Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0997/15
Data do Acordão:09/23/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:RETENÇÃO NA FONTE
IRS
COBRANÇA DO IMPOSTO
PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA
FACTO TRIBUTÁRIO INSTANTÃNEO
Sumário:I - A retenção na fonte não é um imposto, mas um mecanismo de cobrança, instituído pelo sistema fiscal português com o objectivo de aumentar a eficácia na cobrança do imposto (IRS).
II - Pela utilização de tal mecanismo, o Estado recebe, mensalmente, por conta do imposto que será devido no final de cada ano pelos trabalhadores por conta de outrem ou trabalhadores que prestem serviços e que não estejam abrangidos pelo regime de isenção uma parte do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares que a estas compete pagar.
III - Para o sujeito passivo de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares trata-se de um pagamento antecipado do imposto que é devido no final de cada ano. Para a entidade que procede à sua retenção trata-se de uma dívida tributária e não do pagamento de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares.
IV - Esta apenas procede ao desconto no vencimento do trabalhador da quantia que o estado tem a receber em sede de tributação de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares desse trabalhador, incumbindo-lhe a entrega desse valor ao estado.
V – Contrariamente ao que se verifica em relação ao IRS devido pelas pessoas singulares, esta dívida tributária constitui-se e apura-se no momento em que é disponibilizado o rendimento e deve ser entregue nos cofres do estado até ao dia 20 do mês seguinte.
VI - Ainda que possa todos os meses dever ser entregue a mesma quantia nos cofres do estado, tal repetição, como a sua ausência, não produz qualquer influência no facto tributário. A repetição das retenções não lhes retira o cariz de factos tributários instantâneos na medida em que incide sobre rendimentos distintos devidos por diversas prestações de trabalho ou de serviço.
VII - Na ausência de um especial regime de prescrição previsto para este tipo de dívida tributária, tendo em conta a sua natureza de obrigação única, nos termos do disposto no artº 48º da Lei Geral Tributária o prazo de prescrição inicia-se a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
Nº Convencional:JSTA00069342
Nº do Documento:SA2201509230997
Data de Entrada:07/27/2015
Recorrente:A...., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF ALMADA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:LGT98 ART48.
CPPTRIB99 ART2.
CIRS01 ART98 N1 N3.
CIRC01 ART1 ART2 N1 A.
CCIV66 ART297 N2.
L 55-B/04 DE 2004/12/30 ART40.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0730/07 DE 2007/11/14.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada
. de 08 de Junho de 2015
Julgou a Reclamação improcedente.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A……., Ldª, veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo de reclamação de decisão do órgão de execução fiscal n.º 1091/14.2BEALM adoptada no processo de execução fiscal n.º 3409200701138715, em 19 de Junho de 2014, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Almada 3, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida, em 08 de Junho de 2015, pela 2.ª Unidade Orgânica, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, no âmbito do processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, que ali correu termos sob o n.º 1091/14.2BEALM, na parte em que através daquela sentença decidiu o Tribunal a quo “ (...) que a dívida exequenda respeitante ao IRS-RF do ano de 1999 e objecto de cobrança coerciva no processo de execução fiscal nº 3409200701138715, não se encontra prescrita, na presente data”.

B. Em concreto, o presente recurso limita-se ao decidido pelo Tribunal a quo relativamente à falta de verificação da prescrição dos meses de Janeiro a Outubro inclusive, de IRS, retido na fonte, do ano de 1999, no valor global de € 48.201,62 (quarenta e oito mil, duzentos e um euros e sessenta e dois cêntimos).

C. Ora, entende a ora Recorrente que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, ao ter assim decidido e com os fundamentos ali invocados, razão pela qual deve a mesma ser parcialmente revogada por este Tribunal e substituída por outra que faça uma correcta interpretação do Direito aplicável à factualidade dada como assente.

D. Entende a Recorrente que há na douta sentença recorrida normas jurídicas violadas, as quais impunham decisão diversa daquela que foi proferida.

E. Como bem identificou o Tribunal a quo na sentença recorrida, “ (N)o caso dos autos encontramo-nos, como referido, perante IRS-RF do ano de 1999, decorrente da falta de entrega nos cofres do Estado das quantias retidas na fonte por conta do imposto respeitante a rendimentos pagos no âmbito das categorias A e B, conforme resulta da alínea B) da factualidade assente.”
F. Ora, entende a Recorrente que relativamente aos meses de Janeiro a Outubro (inclusive), do ano de 1999, a sentença recorrida padece de erro de julgamento, porquanto aqueles valores, em cobrança coerciva nos autos de execução, encontram-se já prescritos. Senão vejamos:

G. Em 01 de Janeiro de 1999, com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária (LGT) - maxime artigo 48.º - o prazo de prescrição passou a ser de 8 (oito) anos “contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu”.

H. Sabe-se que, havendo sucessão de leis no tempo, a lei nova mostra-se competente para determinar os efeitos sobre o prazo de prescrição, mas apenas no que se refere aos factos que ocorrem na sua vigência, como melhor resulta do artigo 12.º, do Código Civil (CC).

I. Nestes termos, não pode vingar o decidido pelo Tribunal a quo quando aplicou ao caso o artigo 48.º, da LGT, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 54-B/2004, de 30 de Dezembro.

J. Mas, ainda que assim não fosse - o que se admite por mera cautela de patrocínio e sem conceder - a aplicação daquela nova redacção do artigo 48.º, da LGT, apenas relevaria no caso de se considerar que as retenções na fonte em causa nos presentes autos assumiam a natureza de “retenção na fonte a título definitivo”. O que não é o caso que nos ocupa.

K. Sabe-se, a natureza/qualificação do imposto como assumindo natureza periódica ou de obrigação única, apresenta-se da maior relevância para efeitos de delimitação do “dies a quo” na contagem do prazo legal de prescrição.

L. In casu, as retenções na fonte de IRS, em questão, não poderão deixar de ser consideradas imposto de obrigação única, na exacta medida em que, para o respectivo apuramento concorrem factos únicos e isolados.

M. Não incidindo as retenções na fonte de IRS sobre facto tributário de carácter duradouro, mas outrossim sobre um facto que é instantâneo, não podem as mesmas qualificar-se como imposto periódico mas antes como sendo um imposto de obrigação única.

N. Com efeito, não podem confundir-se os factos tributários – actos autónomos entre si – que determinam a dívida de imposto, com o (s) momento (s) da entrega do imposto,

O. Momento (s) de entrega esse (s) que, em determinados casos - como seja também o caso do Imposto sobre o valor Acrescentado - pode (m) ocorrer, com uma periodicidade que em nada releva para a classificação da sua natureza.

P. E isto porque é, efectivamente, das características dos factos tributários que se tem de partir para a caracterização do imposto e não dos momentos da entrega do imposto que, no caso, se mostram inócuos e de nenhum valor para a apreciação da natureza do tributo.

Q. No caso, da obrigatória retenção na fonte de IRS, pelo substituto tributário, o tributo assume, repete-se, a natureza de imposto de obrigação única.

R. Com efeito, as retenções na fonte a que nos vimos reportando são feitas por conta do imposto devido (ou não) a final pelo sujeito substituído, não assumindo a natureza de definitivas.

S. A retenção na fonte é uma obrigação que recai sobre o substituto tributário – aqui Recorrente – a título principal, de tal forma que essa obrigação de entrega dos valores retidos na fonte não se transmite para o substituído, seja em que circunstância for.

T. A obrigação de proceder à retenção na fonte do sujeito substituto é uma obrigação distinta daquela que recai sobre o substituído, a título de pagamento, a final, de IRS.

U. São obrigações de tal forma distintas que a obrigação do substituto não se reflecte na esfera jurídica do substituído.

V. Como já aqui referido, as retenções na fonte de que nos vimos ocupando assentam num facto tributário de natureza instantânea, ou seja, o pagamento ou colocação à disposição de um rendimento, seja este auferido no âmbito da categoria A ou da categoria B, do CIRS.

W. Sendo que tal como referido por Jorge Lopes de Sousa a respeito do IVA, a esta caracterização não se pode opor a circunstância de os sujeitos substitutos no que respeita à retenção na fonte de IRS, se dedicarem a actividades que podem gerar a obrigatoriedade de retenção na fonte com um carácter regular.

X. É que mesmo nestas circunstâncias, a verdade é que a retenção incide sobre rendimentos distintos, pagos ou colocados à disposição em meses diferentes e por conta da prestação de trabalho ou de serviços ocorrida também ela nesses diferentes períodos temporais.

Y. Apenas haverá obrigação de retenção na fonte relativamente aos rendimentos efectivamente colocados à disposição ou pagos em determinado período.

Z. Se num determinado período temporal, o sujeito substituto não tiver ao seu serviço, trabalhadores ou prestadores de serviços – categoria A e B – então, não terá que proceder a qualquer retenção na fonte.

AA. À semelhança do IVA, também as retenções na fonte não perduram no tempo, do mesmo modo que não se renovam pelo mero decurso do tempo, mas, outrossim, pelo efectivo pagamento ou colocação à disposição de rendimentos pagos em virtude de trabalho/ serviços prestados.

BB. Mesmo na circunstância de esse pagamento ou disponibilização de rendimentos ser feita com habitualidade, o certo é que os factos que determinaram o seu pagamento – trabalho/prestação de serviços – são a cada mês distintos.

CC. A cada mês são novos os factos que determinam a obrigação de retenção na fonte e, também nessa medida, são novos os factos tributários que não podem deixar de ser considerados autónomos para efeitos de tributação.

DD. Seguindo de perto o entendimento sufragado por Jorge Lopes de Sousa a respeito do IVA - in “Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado”, 2.ª edição, 2000, Vislis Editores, págs. 611 e 612 - sempre se dirá que também no caso das retenções na fonte, a obrigação de retenção e a subsequente entrega ao Estado, “surge e efectiva-se em conexão com a ocorrência dos actos ou factos isolados sobre que incide, não se renovando automaticamente pelo mero decurso do tempo.”

EE. Por outro lado, ainda, e tomando como exemplo a categoria A, as retenções na fonte podem ser relativamente ao sujeito substituído praticamente um acto isolado no tempo, caso do prestador que presta os seus serviços a uma determinada entidade num único mês.

FF. Ora, neste tipo de circunstâncias, é absolutamente gritante que essa retenção na fonte não poderá ser considerada como um imposto periódico.

GG. Por todo o exposto, as retenções na fonte sub judice não poderão deixar de ser classificadas como tendo natureza de imposto de obrigação única.

HH. Tratando-se de imposto de obrigação única – e não de imposto periódico como, em erro, entendeu o Tribunal a quo – o prazo de oito anos contou-se a partir da ocorrência do facto tributário.

II. Ora, atendendo à redacção ao tempo dos factos em vigor, do artigo 49.º, da LGT, bem andou o Tribunal a quo ao decidir que a primeira causa de interrupção ocorreu em 17 de Dezembro de 2007, com a dedução de impugnação judicial (vide ponto F) da matéria de facto dada como assente).

JJ. Até 17 de Dezembro de 2007 – data em que foi deduzida impugnação judicial –, o prazo de prescrição correu sem quaisquer interrupções ou suspensões.

KK. Sucede, contudo, que em 17 de Dezembro de 2007 – momento em que ocorreria a primeira causa de interrupção da contagem do prazo de prescrição – já se encontravam prescritas, pelo menos, as retenções respeitantes aos meses de Janeiro a Outubro de 1999 (cfr. artigo 48.º, n.º 1, da LGT).

LL. E aqui, cumpre realçar, mostra-se indiferente que se entenda aplicável a redacção inicial daquela norma – artigo 48.º, da LGT – ou aquela que resultou das alterações introduzidas pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro,

MM. É que, mesmo que fosse de aplicar a norma na redacção introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, não estando perante retenções a título definitivo, a contagem do prazo prescricional não pode ser feito nos termos do artigo 48.º, n.º 1, in fine, da LGT, mas outrossim de acordo com o primeiro segmento que, em concreto, se reporta aos impostos de obrigação única.

NN. Nesses termos, o prazo de prescrição deve ser contado a partir do dia seguinte àquele em que o facto tributário ocorreu, quer se atenda à redacção originária do artigo 48.º, da LGT, quer se tenha em consideração a redacção dada àquela norma pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.

OO. Nos termos, respectivamente, do artigo 2.º e artigo 8.º, n.º 3 do Regime das Retenções na Fonte de IRS, previsto no Decreto – Lei n.º 42/91, de 22 de Janeiro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 134/2001, de 24 de Abril, “as entidades devedoras de rendimentos de trabalho dependente (...) são obrigadas a reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares” e “ (A) retenção que incide sobre os rendimentos das categorias B e F (...) é efectuada no momento do respectivo pagamento ou colocação à disposição (…)”.

PP. Sendo que, nos termos do artigo 13.º, daquele mesmo Regime das Retenções na Fonte de IRS, “(A)s quantias retidas nos termos dos artigos anteriores são entregues nos cofres do Estado pela entidade retentora, até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que forem deduzidas.”

QQ. Em rigor, o facto tributário ocorreu, tratando-se de retenção na fonte, no momento em que a mesma foi feita, ou seja, no momento em que o rendimento (objecto de retenção) foi pago ou colocado à disposição dos seus titulares.


RR. Mas, mesmo que se acolhesse o entendimento mais conservador e se considerasse a ocorrência do facto tributário apenas no termo do prazo previsto no artigo 13.º, do Regime das Retenções na Fonte de IRS, sempre se teria que concluir que, a contagem do prazo de prescrição iniciou-se relativamente às retenções na fonte sub judice, nos seguintes momentos temporais:
1. Retenção de Janeiro de 1999: 21 de Fevereiro de 1999;
2. Retenção de Fevereiro de 1999: 21 de Março de 1999;
3. Retenção de Março de 1999: 21 de Abril de 1999;
4. Retenção de Abril de 1999: 21 de Maio de 1999;
5. Retenção de Maio de 1999: 21 de Junho de 1999;
6. Retenção de Junho de 1999: 21 de Julho de 1999;
7. Retenção de Julho de 1999: 21 de Agosto de 1999;
8. Retenção de Agosto de 1999: 21 de Setembro de 1999;
9. Retenção de Setembro de 1999: 21 de Outubro de 1999;
10. Retenção de Outubro de 1999: 21 de Novembro de 1999.

SS. E assim sendo, as retenções na fonte em questão no âmbito do presente recurso, prescreveram nos seguintes momentos:
1. Retenção de Janeiro de 1999: 21 de Fevereiro de 2007;
2. Retenção de Fevereiro de 1999: 21 de Março de 2007;
e) Retenção de Março de 1999: 21 de Abril de 2007;
3. Retenção de Abril de 1999: 21 de Maio de 2007;
4. Retenção de Maio de 1999: 21 de Junho de 2007;
5. Retenção de Junho de 1999: 21 de Julho de 2007;
6. Retenção de Julho de 1999: 21 de Agosto de 2007;
7. Retenção de Agosto de 1999: 21 de Setembro de 2007;
8. Retenção de Setembro de 1999: 21 de Outubro de 2007;
9. Retenção de Outubro de 1999: 21 de Novembro de 2007.

TT. Ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal a quo violou o preceituado nos artigos 48.º e 49.º, da LGT, na redacção ao tempo dos factos.

UU. Pelo exposto, a sentença recorrida não pode manter-se no nosso ordenamento jurídico – porquanto, salvo o devido respeito, se mostra desprovida de fundamento quer de facto, quer de Direito -, no que respeita ao julgamento ali feito a respeito da prescrição, impondo-se que, nessa parte, seja revogada e substituída por outra que faça uma correcta subsunção dos factos ao Direito.


Requereu que o recurso seja julgado procedente, por provado revogando-se, parcialmente a sentença, julgando-se prescrita a dívida exequenda referente aos meses de Janeiro a Outubro inclusive, de IRS, retido na fonte, do ano de 1999, tudo com as necessárias consequências legais.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da confirmação da sentença recorrida.

A decisão recorrida considerou provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:

A. Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI200700450 emitida pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, em 05 de Junho de 2007, foi dado início a uma acção de inspecção relativamente aos anos de 1999, 2000 e 2001 (cfr. relatório de Inspecção Tributária a fls. 26 a 42 do processo administrativo tributário-PAT apenso ao processo nº 1149/07 e ora apenso aos presentes autos);

B. Em 02 de Outubro de 2007, foi elaborado o respectivo relatório de inspecção no âmbito do qual são realizadas correcções meramente aritméticas ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares dos anos de 1999, 2000 e 2001, por falta de entrega nos cofres do Estado de retenções na fonte, no valor de €62.348,23, €46.750,66 e €18.810,73, respectivamente, constando no item “III.1 IRS- Retenções na Fonte”, e no que respeita ao IRS de 1999, designadamente, o seguinte:
Da análise aos elementos contabilísticos do sujeito passivo, nomeadamente dos balancetes e extractos das contas 2421 - Retenções de IRS - Trabalhos dependentes e 2422 -Retenções de IRS - Trabalhos independentes, referentes aos anos de 1999 a 2001, verificou-se que a “A……., Ldª”, enquanto entidade pagadora de rendimentos, não procedeu à entrega nos cofres do Estado de todas as importâncias retidas na fonte por conta do imposto, respeitante a esses rendimentos pagos.


III.1 RETENÇÕES NA FONTE - POR PERÍODO E POR CATEGORIA DE RENDIMENTOS
Na análise aos elementos da contabilidade da “A……., Ldª” apuraram-se as importâncias de IR retidas na fonte por período (mês em que essas importâncias foram deduzidas aos rendimentos pagos ou colocados à disposição) e por categoria de rendimento:

Ano 1999

Retenções na fonte de IRS
Período
Cat.A
Cat.B
Total
Escudos
Euros
Escudos
Euros
Escudos
Euros
1999-01
952.300,00
4.750,05€
42.477,00
211,87€
994.777,00
4.961,92€
1999-02
842.170,00
4.200,73€
79.832,00
398,20€
922.002,00
4.598,93€
1999-03
696.390,00
3.473,58€
95.276,00
475,23€
791.666,00
3.948,81€
1999-04
980.490,00
4.890,66€
109.832,00
547,84€
1.090.322,00
5.438,50€
1999-05
696.420,00
3.473,73€
141.271,00
704,66€
837.691,00
4.178,39€
1999-06
694.210,00
3.462,70€
133.090,00
663,85€
827.300,00
4.126,55€
1999-07
733.510,00
3.658,73€
164.429,00
820,17€
897.939,00
4.478,900
1999-08
789.340,00
3.937,21€
0,00
0,00€
789.340,00
3.937,21€
1999-09
1.573.520,00
7.848,68€
46.696,00
232,92€
1.620.216,00
8.081,60€
1999-10
780.450,00
3.892,87€
111.856,00
557,94€
892.306,00
4.450,81€
1999-11
908.280,00
4.530,48€
189.220,00
943,83€
1.097.500,00
5.474,31€
1999-12
1.645.020,00
8.205,33€
213.909,00
1.066,97€
1.858.929,00
9.272,30€
Total
11.292.100,00
56.324,75€
1.327.888,00
6.623,48€
12.619.988,00
62.948,23€

(cfr. relatório de Inspecção Tributária a fls. 33 do PAT apenso ao processo nº 1149/07 e ora apenso aos presentes autos);

C. Em resultado da acção de Inspecção Tributária e em face das correcções referidas na alínea antecedente respeitantes ao IRS dos anos de 1999, 2000 e 2001, no valor de €62.348,23, €46.750,66 e €18.810,73, respectivamente, foram emitidos os actos de liquidação que infra se descrevem:


    Ano
    Data de Emissão
    Valor em Euros
    1999
    2000
    2001
    15/10/2007
    15/10/2007
    15/10/2007
    89.503,71
    64.191,14
    24.336,87

(facto que se extrai da factualidade assente constante na sentença proferida nos processos 1149/07, 1160/07, 1172/07 e junta ao Processo de Execução Fiscal-PEF apenso a fls. não numeradas; cfr. fls. 103 e 104 do PAT respeitante ao processo nº 1160/07 e 102 e 103 do PAT respeitante ao processo nº 1149/07 apenso aos presentes autos);

D. Em 12 de Dezembro de 2007, foi instaurado contra a Reclamante, junto do Serviço de Finanças de Almada 3, o processo de execução fiscal nº 3409200701138715, respeitante a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS-Retenções na Fonte) dos anos de 1999, 2000 e 2001, cuja quantia exequenda e acrescidos ascende ao valor de €178.031,72 (cfr. autuação e certidão de dívida a fls. 1 a 4 do PEF apenso);

E. Em 11 de Dezembro de 2007, a Reclamante apresentou impugnação judicial contra o acto de liquidação de IRS do ano de 2000, melhor referido na alínea C), tendo corrido termos neste Tribunal com o número de processo 1149/07 (facto que se infere do teor da sentença junta ao PEF apenso a fls. não numeradas; facto que se extrai do requerimento datado de 19 de Dezembro de 2007 a fls.6 do PEF apenso no qual a Reclamante informa da dedução de impugnação judicial e requer a fixação de garantia; facto que se extrai da consulta à plataforma SITAF e que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções, cfr. fls. 1 do proc. nº 1149/07);

F. Em 17 de Dezembro de 2007, a Reclamante apresentou impugnação judicial contra o acto de liquidação de IRS do ano de 1999, melhor referido na alínea C), tendo corrido termos neste Tribunal com o número de processo 1160/07 (facto que se infere do teor da sentença junta ao PEF apenso a fls. não numeradas; facto que se extrai do requerimento datado de 19 de Dezembro de 2007 a fls.7 do PEF apenso no qual a Reclamante informa da dedução de impugnação judicial e requer a fixação de garantia; facto que se extrai da consulta à plataforma SITAF e que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; cfr. fls. 1 do proc. nº 1160/07).

G. Em 19 de Dezembro de 2007, a Reclamante apresentou impugnação judicial contra o acto de liquidação de IRS do ano de 2001, melhor referido na alínea C), tendo corrido termos neste Tribunal com o número de processo 1172/07 (facto que se infere do teor da sentença junta ao PEF apenso a fls. não numeradas; facto que se extrai do requerimento datado de 19 de Dezembro de 2007 a fls. do PEF apenso no qual a Reclamante informa da dedução de impugnação judicial e requer a fixação de garantia; facto que se extrai da consulta à plataforma SITAF e que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções);

H. A Reclamante foi citada do processo de execução fiscal nº 3409200701138715, referido em D), em 27 de Dezembro de 2007 (cfr. aviso de recepção a fls. 16 do PEF apenso);

I. De ofício nº 238, de 10 de Janeiro de 2008, do Serviço de Finanças de Almada 3, foi a Reclamante notificada para prestar garantia no valor de €356.685,59 (cfr. fls. 18 do PEF apenso);

J. A 14 de Março de 2008, e na sequência do ofício nº 238, referido na alínea antecedente, a Reclamante ofereceu garantia bancária nº 274/2008-5 prestada pelo Banco Português de Negócios, no valor total de €356.685,59 da qual resulta, designadamente, que é “destinada a assegurar o pagamento se, for devido e quando for devido, da dívida exequenda e respectivos acréscimos legais, no montante indicado, no processo de execução fiscal nº 3409200701138715, referente ao IRS (retenções na fonte) de 1999, 2000 e 2001, obrigando-se o Banco a entregar quaisquer quantias, até aquele limite, se para tal for interpelado. Esta garantia é prestada pelo prazo de um ano, renovável por iguais períodos de tempo, até à decisão do processo de oposição à execução e/ou impugnação judicial referente aquele imposto” (cfr. garantia a fls. 26 do PEF apenso);

K. Em resultado da apresentação do requerimento referido na alínea antecedente foi proferido, em 14 de Março de 2008, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Almada 3, despacho de suspensão do processo de execução fiscal nº 3409200701138715 (cfr. fls. 29 do PEF apenso);

L. A 24 de Abril de 2008, a Reclamante apresentou requerimento junto do órgão da execução fiscal arguindo a prescrição da dívida exequenda respeitante ao ano de 1999, com o seguinte teor:
A ora requerente foi citada do processo executivo à margem referenciada
Tem tal processo na sua génese, entre outras, a liquidação de IRS (retenções na fonte) e juros compensatórios com o nº 2007 641000981922, no valor de € 89.503,71 e referente ao ano de 1999.
Sucede que ocorreu prescrição em relação a todas as putativas retenções também putativamente realizadas até Dezembro de 1999.
Isto uma vez que o prazo de prescrição previsto no artigo 48º, nº 1 da LGT assim o determina.
Pois que a forma de contagem de tal prazo prescricional, e por não se estar perante retenções a título definitivo, não pode ser feito nos termos do artigo 48º, nº 1 in fine da LGT,
Antes se lhe aplicando o primeiro segmento.
E de acordo com este a prazo de prescrição deve ser contado a partir do dia seguinte àquele em que o facto tributário ocorreu.
Como a todos ensina quem segue:
«No tocante aos tributos de obrigação única [....] o prazo inicia-se no dia a seguir àquele em que o facto tributário ocorreu.» 1
Sendo também bom não olvidar que nesta matéria o instituto da prescrição encontra-se consagrado por questões de segurança jurídica que são merecedoras, até, de tutela constitucional.
Como continue a ensinar o Autor atrás citado:
«A funcionalidade da prescrição é, como já se disse, essencialmente, a de dar segurança ao devedor tributário quanto a não ser incomodado a todo o tempo pelo credor.
Sendo assim, ela integra-se no elemento essencial dos impostos designado por garantia dos contribuintes a que alude o nº 2 do art. 103º da Constituição da República Portuguesa.» 2
Ora, tendo ocorrido a prescrição, a divida é inexigível face à aqui requerente.
Pelo que expressamente se argui a prescrição de tal dívida mais se requerendo que a mesma seja assim declarada. (cfr. fls. 32 e 33 do PEF apenso);

M. O órgão da execução fiscal não proferiu qualquer decisão sobre o requerimento referido na alínea antecedente (facto não controvertido; facto que se extrai da consulta ao PEF apenso);

N. A 29 de Outubro de 2008, os processos de impugnação judicial nºs 1160/07 e 1172/07, referidos em F) e G), foram objecto de apensação ao processo nº 1149/07 evidenciado em E), conforme ordenado no despacho de 17 de Setembro de 2008, proferido no âmbito do processo nº 1149/07 (facto que se extrai da consulta à plataforma SITAF e que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; cfr. fls. 56 do proc. 1149/07);

O. Em 2 de Maio de 2013, foi proferida sentença no âmbito dos processos de impugnação judicial com os nºs 1149/07, 1160/07 e 1172/07, julgando parcialmente procedente e anulando as liquidações na parte respeitante aos juros compensatórios (cfr. sentença a fls. não numeradas do PEF apenso; cfr. fls. 50 a 61 do proc. 1149/07; facto confirmado por consulta à plataforma SITAF);

P. A Reclamante interpôs recurso da sentença referida na alínea antecedente o qual foi julgado deserto, em 11 de Novembro de 2013, por falta de alegações (facto que se extrai da consulta à plataforma SITAF e que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; cfr. fls. 76 do proc. 1149/07);

Q. No âmbito do processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal apresentado pela Reclamante contra o despacho de indeferimento do pedido de substituição de garantia oferecida no âmbito do processo de execução fiscal nº 3409200701138715 e que correu termos neste Tribunal com o nº 1153/13, foi proferida sentença em 30 de Abril de 2014, que julgou extinta a instância por inutilidade da lide constando do seu teor, designadamente, o seguinte:
A presente reclamação visava obter uma decisão favorável à aceitação da garantia oferecida pela executada em substituição da primeira que foi prestada, para continuar a assegurar a suspensão da execução fiscal nº 3409200701138715, enquanto as impugnações judiciais supra referenciadas não fossem decididas.
De acordo com as disposições conjugadas dos artigos 169º do CPPT e 52º, nº 1, da LGT a execução fiscal será suspensa se for prestada garantia que assegure o pagamento da quantia exequenda.
Resulta inequivocamente dos autos que as impugnações judiciais nºs 1149/07.4BEALM, 1160/07.5BEALM e 1172/07.9BEALM se encontram findas, já com trânsito em julgado das decisões judiciais nelas proferidas, pelo que a referida execução fiscal terá prosseguido os seus termos, ficando precludido o efeito suspensivo.
Deste modo, a garantia ora oferecida deixou de ser apta a produzir os pretendidos efeitos suspensivos da execução, pelo que falta o interesse no prosseguimento desta reclamação, constatando-se, assim existir impossibilidade superveniente da lide, por o objecto da acção ser agora inviável” (cfr. sentença a fls. não numeradas do PEF; facto que se extrai da consulta à plataforma SITAF e que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções);

R. A Reclamante não interpôs recurso da sentença proferida na alínea antecedente (facto que se extrai da consulta à plataforma SITAF e que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções);

S. A 19 de Junho de 2014, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Almada 3, com o seguinte teor:
Em vista da sentença judicial preferida nos processos de impugnação n. 1149/07.4 BEALM, 1160/07.5 BEALM e 1172/07.9 BEALM, e em cumprimento da mesma, proceda-se ao apuramento do imposto em dívida, acrescido dos juros de mora e custas que se mostrarem devidos.
Após o apuramento, notifique-se a executada com conhecimento ao seu legal representante, para no prazo de 15 dias, a contar da assinatura do aviso de recepção, efectuar pagamento do imposto apurado.
Findo o prazo estabelecido sem que aquele se mostre efectuado, dê-se cumprimento à disposição legal contida no n.º 2 do artigo 200º do código de Procedimento e do Processo Tributário. (cfr. doc. 1 junto com a p.i. a fls. 29 dos autos; cfr. despacho a fls. não numeradas do PEF apenso);

T. De ofício nº 4949, datado de 20 de Junho de 2014, do Serviço de Finanças de Almada 3, foi a Reclamante notificada do despacho referido na alínea antecedente e do apuramento da quantia em dívida no valor de €158.745,58 tendo sido advertida que não procedendo à regularização do montante em dívida seria accionada a garantia prestada no âmbito do processo de execução fiscal 3409200701138715 (cfr. ofício junto ao PEF apenso a fls. não numeradas);

U. Na sequência da notificação do ofício referido na alínea antecedente a Reclamante apresentou, 8 de Julho de 2014, requerimento de pagamento da dívida exequenda cobrada coercivamente no âmbito do processo de execução fiscal 3409200701138715, em 60 prestações (cfr. requerimento a fls. não numeradas do PEF apenso);

V. A 8 de Julho de 2014, a Reclamante apresenta a presente reclamação contra o despacho do órgão da execução fiscal referido em S) (cfr. comprovativo de envio de telecópia a fls. 3 dos autos; cfr. fls. não numeradas do PEF apenso);

W. Em 12 de Setembro de 2014, o Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, por delegação de competências do Director de Finanças autorizou o pagamento das dívidas exigíveis no processo de execução fiscal nº 3409200701138715, em 24 prestações mensais e sucessivas (cfr. despacho junto ao PEF apenso a fls. não numeradas);

X. Na sequência da notificação do despacho referido na alínea antecedente, a Reclamante apresentou reclamação, a qual correu termos neste Tribunal com o número de processo 1285/14, tendo sido julgada improcedente e não tendo sido objecto de recurso jurisdicional (cfr. fls. não numeradas do PEF corroborada pela consulta à plataforma SITAF; facto alegado pelo I.R.F.P na resposta e não impugnado);


Questão objecto de recurso:

1- Prazo de prescrição da dívida tributária a cargo da entidade patronal que procedeu a retenções na fonte de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares devido pelos seus trabalhadores e prestadores de serviço.

A reclamante é uma empresa cujo rendimento é tributado em sede de imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas, nos termos do disposto no artº 1º e 2º, n.º 1 a) do Código de Imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas.
O imposto sobre o rendimento de pessoas singulares é um imposto que, como a sua denominação indica é devido por pessoas singulares, incidindo sobre o valor anual dos rendimentos por estas auferidos ao longo do ano, artº 1º do Código de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares.
A retenção na fonte não é um imposto, mas um mecanismo de cobrança, instituído pelo sistema fiscal português com o objectivo de aumentar a eficácia na cobrança do imposto (IRS). Pela utilização de tal mecanismo, o Estado recebe, mensalmente, por conta do imposto que será devido no final de cada ano pelos trabalhadores por conta de outrem ou trabalhadores que prestem serviços e que não estejam abrangidos pelo regime de isenção uma parte do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares que a estas compete pagar.
Para o sujeito passivo de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares trata-se de um pagamento antecipado do imposto que é devido no final de cada ano. Para a entidade que procede à sua retenção trata-se de uma dívida tributária e não do pagamento de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares. Esta apenas procede ao desconto no vencimento do trabalhador da quantia que o estado tem a receber em sede de tributação de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares desse trabalhador, incumbindo-lhe a entrega desse valor ao estado. O mesmo ocorre quando a entidade a quem foi prestado um serviço retém do custo do serviço que deveria pagar ao prestador, e, para este seria rendimento tributável em sede de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares, o valor correspondente ao imposto sobre o rendimento de pessoas singulares.
Mas a empresa que procede à retenção na fonte não passa, por isso a ser tributada em sede de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares. Arrecada os valores de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares que são devidos pelos trabalhadores/prestadores de serviço que deve entregar nos cofres do estado.
Na presente situação, numa acção de inspecção, analisada a contabilidade da empresa que procedeu a retenção de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares de trabalhadores e prestadores de serviços nos anos de 1999, 2000 e 2001 a Administração Tributária concluiu que esta procedeu à retenção na fonte de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares devido pelos seus trabalhadores e prestadores de serviços mas não entregou nos cofres do estado, diversas importâncias que em 15 de Outubro de 2010, acrescidas de juros de mora tinham o valor de 89.503,71€ relativamente às retenções na fonte que efectuou em 1999, 64.191,14€ relativamente às retenções na fonte que efectuou em 2000 e 24.336,87€ relativamente às retenções na fonte que efectuou em 2001.
Assim, muito embora se repita ao longo de todo o processo que se trata de dívida de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares isso não é exacto, no sentido de ser uma dívida de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares da reclamante. Mas é uma dívida tributária, originada num mecanismo de cobrança daquele imposto, prevista na lei, em que a recorrente estava obrigada, nos termos do disposto no artº 98º, nº 3 do Código de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares a entregar os valores retidos até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que tais quantias foram deduzidas, que se verifica que não cumpriu na totalidade.
A prescrição desta dívida tributária encontra regulamentação no artº 48º da Lei Geral Tributária que abrange todas as dívidas tributárias estabelecendo a contagem do prazo de prescrição para os impostos periódicos e para os de obrigação única. Faz, aquele preceito, excepção a este tipo de contagem do prazo de prescrição para o Imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, o que nos permite deixar de lado estas duas situações por nada terem a ver com a situação em análise em que a retenção na fonte não é efectuada a título definitivo, mas por conta do imposto a pagar a final pelo trabalhador ou prestador de serviços que viu o seu rendimento diminuído por essa retenção.
Não se suscita qualquer dúvida na classificação do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares como imposto periódico, que se renova todos os anos e incide sobre o rendimento que todos os anos obtiveram os contribuintes, sendo certo que a mesma clareza não resulta face a esta dívida tributária originada no referido mecanismo de cobrança de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares.
Nos casos de substituição tributária estabelece-se uma relação jurídico-tributária complexa cujos sujeitos são: o estado na qualidade de titular do crédito de imposto; o substituído, que é o verdadeiro contribuinte, relativamente ao qual se verificam os factos tributários; o substituto que a lei determina que ocupe a posição de devedor na relação jurídica tributária, dado entre ele e o substituído/contribuinte existir uma relação subjacente de direito privado, nos termos da qual é devedor para com o contribuinte de uma prestação de capital que é um rendimento do trabalhador/prestador de serviços. Assim, verificado o facto tributário relativamente ao substituído/contribuinte, o estado impõe o cumprimento total ou, parcial da dívida tributária utilizando como mecanismo de cobrança uma entidade diversa da Administração Tributária pela sua proximidade com o contribuinte no momento de verificação do facto tributário. No caso do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares o vencimento só chega a integrar o património do trabalhador amputado do imposto devido.
Como se refere no ac. deste Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Novembro de 2007, proferido no proc. n.º 0730/07, em situação em tudo idêntica à destes autos, o montante exequendo não teve por base uma verdadeira liquidação, mas um apuramento do montante da dívida tributária a cargo da recorrente, «Na acção de fiscalização levada a cabo à ora recorrente foram detectadas retenções na fonte por ela efectuadas no decurso do ano de 2001 sobre determinados rendimentos sem que ela tenha procedido à entrega das quantias retidas nos cofres do Estado, como lhe competia e legalmente estava obrigada.
Perante tal situação, a AF só se limitou a apurar os montantes retidos e não entregues pela recorrente e a exigir-lhe o cumprimento da obrigação que sobre ela impendia enquanto substituta tributária, não tendo procedido a qualquer liquidação.
Com efeito, abrangendo esta, em sentido amplo, todas as operações tendentes à determinação do montante do imposto a pagar pelo contribuinte (incidência, determinação da matéria colectável, liquidação em sentido técnico – aplicação da taxa legal do imposto à matéria colectável apurada – e cobrança), efectivamente neste caso não houve a prática de qualquer desses actos do processo de liquidação quer por parte da AF quer do próprio contribuinte.
Razão por que se não possa falar aqui na existência duma verdadeira liquidação
Contrariamente ao que se verifica em relação ao imposto sobre o rendimento de pessoas singulares devido pelas pessoas singulares esta dívida tributária constitui-se e apura-se no momento em que é disponibilizado o rendimento e deve ser entregue nos cofres do estado até ao dia 20 do mês seguinte. Ainda que possa todos os meses dever ser entregue a mesma quantia nos cofres do estado, tal repetição, como a sua ausência, não produz qualquer influência no facto tributário. A repetição das retenções não lhes retira o cariz de factos tributários instantâneos na medida em que incide sobre rendimentos distintos devidos por diversas prestações de trabalho ou de serviço.
Assim, na ausência de um especial regime de prescrição previsto para este tipo de dívida tributária, diverso do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares, tendo em conta a sua natureza de obrigação única, nos termos do disposto no artº 48º da Lei Geral Tributária o prazo de prescrição inicia-se a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
O artº 48º da Lei Geral Tributária, esta entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1999, veio a sofrer alteração com a introdução de nova redacção dada pelo art. 40º da Lei nº 55-B/2004, de 30/12. Esta alteração consubstancia um alargamento do prazo de prescrição na medida em que retardou o termo inicial do prazo de prescrição. Tendo em conta o disposto no artº 297º, nº 2 do Código Civil aplicável por força do disposto no artº 2º do Código de Procedimento e Processo Tributário, tem esta nova redacção aplicação ao prazo de prescrição em curso na situação em análise.
Não se suscita controvérsia nos autos sobre a estarmos face a retenção na fonte feita por conta do imposto devido – artº 98º, nº 1 do Código de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares.
Assim, o prazo de prescrição iniciou-se nas seguintes datas:

1. Retenção de Janeiro de 1999: 31 de Janeiro de 1999;
2. Retenção de Fevereiro de 1999: 28 de Fevereiro de 1999;
3. Retenção de Março de 1999: 31 de Março de 1999;
4. Retenção de Abril de 1999: 30 de Abril de 1999;
5. Retenção de Maio de 1999: 31 de Maio de 1999;
6. Retenção de Junho de 1999: 30 de Junho de 1999;
7. Retenção de Julho de 1999: 31 de Julho de 1999;
8. Retenção de Agosto de 1999: 31 de Agosto de 1999;
9. Retenção de Setembro de 1999: 30 de Setembro de 1999;
10. Retenção de Outubro de 1999: 31 de Outubro de 1999.

Contabilizados os 8 anos de prescrição, as obrigações tributárias em análise prescreviam nas seguintes datas:


1. Retenção de Janeiro de 1999: 1 de Fevereiro de 2007;
2. Retenção de Fevereiro de 1999: 1 de Março de 2007;
3. Retenção de Março de 1999: 1 de Abril de 2007;
4. Retenção de Abril de 1999: 1 de Maio de 2007;
5. Retenção de Maio de 1999: 1 de Junho de 2007;
6. Retenção de Junho de 1999: 1 de Julho de 2007;
7. Retenção de Julho de 1999: 1 de Agosto de 2007;
8. Retenção de Agosto de 1999: 1 de Setembro de 2007;
9. Retenção de Setembro de 1999: 1 de Outubro de 2007;
10. Retenção de Outubro de 1999: 1 de Novembro de 2007.

Até se completar o prazo de prescrição, tendo em conta a matéria provada, não ocorreram factos interruptivos ou suspensivos do prazo de prescrição em curso, pois apenas em 17 de Dezembro de 2007 teria lugar o primeiro acto interruptivo da prescrição com a interposição de impugnação judicial.
Deste modo se concluiu que a dívida tributária em causa e respeitante a Janeiro a Outubro de 1999, se mostra, efectivamente prescrita.
A sentença recorrida que assim não declarou enferma de erro de julgamento, a determinar a sua revogação na parte que foi objecto de recurso.


Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e declarar a prescrição da dívida tributária referente aos meses de Janeiro a Outubro de 2007, assim julgando procedente a reclamação.

Sem custas, por não ter havido contra-alegações.
Lisboa, 23 de Setembro de 2015. - Ana Paula Lobo (relatora) - Dulce Neto - Ascensão Lopes.

Existe acórdão rectificativo em 11 de Novembro de 2015