Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01840/21.2BEBRG
Data do Acordão:05/10/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:COIMA
CONVOLAÇÃO
REVISÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P30985
Nº do Documento:SA22023051001840/21
Data de Entrada:06/07/2022
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
AA, melhor identificado nos autos, vem apresentar recurso de revisão de sentença de aplicação de coima proferida em 9/09/2015 no âmbito do processo de contra ordenação n.º ...83, instaurado por falta de pagamento de taxas de portagem, em que foi aplicada coima no valor de € 77,76.
Apresenta na petição inicial as alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 1 a 36 do SITAF.
A- No processo de contraordenação indicado foi aplicado ao recorrente uma coima por, pretensamente, ter passado, no dia 5-6-2012, na A3.
B-Acontece que o recorrente é cidadão brasileiro que viveu em Portugal desde 2003 até 12-3-2011, tendo trabalhado, desde 1 de janeiro de 2010 até 28 de fevereiro de 2011, na empresa A..., Ldª contribuinte nº ... com sede no Parque Industrial ..., lote ..., na freguesia ..., do concelho ....
C- Proprietária do veículo que passou nas portagens.
D-Tendo o recorrente regressado ao Brasil em 2011, só tendo regressado a Portugal 2016.
E-Data em que foi confrontado pelo serviço de estrangeiros e fronteiras com as dívidas fiscais que tinha pendentes.
F-Todas relacionadas com falta de pagamento de taxas de portagens e coimas por falta de pagamento das mesmas, no período em que o recorrente esteve no Brasil, seu país natal.
G-Tendo o recorrente apresentado queixa-crime contra o sócio gerente da empresa proprietária do veículo por ter comunicado que tinha sido este a passar nas portagens.
H-Inquérito que foi arquivado porque não foi possível provar quem tinha comunicado às concessionárias que tinha sido o recorrente a passar com os veículos sem o pagamento das portagens.
I- Mas onde consta “O queixoso juntou aos autos os documentos de folhas 65 e ss dos autos que comprovam que nas datas das passagens nas portagens que deram origem à instauração de processos de contraordenação não estava em Portugal”.
J- Ou seja, não foi o recorrente a passar nas portagens, daí que este não tenha praticado qualquer infracção.

I.2 – O TAF de Braga por despacho a fls. 54 e 55 do SITAF, ordenou remessa dos autos a este Supremo Tribunal, salientando “… que a segunda notificação da decisão de aplicação de coima foi efetuada em 28/09/2015, e que, a confirmação da receção daquela notificação ocorreu em 18/10/2015, entendemos que o presente pedido não cumpre o requisito de admissibilidade previsto no citado artigo 80.º, n.º 2,alínea b) do RGCO.

I.3 Parecer do Ministério Público
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer com o seguinte conteúdo:
1. Vem o presente recurso de revisão da decisão de aplicação de coima proferida em 9.09.2015, no processo de contraordenação n.º ...83, instaurado por falta de pagamento de taxas de portagem, em que foi aplicada coima no valor de € 77,76, Fundamenta-se na existência de “descoberta de novos factos ou meios de prova, que confrontados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação” - artigo 449º, nº 1, alínea d) do CPP, traduzido na circunstância de estar ausente do país na data da prática dos factos.
2. A autorização do pedido de revisão compete à Secção de Contencioso Tributário do STA, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 3º, alínea b) do RIGT e 80.º, n.º1 do RGCO, do artigo 449.º do CPP e do artigo 26.º, alínea h) do ETAF, enquanto a competência para a revisão é da competência do tribunal tributário de 1.ª instância que seria o competente para o recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima, nos termos do artigo 85.º, n.º 1, do RGIT..
3. A admissibilidade do recurso de revisão, tratando-se de um recurso extraordinário representando uma possibilidade limitada de revisão de sentenças penais, encontra-se fortemente condicionada. E por isso, a revisão de decisões transitadas em julgado não pode ser concedida senão em situações devidamente clausuladas, pelas quais se evidencie, ou pelo menos se indicie com uma probabilidade muito séria, a injustiça da condenação, dando origem, não a uma reapreciação do anterior julgado, mas a um novo julgamento da causa de acordo com o disposto no artigo 449.º, nº 1, do CPP. Como se observa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.092021, proferido no processo n.º 699/20.1GAVNF-A.S1, “é na essência, um remédio que, atentando contra o efeito preclusivo do caso julgado e a inerente segurança e paz, cuida de manter o equilibro necessário entre o valor da certeza jurídica que lhe é imanente e a justiça material.” (Disponível em www.dgsi.pt)
4. Todavia, importa ter presente o disposto no artigo 80.º, n.º 2, do RGCO, que preceitua:
“A revisão do processo a favor do arguido, com base em novos factos ou em novos meios de prova, não será admissível quando:
a) O arguido apenas foi condenado em coima inferior a (euro) 37,41;
b) Já decorreram cinco anos após o trânsito em julgado ou carácter definitivo da decisão a rever.”
Ora, como resulta dos autos, a coima foi aplicada em 9.09.2015, tendo sido notificada em 28.09.2015, pelo que, na data em que o presente recurso de revisão foi instaurado, já haviam passado mais de cinco anos sobre a definitividade da decisão administrativa de aplicação de coima.
5. Todavia, coloca-se a questão da decisão de aplicação de coima não ter sido validamente notificada ao recorrente, sendo que o caráter definitivo da decisão se forma após o decurso do prazo de 20 dias, a contar da notificação da decisão de aplicação de coima, sem que a mesma tenha sido impugnada (artigo 80º, nº1, do RGIT)
6. Sendo que o recente acórdão do STA de 8.06.2022, proferido no processo 1776/21.7BEBRG, relativamente ao mesmo recorrente e numa situação similar, decidiu: […] ser de convolar o requerimento de revisão em requerimento de recurso da decisão de aplicação da coima – tanto mais que o pedido que formulou (que seja «anulada a coima aplicada») é adequado a este último meio processual –, sem prejuízo de o tribunal de 1.ª instância indagar do prazo para interposição do mesmo, o que passará por estabelecer se o Arguido foi ou pode considerar-se como tendo sido validamente notificado da decisão que aplicou a coima, não podendo ignorar-se a necessidade de apurar e, eventualmente, valorar a alegada ausência do Arguido no Brasil, país da sua nacionalidade, nas referidas datas.”
7. Nestes termos, adotando tal posição, somos do parecer que o requerimento de revisão deve ser convolado em requerimento de recurso judicial de aplicação da coima, devendo o processo baixar ao TAF de Braga para aí prosseguir sob este meio processual.

I.4 - Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
Com interesse para a decisão, resulta dos autos a seguinte situação factual:
a) Por decisão proferida no processo de contra-ordenação com o n.º ...83, o Chefe desse Serviço de Finanças de Cabeceiras de Basto aplicou ao ora Recorrente uma coima, do valor de € 77,76, pela falta de pagamento de taxa de portagem referente ao veículo de matrícula ..-BO-..;
b) O processo de contra ordenação foi instaurado em 12/06/2015 pela falta de pagamento de taxa de portagem, referente ao veículo de matrícula ..-BO-...
c) O recorrente é cidadão brasileiro e viveu em Portugal entre o ano de 2003 até 11 de março de 2011.
d) No dia 26 de junho de 2016, o recorrente regressou a Portugal.
e)No dia, 16 de agosto de 2021 o ora Recorrente apresentou no Serviço de Finanças de Cabeceiras de Basto recurso de revisão de coima.

II.2 – De Direito
I. Vem o Recorrente, nos termos do disposto no artigo 85.º do Regime Geral das Infracção Tributárias (RGIT) e no artigo 449.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal (CPP), apresentar recurso de revisão de coima proferida em 9.09.2015, no âmbito do processo de contraordenação n.º ...83, instaurado por falta de pagamento de taxas de portagem, em que foi aplicada coima no valor de € 77,76.
Alega o recorrente relativamente à decisão de aplicação de coima e “…face aos factos apurados no inquérito, nunca o requerente poderia ter sido condutor do veículo que passou nas portagens na data a que se refere o auto de notícia na medida em que, em tal data, o mesmo estava a viver no Brasil.
Para tanto, sustenta que, entre 11 de Março de 2011 e 26 de junho de 2016, esteve a viver no Brasil interruptamente, o que por si só, inviabiliza a prática da referida infracção assim como do conhecimento da sanção que lhe foi aplicada.

II. Ora, a questão aqui colocada (assim como o Recorrente) não é nova e já foi objecto de pronúncia por este Supremo Tribunal em vários acórdãos, como é o caso dos acórdãos datados de 8 de Junho de 2022, proferidos nos processos n.ºs 1863/21 e 1776/21, os quais foram seguidos noutras decisões – cfr. acórdãos datados de 22 de Junho de 2022, proferidos nos processos n.ºs 1809/21, 1902/21, 1775/21 e 1858/21.

III. Assim sendo, e porque não vemos razões para divergir das decisões ali tomadas, assim como das correspondentes fundamentações, entendemos dever replicar aqui as mesmas, nos seguintes termos: “Nos termos do art. 80.º do RGCO, aqui aplicável ex vi do art. 85.º, n.ºs 1 e 3.º, alínea b) do RGIT, «[a] revisão de decisão definitiva ou transitada em julgado, em matéria contra-ordenacional, obedece ao disposto no artigo 449.º e seguintes do Código de Processo Penal» (n.º 1) e, se a favor do arguido e com base em novos factos ou em novos meios de prova, não será admissível quando «[o] arguido apenas foi condenado em coima inferior a € 37,41» [n.º 2, alínea a)] e quando «[j]á decorreram cinco anos após o trânsito em julgado ou carácter definitivo da decisão a rever» [n.º 2, alínea b)].
Como resulta do citado art. 80.º do RGIT, o primeiro requisito para a revisão é que a decisão que aplicou a coima seja «definitiva ou transitada em julgado».
Em face da alegação do Recorrente – que afirma, relativamente à decisão em causa: «Jamais tendo recebido qualquer comunicação […] relacionada com tal assunto […] do serviço de finanças», bem como que deixou Portugal em 11 de Março de 2011, regressando ao Brasil, país de que é cidadão, e só voltou ao nosso País em 26 de Junho de 2016 –, logo se nos suscitam dúvidas sobre a verificação daquele primeiro dos requisitos para ponderarmos a autorização para a revisão, ou seja, sobre a definitividade da decisão que aplicou a coima.
É certo que o Arguido não afirma textualmente que não foi notificado da decisão que lhe aplicou a coima e é sabido que a mera não recepção da correspondência é um facto que, por si só, não permite concluir pela falta ou invalidade da notificação, conclusão que só poderá resultar da aplicação das regras de direito aos factos pertinentes. Deveremos, então, indagar da factualidade pertinente, designadamente, devolvendo os autos à 1.ª instância, a fim de que aí se providencie pela junção dos pertinentes documentos? (Note-se que os elementos constantes dos autos (cópias das cartas endereçadas ao ora Recorrente em ordem à notificação da decisão que lhe aplicou a coima) nada permitem concluir sobre o envio das notificações, nem sobre uma eventual devolução da primeira carta e respectivos motivos.)
Entendemos que não, por se tratar de diligência inútil. Senão vejamos: caso viéssemos a concluir que o Arguido não foi notificado ou não pode considerar-se validamente notificado, teríamos de rejeitar o pedido de revisão por falta do já referido primeiro requisito da revisão, que a decisão a rever seja «definitiva ou transitada em julgado» [cfr. art. 80.º, n.º 1), do RGCO]; caso viéssemos a concluir que o Arguido foi validamente notificado, o pedido de revisão haveria de ser rejeitado por falta de verificação dos requisitos constantes das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 80.º do RGCO, pois, no caso, o valor da coima não atinge o limiar dos € 37,41 e, em qualquer caso (ou seja, independentemente do valor da coima), teriam passado já mais de cinco anos sobre a data em que a decisão se tornou definitiva.
Deveremos, pois, sem mais, rejeitar o pedido de revisão?
2.3 Afigura-se-nos que não. À luz do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (cfr. art. 20.º da Constituição da República Portuguesa) e tendo presente a alegação aduzida na petição – que, a confirmar-se, dá conta duma injustiça de uma gravidade a que a ordem jurídica não pode ficar indiferente (O ora Recorrente terá sido condenado por infracções que não cometeu nem podia ter cometido (existindo desde já forte verosimilhança de que na data dos factos não estava em Portugal, resultante do teor do despacho por que o Ministério Público arquivou o inquérito que teve origem na queixa apresentada pelo Recorrente, despacho que alude a «documentos que comprovam que nas datas das passagens que deram origem à instauração de processos de contra-ordenação [o ora Recorrente] não estava em Portugal»).) –, impõe-se interpretá-la do modo que conceda a melhor tutela ao Arguido e lhe permita discutir judicialmente as questões em que se consubstancia aquela injustiça. Vejamos:
A alegação do Arguido – que, essencialmente, se resume ao facto de entre 11 de Março de 2011 e 26 de Junho de 2016, ininterruptamente, ter estado no Brasil, o que inviabilizou quer a prática da infracção quer o conhecimento da sanção que lhe foi aplicada –, interpretada de modo a permitir conferir tutela jurisdicional, assenta em dois pilares: primeiro, não foi notificado da decisão que lhe aplicou a coima; segundo, a infracção por que foi acoimado não foi nem poderia ter sido por ele praticada.
Nos termos dessa alegação – de cuja veracidade ora não nos cumpre averiguar – o Arguido estará em tempo para recorrer judicialmente da decisão que lhe aplicou a coima (sem qualquer peia quanto ao seu valor) e poderá afastar a sua responsabilidade contra-ordenacional. Ou seja, não obstante o Arguido ter indicado como meio processual o recurso de revisão, o único meio processual que lhe poderá assegurar a tutela e permitir-lhe esgrimir os fundamentos invocados é o recurso da decisão de aplicação da coima, previsto no art. 80.º do RGIT.
Entendemos, pois, ser de convolar o requerimento de revisão em requerimento de recurso da decisão de aplicação da coima – tanto mais que o pedido que formulou (que seja «anulada a coima aplicada») é adequado a este último meio processual –, sem prejuízo de o tribunal de 1.ª instância indagar do prazo para interposição do mesmo, o que passará por estabelecer se o Arguido foi ou pode considerar-se como tendo sido validamente notificado da decisão que aplicou a coima, não podendo ignorar-se a necessidade de apurar e, eventualmente, valorar a alegada ausência do Arguido no Brasil, país da sua nacionalidade, nas referidas datas.” – cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal lavrado no processo n.º 1863/21, de 8 de Junho de 2022, disponível em www.dgsi.pt.

IV. Em face do exposto, e atento que o valor da coima é superior a € 37,41, mas já decorreram mais de 5 anos sobre a data em que a decisão se tornou definitiva – o que inviabilizaria o meio processual pretendido utilizar pelo Recorrente – mais não resta do que concluir de idêntico modo ao constante do Acórdão citado, convolando o requerimento de revisão em requerimento de recurso judicial de aplicação da coima e determinando que o processo regresse ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, para aí prosseguir sob este meio processual.


III – DECISÃO
Termos em que se decide convolar o requerimento de revisão em requerimento de recurso judicial de aplicação da coima e determinar que o processo regresse ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, para aí prosseguir sob este meio processual.


Custas a determinar a final.


Lisboa, 10 de Maio de 2023. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Anabela Ferreira Alves e Russo - José Gomes Correia.