Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0363/11
Data do Acordão:11/16/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:TAXA
AEROPORTO
DIREITO COMUNITÁRIO
PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA
PRINCÍPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO
PRINCÍPIO DA OBJECTIVIDADE
Sumário:I - Constitui característica da taxa, em sentido técnico jurídico, a bilateralidade, isto é, a verificação de uma contraprestação específica por parte de uma entidade pública e de um benefício individualizado por parte do sujeito passivo.
II - Por sua vez, essa contraprestação deve corresponder, tanto quanto possível, ao custo suportado pela entidade pública para o particular obter determinado benefício.
III - As taxas de assistência em escala previstas no artº 10º do Decreto Regulamentar nº 12/99, têm de ter em consideração o disposto no artº 16º, nº 3 da Directiva 96/67, isto é, critérios de pertinência, objectividade, transparência e não discriminação.
IV - Para além disso, tais taxas têm de corresponder a contrapartida pela totalidade ou parte dos serviços definidos no ponto 1 do anexo da Directiva 96/67/CE do Conselho, de 15 de Outubro de 1996, relativa ao acesso ao mercado da assistência em escala nos aeroportos da Comunidade, e não constituir uma segunda tributação de serviços já remunerados por outra taxa ou imposição.
V - Ora, não tendo a recorrida (entidade pública) feito qualquer prova de que aquelas taxas correspondem a um concreto uso de instalações aeroportuárias para o exercício da actividade de assistência em escala a terceiros, por parte da recorrente, nem, por outro lado, tendo feito prova dos critérios da fixação do quantitativo das taxas, que discriminam a auto assistência em escala e os prestadores do mesmo serviços a terceiros e constatando-se ainda que essas taxas correspondem a outras taxas que tributam os mesmos serviços (uso de bem do domínio público aeroportuário), aquelas taxas violam o direito comunitário nos termos interpretados pelo Acórdão do TJUE de 05.07.2007 -Processo nº C-181/06.
Nº Convencional:JSTA00067234
Nº do Documento:SA2201111160363
Data de Entrada:04/11/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:B..., S.A. E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - TAXA
Área Temática 2:DIR COMUN
Legislação Nacional:DRGU 12/99 DE 1999/07/30 ART4 N3 ART5 ART6 ART7 ART8 ART9 ART13 N1 ART16 N1
DL 10/90 DE 1990/03/21 ART18 N3 N4
DL 102/90 DE 1990/03/21 ART16 N1
DL 280/99 DE 1999/07/26 ART18 N2
DL 275/99 DE 1999/07/23 ART2 G ANEXO
LGT98 ART3 N2 ART4
CONST97 ART165 N1 I
DL 122/77 DE 1977/03/31 ART1
DL 246/79 DE 1979/07/25 ART2 ART25
DL 404/98 DE 1998/12/18 ART12 ART14
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 96/67/CE DE 1996/10/15 ART16 N3
Jurisprudência Internacional:AC TJUE PROC C181/06
AC TJCE PROC282/81 DE 1982/10/06 IN CJ 1982 PAG3415
Referência a Doutrina:SUZANA TAVARES DA SILVA AS TAXAS E A COERÊNCIA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO PAG8 PAG22 PAG23
BRAZ TEIXEIRA PRINCÍPIOS DO DIREITO FISCAL VI PAG45 PAG47
GOMES CANOTILHO E OUTRO CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA NOTA AO ART103 PAG1095
CARDOSO DA COSTA SOBRE O PRINCIPIO DA LEGALIDADE DAS TAXAS PAG805 PAG807
ALBERTO XAVIER MANUAL DE DIREITO FISCAL PAG51
JOÃO MOTA DE CAMPOS SOBRE O REENVIO PREJUDICIAL E OS EFEITOS DO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TJUE IN DIREITO COMUNITÁRIO VII PAG441 PAG443
ANTÓNIO MOURA PORTUGAL E OUTRO AS TAXAS DE REGULAÇÃO ECONÓMICA NO SECTOR DOS AEROPORTOS PAG92
SÉRGIO VASQUES AS TAXAS DE REGULAÇÃO ECONÓMICA NO SECTOR DOS AEROPORTOS IN AS TAXAS DE REGULAÇÃO ECONÓMICA EM PORTUGAL PAG94 PAG95
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, melhor identificada nos autos, veio recorrer da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação que deduziu contra a liquidação de taxas de assistência administrativa e de supervisão, relativas ao ano de 2000, no valor de 3.479,11 €, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
I) A decisão do Tribunal Tributário de Lisboa de 28.01.2011 que manteve a liquidação adicional de taxas de assistência administrativa e de supervisão relativas ao ano de 2000 no valor de 689.479$00 (€ 3.439,11) procedeu a uma incorrecta interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 6° e 16°, n.º 3 da Directiva 96/67/CE, aplicando normas violadoras do Direito Comunitário, o que se consubstancia numa inconstitucionalidade material por violação do artº. 8°, n°3 da CRP.
II) O âmbito do recurso circunscreve-se à apreciação da conformidade da taxa de assistência administrativa em terra e supervisão (prevista no artº. 10°, n° 1 do DR. n° 12/99, na redacção em vigor em 2000) com a Directiva 96/67/CE, tal como interpretada pelo TJCE no Acórdão C- 181/06, que fixou como princípio geral a incompatibilidade dessa taxa com o direito comunitário, a menos que seja demonstrado factualmente que tal taxa cumpre critérios de pertinência, objectividade, transparência e não discriminação.
III) A questão central suscitada pela impugnante é a de saber se a taxa de assistência em escala criada pelo DR 12/99, na redacção em vigor em 2000, tendo presente o enquadramento legal e demais disposições aplicáveis aos operadores de assistência em escala em matéria de encargos impostos, é ou não violadora das disposições da Directiva 96/67, questão essa que não foi correctamente enunciada e respondida pelo Tribunal a quo, que suspendeu o processo a aguardar a decisão proferido no TJCE e depois a ignorou por completo.
IV) A decisão do TJCE proferida no Processo C-181/06 tem o valor de um princípio comunitário abstracto que tem força vinculativa obrigatória e que cabe ao juiz nacional aplicar ao caso concreto.
V) O TJCE, no Processo C-181/06, estabeleceu de forma clara o princípio e a excepção. O princípio é o de que o Direito Comunitário se opõe à regulamentação nacional com base na qual foi liquidado o tributo impugnado. A excepção será a “não oposição”, dependente da verificação de um conjunto de condições, cujo ónus de invocação e prova cabe à entidade Impugnada e que esta não logrou fazer (como se infere da ausência de factos provados com relevância para o efeito na matéria de facto provada), com as consequências daí advenientes em matéria de ónus de prova.
VI) Ao decidir nos termos em que o fez, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 74º/1 da LGT.
VII) Sem conceder quanto à conclusão precedente, ainda que tivessem sido alegados factos, nunca dos mesmos poderia resultar o preenchimento das várias condições e pressupostos cumulativos exigidos pelo TJCE.
VIII) A primeira condição exigida pelo TJCE era a de que a taxa de assistência administrativa em terra e supervisão fosse devida como contrapartida pela totalidade ou parte dos serviços definidos no ponto 1 do anexo da Directiva 96/67/CE do Conselho, de 15 de Outubro de 1996, relativa ao acesso ao mercado da assistência em escala nos aeroportos da Comunidade.
IX) Os serviços compreendidos no ponto 1 do anexo da Directiva (e também do anexo ao DL 275/99) são aqueles que qualquer operador licenciado se propõe prestar a si mesmo ou aos seus clientes (não são prestados pela B…), pelo qual são retribuídos através do preço pago pelos mesmos clientes. Não há qualquer ligação entre estes serviços e a taxa liquidada, como a própria B… reconhece.
X) A taxa de assistência administrativa em terra e supervisão é liquidada exclusivamente aos prestadores de serviços de handling a terceiros, ou seja, a entidades que pretendam concorrer com a concessionária B…, S.A., aqui impugnada, ou com a prestadora de serviços por si detida (C......). Esta taxa não incide sobre os operadores económicos que realizem assistência em escala em regime de auto-assistência.
XI) Quer os prestadores de serviços a terceiros, quer os que fazem auto-assistência têm necessariamente acesso à infra-estrutura aeroportuária, porque se encontram licenciados para tal e porque já pagam taxas para ter esse acesso, como decorre de forma clara da lei nacional (cfr. DL 275/99 e Portaria 1340/2001).
XII) O artigo 16°, nº 3 da Directiva, em conjugação com o vigésimo quinto considerando do respectivo preâmbulo, na interpretação que lhe foi dada pelo TJCE (Sexta Secção), no Acórdão de 16 de Outubro de 2003, Processo C-363/01, estabelece um único caso em que a entidade gestora está autorizada a cobrar uma remuneração como contrapartida pelo acesso às instalações aeroportuárias.
XIII) Nos termos da decisão proferida no Caso Aeroporto de Hannover, a Directiva 96/67/CE do Conselho, de 15 de Outubro de 1996, não autoriza a entidade gestora de um aeroporto a sujeitar o acesso ao mercado da assistência em escala no aeroporto ao pagamento, por parte do prestador de serviços de assistência em escala ou do utilizador que pratica a auto-assistência, ao pagamento de uma taxa de acesso, a título de contrapartida da concessão de uma possibilidade de lucro, e que acresce à taxa paga pelo referido prestador ou utilizador pela colocação à disposição das instalações aeroportuárias (no caso nacional, as taxas cobradas pelo INAC nos termos do disposto no DL 275/99 e na Portaria 1340/2001).
XIV) A expressão “acesso às instalações aeroportuárias” constante da Directiva deve ser interpretada no sentido de acesso às instalações físicas e não de acesso a um determinado mercado, de acordo com a interpretação sustentada pelo TJCE.
XV) A taxa impugnada não preenche os requisitos impostos pelo TJCE e pela correcta interpretação da norma comunitária, quer no que toca à respectiva incidência, quer quanto ao valor (percentagem sobre o volume de negócios).
XVI) A norma de incidência da taxa impugnada – artº. 10°, nº 1 do DR. nº 12/99 - foi revogada e substituída pelo artº. 90 nº 1, alínea a) do DR. nº 24/2009, que eliminou a referência ao volume de negócios do prestador de serviços e passou a determinar a incidência da taxa de assistência administrativa em terra e supervisão por tipo de aeronave assistida, em claro reconhecimento da inadequação e ilegalidade da anterior redacção.
XVII) Em face do exposto nas conclusões 8 a 17 terá de concluir-se que a norma constante do artigo 10°, n.º 1 do DR 12/99 se opõe ao Direito Comunitário, por não se verificar a primeira condição exigida pelo TJCE.
XVIII) Sem conceder quanto ao exposto, também a segunda condição exigida pelo TJCE para passar no teste de conformidade - a de que a taxa objecto de impugnação não constitua uma segunda tributação de serviços já remunerados por outra taxa ou imposição - não se encontra verificada.
XIX) As explicações prestadas pela B… sobre a contrapartida para os alegados serviços que justificariam a cobrança desta taxa apenas a prestadores de serviços são difusas, incongruentes e até contraditórias, reconduzindo-se a serviços já remuneradas por outras taxas (taxas cobradas pelo INAC ou outras taxas cobradas pela B…) ou a serviços que não são utilizados de forma exclusiva, concreta e individualizada pelos respectivos sujeitos passivos (prestadores de assistência em escala a terceiros), mas antes por todos os operadores.
XX) Finalmente, também a terceira condição cumulativa exigida pelo TJCE - preenchimento dos critérios de pertinência, objectividade, transparência e de não discriminação, conforme definidos no artigo 16°, nº 3, da Directiva 96/67- não se encontra cumprida.
XXI) A pertinência dos critérios de fixação da taxa de assistência administrativa em terra e supervisão devem ser analisados à luz dos objectivos da Directiva 96/67, em particular do intuito de liberalizar e promover o livre acesso dos prestadores de serviços ao mercado de assistência em escala, bem como o de minimizar os custos suportados pelos actuais operadores [cfr. Considerandos 9. e 25. da Directiva].
XXII) A taxa de assistência administrativa em terra e supervisão apenas é devida pelos prestadores de serviços, ou seja, por aqueles que pretendem aceder a um mercado que se encontrava fechado e cujos serviços eram prestados em exclusividade pelo aeroporto (B…). Aplicar uma taxa ad valorem sobre o volume de negócios aos potenciais concorrentes não é, de todo, um incentivo à liberalização e entrada no mercado por parte de novos operadores, como o demonstra a situação actual e conhecida do mercado do handling em Portugal.
XXIII) Também na adequação ao objectivo da “minimização dos custos” a resposta terá de ser negativa, por duas ordens de razão: porque no passado esta taxa não era imposta aos prestadores de serviços (trata-se de um novo custo com que os operadores se vêm confrontados) e porque este encargo - uma taxa ad valorem que incide sobre o volume de negócios global - acaba por ser contrário aos objectivos admitidos pelo próprio legislador, dado que quanto maior for o número de operadores de assistência em escala e diversificado o tipo de serviços prestados, ou seja, quanto mais bem sucedida for a liberalização, maior será o factor de custos.
XXIV) A base de cálculo da taxa assenta sobre o volume de negócios do operador globalmente considerado e não apenas sobre o volume de negócios especifico da actividade de assistência administrativa e supervisão, o que acentua o carácter impositivo do tributo e a falta de pertinência do critério, por ser totalmente desligado do beneficio que a Recorrente aufere nessa modalidade de assistência em escala ou do custo que a B… alegadamente suporta.
XXV) A taxa de assistência administrativa em terra e supervisão não é baseada em critérios objectivos e transparentes.
XXVI) O TJCE no Acórdão proferido no Processo C-181/07 fixou o sentido do requisito da transparência, ao considerar que o mesmo só está preenchido se as disposições nacionais determinarem claramente os serviços fornecidos pela B… e definirem com precisão o modo de cálculo da referida taxa”.
XXVII) O requisito da transparência não se encontra preenchido porquanto o artigo 10/1 do DR 12/99 apenas define “quem paga” (prestadores de serviços a terceiros), mas não “sobre que montante paga” (já que os 3,5% sobre o volume global de negócios apenas constam de uma decisão do Conselho de Administração da B…, sem qualquer força normativa), nem “a que título se paga”.
XXVIII) As disposições nacionais, leia-se, normativas (artº. 112° CRP) não enunciam nem os serviços fornecidos pela B… nem definem com precisão o modo de cálculo da taxa, facto que levou à revogação da norma sob a análise e em que se funda a impugnação da Recorrente por uma outra, introduzida pelo DR. nº 24/2009, que elimina as referências ao cálculo da taxa de assistência administrativa em terra e supervisão em função do volume de negócios do prestador para passar a determinar que esse cálculo depende do tipo de aeronave assistida.
XXIX) O requisito de objectividade também não está preenchido pelo facto de a incidência subjectiva do tributo apenas compreender prestadores de serviços a terceiros, ou seja, aqueles que, como a Directiva pretendia, se propõem exercer uma actividade económica que se quer lucrativa e concorrente com a da entidade concessionária.
XXX) Por último, o regime do tributo também não é objectivo e transparente pelo facto de omitir totalmente qualquer explicação para as opções tomadas, nomeadamente sobre a forma como se chega ao valor de 3,5% e sobre as realidades compreendidas na base de tributação (a lei é omissa e a decisão do Conselho de Administração da B… também).
XXXI) A B… não prestou qualquer esclarecimento público sobre a cobrança deste encargo e sobre a forma de cálculo do mesmo, apesar dos sucessivos pareceres negativos sobre o mesmo formulados pelo Comité de Utilizadores do aeroporto, daqui resultando que a A…, como os demais operadores económicos, não têm qualquer informação sobre o destino das receitas provenientes da cobrança deste encargo especifico que lhe permita aferir da justificabilidade do mesmo, já para não falar do respectivo controle da legalidade.
XXXII) A taxa de assistência administrativa e supervisão não é determinada com base em critérios não discriminatórios, por ser liquidada e cobrada, exclusivamente, a prestadores de serviços a terceiros e já não aos que exerçam a actividade em regime de auto-assistência, não obstante tanto prestadores a terceiros como prestadores de auto-assistência utilizarem em igual medida as instalações aeroportuárias.
XXXIII) A Directiva 96/67/CE apenas admite a cobrança de uma remuneração como contrapartida de acesso às instalações físicas aeroportuárias, ou seja, às infra-estruturas e aos equipamentos postos à disposição pelo aeroporto, a qual, sem prejuízo de tudo o que já se disse, nunca poderia ser a taxa de assistência administrativa e supervisão porque também os operadores que desenvolvem a actividade em regime de auto-assistência acedem e utilizam as instalações físicas aeroportuárias.
XXXIV) O regime constante do artigo 10°, n.º 1 do DR 12/99 é discriminatório e viola o disposto no artigo 16°, n.º 3 da Directiva 96/67/CE, porque trata duas actividades exactamente iguais de forma distinta. Trata-se de uma desigualdade de tratamento sem qualquer justificação objectiva e que apenas visa impor aos potenciais concorrentes dos operadores históricos do aeroporto de Lisboa (um dos quais detido a 100% pela B…, S.A.) uma barreira no acesso ao mercado.
XXXV) Resulta do disposto no Acórdão do TJCE proferido no Processo n.º C-181/07 que “se a única justificação para o facto de apenas os prestadores a terceiro pagarem a taxa (e os utilizadores de auto-assistência não) for a circunstância de só eles realizarem um lucro, essa justificação é discriminatória, sendo precisamente esse o caso verificado em Portugal, como resulta de forma clara e expressa do assumido pela B… no artigo 72° da sua contestação ao reconhecer que o que se tributa com esta taxa é”o beneficio financeiro obtido pela Impugnante com a prestação do serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil”.
XXXVI) A própria B… reconhece que as alegadas contrapartidas decorrentes do pagamento da taxa de assistência administrativa em terra e supervisão são exactamente as mesmas das que derivam do pagamento das taxas de tráfego tentando assim justificar o porquê de os prestadores de auto-assistência não estarem sujeitos à taxa de assistência administrativa em terra e supervisão (precisamente por estarem sujeitos às taxas de tráfego).
XXXVII) Sucede que, a A…, enquanto prestador de assistência em escala a terceiros, também paga taxas de tráfego, daqui resultando cabalmente demonstrada, pelas próprias palavras da recorrida, que existe uma discriminação não justificada entre prestadores de assistência em escala a terceiros e utilizadores em auto-assistência, dado que ambos utilizam os mesmos equipamentos e infra-estruturas aeroportuárias para a prestação de assistência em escala e ambos pagam as correspondentes taxas de tráfego pelos equipamentos aeroportuários específicos que utilizem (taxa de aterragem e descolagem, taxa de estacionamento, taxa de abrigo, taxa de serviço a passageiros, taxa de abertura de aeródromo, taxas de assistência em escala - arts. 4° a 9° do DR. nº 12/99), mas apenas os prestadores de assistência a terceiros (como a recorrente) pagam uma taxa suplementar designada de assistência administrativa em terra e supervisão (que de acordo com a própria B…, remunera exactamente os mesmos serviços que as taxas de tráfego).
XXXVIII) A mesma conclusão ficou claramente enunciada nas conclusões do Advogado-Geral constantes do Processo n.º C-181/06 ao referir, no Considerando n.º 32, que “face à exigência de não discriminação estabelecida na directiva, a taxa em causa parece não preencher esse requisito, uma vez que é ponto assente entre as partes que apenas é imposta aos prestadores, estando dela isentos os utilizadores que praticam a auto- assistência. Além do mais, os documentos de que o Tribunal de Justiça dispõe não sugerem que os utilizadores que praticam a auto-assistência estejam sujeitos a uma taxa idêntica. Não vejo nenhuma justificação objectiva para este tratamento desigual e também não foi apresentada nenhuma nas observações escritas”.
XXXIX) O tratamento diferenciado tinha que ser objectivamente justificado e essa justificação não decorre nem da legislação nacional, nem dos argumentos da B…, muito menos de razões objectiva, motivo pelo qual terá de se concluir pela existência de discriminação.
XL) A norma constante do artigo 10°, n.º 1 do DR 12/99, na redacção em vigor em 2000 e entretanto revogada, é desconforme com o Direito Comunitário, em particular com o disposto nos artigos 6° e 16°, n.º 1 da Directiva 96/67/CE.
XLI) A liquidação efectuada com base na norma constante do artigo 10°, n.º 1 do DR 12/99, na redacção em vigor em 2000 e entretanto revogada é ilegal, por violar o disposto nos artigos 6° e 16°, n.º 1 da Directiva 96/67/CE.
XLII) A decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa e que julgou improcedente a impugnação apresentada é violadora do Direito Comunitário, em particular do disposto nos artigos 6° e 16°, n.º 1 da Directiva, artº. 8°, nº 3 da CRP e 74°, n.º 1 da LGT, pelo que deverá ser revogada.
II – Contra alegando, veio B…, SA concluir:
A. As taxas de assistência em escala (e, em particular, as taxas de assistência administrativa em terra e supervisão) são uma realidade em praticamente todos os aeroportos comunitários, existindo, segundo relatório oficial de 2002, em 24 dos 31 aeroportos europeus analisados;
B. O TJUE nunca considerou ilegal, à luz da Directiva 96/67/CE (ou de outra directiva qualquer), uma taxa de assistência em escala (ou uma taxa de assistência administrativa em terra e supervisão) como a da B…, exigida a título de contrapartida da utilização das infra-estruturas aeroportuárias;
C. Os operadores ou prestadores de serviços de assistência em escala, designadamente a A…, utilizam as infra-estruturas aeroportuárias que a B… põe ao seu dispor para prestarem os seus serviços de assistência administrativa em terra e supervisão;
D. Se esta taxa fosse considera ilegítima, isso significaria que qualquer handler poderia utilizar gratuitamente as infra-estruturas públicas aeroportuárias de que carece para o exercício da sua actividade comercial, em total desconsideração pelos elevadíssimos custos que a B… (ou seja, o Estado, a colectividade) suporta com os aeroportos;
E. A sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento, tendo, além disso, tomado expressamente em consideração, no seu itinerário cognoscitivo e valorativo, a decisão do TJUE de 5.7.2007, no proc. C-181/06 (que, por acaso, não foi proferido no âmbito de um reenvio prejudicial deste processo);
F. A justificação para a (bilateralidade da) taxa de assistência administrativa em terra e supervisão assenta nas utilidades proporcionadas aos operadores de handling pela B…, desde logo, a utilização das infra-estruturas aeroportuárias (por exemplo, plataformas de estacionamento de aeronaves e vias de circulação rodoviária);
G. E, depois, também a inspecção e vigilância das actividades dos próprios prestadores de serviços de assistência em escala no âmbito da segurança operacional (por exemplo, verificar se os prestadores estão a desenvolver as actividades para que estão licenciados, se é correcto o nível de qualidade dos equipamentos, a qualificação do pessoal, etc.);
H. O utilizador ou o prestador de serviços que prestam serviços de assistência em escala devem efectuar uma rigorosa separação contabilística, de acordo com as práticas comerciais em vigor, entre as actividades ligadas à prestação desses serviços e as suas restantes actividades, não havendo assim possibilidade de dupla tributação objectiva (sobre as mesmas actividades);
I. As taxas têm a sua causa - função numa utilização económica individualizada e diferenciada de um bem do domínio público, não sendo necessário que essa utilização seja exclusiva;
J. Nos presentes autos não existe qualquer taxa de tributação pelo acesso ao mercado de handling, sendo por isso irrelevante o acórdão proferido pelo TJUE sobre o caso do aeroporto de “Hannover” a 16.10.2003 (proc. C363/00);
K. O Acórdão proferido pelo TJUE a 5.7.2007 (proc. C-181/06) pronuncia-se sobre as regras a que obedece a (i)legitimidade da taxa de assistência administrativa em terra e supervisão, não sobre as regras da distribuição do ónus de prova;
L. No processo de impugnação judicial, o ónus da prova recai sobre o impugnante;
M. O considerando 25 da Directiva 96/67/CE prevê claramente que o acesso às instalações aeroportuárias deve poder dar lugar à cobrança de uma remuneração;
N. A regra comunitária plasmada no n.º 3 do artº. 16.° da Directiva 96/67/CE é a de que a entidade gestora dos aeroportos tem o direito de cobrar uma taxa de utilização das instalações aeroportuárias aos operadores de handling, definindo-se um conjunto de limites - estabelece-se aí expressamente que: “sempre que o acesso às instalações aeroportuárias implicar a cobrança de uma remuneração, esta será determinada com base em critérios pertinentes, objectivos, transparentes e não discriminatórios”;
O. A taxa de assistência administrativa em terra e supervisão não se confunde com a taxa de licenciamento para exercício da actividade de handler (INAC), nem com a taxa de infra-estruturas centralizadas (que não existe em Portugal), nem com a taxa (por utilização) de equipamentos, nem com a taxa de ocupação (por uso exclusivo de gabinetes no aeroporto, por exemplo), nem com a taxa de aterragem e descolagem, nem com a taxa de estacionamento, nem com a taxa de consumo - todas elas têm por objecto diferentes factos tributários;
P. Não existindo por isso qualquer dupla tributação objectiva (sobre o mesmo facto tributário);
Q. A taxa em apreço (que, repete-se, existe na larga maioria dos aeroportos europeus analisados em documento oficial) está em perfeita conformidade com os princípios da pertinência, da objectividade, da transparência e da não discriminação;
R. Quanto à transparência, os dados de direito e os dados de facto revelam com suficiente clareza os serviços de gestão de infra-estruturas e de segurança a fornecer pela Entidade Impugnada e as causas da existência desta taxa - e o modo de cálculo da taxa também se encontra claramente definido (assegurado, além do mais, pelo princípio da separação contabilística);
S. A taxa impugnada não é discriminatória porque a justificação para a taxa impugnada recair sobre os prestadores de serviços de handling não é a circunstância de só eles realizarem um lucro, mas, sim, o facto de, apesar de tanto os prestadores como os utilizadores se servirem das instalações aeroportuárias, os utilizadores, ao prestarem a si próprios serviços de assistência, já pagam por essa utilização por via das chamadas “taxas de tráfego”;
T. Diversamente, o prestador não é uma companhia ou transportadora aérea, mas uma empresa comercial que presta serviços de assistência a companhias aéreas, não pagando por tal facto qualquer taxa de tráfego, devendo a remuneração devida pela utilização das infra-estruturas aeroportuárias ser liquidada ao abrigo da taxa de assistência em escala, na modalidade de assistência administrativa em terra e supervisão.
U. Nos casos em que o prestador de serviços de assistência em escala é também uma transportadora aérea, há sempre, nessa situação, duas actividades comerciais distintas - o transporte aéreo e os serviços de assistência em escala a terceiros -, aparecendo sempre essa pessoa em qualidades ou sob títulos jurídicos ou empresariais autónomos, sendo por isso as respectivas actividades, num e noutro caso, desenvolvidas através de processos diferenciados, com pessoal e meios operacionais diversos e que utilizam as infra-estruturas aeroportuárias a títulos distintos (logo, mais agravadamente, mais intensamente).
Ou seja, há aí dois factos distintos (o transporte aéreo e os serviços de assistência em escala) justificativos da tributação de duas utilizações distintas das instalações aeroportuárias (uma como transportadora aérea, outra como prestador);
V. A legislação nacional consagra um princípio da não gratuitidade da utilização das infra-estruturas aeroportuárias nacionais, que seria violado caso os prestadores de serviços de assistência em escala não pagassem a taxa impugnada;
W. A taxa impugnada é pertinente e objectiva, pois o montante é proporcional e equilibrado (logo, sinalagmaticamente adequada) com o “custo do serviço” ou com o custo da manutenção das utilidades divisíveis prestadas pela B…, tendo sido fixada com base em critérios racional e financeiramente justificados;
X. No fim de cada ano, o total do encaixe tributário da B…não ultrapassa o total dos custos suportados em virtude da prestação de serviços de assistência administrativa em terra e de supervisão a terceiros;
Y. A A… não invocou um só dado de facto que demonstrasse a desconformidade da taxa impugnada com o direito comunitário por via do não preenchimento das condições impostas pelo TJCE;
Z. O facto de a taxa incidir sobre o volume de negócios dos prestadores (revelador da maior intensidade da sua actividade, pois os preços de mercado são substancialmente idênticos) justifica-se por constituir um bom indicador da dimensão e nível de actividade do prestador, e, nessa medida, do maior recurso aos serviços que a B… presta a este nível;
AA. O critério definido para o pagamento da taxa (em função do volume de negócios) é transparente, objectivo e pertinente porque um aumento do volume de negócios neste domínio traduz um acréscimo de risco, de desgaste e de entradas e de saídas, a implicar procedimentos mais acentuados de supervisão, de manutenção e de gestão de forma a evitar irregularidades que possam impedir o normal funcionamento do aeroporto;
BB. O referido critério não é objecto de qualquer censura (sequer referência negativa) no acórdão do TJUE de 5 de Julho de 2007 e está em conformidade com a jurisprudência constitucional que reconhece a remuneração em função de uma percentagem, quando esse critério não seja alheio ao custo do serviço (e, para o Tribunal Constitucional, abrangendo, mesmo, os custos globais);
CC. O facto de o Decreto Regulamentar n.º 12/99 ter sido revogado e substituído pelo Decreto Regulamentar n.º 24/2009 - que elege para o cálculo da taxa de assistência administrativa em terra e supervisão o tipo de aeronave assistida - é irrelevante, porque o direito comunitário não se opunha ao critério do volume de negócios do prestador (no âmbito do reenvio prejudicial, o TJUE, no seu acórdão de 5 de Julho de 2007, no processo C-181/06, não censurou este aspecto do regime das taxas, tendo apenas dito que o método de cálculo da taxa devia ser claro).
DD. De resto, é muito pouco para fundar um juízo sobre a ilegitimidade de um modo de cálculo de uma taxa dizer pura e simplesmente - como faz a Recorrente - que ele foi substituído por outro. E então, apetece perguntar? E não há casos em que o novo critério é que é ilegítimo? E casos em que os dois são legítimos?
Termos em que se requer a V. Ex.cia que não seja concedido provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida e mantendo-se os actos impugnados.
III- No seu parecer de fls. 660, o Magistrado do MP suscitou a questão prévia da incompetência em razão da hierarquia para conhecimento do presente recurso, uma vez que não tem por exclusivo fundamento em matéria de direito, pois a conclusão XXXI das alegações, enuncia factos que não foram contemplados na sentença recorrida.
IV- Em cumprimento de despacho do relator de fls. 661, foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre a eventualidade de vir a ser declarada a incompetência deste Supremo Tribunal, as quais vieram dizer que o recurso tem por exclusivo fundamento em matéria de direito, sendo, por isso, este STA competente em razão da hierarquia, para o seu conhecimento.
V- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
VI- Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
A) A Impugnante é uma sociedade com representação permanente em Portugal, tendo como objecto o tráfego aéreo no território nacional e no estrangeiro e a exploração de todos os negócios e instalações relacionados com a aviação e sua promoção - por acordo e cf. certidão da Conservatória do Registo Comercial de fls. 32 a 35 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) A B…, S.A., concedeu uma licença (licença de ocupação ALS/5012/00) de “exercício da actividade de assistência em escala, em regime de assistência a terceiros para as categorias ou modalidades de serviços constantes do Anexo I” cujo teor, em parte, se transcreve:
“O exercício da actividade (…) enquadra-se na definição de assistência em escala contida na alínea b) do art. 2.º do DL n.º 275/99, de 23 de Julho.” (...)
“O licenciamento é feito pelo prazo de 4 (quatro) anos, com início em 2000/01 / 01 e termo em 2003/12/31.”
‘Pelo Titular da Licença são devidas as taxas mensais de assistência em escala previstas no art. 10º do Decreto-Regulamentar n.° 12/99, de 30 de Julho, que em cada momento constem do respectivo tarifário da B…, SA., às quais acresce o valor do IVA calculado à Taxa legal em vigor.” (...)
“Por forma a garantir o cumprimento do acervo de regras enumeradas no número anterior, bem como o rigoroso cumprimento das obrigações da presente Licença, o seu Titular encontra-se sujeito à fiscalização por parte da B…, SA.” (...)
“A B…, SA., tem o direito de controlo de fiscalização do exercício da actividade desenvolvida pelo Titular da licença, a efectuar nos termos da lei, designadamente, mediante o efectivo cumprimento dos requisitos de licenciamento da actividade de assistência em escala titulada, tal como descrita no artigo 1º, bem como velar pelo cumprimento das condutas referidas no artigo 4º, desta Licença e dos títulos habilitantes ao exercício da actividade licenciada. “ (…)
“O Titular da Licença deverá organizar a respectiva contabilidade segundo o Plano Oficial de Contas, e efectuar uma rigorosa separação contabilística entre as actividades objecto da presente Licença e quaisquer outras eventuais actividades”:
“A presente Licença rege-se pelas normas antecedentes, pelas normas de conduta aplicáveis à actividade de assistência em escala e pelo Regulamento de Assistência em Escala, junto à presente Licença como Anexo III, pelas normas de funcionamento do Aeroporto, bem como as disposições aplicáveis do Decreto-Lei nº 404/98, de 18 de Dezembro, do Decreto-Lei 275/99, de 23 de Julho, 102/90, de 21 de Março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 280/99, de 26 de Julho e do Decreto Regulamentar nº 12/99, de 30 de Julho.”- por acordo e cfr. de fls. 36 a 45 dos autos, cujo conteúdo se d aqui por integralmente reproduzido.
C) Reproduz-se o teor do ANEXO 1 da licença acima identificada:
“Serviços de Assistência em Escala Licenciados - Prestação a Terceiros – A…
Assistência em Escala
Grupo de Serviços: 1 -Administração e Supervisão
Alíneas: 1.1-1.2-1.4
Nota: 1 - As modalidades indicadas estão conforme o Anexo 1 do Dec-Lei 275/99” - por acordo e cf. de fls. 46 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
D) Em 11 de Outubro de 2000, o Conselho de Administração do Instituto Nacional de Aviação Civil proferiu despacho, segundo o qual
“1. À Sociedade A… são concedidas as licenças para o Acesso à Actividade de Assistência em Escala, nos seguintes termos:
a) Tipo de Actividade: Auto-Assistência e Prestação de Serviços a Terceiros
b) Aeródromos em que a actividade vai ser exercida: Lisboa, Porto, Faro.
c) Categorias de Serviços e respectivas modalidades: 1.1, 1.2, 1.4, 2 e 9.
d) Validade da Licença: Um ano a partir da data da publicitação do presente despacho.
e) Condições particulares: Nenhumas
2. Número de licenças concedidas ao abrigo do presente despacho - 9 (Nove) - por acordo e cf. de fls. 48 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) Durante o ano de 2000, e com base numa percentagem de 3,5 %, foram liquidadas à Impugnante, pela Entidade Impugnada, as taxas de assistência administrativa e supervisão, que seguidamente se identificam:

Nº da facturavalor
HT/ALS/00101/00Esc.83.278$00
HT/ALS/00105/00Esc. 481.284$00
HT/ALS/00125/00Esc. 124.917$00
- por acordo e cf. de fls. 49 a 51 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido
F) As taxas acima identificadas foram pagas pela impugnante à B…, S.A. - por acordo e cfr. de fls. 52 e 53 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
VII. Tal como resulta das conclusões das alegações da recorrente e esta expressamente refere na conclusão IIª), a questão objecto do recurso consiste em saber se a taxa de assistência administrativa em terra e supervisão, prevista no artº 10º, nº 1 do Decreto-Regulamentar nº 12/99, na redacção então em vigor, ofende o direito comunitário, mais concretamente, a Directiva 96/67/CE do Conselho, de 15 de Outubro de 1996, na interpretação dada pelo Acórdão C-181/06, de 05.07.2007 do TJUE.
Antes porém, cumpre conhecer da questão prévia da incompetência deste Supremo Tribunal, em razão da hierarquia, suscitada pelo MºPº no seu parecer de fls. 660/661.
VII.1. No referido parecer invoca o MºPº que a recorrente, na conclusão 31ª), veio invocar matéria de facto não constante do probatório e da qual pretende retirar apoio para a sua fundamentação jurídica.
Deste modo, não estando em causa exclusivamente matéria de direito, este Supremo Tribunal é incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, independentemente da atendibilidade ou relevo daquele facto.
Ouvidas as partes sobre esta questão, veio a recorrente pronunciar-se sobre ela nos seguintes termos:
A conclusão 31ª) não manifesta divergência com o decidido em sede da matéria de facto, pretendendo daí retirar apoio para a sua fundamentação de direito, constituindo antes uma afirmação da doutrina jurídica existente sobre a matéria. Não se trata, portanto, de um facto de conhecimento pessoal da recorrente da qual esta se pretenda fazer valer e daí retirar qualquer consequência jurídica.
A recorrida, por sua vez, entende também que este Supremo Tribunal é o competente para conhecer do recurso, louvando-se nos seguintes argumentos:
a) Por um lado, a recorrente não retira daquela conclusão qualquer consequência jurídica;
b) Por outro lado, a recorrente também não faz prova alguma, nem veio juntar qualquer elemento, nem demonstra qualquer intenção de o vir a fazer;
c) O ónus da prova da ilegalidade da taxa cabia à recorrente, não podendo agora o presente recurso servir como nova fase da produção de prova.
Vejamos então se ocorre ou não a suscitada incompetência.
VII.1.1. A conclusão 31ª) é do seguinte teor:
“A B… não prestou qualquer esclarecimento público sobre a cobrança deste encargo e sobre a forma de cálculo do mesmo, apesar dos sucessivos pareceres negativos sobre o mesmo formulados pelo Comité de Utilizadores do aeroporto, daqui resultando que a A…, como os demais operadores económicos, não têm qualquer informação sobre o destino das receitas provenientes da cobrança deste encargo específico que lhe permita aferir da justificabilidade do mesmo, já para não falar do respectivo controle da legalidade”.
De acordo com o artº. 26.º, alínea b), do ETAF, compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito.
O artº. 38.º, alínea a), do mesmo diploma, por sua vez, atribui competência à Secção do Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos tribunais tributários, com excepção dos referidos na citada alínea b) do artº. 26.º.
O artº. 280.º, n.º 1, do CPPT prescreve também que das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso para o Tributário do Tribunal Central Administrativo, salvo se a matéria do mesmo for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
*
Sendo embora certo que a jurisprudência deste Supremo Tribunal nesta matéria foi durante muito tempo no sentido de que, invocado qualquer facto não constante do probatório, estávamos perante questão de facto determinante da incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal, independentemente da relevância ou irrelevância do facto para a decisão (Neste sentido, por exemplo os Acórdãos de 29.05.2002 – Processo nº 0469/02 e 18.06.2008 – Processo nº 0276/08), vem-se entendendo hoje que mesmo sendo invocados factos não levados ao probatório, o STA mantém a sua competência para o conhecimento da questão de direito, se os factos constantes do probatório tal consentirem e os factos invocados nas conclusões logo abstractamente irrelevarem para o conhecimento dessa questão (neste sentido V. o acórdão de 20.01.2010 – Processo nº 0950/09).
VII.1.2. Ora, examinando o teor da transcrita conclusão, desde logo se vê que o facto não foi levado ao probatório. Mas também se verifica que o que está em causa nos autos é a qualificação do tributo cobrado à recorrente como taxa e o facto em causa é absolutamente irrelevante em abstracto, para conduzir a tal qualificação. Com efeito, mesmo que tal facto fosse levado ao probatório, só por si seria irrelevante para se poder concluir pelas características da taxa.
Aliás, mais do que um facto, estamos perante um argumento baseado na doutrina para justificar também o teor da conclusão 39ª).
Deste modo, entende-se não estar em causa discordância com a matéria de facto, resumindo-se a matéria do recurso a matéria exclusivamente de direito, pelo que improcede a suscitada questão da incompetência em razão da hierarquia.
Posto isto, passemos seguidamente a conhecer do objecto do recurso.
VIII. Para concluir que o tribunal “a quo” errou na aplicação do direito – artºs 1º e 16º da Directiva 96/67/CE, 8º, nº 3 da CRP e 74º, nº 1 da LGT – veio a recorrente argumentar do seguinte modo:
a) O TJUE, no Processo nº C-181/06, veio estabelecer de forma clara um princípio e uma excepção. O princípio é o de que o Direito Comunitário se opõe à regulamentação nacional com base na qual foi liquidado o tributo impugnado. A excepção será a “não oposição”, dependente da verificação de um conjunto de condições.
Ora, não tendo a recorrida feito prova dessas condições - cabendo-lhe o ónus da prova – foi violado o princípio consagrado no artº 74º, nº 1 da LGT.
b) De todo o modo, as condições exigidas pelo TJUE para conformidade das taxas liquidadas e cobradas à recorrente foram as seguintes:
1ª) Que a taxa de assistência administrativa em terra e supervisão fosse devida como contrapartida pela totalidade dos serviços definidos no ponto 1 do anexo à Directiva nº 96/67/CE do Conselho, de 15 de Outubro de 1996;
2ª) Que a taxa não constitua uma segunda tributação se serviços já remunerados por outra taxa ou imposição;
3ª) Que a taxa preencha critérios de pertinência, objectividade, transparência e não discriminação.
c) Ora, quanto à 1ª condição, a mesma não ocorre, porquanto:
1. Não existe qualquer ligação entre os serviços compreendidos no ponto 1 do anexo da citada Directiva e a taxa liquidada pela ora recorrida “B…”.
2. A taxa não incide sobre os operadores económicos que realizem assistência em escala em regime de auto-assistência.
3. Quer os prestadores de serviços a terceiros, quer os que realizam auto-assistência têm necessariamente acesso à infra-estrutura aeroportuária pagando já taxas para aí terem acesso.
d) Quanto à 2ª condição também a mesma não ocorre já que a taxa se reconduz a serviços já remunerados por outras taxas (taxas cobradas pelo “INAC” ou outras taxas cobradas pela “B…”) ou serviços que não são utilizados de forma exclusiva, concreta e individualizada pelos respectivos sujeitos passivos, mas antes por todos os operadores.
e) Quanto à 3ª condição, verifica-se também a falta de preenchimento dos critérios de pertinência, já que aplicar uma taxa “ad valorem” sobre o volume de negócios não é um incentivo à liberalização e entrada no mercado por parte de novos operadores, nem conduz à minimização de custos.
Não existe também objectividade e transparência na taxa, uma vez que as disposições nacionais não determinam claramente os serviços fornecidos pela “B…”, nem definem com precisão o modo de cálculo da mesma, omitindo totalmente a explicação sobre a forma como se chegou ao valor de 3,5% e sobre as realidades compreendidas na base da tributação.
Quer a lei, quer a decisão do Conselho de Administração da recorrida, são omissos sobre esta matéria.
f) Finalmente, a taxa é discriminatória uma vez que a única justificação para o facto de apenas os prestadores a terceiro pagarem a taxa (e os utilizadores de auto-assistência não) é a circunstância de só eles realizarem um lucro, como resulta de forma clara e expressa do assumido pela B… no artigo 72° da sua contestação ao reconhecer que o que se tributa com esta taxa é o benefício financeiro obtido pela Impugnante com a prestação do serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil.
Ora, a recorrente, enquanto prestadora de assistência em escala a terceiros, também paga taxas de tráfego, daqui resultando cabalmente demonstrado, que existe uma discriminação não justificada entre prestadores de assistência em escala a terceiros e utilizadores em auto-assistência, dado que ambos utilizam os mesmos equipamentos e infra-estruturas aeroportuárias para a prestação de assistência em escala e ambos pagam as correspondentes taxas de tráfego pelos equipamentos aeroportuários específicos que utilizem (taxa de aterragem e descolagem, taxa de estacionamento, taxa de abrigo, taxa de serviço a passageiros, taxa de abertura de aeródromo, taxas de assistência em escala - artºs. 4° a 9° do DR. nº 12/99), mas apenas os prestadores de assistência a terceiros (como a recorrente) pagam uma taxa suplementar designada de assistência administrativa em terra e supervisão (que de acordo com a própria B…, remunera exactamente os mesmos serviços que as taxas de tráfego).
IX. A tese da recorrida, por sua vez, assenta nos seguintes argumentos:
Os operadores ou prestadores de serviços de assistência em escala, designadamente a recorrente, utilizam as infra-estruturas aeroportuárias que a B… põe ao seu dispor para prestarem os seus serviços de assistência administrativa em terra e supervisão;
Se esta taxa fosse considera ilegítima, isso significaria que qualquer handler poderia utilizar gratuitamente as infra-estruturas públicas aeroportuárias de que carece para o exercício da sua actividade comercial, em total desconsideração pelos elevadíssimos custos que a B… (ou seja, o Estado, a colectividade) suporta com os aeroportos;
A justificação para a bilateralidade da taxa de assistência administrativa em terra e supervisão assenta nas utilidades proporcionadas aos operadores de handling pela B…, desde logo, a utilização das infra-estruturas aeroportuárias (por exemplo, plataformas de estacionamento de aeronaves e vias de circulação rodoviária);
E, depois, também a inspecção e vigilância das actividades dos próprios prestadores de serviços de assistência em escala no âmbito da segurança operacional (por exemplo, verificar se os prestadores estão a desenvolver as actividades para que estão licenciados, se é correcto o nível de qualidade dos equipamentos, a qualificação do pessoal, etc.);
Não existe possibilidade de dupla tributação já que o utilizador ou o prestador de serviços que prestam serviços de assistência em escala devem efectuar uma rigorosa separação contabilística, de acordo com as práticas comerciais em vigor, entre as actividades ligadas à prestação desses serviços e as suas restantes actividades, não havendo assim possibilidade de dupla tributação objectiva (sobre as mesmas actividades);
Por outro lado, as taxas têm a sua causa - função numa utilização económica individualizada e diferenciada de um bem do domínio público, não sendo necessário que essa utilização seja exclusiva;
Nos presentes autos não existe qualquer taxa de tributação pelo acesso ao mercado de handling.
O considerando 25 da Directiva 96/67/CE prevê claramente que o acesso às instalações aeroportuárias deve poder dar lugar à cobrança de uma remuneração;
A regra comunitária plasmada no n.º 3 do art. 16.° da Directiva 96/67/CE é a de que a entidade gestora dos aeroportos tem o direito de cobrar uma taxa de utilização das instalações aeroportuárias aos operadores de handling, definindo-se um conjunto de limites - estabelece-se aí expressamente que: “sempre que o acesso às instalações aeroportuárias implicar a cobrança de uma remuneração, esta será determinada com base em critérios pertinentes, objectivos, transparentes e não discriminatórios”;
A taxa de assistência administrativa em terra e supervisão não se confunde com a taxa de licenciamento para exercício da actividade de handler (INAC), nem com a taxa de infra-estruturas centralizadas (que não existe em Portugal), nem com a taxa (por utilização) de equipamentos, nem com a taxa de ocupação (por uso exclusivo de gabinetes no aeroporto, por exemplo), nem com a taxa de aterragem e descolagem, nem com a taxa de estacionamento, nem com a taxa de consumo - todas elas têm por objecto diferentes factos tributários;
Não existindo por isso qualquer dupla tributação objectiva (sobre o mesmo facto tributário);
A taxa em apreço está em perfeita conformidade com o princípio da transparência, uma vez que os dados de direito e os dados de facto revelam com suficiente clareza os serviços de gestão de infra-estruturas e de segurança a fornecer pela Entidade Impugnada e as causas da existência desta taxa - e o modo de cálculo da taxa também se encontra claramente definido (assegurado, além do mais, pelo princípio da separação contabilística);
A taxa impugnada não é discriminatória porque a justificação para a taxa impugnada recair sobre os prestadores de serviços de handling não é a circunstância de só eles realizarem um lucro, mas, sim, o facto de, apesar de tanto os prestadores como os utilizadores se servirem das instalações aeroportuárias, os utilizadores, ao prestarem a si próprios serviços de assistência, já pagam por essa utilização por via das chamadas “taxas de tráfego”.
Por sua vez, o prestador não é uma companhia ou transportadora aérea, devendo a remuneração devida pela utilização das infra-estruturas aeroportuárias ser liquidada ao abrigo da taxa de assistência em escala, na modalidade de assistência administrativa em terra e supervisão.
Nos casos em que o prestador de serviços de assistência em escala é também uma transportadora aérea, há sempre, nessa situação, duas actividades comerciais distintas - o transporte aéreo e os serviços de assistência em escala a terceiros -, aparecendo sempre essa pessoa em qualidades ou sob títulos jurídicos ou empresariais autónomos, sendo por isso as respectivas actividades, num e noutro caso, desenvolvidas através de processos diferenciados, com pessoal e meios operacionais diversos e que utilizam as infra-estruturas aeroportuárias a títulos distintos (logo, mais agravadamente, mais intensamente).
Ou seja, há aí dois factos distintos (o transporte aéreo e os serviços de assistência em escala) justificativos da tributação de duas utilizações distintas das instalações aeroportuárias (uma como transportadora aérea, outra como prestador);
A taxa impugnada é pertinente e objectiva, pois o montante é proporcional e equilibrado com o “custo do serviço” ou com o custo da manutenção das utilidades divisíveis prestadas pela B…, tendo sido fixada com base em critérios racional e financeiramente justificados;
No fim de cada ano, o total do encaixe tributário da B… não ultrapassa o total dos custos suportados em virtude da prestação de serviços de assistência administrativa em terra e de supervisão a terceiros;
O facto de a taxa incidir sobre o volume de negócios dos prestadores (revelador da maior intensidade da sua actividade, pois os preços de mercado são substancialmente idênticos) justifica-se por constituir um bom indicador da dimensão e nível de actividade do prestador, e, nessa medida, do maior recurso aos serviços que a B… presta a este nível;
O critério definido para o pagamento da taxa (em função do volume de negócios) é transparente, objectivo e pertinente porque um aumento do volume de negócios neste domínio traduz um acréscimo de risco, de desgaste e de entradas e de saídas, a implicar procedimentos mais acentuados de supervisão, de manutenção e de gestão de forma a evitar irregularidades que possam impedir o normal funcionamento do aeroporto;
Vejamos qual destas teses colhe, em nosso entender, o apoio legal.
X. O transporte aéreo, como é sabido, é actualmente objecto de grande concorrência, sendo relevante neste tipo de mercado as condições oferecidas nos vários aeroportos do mundo aos operadores aéreos e aos próprios passageiros, quer em termos de serviços, quer em termos de taxas, quer a nível de segurança, etc.
Daí que as taxas aeroportuárias se revistam de grande importância no mercado concorrencial, contribuindo para a atracção das companhias aéreas a aeroportos com taxas mais favoráveis.
Na Europa existem dois tipos de taxas aeroportuárias:
a) “Aviation” - que financiam as atribuições de serviço público desempenhadas pelas entidades gestoras das infra-estruturas aeroportuárias e são pagas pelas companhias aéreas; (Seguimos aqui António Moura Portugal e Maria José Viegas - As taxas de Regulação Económica no Sector dos Aeroportos “in” As taxas de Regulação Económica em Portugal – Coordenação de Sérgio Vasques – Almedina, 2008.)
b) “Non aviation”- que são pagas por particulares que utilizam ou exploram outro tipo de actividade nos aeroportos.
Dada a importância destas taxas ao nível da concorrência e da competitividade, em 1997 a Comissão Europeia apresentou uma proposta de Directiva sobre taxas aeroportuárias com o objectivo de assegurar o respeito dos princípios de não discriminação, de relação com os custos e de transparência em matéria de taxas aeroportuárias. – Proposta de Directiva da Comissão COM (97) 154 final.
Esta proposta, porém, não passou do papel, acabando por ser retirada da discussão em Dezembro de 2001.
Em 2006 veio a ser apresentada nova Proposta – Proposta COM (2006) 820 final.
De acordo com esta proposta os Estados-Membros “adoptam as medidas necessárias com vista a permitir à entidade gestora de cada aeroporto variar a qualidade e o âmbito de serviços, terminais ou partes de terminais aeroportuários, a fim de prestar serviços personalizados ou de disponibilizar a totalidade ou parte de um terminal especializado. O nível das taxas aeroportuárias pode ser diferenciado de acordo com a qualidade e o âmbito desses serviços”.
Porém, no caso dos autos, interessa-nos a Directiva 96/67/CE do Conselho de 15 de Outubro de 1996 relativa ao acesso ao mercado da assistência em escala nos aeroportos da Comunidade, pois foram normas deste diploma as interpretadas pelo TJUE.
Antes, porém, cabe também indicar as normas legais vigentes nesta matéria em Portugal e que a recorrente entende violarem normas da citada Directiva, na interpretação dada pelo TJUE.
X. A matéria das taxas aeroportuárias em Portugal encontra-se regulada nos seguintes diplomas legais:
a) Decreto-Lei nº 102/90, de 21 Março, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 280/90, de 26 de Julho e pelo Decreto-Lei nº 268/2007, de 26 de Julho;
b) Decreto-Lei nº 275/99, de 23 de Julho (que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva 96/67/CE);
c) Decreto-Regulamentar nº 12/99, de 30 de Julho, com a redacção dada pelo Decreto-Regulamentar nº 5-A/2002, de 8 de Fevereiro;
d) Decreto-Regulamentar nº 2/2004, de 21 de Janeiro.
Resulta destes diplomas que as taxas aeroportuárias podem revestir as seguintes modalidades:
a) Taxas de tráfego (artº 4º e segs. do Decreto Regulamentar nº 12/99);
b) Taxas de assistência em escala (artº 10º do Decreto Regulamentar nº 12/99);
c) Taxas de ocupação (artº 18º, nºs 3 e 4 do DL nº 102/90);
d) Outras taxas de natureza comercial (artºs 14º a 24º do Decreto Regulamentar nº 12/99).
No caso dos autos interessam-nos apenas as taxas de tráfego e as de assistência em escala.
As taxas de tráfego compreendem os tributos relacionados com a actividade de aviação, são devidas pela utilização de infra-estrututras aero-portuárias e abrangem as seguintes modalidades:
a) A taxa de aterragem e descolagem (artº 4º);
b) A taxa de controlo terminal (artº 5º);
c) A taxa de estacionamento (artº 6º);
d) A taxa de abrigo (artº 7º);
e) A taxa de serviço a passageiros (artº 8º),
f) A taxa de abertura de aeródromo (artº 9º).
As taxas de assistência em escala estão previstas no artº 2º, alínea g) e anexo I do Decreto-Lei nº 275/99 e 10º do Decreto Regulamentar nº 12/99, e incidem sobre as seguintes modalidades de serviços prestadas pelos respectivos operadores: (transcrevem-se apenas as relacionadas com as autorizadas à recorrente:
“1- A assistência administrativa em terra e a supervisão incluem:
1.1 - Os serviços de representação e de ligação com as autoridades locais ou qualquer outra entidade, as despesas efectuadas por conta do utilizador e o fornecimento de instalações aos seus representantes;
1.2 - O controlo do carregamento, das mensagens e das telecomunicações;

1.4 - Qualquer outro serviço de supervisão antes, durante ou após o voo ou qualquer outro serviço administrativo solicitado pelo utilizador.

2 - A assistência a passageiros inclui qualquer tipo de assistência aos passageiros à partida, à chegada, em trânsito ou em correspondência, nomeadamente o controlo dos bilhetes dos documentos de viagem, o registo de bagagens e o seu transporte até aos sistemas de triagem.

9 - A assistência de operações aéreas e gestão das tripulações inclui:
9.1 - A preparação do voo no aeroporto de partida ou em qualquer outro local;
9.2 - A assistência em voo, incluindo, se necessário, a alteração de rota em voo;
9.3 - Os serviços pós-voo;
9.4 - A gestão das tripulações”.
Quer dizer que as primeiras são devidas pela apreciação do requerimento, emissão e alteração de licença relativa a cada um dos tipos de serviço de assistência em escala, enquanto as segundas, consagradas pela primeira vez no DL nº 275/99, de 23 de Julho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva 96/67/CEE, são devidas como contrapartida pelo acesso às infra-estruturas aeroportuárias.
XI. Vejamos então e seguidamente se as taxas liquidadas à recorrente sofrem da ilegalidade e violação do direito comunitário que lhe são apontadas pela recorrente.
A sentença recorrida, louvando-se nos seis factos levados ao probatório, concluiu:
a) que estamos em presença de uma taxa, uma vez que a mesma visa “permitir que os aeroportos mantenham o seu nível de eficácia no cumprimento da sua missão de gestão das infra-estruturas aeroportuárias que compreende a organização e coordenação do conjunto de actividades, a segurança e a protecção do perímetro aeroportuário”.
E, assim, “o vínculo sinalagmático característico das taxas a estabelecer no presente caso reside no aumento da gestão das infra-estruturas, que não se impõe só em benefício de todos os passageiros, mas também das entidades que prestam serviços de assistência administrativa e de supervisão a terceiros”.
b) O cálculo da taxa “ad valorem” é legal desde que não completamente alheio ao custo ou utilidade extraída pelo contribuinte do serviço em questão. No caso concreto, um aumento do volume de negócios traduz um acréscimo de desgaste e de entradas e saídas, a implicar procedimentos mais acentuados de supervisão, de manutenção e da gestão de forma a evitar irregularidades que possam impedir o normal funcionamento do aeroporto.
E mais adiante: “…há uma íntima ligação entre o volume de negócios e os custos, mas dos autos não resulta que as taxas cobradas têm como objectivo a captação do poder económico, ou seja, que terão ido além do necessário para atingir os fins atribuídos à entidade impugnada.
… Dos documentos juntos aos autos não resulta que os valores das taxas ultrapassam em moldes desrazoáveis, os custos suportados pela entidade impugnada, ao ponto de violarem a lei parlamentar.”.
c) Relativamente à desconformidade com a Directiva 96/67/CE, entendeu a decisão recorrida que não se provou uma desproporção manifesta entre a quantia a pagar e o valor da contraprestação.
Por outro lado, da conjugação dos diplomas nacionais resulta, com suficiente clareza, os serviços de gestão de infra-estruturas e de segurança a fornecer pela entidade impugnada, pelo que não se vislumbra a violação do critério da transparência.
d) Finalmente, foi entendido que não existe violação do princípio da igualdade por não ter paralelo o regime da auto-assistência com o da assistência a terceiros.
XII. Como é sabido, os tributos têm sido classificados pela doutrina como impostos ou como taxas.
Também o artº 3º, nº 2 da LGT estabelece que “Os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas”. A acrescenta o seu nº 3 que “O regime geral das taxas e das contribuições financeiras referidas no número anterior consta de lei especial”.
O artº 165º, nº 1, alínea i) da Constituição da faz também referência ao regime geral das taxas das autarquias e das demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas. (Seguimos aqui Suzana Tavares da Silva – As taxas e a Coerência do Sistema Tributário, págs. 8 e segs.)
O regime geral das taxas das autarquias locais foi aprovado pela Lei nº 53-E/2006, de 29 de Dezembro. Porém, não foi ainda publicado qualquer regime geral relativamente às taxas a favor das demais entidades públicas.
Embora a doutrina se tenha vindo a insurgir contra a admissão de uma terceira figura de natureza tributária que se aproximaria da taxa pela existência de uma vantagem individual do contribuinte e do imposto pelo facto de essa vantagem não resultar de um serviço directamente prestado ao respectivo utente (V. Braz Teixeira – Princípios de Direito Fiscal, Vol I, Almedina, 1993, págs. 45/47.), a doutrina mais recente vem defendendo que a Constituição admite um “tertio genus” tributário – as chamadas contribuições especiais. (V. Gomes Canotilho e Vital Moreira – CRP Anotada, nota ao artº 103º, pág. 1095.)
Outros autores consideram que as receitas destinadas a financiar entidades públicas não são taxas em sentido técnico-jurídico, mas também não podem ser tratados como impostos, devendo ser reconduzidas ao regime jurídico dos impostos ou das taxas. (V. Cardoso Costa – Sobre o Princípio da legalidade das taxas, págs. 805/807.)
Parece então que, enquanto o legislador não aprovar o regime geral das contribuições financeiras a favor de entidades públicas, os tributos deverão continuar a ser reconduzidos ao regime jurídico dos impostos, quando o sujeito passivo não aufira um benefício individualizado, e ao regime jurídico das taxas, quando exista uma contraprestação específica.
XIII. Aqui chegados cumpre apurar se os tributos liquidados e cobrados à recorrente podem classificar-se como taxas e, em caso afirmativo, se ofendem o direito comunitário.
XIII.1. O conceito de taxa vem desde há muito sendo tratado no nosso meio jurídico, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional.
O artº 4º da LGT estabelece a seguinte diferença entre taxas, impostos e contribuições especiais, nos seguintes termos:
Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.
As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
As contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens.
Daqui resulta então que as taxas se destinam:
a) a financiar prestações divisíveis e individualizadas de serviços públicos funcionando como correspectivo das mesmas e desde que a criação desse serviço público resulte de uma necessidade gerada directa ou indirectamente pelo sujeito passivo e que a mesma apenas possa ser imposta aos destinatários do serviço, embora se não exija que os destinatários sejam beneficiados por ele;
b) a remunerar um encargo específico ocasionado pela remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de uma actividade de que o sujeito passivo é único beneficiário ou beneficiário diferenciado (correspondendo o valor da taxa, nesta última hipótese, apenas à medida dessa diferença);
c) a compensar a comunidade por um aproveitamento individualizado que o sujeito passivo faz de um bem do domínio público, o qual, por força daquela utilização, deixará de estar afecto a um uso geral pela comunidade por a um uso especial por outros interessados. (Suzana Tavares da Silva, Ob. citada, págs. 22/23.), (Isto porque, em regra, o uso comum ou geral do bem é gratuito, daí que a cobrança sistemática de tributos pela utilização comum de bens do domínio público representaria uma restrição à liberdade de cada um (Alberto Xavier - Manual de Direito Fiscal, pág. 51).)
De resto só a utilização privativa e o aproveitamento especial de bens do domínio público são adequados ao conceito de facto tributário da taxa, só fazendo sentido também falar em benefício individualizado na utilização por privados no caso de monopólio detido sobre o bem pela entidade pública.
A bilateralidade das taxas constitui então “uma dimensão do património constitucional” de um Estado fiscal, podendo a contraprestação específica da entidade pública consistir no exercício de uma actividade administrativa, na utilização de infra-estruturas administrativas ou na atribuição de uma posição jurídica substantiva.
E, assim, a taxa distingue-se dos impostos que assentam exclusivamente na capacidade contributiva.
Em conclusão, é a verificação de uma contraprestação específica por parte de uma entidade pública e de um benefício individualizado por parte do sujeito passivo que legitima as taxas num Estado fiscal.
No caso dos autos, a taxa paga pela recorrente teria como contra-prestação a utilização das infra-estruturas aeroportuárias, cujos custos de manutenção incumbem à “B…”, ora recorrida, à qual cabe a fixação da mesma taxa.
XIII.2. A “B…, EP - ”, foi criada pelo artº 1º do Decreto-Lei nº 122/77, de 31 de Março, regendo-se por Estatuto anexo aquele diploma.
Acontece, porém, que pela Resolução nº 136/78 do Conselho de Revolução, foi declarada a inconstitucionalidade das normas contidas no Decreto-Lei nº 122/77, de 31 de Março, pelo que a mesma empresa acabou por ser criada pelo artº 1º do Decreto-Lei nº 246/79, de 25 de Julho, com Estatutos publicados em anexo a este diploma.
O artº 2º deste diploma veio estabelecer o seguinte:
“1 - A B…, E, P., é uma pessoa colec­tiva de direito público, dotada de autonomia adminis­trativa, financeira e patrimonial, que exerce os po­deres e prerrogativas que lhe são conferidos por lei ou pelo Estatuto, sem prejuízo da competência tutelar cometida por este ou outros diplomas aos órgãos do Estado.
2 - Consideram-se abrangidos pelo disposto no número anterior os poderes do Estado quanto:
a) Ao licenciamento e concessão para utilização do domínio público aeroportuário afecto às actividades da B… E.P., bem como à prática de todos os actos respeitantes à execução, modificação e extinção da licença ou concessão;
b) À fixação das taxas a cobrar pela utilização dos aeroportos e pela ocupação de espaços destinados às actividades comerciais e industriais nos termos dos respectivos esta­tutos;
c) À cobrança coerciva de taxas e rendimentos provenientes da sua actividade;
d) À expropriação por utilidade pública, ocupação de terrenos, implantação de traçados, exercício de servidões administrativas e ae­ronáuticas ou dos poderes definidos para as zonas de protecção;
e) À protecção das suas instalações e do seu pessoal;
f) À fiscalização dos serviços, à definição de in­fracções e à aplicação das consequentes sanções, sem prejuízo da competência con­ferida por lei às entidades responsáveis no âmbito da defesa nacional e à DGAC;
g) À responsabilidade civil extracontratual”.
Por sua vez, o artigo 25º dos respectivos Estatutos determina também o seguinte:
“ Constituem proveitos da empresa:
a) As receitas e taxas resultantes da sua acti­vidade, cobradas directamente ou através de organizações internacionais especializa­das, às quais, para o efeito, a Empresa se encontre associada por qualquer forma;
b) As compensações referidas no nº 2 do ar­tigo 23º deste Estatuto;
c) Os rendimentos dos bens próprios;
d) O produto da alienação ou oneração dos bens próprios;
e) As taxas devidas pela ocupação ou utilização dos bens públicos cuja administração ou exploração lhe foi confiada;
f) As receitas resultantes da cedência, por qual­quer forma, de tecnologia, serviços e bens produzidos no âmbito da sua actividade principal ou acessória;
g) Doações, heranças ou legados que lhe sejam feitos;
h) Quaisquer outros rendimentos ou valores que provenham da sua actividade ou que, por lei ou contrato, lhe devam pertencer”.
Por cisão da Empresa Pública, B…, E.P., criada pelo Decreto-Lei nº 246/79, de 25 de Julho, esta foi transformada em sociedade anónima com a denominação B…, S.A., adiante designada abreviadamente por B…, S.A. pelo DL nº 404/98, de 18 de Dezembro
Os artºs 12º e 14º desse diploma vieram determinar o seguinte:
“Artigo 12º
Objecto e âmbito da concessão
1 - À B…, S. A., é atribuída a concessão de serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil.
2 - A concessão atribuída à B…, S. A., tem por objecto o direito de explorar o serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil, consubstanciado no estabelecimento, gestão e desenvolvimento de infra-estruturas aeroportuárias e compreendendo:
a) A prestação do serviço destinado a assegurar a partida e chegada de aeronaves e o embarque, desembarque e encaminhamento de passageiros, carga e correio nos Aeroportos de Lisboa, Porto, Faro, Santa Maria, Ponta Delgada, Horta e Flores, bem como noutras infra-estruturas aeroportuárias em que lhe venha a ser cometida pelo Governo aquela prestação de serviço;
b) A manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas aeroportuárias dos aeroportos referidos na alínea anterior, bem como noutras infra-estruturas em que lhe venha a ser cometida pelo Governo aquela actividade;
Artigo 14º
Poderes e prerrogativas de autoridade
1 - Para prossecução do serviço público que lhe está concessionado e sem prejuízo de outros que lhe sejam conferidos por lei ou pelos Estatutos, a B…, S.A., detém os poderes e prerrogativas do Estado quanto:
a) Ao licenciamento e concessão, nos termos da lei aplicável à utilização do domínio público aeroportuário, da ocupação e exercício de qualquer actividade nos terrenos, edificações e outras infra-estruturas afectas à actividade da sociedade, bem como à prática de todos os actos respeitantes à execução, modificação e extinção das licenças e concessões;
b) À fixação, nos termos da lei aplicável, das taxas a cobrar pela ocupação de terrenos, edificações ou outras instalações e pelo exercício de qualquer actividade na área dos aeroportos incluídos no âmbito da concessão;
O artº 16º, nº 1 do Decreto-Lei nº 102/90, de 21 de Março, veio determinar também que “Pela ocupação dos terrenos, edifícios ou outras instalações, bem como pelo exercício de qualquer área de actividade na área dos aeroportos a aeródromos públicos, pela sua utilização ou dos respectivos serviços e equipamentos são devidas taxas”.
Em face das normas legais acima referidas a recorrida está legitimada para liquidar e cobrar taxas pelo acesso e uso de instalações aeroportuárias.
A questão que põe em relação à recorrente é que não bastam meras alegações de direito ou conclusões eventualmente retiradas da experiência ou da lógica – como fazem a recorrida e a sentença recorrida - para justificar a liquidação das taxas.
Já se sabe que a assistência em escala implica - pode implicar - o uso de instalações aeroportuárias. Mas não basta essa conclusão lógica e genérica para se exigir uma taxa. A taxa não pode assentar na prestação de um serviço genérico, nem na genérica utilização do domínio público.
Assim para que se pudesse concluir que a taxa em causa era pelo acesso a instalações portuárias, necessário era que isso estivesse provado nos autos, resultasse da licença ou da lei.
Ora, não só o probatório é completamente omisso nesse âmbito, como a própria licença que a alínea A) do probatório reproduziu parcialmente (v. fls. 37/46) nada adianta. Com efeito, tal licença limita-se a autorizar o exercício da actividade da assistência em escala, em regime de assistência a terceiros, à recorrente, sem referir absolutamente nada quanto a acesso a instalações.
É certo que, tal como a recorrida refere nas suas contra-alegações de fls. 612, a prestação de serviços de assistência em escala e a existência (e gestão) de infra-estruturas aeroportuárias são indissociáveis, já que para prestarem os seus serviços de assistência administrativa em terra e supervisão os prestadores utilizam as instalações aeroportuárias que a B… administra e que põe ao seu dispor para esse efeito. Porém, esta mera constatação é irrelevante para a matéria que nos ocupa.
Com efeito e não obstante a recorrida alegar que a taxa assenta nas utilidades prestadas por ela à recorrente no exercício da actividade comercial desta, designadamente das instalações aeroportuárias (entendidas como as infra-estruturas e os equipamentos postos à disposição pelo aeroporto), bem como pelas tarefas administrativas de inspecção e vigilância das actividades dos prestadores de serviços, a verdade é que esta argumentação não convence.
XIV. Conforme resulta dos autos, o Acórdão do TJUE, proferido no Processo nº C-181/06 em sede de reenvio prejudicial, em processo em que era discutida a mesma questão, pronunciou-se nos seguintes termos:
“O direito comunitário opõe-se a uma regulamentação nacional como a prevista nos artigos 10,°, n.° 1 do Decreto Regulamentar n.° 12/99, de 30 de Julho, e 18,°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 102/90 de 21 de Março, conforme alterado pelo Decreto-Lei n.° 280/99, de 26 de Julho, a menos que a taxa de assistência administrativa em terra e supervisão prevista nesta legislação seja devida como contrapartida pela totalidade ou parte dos serviços definidos no ponto 1 do anexo da Directiva 96/67/CE do Conselho, de 15 de Outubro de 1996, relativa ao acesso ao mercado da assistência em escala nos aeroportos da Comunidade, e não constitua uma segunda tributação de serviços já remunerados por outra taxa ou imposição. Se se concluir, no termo das averiguações levadas a cabo pelo órgão jurisdicional de reenvio, que a taxa em causa no processo principal constitui uma taxa de acesso às instalações aeroportuárias, cabe a este órgão jurisdicional verificar se a taxa em causa preenche os critérios de pertinência, de objectividade, de transparência e de não discriminação, conforme definidos no artigo 16.°, n.° 3, da Directiva 96/67”.
Como bem refere a recorrente, a interpretação dada pelo TJUE tem força obrigatória para o tribunal de reenvio, sendo certo, tal como resulta do teor do próprio acórdão, que o reenvio prejudicial foi efectuado no âmbito de processo que correu pelo TAF do Porto.
Também a recorrida entende que sendo “sem dúvida jurisprudência importante para este caso, há sempre que tomá-la em consideração. Foi de resto o que fez a sentença recorrida…”
Ora, conforme se escreveu no Acórdão do então TCE, de 06.10.1982 – Processo nº 282/81, caso CUILFIT – Colectânea de Jurisprudência 1982, pág. 3415:.” Se o artº 177º, 3º parágrafo do Tratado obriga – sem excepção – as jurisdições nacionais cujas decisões não são susceptíveis de um recurso judicial interno, a submeter ao Tribunal qualquer questão de interpretação perante elas suscitada, a autoridade da decisão anteriormente proferida pelo Tribunal pode no entanto privar essa obrigação da sua razão de ser e esvaziá-la assim do seu conteúdo; é o que se verifica quando a questão suscitada é materialmente idêntica a outra que tenha sido objecto de uma decisão a título prejudicial num caso análogo, ou quando o ponto de direito em causa tenha sido resolvido por uma jurisprudência constante do Tribunal ..
Fica no entanto claro que em todas as hipóteses as jurisdições nacionais, incluindo as visadas no 3º parágrafo do artº 177, mantém inteira liberdade para se dirigir ao Tribunal, se o julgarem oportuno. ”
No caso dos autos, a instância esteve suspensa até 21.05.2008 (v. fls. 429), em virtude de se aguardar a decisão do TJUE em sede de reenvio prejudicial determinado pelo TAF do Porto no Processo nº 72/2001, em que estavam em causa taxas do mês de Agosto de 2000, portanto sobre questão materialmente idêntica à destes autos.
Ora, embora como se referiu, nada obstasse a que também nestes autos se efectuasse novo reenvio, a verdade é que tanto o Mmº Juiz recorrido, como as partes, aceitam a sua desnecessidade, dada a interpretação já efectuada no citado Acórdão do TJUE de 05.07.2007. (Sobre o reenvio prejudicial e os efeitos do Acórdão proferido pelo TJUE, v. João Mota de Campos – Direito Comunitário – Vol. II, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, págs. 411/443.)
XIV.1. Vamos então verificar se a sentença recorrida aplicou correctamente ao caso concreto a interpretação resultante do acórdão do TJUE, o que nos leva a ter de resolver duas questões:
a) Saber se a taxa de assistência administrativa em terra e supervisão é devida como contrapartida pela totalidade ou parte dos serviços definidos no ponto 1 do anexo da Directiva 96/67/CE do Conselho;
b) Saber se a mesma não constitui uma segunda tributação de serviços já remunerados por outra taxa ou imposição;
Perante a resposta afirmativa a essas duas questões, cumprirá então apurar se as taxas respeitam os critérios de pertinência, objectividade e transparência e não discriminação consagrados no artº 16º, nº 3 da citada Directiva.
XIV.2. Seguindo aqui as Conclusões do Advogado Geral J. MAZÁK, apresentadas em 19 de Abril de 2007 no Processo nº C-181/06, onde foi proferido o Acórdão acima identificado, “Na medida em que o Governo português sustenta que a taxa é paga pela prestação do serviço público do serviço aeroportuário e pela utilização de um bem do domínio público, devo dizer que esse serviços prestados me parecem muito genéricos e remotos em relação à utilização efectiva das instalações aeroportuárias…”, não se pode daqui concluir que estamos perante taxa, em sentido técnico-jurídico de acesso e uso de instalações aeroportuárias, antes corresponde a uma taxa pela concessão da possibilidade de desenvolver uma actividade comercial.
Na verdade, como bem refere a recorrente a fls. 481, não resulta dos autos qualquer serviço identificável e concreto prestado pela recorrida à recorrente no âmbito do acesso às instalações aeroportuárias.
Por outro lado, se fossem de seguir os argumentos da sentença recorrida, não se compreende por que motivo a auto-assistência tem regime diferente, respeitando a serviço idêntico.
Finalmente, a fixação da percentagem da taxa em função do volume de negócios reforça a ideia de que estamos perante tributação da capacidade contributiva, procurando-se tributar estas entidades para, de um modo global, financiar a gestão das instalações aeroportuárias.
Concluímos então no sentido de que não ocorre esta condição estabelecida no acórdão.
De todo o modo, e caso se aceitasse a tese da recorrida e da decisão recorrida, nesta parte, ainda assim, não se verificariam as restantes condições do acórdão, como passaremos a justificar.
XIV. 3. Saber se a mesma taxa não constitui uma segunda tributação de serviços já remunerados por outra taxa ou imposição.
A recorrida veio justificar, como já se referiu acima (v. fls. 74 e 338 e sgs.), que a taxa tem como contrapartida o acesso e utilização dos espaços integrados no domínio público aeroportuário e a disponibilização de infra-estruturas ou instalações aeroportuárias (plataformas de estacionamento de aeronaves, vias de circulação rodoviárias, custos de conservação e reparação de infra-estruturas, custos com a limpeza, custos associados à rede colectora, ao consumo de electricidade, água, ambiente, etc.
A isto responde a recorrente dizendo que, ainda que isto fosse correcto, estas contrapartidas constituem objecto de outras taxas, a saber:
- taxa de ocupação (artº 13º, nº 1 do DR nº 12/99); (“A taxa de ocupação é devida pela utilização privativa para qualquer fim de espaços, edifícios, gabinetes, hangares e outras áreas dos aeroportos ou aeródromos, sendo definida por unidade métrica, zona, finalidade, localização e períodos horário, diário ou mensal de utilização, podendo ser diferenciada em função do prazo da ocupação e ou sujeita a valores máximos por tipo de ocupação ou utilização.”)
- taxa de aterragem e descolagem e taxa de estacionamento (artº 4º, nº 3 do DR nº 12/99), (“A taxa de aterragem e descolagem constitui contrapartida da utilização das infra-estruturas inerentes à circulação de aeronaves no solo, da utilização das ajudas visuais inerentes à aterragem e descolagem, circulação no solo e ainda do estacionamento da aeronave até ao limite de períodos de tempo a definir, imediatamente depois da aterragem e imediatamente antes da descolagem”.)
- taxa de consumo (artº 16º, nº 1 do DR nº 12/99). (“A taxa de consumo é devida pelo fornecimento de quaisquer produtos ou bens, tais como água, telefones, energia, solicitados aos aeródromos e aeroportos por quaisquer entidades”.)
Portanto, também este argumento não colhe, quer porque estamos perante actividades ou serviços já remunerados por taxas específicas e existentes, quer por se tratar de actividades que são igualmente utilizadas e usufruídas por todos os utilizadores de assistência em escala, seja prestadores de assistência em escala a terceiros, seja prestadores de auto-assistência em escala.
Acresce, por outro lado ainda, que a recorrente é também titular de licença emitida pelo INAC para o exercício da actividade para cada um dos tipos de serviços de assistência em escala (V. alínea D) do probatório).
Essa licença está também sujeita a taxa para acesso à actividade de assistência em escala. Sendo certo que a assistência em escala também só pode ser exercida nas instalações aeroportuárias, utilizando aqui o raciocínio da recorrida para pretender justificar a bilateralidade pelo uso das instalações, temos que aquela licença envolve já o uso e acesso às instalações aeroportuárias, pelo que não têm justificação as taxas ora liquidadas.
Esta duplicação de taxas – INAC e B… - motivou a António Moura Portugal e Maria José Viegas – As taxas de Regulação Económica no Sector dos Aeroportos (pág. 92) o seguinte comentário:
“A coabitação dos regimes legais descritos - que levam à existência de dois tipos de taxas com o mesmo âmbito de incidência objectiva, com destinatários distintos - coloca sérias dúvidas quanto à respectiva legalidade, mais a mais num mercado supostamente liberalizado e de livre acesso, em que o enquadramento legal comunitário limita fortemente a possibilidade de cobrar taxas pelo exercício desta actividade.
De facto, as taxas devidas pela emissão de licença para cada um dos tipos de serviços de assistência em escala cobradas pelo INAC constituem um exemplo clássico de remoção de limites jurídicos que não possibilitam a utilização de um bem semi-público.
Ora, logo aqui é discutível a existência do tributo, porquanto, como se refere na Directiva Handling, se trata de um sector liberalizado, em que apenas o acesso às infra-estruturas aeroportuárias pode estar sujeito ao pagamento de uma remuneração.
Em suma, a Directiva apenas permite a criação de um tributo como contrapartida pelo acesso à infra-estrutura e não pelo acesso à actividade económica, como sucede de forma flagrante com a imposição do pagamento de taxas ao INAC para atribuição de uma licença virtual. Por outro lado, a Directiva só admite a cobrança de uma única remuneração, limite quantitativo que também não é respeitado pelo actual regime em vigor em Portugal, que cumula as taxas devidas ao INAC pelo licenciamento para o exercício da actividade com as taxas pelo exercício da assistência em escala devidas à B…, S.A.
Se aos argumentos expostos se adicionar um último - falta de evi­dência da natureza remuneratória - que, como se verá adiante, não é exclusivo das taxas devidas ao INAC, a desconformidade com o regime comunitário resulta evidente”.
Aqui chegados temos então de concluir que as taxas em causa violam o direito comunitário, porque não constituem contrapartida pela totalidade ou parte dos serviços definidos no ponto 1 da Directiva 96/67/CE e, por outro lado, constituem uma segunda tributação de serviços remunerados por outra taxa ou imposição.
E, respeitando o Acórdão do TJUE, poderíamos ficar por aqui, julgando procedente a impugnação com a consequente revogação da decisão recorrida.
No entanto, para que dúvidas não restem sobre a ilegalidade das taxas, iremos ainda apreciar os critérios definidos no artº 16º, nº 3 da citada Directiva, desde já se adiantando que os mesmos também não se encontram preenchidos.
XV.1. Critério da pertinência
“Para preencher os requisitos pertinentes, a remuneração deve estar relacionada com as despesas em que a EGA incorre para disponibilizar as instalações que deve assegurar aos prestadores e aos utilizadores que praticam auto-assistência.
…Com efeito, considero que as EGA devem ser impedidas de cobrar um tipo de “taxa de concessão” com o fundamento de que os serviços de assistência em escala foram liberalizados na Comunidade, visto que isto seria claramente incompatível com a Directiva 96/67 e com o modo como o Tribunal de Justiça a interpreta. Por conseguinte, concordo com a posição segundo a qual não deve ser permitido aos aeroportos cobrarem taxas não relacionadas com custos e que, em vez disso, sejam uma espécie de direito de exploração. Além disso, como foi sublinhado, o regime introduzido pela Directiva destina-se a estabelecer o livre acesso ao mercado da assistência em escala, ao mesmo tempo que procura reduzir efectivamente os custos das companhias aéreas, e não o contrário” (Conclusões do Advogado Geral J. MAZÁK, nº 40 (pág. 219/220),.
Ora, o artº 10º, nº 1 do DR nº 12/99, limita-se a dizer o seguinte:
São devidas taxas de assistência em escala pelo exercício de quaisquer das modalidades que integram os serviços referenciados na lista constante do anexo I do Decreto-Lei nº 275/99, de 23 de Julho, nos termos seguintes:
1) A taxa de assistência administrativa em terra e supervisão é devida pelos prestadores de serviços e será definida em função do volume de negócios realizado, por aplicação de um valor percentual;”
E também o artº 18º, nº 2 do DL nº 280/99, de 26 de Julho, se limita a estabelecer a competência para a fixação das taxas, nos seguintes termos:
“O quantitativo das taxas de assistência em escala e das taxas de ocupação é fixado:
a) No domínio público aeroportuário explorado pela B…, S. A., pela Empresa Pública Navegação Aérea de Portugal, NAV, E. P., ou por outras empresas que explorem domínio público aeroportuário do Estado, pelas respectivas entidades exploradoras, após prévia aprovação pelo Instituto Nacional de Aviação Civil;”
Quer isto então dizer que cabia à recorrida fixar o quantitativo das respectivas taxas, tendo em conta a bilateralidade das mesmas, isto é respeitando a relação e proporcionalidade entre os benefícios auferidos pelos prestadores e os custos por si suportados.
Acontece que a recorrente aprovou as respectivas taxas (v. fls. 86 e segs, mais concretamente fls. 95), sem que justifique minimamente as razões para se ter fixado aquele montante e não qualquer outro (v. fls. 100).
Na verdade, a fls. 100 consta apenas:
“I. Auto-Assistência (Carga e Correio e Assistência em pista)
Questão
É contestada pelo agravamento de custos que ela induz.
Comentário
O fundamento desta taxa é idêntico ao que sustentava na anterior legislação a Assistência a Terceiros. Trata-se de fazer recair sobre os operadores dos serviços de assistência em escala, os custos inerentes às estruturas que sustentam e permitem a sua operação”
Ora, isto é manifestamente insuficiente para justificar o quantitativo da taxas, já que não se referem quais são os custos inerentes a essas estruturas que permitem aos operadores exercer a sua actividade.
A recorrida só agora veio tentar demonstrar a fls. 355 e 356 que a taxa de 3,5% é até inferior aos seus custos.
Só que, com o devido respeito, deveria ter sido na proposta de taxa que deveria ter sido feito o respectivo estudo e cálculo, de modo até a convencer os potenciais interessados da veracidade dos dados e da justeza das taxas.
Temos então que as taxas não preenchem os critérios de pertinência por falta de prova da relação benefício (obtido pelos prestadores) custos, estes suportados pela recorrida e destinados a proporcionar a sua actividade aos prestadores referidos.
XV.2. Objectividade.
Para estarmos perante critérios objectivos, para além do que já ficou escrito relativamente à pertinência, haverá ainda que considerar que a taxa teria de se basear nas instalações relevantes e na sua natureza, bem como na utilização efectiva que delas faz o prestador. Por outro lado, sendo o montante da taxa calculado sobre o seu volume de negócios total proveniente da assistência em escala – incluindo, portanto todos os serviços de assistência em escala – também não estamos perante um critério objectivo.
Tal como referido pelo Advogado-Geral J. MAZÁK (fls. 421) não existe nos autos qualquer documento ou elemento que indique como é que é definido o montante da taxa, pelo que não se pode o mesmo relacionar com qualquer custo suportado pela recorrida.
Como também refere a recorrente (fls. 494) a justificação económica para a cobrança da taxa está totalmente ausente das normas legais que a criaram, o mesmo sucedendo com a decisão do Conselho de Administração da recorrida que fixou o seu quantitativo.
XV.3. Transparência.
Para a taxa se poder considerar transparente teria de haver uma relação transparente entre o modo como o seu montante é fixado (3.5% do volume de negócios do prestador) e os serviços efectivamente prestados pelos quais é devida.
Como já acima se referiu, não só não existe justificação quanto à fixação do quantitativo da taxa, como à sua relação com o volume de negócios, bem como não existe prova dos serviços concretamente prestados como contrapartida da taxa.
Temos então como não verificado também este critério.
XV.4. Não discriminação
Relativamente a este critério, escreveu-se no Acórdão do TJUE acima referido: “No que se refere ao critério da não discriminação, embora seja pacífico que a taxa em causa no processo principal apenas é devida por prestadores de assistência em escala quando tanto estes prestadores como os utentes que praticam a auto-assistência em escala utilizam as mesmas instalações aeroportuárias, é igualmente claro que se a única justificação para essa diferença de tratamento for o facto de esses prestadores serem os únicos a realizar um benefício, se deve considerar que essa diferença é de natureza discriminatória”.
O mesmo entendimento manifestou o Advogado-Geral J. MAZÁK (fls. 419), quando escreveu nas suas conclusões que a situação dos utilizadores que praticam a auto-assistência, relativamente ao acesso às instalações aeroportuárias, é idêntica, em termos jurídicos e de facto, ao dos prestadores a terceiros.
Ora, não existem razões objectivas para esta diferença de tratamento, pois que situações idênticas não devem ser tratadas de modo diferente e situações diferentes não devem ser tratadas de maneira igual.
Também a recorrente veio pronunciar-se no sentido da discriminação referindo que, tanto os operadores que desenvolvem a actividade em regime de auto-assistência, como os que a desenvolvem em regime de prestação a terceiros, acedem e utilizam as instalações físicas aero-portuárias.
Ora, estando apenas sujeitos à taxa calculada com base no volume de negócios os prestadores de assistência a terceiros, ocorre clara discriminação destes em relação àqueles.
Aliás, a própria recorrida reconhece no artº 72º da sua contestação que o que se tributa é o benefício financeiro obtido pela impugnante com a prestação do serviço aeroportuário que presta à aviação civil, com a utilização do domínio público aeroportuário.
Ora, se benefício existe com a referida actividade (e não restam dúvidas de que também os operadores em auto-assistência retiram benefício, já que não precisam de pagar os respectivos serviços a terceiros, representando isso uma economia de custos na sua actividade), a verdade é que o valor da taxa distingue os prestadores em auto-assistência e os prestadores a terceiros.
A recorrida tentou justificar esta diferença de tratamento (v. fls. 351 – artºs 46º e 47º da contestação) com o facto de a prestação em regime de auto-assistência ser realizada por operadores aéreos que por isso já pagam taxa de tráfego aéreo, a qual se destina ao pagamento da existência, manutenção e utilização das infra-estruturas do aeroporto, isto é, corresponde aos mesmos serviços que os abrangidos pela taxa em causa nos autos.
Porém, este argumento não convence, pois que, sendo do domínio público que também a recorrente é uma companhia aérea, pagando, por isso, as referidas taxas de tráfego, estaria a pagar duas vezes o acesso e uso das mesmas instalações e mais, não pagaria pela auto-assistência e pagaria pela assistência a terceiros, o que demonstra mais uma vez que o que se pretende tributar é o lucro da actividade e não o acesso às instalações que já paga por outras taxas.
Mas, se dúvidas ainda restassem bastaria olhar para fls. 95 (Tabela de Taxas de Assistência em Escala 2000), donde resulta que a auto-assistência é taxada por unidade de tráfego, enquanto os prestadores de serviços o são na percentagem de 3,5%/Volume de negócios, e para fls. 100, onde ficou escrito o seguinte a propósito das taxas:
“O fundamento das taxas é idêntico ao que sustentava na anterior legislação a Assistência a Terceiros. Trata-se de fazer recair sobre os operadores dos serviços de assistência em escala, os custos inerentes às estruturas que sustentam e permitem a sua operação.
A anterior situação em que apenas os prestadores de serviços a terceiros eram onerados era, sem dúvida, discriminatória e contrária, até, aos princípios da EU e da ICAO.
A proposta da B…, SA, atende, contudo, à situação pré-existente, sendo ainda menos gravosa em Auto-Assitência relativamente à Assistência a Terceiros ”.
Ora, se a recorrida reconhece a anterior discriminação, porque uns operadores pagavam e outros não, não se compreende como o facto de agora a auto-assistência pagar menos, sem que ali se justifique a razão para essa diferença, tenha eliminado a discriminação.
Damos então por assente que a taxa não cumpre o critério da não discriminação acima enunciado.
Este entendimento que se deixou expresso colhe também o apoio de António Moura Portugal e Maria José Viegas, quando escrevem: (“As Taxas de Regulação Económica no Sector dos Aeroportos”, in As Taxas de Regulação Económica em Portugal, Coordenação de Sérgio Vasques, págs. 94/95.)
“ As taxas incidem sobre os operadores do sector, divergindo em cada uma das modalidades de prestação de serviço de handling, na medida em que tanto podem ser dirigidas simultaneamente a prestadores de serviços de assistência em escala a terceiros e utilizadores de aero-portos/aeródromos em regime de auto-assistência, como somente aos prestadores de serviços de assistência em escala a terceiros.
Esta questão que assume particular relevo no caso da taxa de assistência administrativa em terra e supervisão, poderá colocar problemas de igualdade e discriminação entre prestadores de serviços a terceiros e utilizadores dos aeroportos em regime de auto-assistência, em prejuízo dos primeiros, que se vêem sujeitos a taxas que não são exigidas aos segundos (sem que para isso estejam expressas na lei ou sejam evidentes quaisquer razões materiais distintivas entre uns e outros, no que respeita à utilização de bens do domínio público”.
XVI. Por tudo o que ficou dito, podemos então concluir no sentido de que não se tendo feito prova da bilateralidade das taxas liquidadas e cobradas à recorrente, isto é, não tendo a recorrida feito a prova dos serviços concretamente prestados que justificavam o pagamento das taxas, nem tendo provado que as mesmas respeitavam os critérios de pertinência, objectividade, transparência e não discriminação exigidos pelo artº 16º, nº 3 da Directiva 96/67/CE do Conselho de 15 de Outubro de 1996, se mostra violada a lei interna e o direito comunitário, o que determina a anulação das respectivas liquidações, com as legais consequências.
XVII. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se procedente a impugnação com a consequente anulação das liquidações impugnadas.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 16 de Novembro de 2011. – Valente Torrão (relator) – Casimiro Gonçalves – António Calhau.