Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01296/12.0BESNT
Data do Acordão:11/24/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RESPONSABILIDADE CIVIL
INSTITUTO NACIONAL DE EMERGÊNCIA MÉDICA
FUNCIONAMENTO
NEGLIGÊNCIA
CULPA
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão de TCA se não se colocam questões de relevância jurídica e social fundamental, nem nos deparamos com uma pronúncia que, claramente, reclame a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P30265
Nº do Documento:SA12022112401296/12
Data de Entrada:11/08/2022
Recorrente:INSTITUTO NACIONAL DE EMERGÊNCIA MÉDICA, I. P.
Recorrido 1:A............ E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Instituto Nacional de Emergência Médica, IP [doravante R.], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista que interpôs do acórdão de 23.06.2022 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 1725/1779 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso pelo mesmo interposto e que manteve a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [doravante TAF/SNT] na ação administrativa comum deduzida por B………… e A………… [doravante AA.], e que o havia condenado a pagar aos AA. «uma indemnização, no montante de € 140.000,00, a que acrescem juros de mora à taxa legal, a partir desta data».

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 1803/1843] na relevância jurídica e social do litígio e das questões objeto de dissídio [in casu a existência de um «funcionamento anormal na prestação de socorro» do INEM e da «perda de chance», bem como a verificação dos requisitos da culpa e do nexo de causalidade] e, bem assim, «para uma melhor aplicação do direito», sustentando a incorreta interpretação/aplicação, nomeadamente, do disposto nos arts. 483.º e 563.º do Código Civil [CC], 07.º, n.ºs 3 e 4, 09.º, n.º 2, e 10.º, n.º 2, do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas [RRCEEEP], anexo à Lei n.º 67/2007, de 31.12, em articulação com o art. 03.º do DL n.º 34/2012, de 14.02, e com o DL n.º 220/2007, de 29.05.

3. Devidamente notificados os AA. produziram per se contra-alegações em sede de revista [cfr., respetivamente, fls. 1864/1871 e 1853/1861], nas quais pugna, desde logo, pela sua não admissão.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/SNT julgou a pretensão dos AA. deduzida na ação administrativa comum sub specie como apenas parcialmente procedente tendo condenado o R. no pagamento da quantia de «€ 140.000,00, a que acrescem juros de mora à taxa legal, a partir desta data» [cfr. fls. 1096/1157], juízo decisor que o TCA/S acabou por manter.

7. A ação administrativa comum sob apreciação foi proposta pelos AA. nomeadamente contra o R. para efetivação da responsabilidade civil extracontratual do mesmo, fundada no incorreto funcionamento e assistência desenvolvida pelos serviços de emergência e socorro a vítima, e sua condenação a pagar-lhe uma indemnização global de 370.000,00 € reparadora dos danos sofridos.

8. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar preliminar e sumariamente se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assuma «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal se apresenta como «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

9. A jurisprudência desta formação tem considerado que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo n.º 1 do art. 150.º do CPTA, se verifica quando, designadamente se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina, ou de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração/orientação de um padrão de apreciação de outros casos similares a serem julgados.

10. E tem-se considerado de relevância social fundamental uma questão que apresente contornos abstratos e que não se restrinja ao caso concreto e aos particulares interesses das partes, com repercussão na comunidade e no que constituam seus valores fundamentais e como tal suscetíveis de suscitar alarme social ou que possam por em causa a eficácia do direito ou a sua credibilidade.

11. Já a admissão da revista fundada na melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo.

12. Revertendo ao recurso sub specie se é certo que as matérias respeitantes à responsabilidade civil podem envolver e assumir, por vezes, relevo jurídico e social temos, todavia, que, do alegado quanto ao caso vertente tal não se evidencia.

13. Com efeito, em face da alegação produzida e daquilo que constituem os termos das questões colocadas na revista temos que nesta não deriva a sua relevância jurídica e social, porquanto a existência de um «funcionamento anormal na prestação de socorro» do R./INEM mostra-se radicada não apenas num plano geral e abstrato do sistema de emergência e socorro, mas, em grande medida, naquilo que constituiu a especificidade e particularidade da concreta assistência de emergência e socorro havida no caso sub specie, no que redunda quanto à mesma uma fraca capacidade de expansão da controvérsia e replicação para fora do âmbito dos autos, mormente para outras situações futuras indeterminadas, cientes ainda de que as demais questões elencadas não aportam ou reclamam nos seus termos e na situação em presença de elevada complexidade jurídica, em razão da dificuldade das operações exegéticas a realizar, de enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, como também para além do claro interesse que reveste para as partes em litígio não resulta evidenciada a sua especial relevância social ou indício de interesse comunitário.

14. Temos para além disso que a alegação expendida pelo ora recorrente não se mostra persuasiva, tudo apontando, presentes os contornos do caso sub specie, no sentido de que o TCA/S terá decidido com acerto, não se descortinando a necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito, pois, não só importa ter presente que o objeto de discussão legalmente admitido para o recurso de revista terá de observar o disposto no art. 150.º, n.ºs 3 e 4, do CPTA, como à luz da concreta realidade factual estabilizada pelas instâncias o juízo firmado no acórdão sob censura, no essencial consonante com a decisão do TAF no segmento aqui sindicado, não aparenta padecer de erros lógicos ou jurídicos manifestos, visto quanto às questões sinalizadas pelo R. o seu discurso mostra-se fundamentado numa interpretação coerente e razoável do quadro normativo em crise, o que torna desnecessária a intervenção do Supremo para melhor aplicação do direito.

15. Em suma, no presente recurso não se colocam questões de relevância jurídica e social fundamental, nem nos deparamos com uma apreciação pelo tribunal a quo que claramente reclame a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para melhor aplicação do direito, pelo que não se justifica admitir a revista.
DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo do R./recorrente. D.N..

Lisboa, 24 de novembro de 2022. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.