Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0368/05
Data do Acordão:04/12/2005
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO SAMAGAIO
Descritores:FORMAÇÃO DOS CONTRATOS.
PRAZO DE RECURSO CONTENCIOSO.
JURISPRUDÊNCIA.
RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:Tendo a 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, em formação alargada, pelo seu acórdão de 24/11/2004, Proc. nº 903/04, ao abrigo do disposto no artigo 150º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), no âmbito dos pedidos de providências cautelares, decidido que o prazo para uso do meio processual no contencioso de formação dos contratos como sendo de um mês, nos termos do artigo 101º do CPTA, seja expresso ou tácito o respectivo acto, e não de um ano, previsto no nº 1 do artigo 69º do citado diploma, sob pena de caducidade do direito de acção, não se verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista excepcional constantes daquele artigo 150º, interposto no processo principal, onde se coloca a mesma questão de direito.
Nº Convencional:JSTA00061928
Nº do Documento:SA1200504120368
Data de Entrada:03/23/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE CASCAIS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA.
Decisão:NÃO ADMITIR O RECURSO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - PRE-CONTRATUAL.
Legislação Nacional:CPTA02 ART58 ART66 ART67 ART69 ART100 ART101 ART150.
DL 134/98 DE 1998/05/15 NA REDACÇÃO DA L 4-A/2003 DE 2003/02/19 ART3.
Jurisprudência Internacional:AC STA PROC903/04 DE 2004/11/24.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA):

A…, melhor identificada nos autos, interpôs recurso, para este STA, nos termos do nº 1 do art. 150º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) que confirmou, embora com alteração da fundamentação de direito, o decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAFS) o qual absolveu o Réu (R.) - Município de Cascais - da instância, face à caducidade do direito de acção e à ilegitimidade da Autora (A.), ora Recorrente, A…., acção essa que intentara naquele Tribunal e em que fizera os seguintes pedidos:
a) anulação do indeferimento tácito do recurso hierárquico da decisão que, com fundamento de que “não demonstrou aptidão para a execução da obra”, excluiu a A. do concurso público para a empreitada “Casa Verdades de Faria - Museu de Música Portuguesa - recuperação e remodelação da casa existente”;
b) condenação da Câmara Municipal de Cascais (leia-se Município de Cascais) a admitir a A. ao concurso referido em a);
c) anulação do acto de adjudicação e condenação da referida Câmara a adjudicar-lhe a empreitada em causa.
A sentença do TAFS absolveu o R. da instância por considerar que a impugnação do indeferimento tácito do recurso hierárquico da decisão que excluiu a A., ora recorrente, do concurso fora feita para além do prazo legal, (um mês) pelo que o respectivo direito de acção caducara e, consequentemente, a A. perdeu a legitimidade para impugnar a adjudicação já que só os candidatos admitidos ao concurso a possuem.
Para assim decidir a sentença desenvolveu o seguinte raciocínio.
Nos termos do DL nº 59/99, de 2 de Março, (arts. 98º nº 6 e 49º nº 3) a recorrente reclamou da sua exclusão e, não tendo sido notificada da decisão no prazo de 10 dias, interpôs recurso hierárquico para a Câmara Municipal de Cascais do indeferimento tácito da reclamação.
E, como este órgão não se pronunciou no prazo de 10 dias, aquele recurso hierárquico tem-se como indeferido (art. 99º, nº 4 do DL nº 59/99).
Ora, como nessa data se encontrava em vigor o DL nº 134/98, de 15 de Maio, a recorrente dispunha do prazo de um mês para interpôr recurso contencioso do mencionado indeferimento tácito (art. 3º, nº 2), o que não fez, pelo que, aplicando-se tal prazo quer a actos expressos quer a actos de indeferimento tácito, o ataque ao acto de exclusão foi manifestamente intempestivo, pelo que se verificou a caducidade do direito de acção.
É certo que chegou a haver decisão expressa da reclamação, notificada muito mais tarde à recorrente. Mas, adianta a sentença, “tendo decorrido o prazo de um mês para a interposição do recurso contencioso do acto do indeferimento tácito, sem que o acto de exclusão do procedimento tenha sido impugnado, o mesmo consolidou-se, para todos os agentes em presença, estando vedada à Administração a possibilidade de o revogar, mesmo com fundamento na sua invalidade, face ao disposto no artigo 141º do Código do Procedimento Administrativo”, pelo que a prolação do acto expresso de indeferimento não tem a virtualidade de reabrir a via contenciosa, ao contrário do que defende a recorrente. E, caducado que se encontra o direito à acção, a A. perdeu, consequentemente, a legitimidade para impugnar a adjudicação, bem como para invocar a invalidade do respectivo contrato.
O acórdão recorrido do TCAS confirmou o assim decidido embora, como já se disse, com alteração da fundamentação de direito ao salientar que nos termos do art. 101º do CPTA, “Os processos do contencioso pré-contratual tem carácter urgente e devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto”. Decorrido tal prazo, sem que o direito de acção seja exercido, e não o foi, este extingue-se por caducidade.
E o acórdão recorrido acrescenta que o prazo de um mês previsto no citado art. 101º do CPTA se aplica a todos os casos quer se esteja perante actos tácitos ou expressos, não sendo de aplicar no contencioso pré-contratual, em qualquer situação, o prazo geral de impugnação de actos consagrado no art. 58º. n 2, do CPTA, por estar especialmente previsto prazo distinto de impugnação no art. 101º daquele diploma, prevalecendo sempre a norma especial em detrimento da geral.
E este mesmo prazo de um mês previsto no art. 101º do CPTA aplica-se sempre que, no âmbito do exercício do direito de acção do regime especial do contencioso pré-contratual, se pretenda a condenação da entidade competente à prática de um acto administrativo ilegalmente omitido, regime este substitutivo do recurso contencioso de indeferimento tácito previsto na legislação anterior ao actual CPTA, e não o prazo geral de um ano constante do art. 69º, nº 1, daquele diploma legal.
Em suma: no acórdão recorrido decidiu-se que o prazo para impugnar os actos no âmbito do contencioso pré-contratual, por força do disposto no art. 101º do CPTA, quer expressos quer tácitos ou para pedir a condenação da Administração na prática do acto omitido, é de um mês e não o prazo geral de um ano, pelo que a ora recorrente não tendo exercido o seu direito de acção naquele prazo de um mês viu caducar tal direito.
Entendimento diferente é sustentado pela recorrente pois as acções no âmbito do contencioso pré-contratual são apenas as acções de impugnação de actos expressos, e não as de condenação à prática de acto omitido, como é o caso, porquanto, na vigência do CPTA, este tipo de procedimento substituiu o recurso contencioso de indeferimento tácito, não estando, por isso, este procedimento em causa assim como o respectivo prazo.
A questão a decidir é, antes, a do prazo da acção especial administrativa de condenação para a prática de acto devido o qual não está previsto nem regulamentado no âmbito do contencioso da formação dos contratos para esse tipo de acções (art. 100º e segs. do CPTA) pelo que lhes deve ser aplicado o regime daquela acção constante do art. 66º e segs. do referido código, que é de um ano, nos termos do nº 1 do art. 69º.
Quanto aos pressupostos deste recurso, fixados no art. 150º do CPTA, sustenta o seguinte:
“ As questões suscitadas nos presentes autos são de extrema relevância jurídica e a sua discussão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, porquanto, para além de dizer respeito ao tratamento dos chamados “actos tácitos de indeferimento” no âmbito do CPTA, diz ainda respeito à delimitação entre os meios processuais previstos no CPTA, maxime, entre o meio processual previsto na Secção II, do capítulo II do Título III- ou seja, acção administrativa especial para obter a condenação na prática de acto devido - e o meio processual previsto na Secção II, Capítulo I do Título IV - ou seja, processo urgente de contencioso pré-contratual.”
A entidade recorrida, Município de Cascais, contra-alegou sustentando que nenhuma razão assiste à recorrente, devendo a sua pretensão improceder.
Decidindo.
Em causa, neste momento, não está a apreciação do objecto do recurso excepcional de revista mas antes a sua admissibilidade, nos termos do art. 150º do CPTA.
Importa salientar que a decisão do tribunal “a quo” negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pela ora recorrente A…, da sentença do TAFS, com o fundamento na caducidade do direito de acção de condenação na prática do acto omitido, (anterior recurso do indeferimento tácito) porquanto não a intentou no prazo de um mês nos termos do art. 101º do CPTA.
Por outro lado, o acórdão recorrido decidiu que, “(...) a questão do prazo para apresentação dos autos em juízo, contrariamente ao defendido pela recorrente, o prazo de um mês previsto no art. 101º do CPTA, à semelhança do prazo anteriormente previsto no art. 3º, nº 2 do DL nº 134/98, de 15.05, na redacção dada pela Lei 4-A/2003, de 19/02, e também de um mês, aplica-se em todos os casos , quer se esteja perante actos tácitos ou expressos, não sendo de aplicar no contencioso pré-contratual, em qualquer situação, o prazo geral de impugnação de actos previsto no art. 58º, nº 2 do CPTA, por estar especialmente previsto prazo distinto de impugnação no art. 101º do CPTA, prevalecendo sempre a norma especial em detrimento da geral (...)”., contrariamente ao defendido pelo recorrente ao sustentar que o prazo em causa é de um ano, nos termos do nº 1 do art. 69º, do CPTA.
Ora, este STA, por acórdão da sua 1ª Secção, de 24/11/2004, proferido no Proc. nº 903/04, na formação alargada, em conformidade com a nova Reforma do Contencioso Administrativo, e ao abrigo do citado art. 150º do CPTA, a propósito da mesma questão equacionada nos respectivos pedidos de providências cautelares, decidiu nos seguintes termos sintetizados no sumário daquele aresto o qual espelha com fidelidade o contexto do mesmo e que, por isso, se transcreve:
“I - A norma geral que dimana dos artigos 66.º; 67.º e 69.º n.º 1 do CPTA permite, em caso de inércia da Administração o uso da acção administrativa especial no prazo de um ano a contar do termo do prazo legalmente estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido.
II - Mas nada impede que, ao lado do regime geral, a lei consagre, para casos pontuais, regimes especiais, quer de tipos de processo contencioso (como os processos de contencioso pré-contratual) quer de formação de indeferimento no procedimento gracioso, (maxime em recurso administrativo de decisão de primeiro grau) quer de prazos de utilização dos meios contenciosos, desde que semelhante desvio das regras comuns se mostre necessário à eficácia e prontidão das decisões a proferir na matéria, fique garantida a segurança jurídica, a efectividade da tutela e sejam dirigidos à obtenção de valores superiores aos sacrificados.
III - A questão de determinar qual o prazo para o uso do meio urgente previsto no artigo 100.º do CPTA (seja impugnatório ou de condenação) em caso de inércia da Administração, como a falta de decisão de recursos administrativos (de que é exemplo o previsto no art.º 99.º do DL 59/99, de 2/3) resolve-se por interpretação conjugada dos artigos 1.º n.º 1 e 2.º n.º 7 da Directiva do Conselho de 21 de Dezembro de 1989 (89/665/CEE); 3.º n.º 2 do DL 134/98; 100.º e 101.º do CPTA com os artigos 59.º nºs. 4 e 5; 66.º, 67.º e 69.º n.º 1 do CPTA, no sentido de que se mantém inalterado o prazo do citado art.º 3.º n.º 2, agora constante do artigo 101.º do CPTA, tendo como consequência ser de um mês o prazo de utilização do meio contencioso - quer antes quer depois da entrada em vigor do CPTA - contado a partir da data em que o recurso administrativo se “considera indeferido”, data esta que o interessado conhece automaticamente por aplicação do n.º 3 do artigo 99.º do DL 59/99, em conjugação com a data em que o interpôs.
IV – A norma do n.º 1 do artigo 59.º do CPTA refere-se a actos que devam ser notificados e o artigo 101.º a actos em que não há lugar a notificação. Nestes últimos incluem-se os actos que resultam de se considerar indeferido um recurso administrativo.
A falta de decisão de recurso administrativo no prazo legalmente previsto dá lugar a considerar-se iniciado o prazo do recurso contencioso por determinação lega1. A notificação neste caso está efectuada com a notificação da decisão primária, tanto que não existe nada a notificar para além do acto primário e o momento a partir do qual começa a contar-se o prazo do recurso contencioso está rigorosamente certo, por força do artigo 99º do DL nº 59/99”
Isto é: o acórdão recorrido, de 13/01/05, decidiu, na esteira do acórdão da 1ª Secção deste STA, em formação alargada, de 24/11/04, a questão do prazo para uso do meio processual, seja impugnatório ou de condenação, no contencioso da formação dos contratos, como sendo de um mês, seja expresso ou tácito o respectivo acto.
Ora, estatui o nº 1 do art. 150º do CPTA que “Das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma
questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Mas sendo estes os pressupostos da revista excepcional para este STA então não é de admitir tal recurso no caso vertente.
Com efeito, estando a questão já decidida, recentemente, pela 1ª Secção deste STA (formação alargada), embora tal acórdão não tenha força vinculativa para os próprios subscritores do mesmo, não é normalmente razoável que a sua doutrina venha a ser alterada, pela mesma Secção, em formação reduzida, tanto mais que aquele aresto apenas tem um voto de vencido.
Daí que, se por um lado, não se descortina que a admissão do presente recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, por outro, encontrando-se a solução consagrada recentemente por toda a 1ª Secção, quanto ao prazo em causa, tal questão perde relevância jurídica ou social.
Por tudo o exposto, acordam em não admitir o presente recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 12 de Abril de 2005. António Samagaio – (relator) – Santos Botelho – Azevedo Moreira.