Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0886/17
Data do Acordão:12/13/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
VALOR DE AQUISIÇÃO
DESPESA
AQUISIÇÃO DE ACÇÕES
COTAÇÃO NA BOLSA DE VALORES
Sumário:I - O art. 51º do CIRS, à data dos factos tributários, 2010, na redacção que lhe foi dada pelo DL 198/2001, de 3 de Julho estatuía que para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação, nas situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º:
II - Não são ilegíveis, à face da lei, para determinação do computo das mais-valias, no caso concreto, as despesas efectuadas e documentadas com a aquisição dos títulos, nem é possível retirar tal conclusão da tributação das mais-valias obtidas com a alienação onerosa de bens imóveis, por o legislador ter decidido regular uma e outra situação de modo expresso e diverso.
Nº Convencional:JSTA000P22684
Nº do Documento:SA2201712130886
Data de Entrada:07/11/2017
Recorrente:A... E MULHER
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada
. de 27 de Fevereiro de 2017

Julgou totalmente improcedente, por não provada a impugnação judicial.
Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A……….. e B………., vieram interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo de impugnação n.º 1111/12.5BEALM, por si instaurado contra o ato de liquidação de IRS de 2008 no montante de 14521,52€, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

I. O Tribunal a quo entendeu que o prédio que os Impugnantes alienaram em 2008 não era exactamente o mesmo que adquiriram em 2006, porquanto: em 2006, adquiriram um terreno com 322,50 m2; posteriormente, cederam a título gratuito 214,50 m2 ao Município, "por forma a conseguirem ver aprovada a licença de construção"; e, em 2008, alienaram um lote de terreno com 108 m2,

II. Ao mesmo tempo que decidiu que o valor de aquisição do terreno alienado em 2008 havia sido correctamente determinado a partir do VPT (valor patrimonial tributário) atribuído ao terreno inicial (com 322,50 m2), como se, entre a aquisição e a alienação do mesmo pelos Impugnantes, apenas tivesse havido uma amputação da sua área.

III. O que, salvo o devido respeito e melhor opinião, demonstra uma manifesta contradição lógica, uma vez que não pode entender-se que "os terrenos" são diferentes, em virtude da alteração de área, e da aquisição de capacidade construtiva na sequência da cedência de parte da área para o domínio público, e, simultaneamente, decidir-se pela improcedência da Impugnação, por se concluir que o VPT a considerar para efeitos de determinação do valor de aquisição do terreno posteriormente alienado - com 108 m2 e capacidade construtiva - deve corresponder, proporcionalmente, à parte do VPT que havia sido atribuído ao terreno quando o mesmo não tinha qualquer capacidade construtiva, e considerando, unicamente, a alteração de área operada.

IV. Ante a referida contradição entre os fundamentos e a decisão, deverá a Sentença ser declarada nula, nos termos do disposto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT.
Acresce que:
V. Em 2006, logo após a aquisição do terreno pelos Impugnantes, quando o mesmo ainda tinha a área de 322,50 m2 e nenhuma capacidade construtiva, a AT atribuiu-lhe o VPT de € 213.550,00 (= € 662,17 / m2).

VI. Aquando da inscrição do terreno na matriz, com a área de, apenas, 108 m2, mas já com capacidade construtiva, a AT efectuou a primeira avaliação deste (novo) terreno e atribuiu-lhe um VPT de € 186.500,00 (= € 1.726,85 / m2).

VII. Não lhe atribuiu um valor proporcional ao do (anterior) terreno - o que se compreende, porquanto o (novo) terreno não era igual ao (anterior) terreno, nem, tão-só, uma mera parte destacada do (anterior) terreno.

VIII. O terreno referido na Conclusão VI. foi o alienado pelos Impugnantes em 2008.

IX. Nos termos do artigo 46.º do CIRS, o valor de aquisição seria o que tivesse servido para efeitos de liquidação da SISA (cfr. n.º 1), ou, não havendo lugar a essa liquidação, o que lhe serviria de base, caso fosse devida (cfr. n.º 2).

X. Caso os Impugnantes houvessem adquirido, já, o (novo) terreno, o VPT a considerar para efeitos de liquidação de SISA seria, precisamente, o VPT que a AT atribuiu a esse terreno aquando da sua inscrição na matriz: € 186.500,00.

XI. Se for considerado como valor de aquisição do terreno alienado o correspondente a 108 m2 do terreno adquirido, estar-se-á a atender ao VPT proporcional de parte do terreno adquirido (108 m2 sem capacidade construtiva), e não ao VPT do terreno alienado (108 m2 com capacidade construtiva),

XII. Violando-se, assim, os princípios do rendimento-acréscimo e da capacidade contributiva.

XIII. O que não pode admitir-se.

XIV. Consequentemente, deverá corrigir-se o erro de julgamento denunciado pela Sentença recorrida, julgando-se procedente a Impugnação deduzida pelos ora recorrentes, em virtude de o valor de aquisição do terreno alienado em 2008 corresponder a € 186.500,00, tal como resultante da primeira avaliação efectuada pela AT, aquando da inscrição do prédio na matriz.
Sem prescindir:

XV. Ainda que não fosse de atender ao valor de € 186.500,00 como valor de aquisição do terreno alienado em 2008, sempre haveria de concluir-se ter havido erro de julgamento, por dever atender-se ao VPT de € 213.550,00, atribuído pela AT ao terreno adquirido pelos Impugnantes em 2006.

XVI. Em 2006, os Impugnantes adquiriam um terreno com a área de 322,50 m2, e sem qualquer capacidade construtiva, ao qual foi, posteriormente, atribuído o VPT de € 213.550,00.

XVII. A cedência de 214,50 m2 para o domínio público foi a contrapartida pelo aumento de valor dos remanescentes 108 m2, em virtude da aquisição de capacidade construtiva por aquela parte do terreno.

XVIII. A capacidade construtiva do terreno com 108 m2 tem, por isso, o valor da parte do terreno que foi cedida para o domínio público (214,50 m2).

XIX. Sem a referida cedência para o domínio público, os Impugnantes teriam alienado, em 2008, um terreno com 108 m2 e, igualmente, sem qualquer capacidade construtiva.

XX. Situação em que faria algum sentido considerar como valor de aquisição os pretendidos € 71.514,42.

XXI. Se os Impugnantes tivessem alienado o terreno que adquiriram em 2006 (com 322,50 m2 e nenhuma capacidade construtiva), estariam a transmitir, materialmente, aos adquirentes, um terreno de 108 m2 e com capacidade construtiva, bastando que os adquirentes cedessem gratuitamente os mesmos 214,50 m2 para o domínio público, para que passassem a ter os exactos 108 m2 com capacidade construtiva que os Impugnantes alienaram em 2008.

XXII. Todavia, os Impugnantes alienaram o terreno já sem os 214,50 m2, mas já com capacidade construtiva.

XXIII. Nestes termos, conclui-se que sempre haveria de corrigir-se o erro de julgamento denunciado pela Sentença recorrida, julgando-se procedente a Impugnação deduzida pelos ora recorrentes, em virtude de o valor de aquisição do terreno alienado em 2008 corresponder a € 213.550.

XXIV. Nestes termos, conclui-se que a Sentença recorrida é nula, por contradição entre os fundamentos e a decisão, e como tal deverá ser declarada, com os legais efeitos.

XXV. Mais se conclui que a Sentença recorrida violou os preceitos legais constantes do artigo 46.º, n.ºs 1 e 2, do Código do IRS, na versão vigente à data dos factos,

XXVI. E, em consequência, deverá ser julgado procedente o presente Recurso, e anulada / alterada a Sentença recorrida,

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso, indicando que:
«(…) o valor de aquisição corresponde ao VPT de € 213.550,00 do tereno adquirido e não ao pretenso VPT proporcional do terreno, efetivamente, vendido.
A sentença recorrida merece censura.
Termos em que, deve dar-se provimento ao presente recurso jurisdicional, revogar-se a sentença recorrida e anular-se o ato de liquidação sindicado.».

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. Em 08/05/2006 foi emitida pela Câmara Municipal de Sesimbra uma Certidão da qual consta que o lote 1335, com a área de 322,50m2, sito na ……….. se destina à construção de Bloco de 4 pisos, com área de Implantação de 135m2 e área de cedência para domínio público de 187,50m2 (cfr. doc. de fls. 91 e 92 dos autos);

2. Em 15/05/2006 foi emitida pela Câmara Municipal de Sesimbra uma Certidão da qual consta que o lote de terreno para construção designado por lote 1335, com a área de 322,50m2, sito na ………., concelho de Sesimbra, a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n° 3048, e inscrito na matriz predial provisória sob o artigo P16576 é abrangido pelo Plano Parcial de Urbanização da ………. (cfr. doc. junto a fls. 84 dos autos);

3. Em 11/08/2006 foi celebrada a escritura de compra e venda do lote de terreno para construção urbana, designado por lote 1335, com a área de 322,50m2, sito na ………., concelho de Sesimbra, a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n° 3048, e inscrito na matriz predial provisória sob o artigo P16576, sem valor patrimonial atribuído, da qual consta que os Impugnantes o adquirem pelo valor de € 159.615,33 (cfr. doc. junto a fls. 24 a 27 dos autos);

4. Ao imóvel identificado no ponto anterior foi atribuído o valor patrimonial tributável de € 213.550,00 (cfr doc. junto a fls. não numeradas do processo administrativo instrutor);

5. Em 28/12/2006 foi emitida pela Câmara Municipal de Sesimbra uma Certidão da qual consta que o lote 1335, com a área de 322,50m2, sito na ………. se destina à construção de Bloco de 4 pisos, com área de Implantação de 108m2 e área de cedência para domínio público de 214,50m2 (cfr. doc. de fls. 95 e 96 dos autos);

6. Em 11/01/2007 foi entregue pela Impugnante B………… uma Declaração para inscrição ou actualização de Prédios Urbanos na matriz, Modelo 1, da qual consta que o lote de terreno identificado no ponto anterior passou a ter a área total de 108m2, sendo que a área de implantação do edifício também será de 108m2 e a área bruta de construção de 621 m2 (cfr. doc. junto a fls. 93 a 94 dos autos);

7. O imóvel identificado no ponto anterior foi inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 16726, com indicação de que proveio do artigo P16576 e passou a ter o valor patrimonial tributário de € 186.500,00 (cfr. doc. de fls. não numeradas do processo instrutor junto aos autos);

8. Em 01/08/2008 foi celebrada a escritura de compra e venda do lote de terreno para construção urbana, designado por lote 1335, com a área de 108m2, sito na …………, concelho de Sesimbra, sito na Rua ……….., lote 1335, ……….. II freguesia da ………, concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n° 8042, e inscrito na matriz predial sob o artigo 16726, com o valor patrimonial de € 186.500,00 e a qual consta que os Impugnantes o vendem à sociedade C…………, Lda. pelo valor de 164.591,29 (cfr. doc. junto a fls. 160 a 164 dos autos);

9. Em 03/09/2008 foi registada na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra a venda pelos Impugnantes do imóvel melhor identificado no ponto 3 à sociedade C………….., Lda. (cfr. doc. junto a fls. 151 dos autos);

10. Em 20/01/2011 foi entregue pelos Impugnantes uma declaração Modelo 3 de IRS para o exercício de 2008, composta apenas pelo Anexo G, do qual consta no quadro 4, campo 401, como valor de realização o valor de € 186.500,00 e como valor de aquisição € 186.500,00 (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo instrutor junto aos autos);

11. Em 20/07/2012 foi elaborada na Divisão de Tributação e Cobrança da Direcção de Finanças de Setúbal, uma Informação referente ao IRS dos Impugnantes da qual consta que: “(...) Fundamentação: Em 2006-08-11 por escritura de compra e venda realizada no Cartório Notarial de Lisboa (...) adquiriu o lote de terreno para construção pela importância de 159.515,33€, da freguesia de ………, concelho de Sesimbra inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 16576, com a área de 322,50m2, tendo sido avaliado no âmbito do IMI em 11/01/2007, por 213.550,00, tendo o contribuinte sido notificado em (...) Em 2008-08-01, o lote de terreno com 108m2, inscrito sob o artigo urbano 16726 da freguesia da ……….., concelho de Sesimbra e proveniente do artigo 16576 da mesma freguesia e concelho, por escritura de compra e venda realizada no Cartório Notarial do Seixal (...) pela importância de 186.500,00 Cálculo do valor de aquisição: 322.50m2= 213.550,00 (VPT) (108 m2= X X = 71.514,42 Valor de aquisição = 71.514,42 €. Pelo exposto, propõe-se a elaboração de DC tipo 7, considerando os elementos e valores constantes do mapa anexo. (...)” (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo instrutor junto aos autos);

12. Em 23/08/2012 foi elaborada uma declaração oficiosa de IRS, Modelo 3, para o exercício de 2008, dos Impugnantes da qual consta apenas um Anexo G, onde é indicado como valor de realização o montante de € 186.500,00 e como valor de Aquisição o valor de € 71.514,42 e encargos e despesas o montante de € 4.848,47 (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo instrutor junto aos autos);

13. Em 31/08/2012 foi efectuada a liquidação de IRS referente ao exercício de 2008, com o n° 2012 5004956787, da qual consta um rendimento global no montante de € 55.068,55 e um valor de IRS a pagar de € 14.521,52 (cfr. doc. junto a fls. 15 dos autos);
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Questões objecto de recurso:
1- Nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão
2- Determinação das mais-valias
1-Nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão

Nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, c) do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Em causa nesta nulidade está um procedimento silogístico que mais não é que um mecanismo lógico pelo qual se deduz uma conclusão a partir de premissas. O silogismo judiciário que corporiza a aplicação da lei, constrói-se identificando e interpretando a norma legal aplicável - premissa maior – analisando os factos provados retirados da descrição dos factos demonstrativos da existência de um conflito, que também o delimitam e descrevem todas as circunstâncias que o envolvem -premissa menor – atingindo-se a conclusão – decisão judicial pela aplicação da norma legal ao caso concreto.
Haverá nulidade da sentença, com este fundamento, se o mecanismo lógico indicado não foi utilizado e, por isso, conduziu a uma conclusão que racionalmente não pode ter-se como adequada às premissas consideradas.
A sentença recorrida utilizou tal mecanismo lógico tendo atingido, uma conclusão que os recorrentes entendem errada. Pode acontecer que estejamos perante um erro de julgamento, se os factos não foram bem avaliados, se a norma aplicável foi deficientemente interpretada ou se nem sequer for aplicável à situação em análise, mas apenas a incoerência lógica entre as premissas e a decisão pode fundamentar a arguida nulidade.
Neste caso, a sentença teve em conta que os recorrentes compraram um terreno com uma área que tinha um dado valor. Cederam uma parte dessa área e venderam a restante, pelo que, considerando apenas estes elementos, a conclusão de que o preço de venda corresponde apenas a parte do preço que pagaram pelo terreno que compraram não é evidentemente ilógica.
Improcede, pois, o recurso com fundamento em nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão.
2- Determinação das mais-valias

Os recorrentes adquiriram em 11/08/2006 um terreno, destinado a construção, sem operação de loteamento aprovada, com a área de 322,500m2, pelo valor de € 159.615,33, tendo o VPT sido fixado em € 213.550,00.
Posteriormente, os recorrentes desencadearam uma operação de loteamento e cederam, gratuitamente, 214,50 m 2 ao Município respetivo, como contrapartida pela aprovação de uma operação desse loteamento, de que resultou o direito à construção de um Bloco de 4 pisos, com a área de implantação de 108 m2.
O imóvel em questão passou a ter a área de 108m 2 (322,50 m2 - 214,50 m 2) com igual área de implantação do edifício e a área bruta correspondente de 621 m2.
Em 01/08/2008 os recorrentes venderam este terreno que já não era um terreno para construção, mas um terreno sobre o qual estava aprovado um loteamento urbano, pelo preço de € 164.591,29 e ao qual foi atribuído o VPT de € 186.500,00.
Para determinação de quais as mais-valias a pagar, entendeu a sentença recorrida que, uma vez que os recorrentes não alienaram os 322,50 m2 de terreno que adquiriram, pois deles já não eram proprietários, o cálculo da mais-valia para efeitos de IRS apenas pode corresponder aos 108 m2, efetivamente, vendidos em 2008.
Face aos factos provados impõe-se desde logo tornar claro que não estamos em presença de um terreno com 322,50 m2 que os recorrentes dividiram em duas partes – uma com 214,50 m 2 e outra com 108 m2 - tendo doado a primeira e vendido a segunda. Se esta fosse a situação real, poderia ter sentido a solução avançada na sentença. Todavia o que se passou foi que para realizarem um loteamento no terreno, por imposição legal, tiveram que ceder ao Município, a título gratuito 214,50 m 2. Não é uma liberalidade, não é uma doação, é um condicionalismo legal, de gestão urbanística, que se impôs naquele caso aos recorrentes para eles obterem o direito de edificar o imóvel que pretendiam na área restante.
Bastará tomar o VTP atribuído a todo o terreno 322,50 m2 e o VTP atribuído aos 108 m2 para perceber que esta área tem um muito maior valor por metro quadrado, mesmo para efeitos fiscais, que a anterior ao loteamento:


O que os recorrentes venderam não foi uma parte do terreno que haviam adquirido, mas o terreno que haviam adquirido com um loteamento aprovado e, para essa aprovação, uma parte da sua área passou a integrar o domínio público municipal, deixou de integrar o património privado dos recorrentes e, não mais estes puderam sobre ele exercer o direito de propriedade. A venda do terreno não integra essa parte do terreno porque para efeitos patrimoniais ela deixou de estar sujeita ao comércio jurídico e, de integrar a esfera patrimonial dos recorrentes. Mas esse foi o «preço» ou parte do preço que as regras de urbanismo cobraram pelo loteamento. Para que os 108 m2 tivessem a valorização que tiveram, patente desde logo no VTP, tiveram os recorrentes que perder a área cedida ao Município pelo que o incremento patrimonial que adveio ao seu património com a venda do terreno loteado não pode esquecer o custo para tal suportado pelos recorrentes, e, que não estamos face a terrenos diversos ou a parcelamento de terrenos que permitiram a venda ou doação da parte que excede os 108 m2 em qualquer negócio a realizar no futuro.
Tendo em conta que nos termos do disposto no artigo 9.º, n.º 1, a) do CIRS, na versão vigente à data do facto tributário, constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias as mais-valias tal como definidas no artigo 10.º - os ganhos obtidos, que não sendo rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis (artigo 10.º, n.º 1, a) do CIRS), constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (artigo 10.º, n.º 4 do CIRS) -, considerando ainda que, face ao disposto no artigo 46.º, n.º 1 do CIRS, no caso do artigo 10.º, n.º 1, a) do CIRS, se o bem for adquirido a título oneroso, se considera valor de aquisição o que tiver sido definido para efeitos de liquidação da SISA/IMT quando superior ao da contraprestação - artigo 44.º, n.º1, f) e 2 do CIRS haverá que contabilizar-se as mais valias obtendo a diferença entre o VTP inicial e o VPT atribuído ao mesmo terreno após o loteamento, por ambos serem superiores ao preço de compra e de venda respectivamente.
Os recorrentes compraram o terreno pelo valor de € 159.615,33, tendo o VPT sido fixado em € 213.550,00 – valor de aquisição - que venderam, em 01/08/2008, pelo preço de € 164.591,29 e ao qual foi atribuído o VPT de € 186.500,00 – valor de realização -. O incremento patrimonial em causa, é pois, negativo e resulta da diferença entre € 186.500,00 e € 213.550,00 = - € 27 050,00.
Carece, assim, de fundamento legal o acto de liquidação impugnado e a sentença que de modo diverso concluiu enferma de erro de julgamento a determinar a sua revogação.

Deliberação
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, em substituição, anular o acto tributário impugnado e julgar procedente a impugnação.
Custas pela recorrida que não suporta nesta instância a taxa de justiça, face à ausência de contra-alegações.
(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 13 de Dezembro de 2017. – Ana Paula Lobo (relatora) – António Pimpão – Ascensão Lopes.