Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0738/10
Data do Acordão:04/26/2012
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ADÉRITO SANTOS
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
ILICITUDE
Sumário:I - Só é imputável a um ente público a omissão do cumprimento de um dever objectivo de cuidado, diligência ou vigilância – antecedente necessário da emissão de um juízo de censura, a título de negligência – se, na coisa a cuidar ou vigiar, residir uma perigosidade detectável e cujo grau exceda os riscos sociologicamente admissíveis.
II - Uma baliza de futebol colocada num recinto desportivo de uma escola secundária, para utilização pelos alunos, não pode ser considerada equipamento perigoso, por não estar fixada ao solo, se, pelas suas características de pesada estrutura em ferro, não necessita de tal fixação para manter equilíbrio e estabilidade, em condições de normal utilização.
III - Assim, a ausência de tal fixação dessa baliza ao solo não correspondia a violação de regra de ordem técnica a observar pelos responsáveis da escola, que não assumiram, por isso, conduta omissiva ilícita, à luz do disposto no artigo 6, do DL 48 051, de 21.11.67, nem violaram regras de prudência comum que, em tais circunstâncias, lhes impusessem o dever de impedir que os alunos utilizassem tal baliza ou dela se aproximassem.
IV - Deve, pois, ser julgada improcedente a acção proposta contra o Estado, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual por alegada conduta omissiva ilícita dos seus agentes (docentes e funcionários da escola), relativamente aos danos patrimoniais e não patrimoniais, resultantes de acidente sofrido por aluno da referida escola que, num intervalo das aulas, jogava futebol com outros colegas e, para festejar um golo, que marcou e dava vantagem à sua equipa, se dependurou na ‘trave’ da indicada baliza, que tombou sobre ele, projectando-o contra o solo.
Nº Convencional:JSTA00067560
Nº do Documento:SA1201204260738
Data de Entrada:09/27/2010
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS, A... E OUTROS
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAC PORTO
Decisão:PROVIDO
NEGA PROVIMENTO REC SUBORDINADO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO - ACÇÃO ADM COMUM
Área Temática 2:DIR CIV - DIR RESP CIV
Legislação Nacional:DL 48051 DE 1967/11/21 ART6
CCIV ART570
CONST ART22
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC41297 DE 1999/03/25; AC STA PROC38081 DE 1999/05/13; AC STA PROC47003 DE 2001/02/15
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……. e mulher B……, por si e em representação de seu filho menor C……, todos melhor identificados nos autos, intentaram, no Tribunal Administrativo do Circulo do Porto, acção de indemnização para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, pedindo a condenação do Estado Português em indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes, para os autores, do acidente sofrido pelo C……, em 3.4.2000, na Escola EB 2/3 Alpendurada e Matos – Marco de Canavezes, que então frequentava.

A fundamentar esse pedido, os autores alegaram, essencialmente, que, na referida data, o referido menor C……, então com cerca de 13 anos de idade, jogava futebol com outros colegas num recinto desportivo daquela Escola; para festejar um golo, que marcou e colocou em vantagem a respectiva equipa, dependurou-se na barra transversal da parte superior frontal de uma das balizas desse campo de jogos, que não estava fixada na base e tombou sobre ele, causando-lhe lesões corporais determinantes dos invocados danos patrimoniais e não patrimoniais; o acidente ficou a dever-se a conduta ilícita e culposa dos agentes do réu Estado (docentes e funcionários administrativos da escola), traduzida em omissão do dever de vigilância e de regras de experiência comum e de bom senso.

Por sentença proferida a fls. 425, e seguintes, dos autos, foi acção julgada parcialmente procedente e o Réu condenado a pagar
- ao autor C……, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 173 000,00, acrescido de juros legais desse a citação, valor correspondente à diferença entre o montante total (€ 295 000,00) da indemnização atribuída ao mesmo A., a título de danos patrimoniais por perda de capacidade aquisitiva (€ 295 000,00) e a título de danos não patrimoniais (€ 70 000,00) e o valor da indemnização, no montante de € 121 000,00, anteriormente suportado pelo Réu Estado, a coberto do seguro escolar; e, ainda, ao pagamento de uma renda mensal equivalente a 50% do valor do salário mínimo nacional que em cada momento estiver em vigor, destinada a assegurar acompanhamento por terceira pessoa e devida desde o trânsito em julgado da decisão condenatória;
- aos autores A…… e B……, respectivamente, as quantias de € 4 000,00 e € 5 000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros legais desde a data da citação.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, em representação do réu Estado Português, tendo os autores, por seu turno, interposto «recurso subordinado» restricto a matéria do quantum indemnizatório respeitante à renda fixada e às compensações por danos não patrimoniais.

O réu Estado Português apresentou alegação (fls. 467, ss.), com as seguintes conclusões:

1. Em acção destinada a efectivar responsabilidade civil por acto ilícito de gestão pública de que resultaram ofensas corporais decorrentes da queda de uma baliza, a obrigação de indemnizar depende da observância cumulativa dos pressupostos da responsabilidade civil geral: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo causal entre este e o facto.

2. Não preenche o requisito ilicitude a colocação e manutenção, no recinto de uma escola, de balizas que, apesar de não se encontrarem cravadas no chão, constituíam, atento o seu peso e características, estruturas estáveis e não susceptíveis de derrube em circunstâncias de correcta utilização na sua normal função de delimitar a área de golo.

3. Na hipótese de se considerarem preenchidos todos aqueles pressupostos, se para a queda da baliza contribuiu decisivamente uma conduta culposa do próprio lesado, o julgamento sobre a questão da indemnização não pode deixar de se operar na base da concorrência de culpas, pois que o lesado já era civilmente imputável.

4. No confronto entre as condutas culposas do lesante, que não fixou as balizas ao chão, e do lesado, que, tendo-se lançado para a trave de uma delas, à qual se agarrou com as mãos, provocou o inevitável balanceamento do corpo em suspensão e o subsequente desequilíbrio e queda da estrutura da baliza, crê-se adequado fixar as culpas de cada um em 70% e 30%, respectivamente.

5. Todavia, considerando que a decisão recorrida baseou a responsabilidade do lesante numa presunção de culpa, a situação de concorrência de culpas a que se impunha atender, e que a decisão recorrida não considerou, deveria ter levado à exclusão da indemnização.

6. A atribuição de indemnização a terceiros que indirecta ou reflexamente tenham sofrido danos de ordem não patrimonial com facto ilícito que não envolveu lesão de morte carece de base legal.

7.E ainda que fosse devida, não poderia vencer juros de mora a partir da citação, mas apenas a partir da sentença, uma vez que, fixada com recurso a equidade e necessariamente balizada por padrões actuais de justiça do julgador, tem que se considerar actualizada.

8. A compensação de €70 000,00 arbitrada à vítima por danos não patrimoniais, apesar de adequada adentro da lógica da decisão recorrida, não pode vencer juros a partir da citação, mas tão-só desde a prolação da decisão, pois tem que se considerar actualizada, já que foi fixada com recurso à equidade, seguramente mediante padrões actuais de justiça do julgador.
9. A indemnização de €225 000,00 atribuída ao lesado por danos patrimoniais, posto que fixada com recurso a critérios de equidade, mostra-se excessiva, considerando a sua finalidade e os factores objectivos a tomar em conta na sua fixação.

10. Porque achada com recurso a juízos de equidade, também esta indemnização por danos patrimoniais foi necessariamente norteada por padrões actuais de justiça do julgador, não podendo vencer juros a partir da citação mas apenas a partir da sentença.

11. A atribuição de uma renda mensal vitalícia no montante de 50% do salário mínimo nacional, destinada a permitir a contratação de assistência por terceira pessoa, mostra-se igualmente excessiva, atenta a sua finalidade e considerando os curtos períodos diários de tempo em que a assistência deve ser prestada.

12. Representando essa renda uma expressão pecuniária global de €128 333,00, e tendo sido fixada autonomamente, sem ser imputada nos montantes condenatórios de €70 000,00 e €225 000,00 relativos a danos não patrimoniais e patrimoniais, respectivamente, o cômputo global da condenação excedeu o valor do pedido formulado pelo autor, que se cifrava em €400 000,00, dos quais €100 000,00 por danos não patrimoniais e €300 000,00 por danos patrimoniais.

13. A douta sentença recorrida violou, por errada interpretação, os artigos 6.º do DL 48 051, de 21 de Novembro de 1967, 493.°, n.º 1, 488.°, n.º 2, 570.°, n.ºs 1 e 2, 496.°, n.º 2, 566.°, n.ºs 2 e 3, 567.°, n.º 1, do Código Civil, e ainda o artigo 661.°, n.º 1, do Código do Processo Civil, bem como o acórdão do STJ uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio de 2002, publicado no DR n.º 146, I Série - A, de 27 de Junho de 2002.

14. Deve ser revogada e substituída por outra que absolve o Estado dos pedidos, por falta de ilicitude, ou, assim não se entendendo, que o absolva na parte relativa condenação por danos não patrimoniais reflexos e o condene nos moldes e montantes propugnados na presente peca de alegações, na base da concorrência de culpas e baixando os montantes atribuídos a título de danos patrimoniais e de renda vitalícia, abatendo-se a final o montante da redução do pedido oportunamente efectuada.


Na resposta, que apresentaram, a fls. 493, ss., dos autos, os Autores formularam as seguintes conclusões:

1.ª - À data do acidente (23.05.2000) a baliza que se encontrava instalada no recinto desportivo da Escola frequentada pelo C……, constituída por uma pesada estrutura de ferro, não tinha os respectivos postes verticais fixados na base (entenda-se no solo em cimento).

2.ª - Naquela data ainda não tinha sido publicado o Dec. Lei n.º 100/2003 de 23 de Maio; motivo pelo qual não existia nenhuma norma legal sobre a instalação e utilização de balizas em recintos escolares.

3.ª - No entanto, o respeito pelas leis da física, acessíveis ao comum cidadão por regras de experiência, conjugadas com as normas do bom senso, tudo aferido pelo comportamento de um bom pai de família, obrigavam a que os postes das balizas fossem enterrados no solo em cimento porque, se tal não acontecesse, as mesmas poderiam cair quando algum aluno se dependurasse com o inevitável baloiçamento na barra transversal da parte superior da baliza.

4.ª - Ao ser omitido aquele acto material, o Estado Português, por intermédio dos seus órgãos ou agentes, praticou um acto ilícito previsto no artigo 6.º do D.L 48051 de 21.11.1967 por violação às regras de ordem técnica e de prudência comum que devem ser consideradas nos actos materiais de gestão pública (in casu a instalação de balizas em recinto escolar frequentado por alunos de menor idade como a do C……)

5.ª - Por omissão, também existiu um segundo acto ilícito da responsabilidade do Réu porque, também por intermédio dos agentes da Escola, não vigiou a utilização do recinto escolar, nomeadamente no momento em que C…… foi vítima da queda da baliza, quando a tal estava obrigado pelo disposto no artigo 493.º, nº 1 do CC

6.ª - A aplicabilidade do disposto no artigo 493.°, nº 1 do CC presume a culpa do lesante e a consequente inversão do ónus da prova que o recorrente não conseguiu ilidir.

7.ª - Perante os comportamentos dos órgãos e agentes do recorrente e do menor C…… (data do acidente com 12 anos de idade) mesmo que a lei o permitisse, nunca se poderia concluir por uma concorrência de culpas, nomeadamente a de 70% para o Estado Português e 30% para o C…….

8.ª - Aliás, a concorrência entre a culpa presumida do lesante e a culpa efectivamente provada do lesado nem sequer é admissível nas hipóteses previstas no artigo 493°; n.°1 do C.C porque o lesante tem que provar que nenhuma culpa houve da sua parte e tal é impossível porque o mesmo admite, pelo menos, a culpa de 70%.

9ª. - Embora in casu no tenha resultado a morte, os danos não patrimoniais dos recorridos A……. e B……., pais do C……., são indemnizáveis porque são direitos reflexos que perante a gravidade dos mesmos, conforme prova carreada para os autos, merecem a tutela do direito (artigo 496.° do C.C)

10ª. - Sem prejuízo de interpretação do artigo 805.°, n.°3 (segunda parte) na sua ligação sistemática com o artigo 566.°, n.°2, ambos do Código Civil, não resultando da sentença que fixou a compensação por danos não patrimoniais dos recorridos supra identificados a referencia à actualização da indemnização, os juros legais moratórios respectivos devem ser contados desde a citação do Réu (03.04.2003)

11ª. - Pelos fundamentos supra referidos, os juros a incidir sobre o valor indemnizatório dos danos não patrimoniais sofridos pelo C……. também devem vencer a taxa legal desde a mesma data de citação do Réu.

12ª. - Relativamente aos danos patrimoniais do C……. foi apresentado um pedido no valor de € 300.000,00, sem prejuízo de o valor final poder ser corrigido por critérios de um juízo de equidade, fundamentando-se o mesmo numa fórmula matemática usada frequentemente pela própria jurisprudência.

13.ª - A recorrente, sem referir uma única crítica àquela fórmula, usou uma outra pela qual obteve um resultado final substancialmente diferente. Acontece que na fórmula do recorrente existem erros de cálculo, insupríveis, destacando-se, pela sua relevância, a omissão dos 53 anos de vida activa do C……., elemento essencial de cálculo reconhecido pelo próprio recorrente.

14.ª - No caso em apreço considerando os graves danos corporais que, inclusive, limitaram a progressão da vida escolar do C……. bem como a reconhecida necessidade permanente do apoio de terceira pessoa, a valor indemnizatório obtido pela fórmula usada pelo próprio Autor, deverá ser corrigido pelo recurso à equidade que deverá considerar a equiparação da IPP de 70% (98% segundo a junta médica do Ministério da Educação) a uma incapacidade total e permanente para a actividade profissional (IPP de 100%)

15.ª - Os juros de mora calculados à taxa legal que devem incidir sobre o valor da indemnização dos danos patrimoniais sofridos pelo C……., tal como o entendido na sentença e no supra concluído, são devidos desde a data da citação do Réu.

16.ª - O valor da renda mensal com referência à ajuda de terceira pessoa deverá ser equivalente a 100% do salário mínimo nacional, com inclusão do subsídio de férias e de Natal e actualizável anualmente em função do aumento percentual do mesmo s.m.n

17.ª - Sem prejuízo de se constatar um novo erro de cálculo no montante da renda indicado pelo recorrente (€ 128.333,00), nomeadamente por causa da omissão do número de anos de vida previsíveis do C……., na sentença não existe condenação para além do pedido relativamente aos danos não patrimoniais, patrimoniais e renda porque os respectivos valores indemnizatórios foram peticionados autonomamente nas alíneas: a), b) e e) da ampliação do pedido.


Os Autores terminaram a respectiva alegação (fls. 482 a 490, dos autos), formulando as seguintes conclusões:

1.ª - Por se tratar de um caso de responsabilidade civil emergente de facto ilícito, o momento da constituição da mora ocorreu com a citação do Réu (artigo 805º, n.º 3 - 2.ª parte - do C.C) e não a partir da data do trânsito em julgado da sentença.

2.ª- Do supra concluído resulta que o Réu não deveria ter sido absolvido do pedido de pagamento das rendas mensais destinado à ajuda de terceira pessoa no período compreendido entre a sua citação, ocorrida apôs a apresentação da petição inicial em 31.03.2003, e o trânsito em julgado da sentença.

3.ª - A partir da data em que o C……. atingiu a maioridade (25.05.2005) os pais não têm poderes de representação do filho para, eventualmente, contratarem uma pessoa. Tal poder de contratação pertence, em exclusivo, ao recorrente C……..

4.ª - Não existe impedimento legal para que a mãe do C……., enquanto a saúde e a idade o permitir, possa desempenhar as funções da terceira pessoa necessárias ao acompanhamento da vida diária do C…….. Mas, também não existe nenhuma obrigatoriedade nesse sentido e muito menos, de que o seu trabalho seja gratuito.

5.ª - A renda mensal deve ser fixada por referência a 14 meses do ano e tal facto deve constar expressamente na sentença.

6.ª - A percentagem de 50% calculada sobre o salário mínimo nacional é insuficiente. Por consideração às necessidades diárias do C……. a renda mensal deve ser equivalente a 100% do valor do salário mínimo nacional.

7.ª - Por referência ao capital já vencido, considerando o valor das rendas entre a citação do Réu e a presente data, em conformidade com o disposto no artigo 805.°, n.º 3 do C.C, obtemos uma importância em dívida de € 39.317,10 (cálculo sobre 100% do salário mínimo nacional)

8.ª - Valor acrescido de € 5.000,00 de juros de mora. Com efeito, a sentença apenas refere que a renda é devida após o trânsito em julgado da sentença porque, até ao momento, os Autores não alegaram que tivesse sido contratada uma pessoa para cuidar do Autor C……. A sentença não refere que a importância fixada (50% do s.m.n) teve em consideração o valor da moeda à data da sentença.

9.ª - Devido às graves lesões corporais provadas nos autos, a indemnização por danos não patrimoniais do recorrente C……. deverá ser quantificada em €100.000,00.

10.ª - Nos autos ficaram provados factos relativos aos danos não patrimoniais dos recorrentes A……. e sua mulher B……. merecedores de uma indemnização global não inferior a €15.000,00.

11.ª - A sentença aqui recorrida violou o disposto nos artigos: 122.°; 129.°; 496.°; n.°1; 567.° e 805.°; n.º 3 - 2.ª parte; todos do Código Civil.

Termos em que revogando a douta sentença, conforme o supra concluído, farão:
JUSTIÇA


O réu Estado Português apresentou contra-alegação, a fls. 512/516, dos autos, na qual concluiu que «não merecem acolhimento os reparos que os ora recorrentes dirigem à douta sentença recorrida – excepção feita à pretendida consignação expressa de que a renda que porventura for devida será paga 14 vezes/ano – pelo que, negando-se provimento ao recurso subordinado, com a assinalada ressalva, far-se-á Justiça.»

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

1. Da Matéria Assente:
1.1 - O co-A. menor C..…. nasceu em 25 de Maio de 1987 (fls. 122 destes autos (al. A));
1.2 - No dia 23 de Maio de 2000, o co-A. C……, jogava futebol num recinto desportivo da Escola EB 2/3 - Alpendurada e Matos, em Marco de Canaveses, que frequentava, juntamente com outros colegas, num intervalo das aulas (al. B));
1.3 - Emocionado, devido ao facto de ter marcado um golo que colocou a sua "equipa" a vencer, festejou o mesmo dependurando-se na barra transversal da parte superior frontal da baliza do campo de jogos (al. C));
1.4 - De imediato, a pesada estrutura de ferro em que é construída a baliza desequilibrou-se e caiu sobre o menor, projectando-o contra o solo em cimento (al. D));
1.5 - No âmbito do "seguro escolar", foram pagas aos AA. diversas quantias para efeitos de assistência médica e medicamentosa e de transportes - Cfr. docs. de fls. 38 a 50 (al. E));
1.6 - Com referência aos Procs. n°s 302/07.5BEPNF e 473/04.2BEPNF, os aqui AA. receberam do Ministério da Educação pagou a quantia de € 121.627,00, quantia a que acresce o valor de € 17.000,00 (liquidada no âmbito dos autos de providência cautelar), o que importa numa indemnização global de € 138.627,00
1.7 - Dou aqui por reproduzido o teor das certidões que constam do apenso A. de fls. 42 a 174 com referência aos Procs. n°s 302/07.5BEPNF, 473/04.2BEPNF e 534/04.8BEPNF.

2. Da Base Instrutória da Causa:
2.1 - A queda da baliza ficou a dever-se ao facto da estrutura de ferro de que é constituída não estar fixada na base (resposta ao facto 1°);
2.2 - Era do conhecimento da Escola, que o co-A. C……. frequentava, nomeadamente dos seus funcionários de vigilância, que a estrutura de ferro de que era constituída a referenciada baliza era bastante pesada (resposta ao facto 2°);
2.3 - Tal baliza encontrava-se no recinto desportivo da Escola há bastante tempo (resposta ao facto 5°);
2.4 - Em consequência do acidente, o co-A. C……. sofreu as lesões consistentes em perfuração do crânio, fractura da coluna cervical, fractura do maxilar, fractura do osso do nariz, hemorragias externas, fractura no maxilar, fractura do nariz e coma profundo (resposta ao facto 11°);
2.5 - Os primeiros socorros foram prestados ao C……. pelos médicos do Centro de Saúde e pelos Bombeiros de Entre-os-Rios (resposta ao facto 12°);
2.6 - Depois, foi transportado, em estado de coma profundo, para o HOSPITAL DE SÃO JOÃO - PORTO, onde lhe foram prestados os primeiros tratamentos médicos (resposta ao facto 13°);
2.7 - Quando teve alta daquele Hospital foi transferido para o HOSPITAL PADRE AMÉRICO - VALE DO SOUSA - PENAFIEL (resposta ao facto 14°);
2.8 - Desde 09.MAR.01 até a presente data, sujeita-se a tratamentos de fisiatria no HOSPITAL DA PRELADA PORTO, duas vezes por semana, para tratamentos de reeducação psicomotora (resposta ao facto 15°);
2.9 - Em consequência do acidente e das lesões dele decorrentes, o co-A. C……. apresenta as seguintes sequelas:
- Não utiliza a mão direita, nomeadamente para correr (com o inconveniente de ser destro)
- Não caminha normalmente, coxeando e tendo perdido a destreza da perna direita;
- Tem a visão do olho esquerdo fortemente afectada;
- Nota-se um atraso no seu desenvolvimento intelectual;
- Não segura a saliva;
- Não tem sensibilidade na face esquerda da cara; e
- A nitidez da voz está afectada (resposta ao facto 16°);
2.10 - O co-A. C……. desloca-se para a Escola de táxi porque não pode caminhar por si próprio (resposta ao facto 17°);
2.11 - Tem necessidade de ser ajudado por terceiros quando veste determinadas peças de roupa, nomeadamente quando abotoa as mesmas e ainda quando procede a sua higiene corporal (resposta ao facto 18°);
2.12 - Devido ao desequilíbrio na locomoção, necessita de acompanhamento quando sai de casa (resposta ao facto 19°);
2.13 - Durante todo o período de internamento, o menor C……. esteve a ser sujeito diariamente a diversos exames radiológicos e a ingerir constantemente diversas substâncias medicamentosas, principalmente analgésicos, atento as dores que teve de suportar (resposta ao facto 20°);
2.14 - Após o acidente, deixou de frequentar a Escola perdendo em que estava inscrito (7° ano de escolaridade) (resposta ao facto 21°);
2.15 - Actualmente, ainda se desloca duas vezes por semana ao Hospital da Prelada - Porto para tratamentos de fisiatria (resposta ao facto 22°);
2.16 - O C……. enquanto esteve internado, em consequência das intervenções cirúrgicas e dos tratamentos médicos, incluindo as sessões de fisiatria de que tem sido alvo, sofreu dores incomensuráveis (resposta ao facto 24°);
2.17 - Ficou fisicamente afectado de forma grave o que limita a sua capacidade para prover as suas necessidades diárias (higiene corporal, alimentação, vestir e calçar) (resposta ao facto 27°);
2.18 - Facto que obriga a mãe a sacrificar com o mesmo uma parte considerável do seu dia a dia já por si ocupado com os cuidados ao outro filho menor e ao marido, paraplégico devido a um acidente de trabalho (resposta ao facto 28°);
2.19 - Esta situação de necessidade da ajuda de terceiros manter-se-á ate ao resto da sua vida (resposta ao facto 29°);
2.20 - As graves lesões afectam a vida diária do C……. mas também se repercutirão futuramente em termos de exercício de qualquer actividade profissional (resposta ao facto 30°);
2.21 - Nomeadamente na construção civil, cantaria ou empresas de construções de alumínio da região onde seria possível encontrar colocação logo que terminasse os estudos e tivesse idade legal para trabalhar (resposta ao facto 31°);
2.22 - Naquelas actividades poderia obter um rendimento mensal (resposta ao facto 32°);
2.23 - No futuro, não poderá exercer qualquer actividade que exija a realização de qualquer esforço físico (resposta ao facto 33°);
2.24 - A sua aparência física evidencia aos olhos de qualquer pessoa um grande dano estético quando possuía um bom aspecto físico que tinha antes do acidente (resposta ao facto 34°);
2.25 - A sua capacidade de gozo dos bens proporcionados pela vida, liberdade de movimentos e de deslocação ficaram limitados (resposta ao facto 35°);
2.26 - Com consequências significativas ao nível da sua actividade de lazer e de aceitação perante terceiros o que lhe determinará comportamentos inibitórios e complexados, nomeadamente no campo das relações amorosas (resposta ao facto 36°);
2.27 - Porquanto passou a existir e a acentuar-se cada vez mais, uma perda de auto estima e a frustração da sociabilidade imposta pelo meio em que está inserido (ou mesmo que um dia passe a viver num outro diferente) (resposta ao facto 37°);
2.28 - Os co-AA. A……. e mulher B…... por causa da ocorrência do sinistro, viveram também momentos dramáticos que os marcarão para o resto das suas vidas (resposta ao facto 38°);
2.29 - Com efeito, acompanharam, a par e passo, ansiosamente, todas as movimentações que se seguiram após a queda da baliza sobre o corpo do seu filho C……. que entrou em coma profundo (resposta ao facto 39°);
2.30 - O menor C……. ajudava os pais, nomeadamente o co-A. A……, seu pai, que se encontra imobilizado numa cadeira de rodas devido a um acidente de trabalho (resposta ao facto 40°);
2.31 - Muitas foram as lágrimas derramadas perante o infortúnio do C…… e as suas consequências a nível familiar (resposta ao facto 41°);
2.32 - Os co-AA. A……. e mulher B……., nos primeiros tempos após o acidente e enquanto o seu filho C……. se manteve em coma, viajaram diariamente para o PORTO com o fim de acompanharem a evolução do seu estado de saúde (resposta ao facto 42°);
2.33 - Depois da saída do estado de coma acompanharam o filho para todos os Hospitais (resposta ao facto 43°);
2.34 - Deslocações difíceis de realizar devido ao custo das mesmas e ao facto de o Autor andar numa cadeira de rodas (resposta ao facto 44°);
2.35 - Temeram pela vida do C……. (resposta ao facto 45°);
2.36 - Actualmente continuam a sofrer, em consequência do estado de saúde do seu filho, decorrente do acidente (resposta ao facto 46°);
2.37 - Em consequência da ocorrência descrita, o Autor C……. ficou com uma paralisia do nervo facial a esquerda – lábio inferior hipotónico, apagamento das pregas frontais a esquerda, fenda orbitária esquerda sem oclusão completa e com o globo ocular em dextro versão (resposta ao facto 1° do apenso A);
2.38 - Hipostesia de toda a hemi face esquerda (resposta ao facto 2° do apenso A);
2.39 - Oclusão discêntrica da mandibula para a esquerda durante o movimento da abertura da boca (resposta ao facto 3° do apenso A);
2.40 - No pescoço ficou com uma cicatriz de forma ovalada - 3cm por 1 cm de maiores dimensões - localizada na face anterior base do pescoço resultante de traqueostomia (resposta ao facto 4° do apenso A);
2.41 - No membro superior direito existem sinais de alterações da dinâmica vascular nas mãos - resultantes da lesão neurológica central (resposta ao facto 5° do apenso A);
2.42 - Diminuição ligeira da força muscular para grau 4 em 5 (resposta ao facto 6° do apenso A);
2.43 - Grave afectação ao nível da motricidade fina - o C……. consegue escrever o seu nome muito lentamente e com trémulo franco (resposta ao facto 7° do apenso A);
2.44 - O C……. é dextro e teve de reeducar a mão esquerda para a escrita e para todas as situações da vida diária (resposta ao facto 8° do apenso A);
2.45 - No membro inferior direito sofre de uma diminuição ligeira da força muscular para grau 4 em 5 e ROTS ligeiramente aumentados (resposta ao facto 9° do apenso A);
2.46 - Marcha de base alargada com franco desequilibro e claudicação à custa do membro inferior direito (resposta ao facto 10° do apenso A);
2.47 - Dificuldades nas transferências com lentidão e necessidade de apoio com os membros superiores (resposta ao facto 11° do apenso A);
2.48 - Não consegue efectuar marcha rápida nem corrida (resposta ao facto 12° do apenso A);
2.49 - O autor sofre de alterações de linguagem (disartria) da aptidão grafo-motora e ligeiro compromisso da capacidade mnésica (memória de. fixação) (resposta ao facto 13° do apenso A);
2.50 - Que compromete o desenvolvimento de uma estrutura de personalidade saudável (resposta ao facto 140 do apenso A);
2.51 - E cria tendência de afastamento do outro, devido quer à vergonha e embaraço pela sua imagem corporal, dificuldades de linguagem, locomoção e equilíbrio, quer à dificuldade em conter emoções (resposta ao facto 15° do apenso A);
2.52 - As lesões provocaram no C……. comportamentos inibitórios e complexados perante terceiros, nomeadamente nas relações amorosas (resposta ao facto 16° do apenso A);
2.53 - Em consequência das lesões o autor sofre de uma incapacidade permanente geral de 70% (resposta ao facto 17º do apenso A);

3. Como se relatou, a sentença recorrida julgou parcialmente procedente a acção proposta, na qual os autores pretendem efectivar obrigação de indemnizar decorrente do regime de responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos de gestão pública, consagrado no art. 22 (Artigo 22º(Responsabilidade das entidades públicas): O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.) da Constituição da República e cujos aspectos fundamentais são disciplinados pelo DL 48 051, de 21.11.67, aqui aplicável, que estabelece o princípio geral de que «o Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das funções e por causa desse exercício» (art. 2º).

Como refere a sentença e é jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo (Veja-se, v. g., o acórdão desta 1ª Subsecção, de 23.10.2008 (Rº 264/08), e demais jurisprudência, nele citado.), a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos, praticados pelos seus órgãos e agentes, assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo de causalidade entre este e o facto. Sendo de notar que o art. 6 (Artigo 6º: Para efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.) daquele DL 48 051 consagra, relativamente ao que decorre do art. 483 e segts do CCivil, um conceito de ilicitude mais amplo, ao estabelecer que os actos materiais serão ilícitos não só quando violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis mas também quando infrinjam as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.

A sentença impugnada, para decidir, como decidiu, pela parcial procedência da acção proposta, julgou verificados todos os referidos pressupostos da invocada responsabilidade por actos ilícitos.

Na respectiva alegação, o recorrente Estado Português impugna o decidido, persistindo em defender que, no caso, não se verifica, desde logo, o pressuposto da ilicitude.

Ora, no sentido da existência de tal pressuposto da invocada obrigação de indemnizar, a sentença recorrida considerou o seguinte:

No que se reporta à ilicitude, é sabido que o facto ilícito pode consistir tanto num acto jurídico, como num acto material, podendo, também, consistir numa omissão, só que, neste último caso, apenas quando exista obrigação de praticar o acto omitido (Acs. do S.T.A. de 25-03-99 - Rec. n° 41297, de 13-05-99 - Rec. n° 38081, de 20-01-2000 - Rec. n° 44023-T e de 15-02-2001 - Rec. n° 47003).
À luz do artigo 6° do DL 48051, de 21-11-67, consideram-se lícitos: "os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração".
No caso em apreço, o acidente ocorreu numa Escola EB 2/3, durante o período escolar, na altura em que o C……. se encontrava no recreio da escola durante o período de intervalo das aulas, sendo que nesse espaço encontravam-se duas balizas de ferro e diversos alunos da mesma escola, aproveitando o período de recreio e o facto de aí se encontrarem as balizas, jogaram entre eles futebol, sendo que, emocionado, devido ao facto de ter marcado um golo que colocou a sua "equipa" a vencer, festejou o mesmo dependurando-se na barra transversal da parte superior frontal da baliza do campo de jogos.
De imediato, a pesada estrutura de ferro em que é construída a baliza desequilibrou-se e caiu sobre o menor, projectando-o contra o solo em cimento, estando demonstrado que a queda da baliza ficou a dever-se ao facto da estrutura de ferro de que é constituída não estar fixada na base e que era do conhecimento da Escola, que o co-A. C…….. frequentava, nomeadamente dos seus funcionários de vigilância, que a estrutura de ferro de que era constituída a referenciada baliza era bastante pesada, além de que tal baliza encontrava-se no recinto desportivo da Escola há bastante tempo.
Considerando a norma descrita e a realidade descrita, é manifesto que estamos perante um facto ilícito, dado que, perante o estado do aludido equipamento desportivo no recreio da escola, estamos perante uma situação de perigo pela forte potencialidade lesiva de um equipamento como o descrito naquelas condições.
Para além disso, no caso em apreço, não havia qualquer obstáculo à proximidade física dos alunos com as balizas, nem existia qualquer dispositivo de protecção para prevenir situações como a descrita nos autos.
Por isso, era recomendável, como cuidado mínimo aconselhado pelas regras de prudência, não só que se avisassem os alunos os alunos para não utilizarem as balizas e para não se deslocarem para o local onde se encontravam as balizas, mas que fosse efectivamente impedida a utilização das balizas e a aproximação dos alunos do local, não podendo os deveres de cuidado e vigilância do pessoal docente e não docente em relação ao equipamento considerar-se supridos pelo exposto no Regulamento Interno que, aliás, nem sequer pode ser considerado neste domínio, pois que o mesmo apenas pode reportar-se a utilização de equipamentos devidamente instalados.
Efectivamente, a matéria apontada pelo R. não consegue ultrapassar o "pecado original" relacionado com a situação do equipamento e que impunha à Escola a sua retirada do local ou, em alternativa, impedir por qualquer forma a sua utilização, de modo que, ao não proceder desta forma, a Escola conformou-se com a possibilidade de acontecer um evento desta natureza, pois que a realidade descrita não traduz um comportamento inesperado por parte de crianças desta idade, o que significa que também não pode atender-se ao exposto no art. 570º do C. Civil.
Neste contexto, a conduta do pessoal docente e não docente que se retira dos autos (e que permitiu o desenvolvimento de actividade que implicou a utilização das balizas e a aproximação dos alunos àquele equipamento) constitui um acto que envolve manifestamente violação das regras de prudência que no caso eram exigidas, o que significa que se está, assim, perante um facto ilícito, à face do preceituado no art. 6.° do Decreto-Lei n° 48051.

Assim, e não existindo, à época dos factos, quadro normativo legal sobre a instalação e utilização de balizas em recintos escolares, a sentença recorrida entendeu que a ilicitude da conduta omissiva imputada aos agentes do réu Estado (docentes e funcionários administrativos da Escola) consistiu na violação do respectivo dever de vigilância, relativamente à referenciada baliza que, pela sua estrutura e constituição e, ainda, por não estar fixada ao solo, constituía um equipamento de «forte potencialidade lesiva». Pelo que teriam sido infringidas regras, quer de ordem técnica, por ter sido mantida essa baliza sem fixação ao solo, quer de prudência comum que – ainda segundo o entendimento seguido na sentença – exigiriam dos responsáveis da Escola que fizessem retirar tal baliza do local em que se encontrava ou, em alternativa, impedissem que os alunos por qualquer forma a utilizassem ou sequer dela se aproximassem.

Contra tal entendimento da sentença, o recorrente Estado Português sustenta que, na concreta situação em apreço, não ocorreu a apontada violação de regras de ordem técnica, salientado a esse propósito que, como ficou provado, a(s) baliza(s) em questão era, pelas suas características de pesada estrutura de ferro, de equilíbrio estável. Pelo que a sua utilização em segurança não exigia que estivesse fixada ao solo, na base, contanto que dela se fizesse adequada utilização, que não exorbitasse da normal função de baliza, ou seja, utilização não abusiva. Daí que, para o mesmo recorrente, seja descabida a invocação de regras de prudência comum, para exigir dos professores e funcionários que retirassem do recinto escolar ou impedissem a utilização das balizas, que a própria Escola ali mandou instalar, porque necessárias à comunidade escolar e destinadas a ser utilizadas pelos alunos. Conclui, assim, o mesmo recorrente que a colocação e manutenção, no recinto da Escola, dessas balizas – que, apesar de não se encontrarem cravadas no chão, constituíam, pelo seu peso e características, estruturas estáveis e não susceptíveis de derrube em circunstâncias de adequada utilização na sua função de delimitar a área de golo – não preenche o requisito ilicitude.

E, a nosso ver, procede essa alegação.

Conforme a matéria de facto provada, o acidente em causa ocorreu quando o referido C……. , então a dois dias de perfazer 13 anos de idade, para festejar um golo, que marcou e dava vantagem à sua equipa, se dependurou na barra transversal da parte superior da baliza do campo de jogos, que não estava fixada na base e se desequilibrou e tombou sobre ele, projectando-o contra o chão de cimento.

Afigura-se razoável a conclusão de que a fixação da baliza ao chão teria impedido ou, ao menos, dificultado o seu desequilíbrio e queda. Pelo que o facto, salientado na sentença, de a baliza não estar fixada na base não é indiferente, em sede de nexo de causalidade.

Todavia, ao invés do que entendeu a sentença, esse mesmo facto – não estar a baliza fixada ao chão – não implicou, na concreta situação em apreço, a ilicitude da conduta omissiva dos responsáveis da Escola, por não terem determinado tal fixação.

Com efeito, importa notar que, como salienta o recorrente Estado Português, a baliza em questão era uma estrutura em ferro, «bastante pesada», para cuja estabilidade e equilíbrio não era necessário, por isso, a respectiva fixação ao solo. E era também por virtude dessas características que essa baliza – ao invés do que considerou a sentença – não constituía, em si mesma, um equipamento de «forte potencialidade lesiva». Sendo que, como também salienta aquele recorrente, não caiu ou colapsou, «por falta de manutenção, v. g. carcomida pela ferrugem ou dearticulada pela cedência da junções de soldadura». O que, a verificar-se, corresponderia a existência de violação do dever de vigilância dos responsáveis da Escola. E a queda da referida baliza também não resultou de qualquer das incidências próprias do normal desenvolvimento do jogo, como o impacto de uma bolada ou o encontrão de um jogador. Caso em que a instalação e manutenção desse equipamento sem fixação ao solo evidenciaria, igualmente, violação de regras de ordem técnica e de prudência comum a observar pelos responsáveis da Escola.

No caso concreto – e tal como, sem controvérsia, ficou provado – o que desencadeou o evento danoso, ou seja, o desequilíbrio e queda da baliza, foi a acção do próprio acidentado, o C……. , que se lançou à trave da baliza e nela se dependurou, fazendo desse equipamento utilização inadequada e violadora de elementar regra de bom senso, mesmo para jovens que, como ele, estavam a completar 13 anos de idade. Sendo que essa culpa do próprio lesado no desencadear do processo causal dos danos, que sofreu, sempre excluiria, no caso, o dever de indemnizar (art. 570 (Artigo 570º (Culpa do lesado):
1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indenizar.) CCivil), que a sentença recorrida fez derivar de culpa presumida dos agentes do réu, ora recorrente, Estado Português, por violação do alegado dever de vigilância (Neste sentido, veja-se o acórdão desta 1ª Secção, de 27.1.2011 (Rº 995/10)..)

Por fim, também não é aceitável o entendimento da sentença, ao considerar que existiu ilicitude na conduta dos professores e funcionários administrativos da Escola, que não teriam agido segundo regras de prudência comum, cuja observância – segundo aquele entendimento da sentença – teria levado a que reconhecessem a perigosidade do equipamento em causa, quando utilizado por crianças da idade do referido C…….. Pelo que deveriam os mesmos responsáveis da Escola retirar esse mesmo equipamento do local em que se encontrava «ou, em alternativa, impedir por qualquer forma a sua utilização».

É que, como já se referiu, a baliza em causa, pelas suas características de composição e estrutura, era um equipamento estável, que já se encontrava no recinto desportivo há bastante tempo (ponto 2.3, da matéria de facto), sem que, como nota o recorrente Estado Português, se tivesse demonstrado ou sequer alegado que antes tivesse caído ou pudesse previsivelmente cair, em circunstâncias de utilização normal. Trata-se, pois, de equipamento que não comportava, em si mesmo, uma perigosidade óbvia e representável pelos responsáveis da Escola, cuja necessidade de prevenção explicaria a emergência daqueles invocados deveres de vigilância, de cuja violação decorreria a pretendida ilicitude.

E nem se diga, como sugere a sentença, que a perigosidade desse equipamento se revelou, afinal, pela inesperada e inadequada utilização que dele fez o acidentado C……... Pois que – como bem se pondera no acórdão desta Subsecção, de 4.10.07 (Rº 1186/06) – «só, por absurdo se sustentaria que uma perigosidade apenas vaga, remota e longínqua acarreta, ‘ea ipsa’, um dever de jurídico de a neutralizar.

A propósito deste último ponto – prossegue o mesmo aresto – lembraremos que são em número indefinido as coisas capazes de reflexa ou indirectamente trazer males imprevisíveis – sendo fantasioso e vão o desejo de em absoluto os prevenir. Por isso, quando se fala nos perigos que são próprios das coisas, alude-se àqueles para que elas potencialmente tendem segundo linhas típicas de causalidade; e não às ameaças ou riscos que elas só possibilitam em virtude de circunstâncias inopinadas e casuais, ou seja, devido ao cruzamento imprevisto e aleatório de linhas de causalidade diferentes. E um outro aspecto, aliás próximo do anterior, merece ser considerado: para além de um problema de existência, toda a perigosidade juridicamente relevante supõe ainda um problema de grau. É que a existência de uma perigosidade potencial é sempre uma condição necessária do surgimento de deveres de vigilância; mas não é, nem pode ser, sua condição suficiente, pois tais deveres só brotam deveras a partir de um certo patamar de ameaça ou perigo, em que se distingue aquilo que é sociologicamente suportável do que o não é.

Portanto, o ‘an’ e o ‘quando’ de um qualquer dever de cuidado, diligência ou vigilância – dever que é um pressuposto incontornável das imputações a título de negligência – dependem, na ausência de regras ‘ad hoc’, do grau de perigosidade inerente à coisa a cuidar ou vigiar».

Ora, na concreta situação em apreço, já se viu que a baliza em causa, pela sua estrutura e características, não representava para os que dela fizessem utilização normal, nomeadamente os alunos da Escola, um perigo real e discernível. Pelo que, nessas circunstâncias, não é aceitável a conclusão, afirmada na sentença, de que os responsáveis da Escola tinham o dever de retirar tal baliza do recinto desportivo em que se encontrava ou, em alternativa, impedir por qualquer forma a sua utilização.

De tudo o que se deixou exposto se conclui, em suma, que não é possível atribuir ao aqui recorrente Estado Português conduta ilícita.

Em suma: a factualidade provada não permite atribuir aos agentes (professores e funcionários) do aqui recorrente Estado Português qualquer conduta ilícita, geradora de responsabilidade civil extracontratual, faltando, assim, um dos respectivos pressupostos. O que, sendo estes de verificação cumulativa (Neste sentido, p. ex., os acórdãos de 25.6.98 (Rº 4376), de 21.9.2010 (Rº 859/09 e de 23.9.2010 (Rº 465/2010).), implica a inexistência de obrigação de indemnizar e, por consequência, a improcedência da acção proposta.

E, sendo improcedente a acção, com esse fundamento, improcede igualmente o recurso subordinado, que se limita à matéria relativa ao quantum indemnizatório da renda fixada na sentença e às compensações, nela atribuídas, por danos não patrimoniais.


4. Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em

a) conceder provimento ao recurso principal, revogando a sentença recorrida e julgando totalmente improcedente a acção proposta;
b) negar provimento ao recurso subordinado.

Custas a cargo dos Autores, na 1ª instância e neste Supremo Tribunal, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Lisboa, 26 de Abril de 2012. – Adérito da Conceição Salvador dos Santos (relator) – Jorge Artur Madeira dos SantosJosé Manuel da Silva Santos Botelho.