acaba por consignar no ponto 3. o seguinte:

«O art.º 21 do DL n.º 121/2011, de 29/12, (Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros), corporizando o que se dispõe no art.º 135.º/a) da CRP, estabelece que “a nomeação e a exoneração dos titulares dos cargos de embaixador, de outros chefes de missão diplomática e de enviados extraordinários são efectuadas por decreto do Presidente da República, nos termos da Constituição” (n.º 1) e que “a promoção à categoria de embaixador é efectuada, por decreto do Governo, no exercício da função política nos termos da Constituição e da lei.” (n.º 2, com sublinhados nossos) o que, desde logo, sugere que os actos de nomeação e de exoneração dos embaixadores são de natureza distinta dos que materializam a sua promoção, uma vez que se essa natureza fosse a mesma por certo que a competência para promover, nomear e exonerar embaixadores caberia à mesma entidade e não a duas entidades distintas. Por certo o Governo por ser ele que dirige a política externa do país.

Acresce, significativamente, que muito embora caiba ao Governo coordenar e executar a política externa do país e de aí se integrar o direito de propor a nomeação e exoneração dos embaixadores, essa nomeação e exoneração são da competência do Sr. Presidente da República (vd. art.ºs 1.º do DL 121/2011, de 29/12, e 135.º/a) da CRP), o que, desde logo, indicia que a nomeação dos embaixadores tem natureza política. Natureza que melhor se compreende se nos lembrarmos que a competência para corporizar a execução da política externa cabe aos funcionários diplomáticos (artigo 4.º/1 do Estatuto) e que, no universo destes, os embaixadores são quem assume a direcção daquela execução.

Por outro lado, não se pode olvidar que nem a Constituição, nem a Lei Orgânica do MNE, nem o Estatuto da Carreira Diplomática fazem depender a prática de tais nomeações/exonerações de qualquer critério previamente estabelecido nem as sujeitam a qualquer condicionalismo, o que evidencia que as mesmas são praticadas no exercício de uma pura discricionariedade e que, por ser assim, fica afastada a possibilidade de tais actos poderem ser qualificados como administrativos e, por via isso, sujeitos aos requisitos e condicionalismos de que depende a legalidade destes. O que bem se compreende uma vez que, atenta a natureza das funções a desempenhar, pode ser mais conveniente nomear o embaixador A e não o embaixador B para o lugar X sem que tal implique, necessariamente, um juízo de valor sobre a qualidade do trabalho de cada, mas uma escolha unicamente destinada a adequar a pessoa e o perfil do nomeado ao país onde irá representar Portugal.

Finalmente, ainda se deve acrescentar que as competências constitucionalmente atribuídas ao Sr. Presidente da República são de natureza exclusivamente política (art.ºs 133.º/135.º da CRP) e que, por ser assim, as referidas nomeação/exoneração dependem, unicamente, do seu juízo político sobre a proposta que lhe é apresentada pelo Governo.

Nesta conformidade, é forçoso concluir que tais actos têm natureza exclusivamente política o que equivale a dizer que a sua prática não está sujeita ao cumprimento dos formalismos próprios do acto administrativo.

Daí que nesta parte faleça razão ao Autor.

E o mesmo também litiga sem fundamento quando sustenta que a impugnada exoneração devia-lhe ser pessoalmente notificada porque tendo a mesma tomado a forma de decreto e sido publicada no Diário da República não havia que proceder à sua notificação nos termos por ele pretendidos».

Vejamos, então, das razões invocadas pelo recorrente que, verdadeiramente, se limitam a mera discórdia com o assim decidido.

DA NATUREZA DO ACTO

Alega neste segmento que o acto é susceptível de impugnação contenciosa por força da necessária adopção de um conceito restritivo de acto político, designadamente face ao princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, pelo que no caso concreto, não obstante a forma de Decreto, o acto terá de ter considerado um acto administrativo dada a sua natureza mista, desde logo produtor de efeitos jurídicos na sua esfera jurídica pessoal e profissional – cfr ainda o disposto no artº 148º do CPA.

Não cremos, contudo, que assista razão ao recorrente.

Tem sido considerado pacífico o entendimento segundo o qual, deve considerar-se que o exercício da função política se traduz em definir do interesse geral da colectividade e, por isso, que a mesma se concretiza na escolha das opções destinadas à preservação e melhoria do modelo económico e social por forma a assegurar a satisfação das necessidades colectivas de segurança e de bem estar das pessoas. E, por isso, é que só os órgãos superiores do Estado podem exercer essa função pois só eles têm legitimidade para definir, em termos gerais, os fins que a sociedade deve almejar, os meios que cabe utilizar para os alcançar e os caminhos que será necessário percorrer, legitimidade que encontra fundamento no sufrágio popular, isto é, na livre escolha dos cidadãos [cfr. M. Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10ª ed., vol. I, pg.s 8 a 10, Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo pg.s 29/30 e Freitas do Amaral Curso de Direito Administrativo, vol. I, pg 45, e Acórdãos deste STA de 22/04/93 (rec. n.º 29.790), de 9/06/1994, (rec n.º 33.975), de 5/03/98 (rec. n.º 43.438), de 9/05/2001 (rec. 28.775) e de 02/04/2009 (rec. nº 0195/08)].

Como também é indiscutível que a função administrativa se reporta a um momento posterior uma vez que se destina a aplicar as orientações gerais traçadas pela função política revestindo, no essencial, natureza executiva e complementar.

Porém, na organização do Estado, órgãos existem que podem praticar quer funções políticas, quer funções administrativas, quer ambas, pelo que, em concreto, por vezes não é fácil descortinar se os actos praticados têm natureza política ou administrativa.

E deste modo, impõe-se apurar quando é que os actos têm natureza política e quando é que têm natureza administrativa uma vez que só as decisões administrativas são susceptíveis de controlo judicial

Ora, no caso sub judice, da redacção dada ao artº 135º, al. a) da CRP, sob a epígrafe “Competência nas relações internacionais” resulta inequívoco que a competência para nomear os embaixadores e os enviados extraordinários [sob proposta do Governo] e acreditar os representantes diplomáticos estrangeiros pertence exclusivamente ao Presidente da República.

Por seu turno, o artº 21º do DL nº 121/2011 de 29/12 consagra igualmente que esta nomeação é efectuada por decreto do Presidente da República, o mesmo ocorrendo com a exoneração dos titulares dos cargos de embaixador, ou seja, quer a nomeação, quer a exoneração, são da exclusiva competência do Presidente da República, sob proposta do Governo.

Ressuma do exposto que contrariamente à promoção dos embaixadores, que a jurisprudência tem entendido tratar-se de um acto administrativo, a nomeação e exoneração são praticados no âmbito da função política [política externa] do Governo e do Presidente da República, dado o vulto de tais actos. E nem se afirme, como alegado pelo recorrente, que tal facto é por si só insuficiente para enquadrar o acto impugnado no âmbito político, pois, o que se verifica é que dada a relevância destas funções, de representação do país no estrangeiro, a Constituição faz intervir não um, mas sim dois órgãos de soberania para assim melhor acautelar o êxito de tais funções de representatividade externa, no âmbito da execução da política externa do país.

Ora, estes actos de nomeação e de exoneração, integrados nestas funções, assumem efectivamente natureza política pura, não se vislumbrando de que forma, os mesmos possam assumir qualquer natureza mista (administrativa e política), pois trata-se do exercício de actos que visam executar e corporizar toda uma estratégia meramente política, por parte do governo em exercício, independentemente da repercussão que possam vir a ter na vida pessoal ou profissional do embaixador que foi nomeado ou exonerado de determinado cargo, uma vez que essas não constituem por si só as únicas características que determinam que estejamos perante um acto de natureza administrativa.

Acresce, como referido no Acórdão da Secção, que inexiste qualquer normal legal ou constitucional que balize os critérios norteadores quer da nomeação, quer da exoneração, o que igualmente patenteia a natureza política na prática de tais actos, tudo levando à conclusão de que se trata de critérios de oportunidade e de estratégia de política externa e, portanto, excluídos da sindicância jurisdicional.

Naturalmente, que a nomeação ou exoneração de determinado embaixador em determinado país, pode resultar de características de personalidade, perfil e competência, entre outros atributos, mas estas encontram-se pela natureza do acto, excluídas da sindicância do poder judicial, regendo-se apenas por critérios de condução de política e estratégia, primeiro por parte do Governo ao indicar o embaixador e, depois por parte do Presidente da República que aceita ou não essa indicação, realidade que os embaixadores não podem desconhecer desde que abraçam a carreira diplomática, suportando, por isso os ónus inerentes a estas escolhas.

Nenhuma censura nos merece, pois, o Acórdão recorrido que concluiu pela natureza política do acto.

DO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO E DA AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PESSOAL

E tendo nós concluído que o acto impugnado não é um acto administrativo, inexiste o dever de fundamentação previsto nos artºs 151º, nº 1, al. d), 152º e 153º do CPA, não aplicável aos actos políticos.

Igualmente, tendo a decisão de exoneração assumido a forma de despacho, com publicação obrigatória no Diário da República, inexiste o dever de notificação previsto nos artºs 114º e 160º do CPA, nos termos pretendidos pelo recorrente.


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3. DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 17 de Novembro de 2016. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Francisco Fonseca da Paz – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano.