Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:016/10
Data do Acordão:04/13/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IVA
TRANSACÇÃO INTRACOMUNITÁRIA
PREÇO
VEÍCULO USADO
Sumário:I – O valor tributável dos veículos comprados em segunda mão no estrangeiro e vendidos no território nacional é constituído pela diferença entre o preço de compra, com inclusão do IVA e o preço de venda.
II – No preço de compra não se inclui o imposto automóvel, pois este é pago em Portugal e a aquisição dos veículos ocorreu no estrangeiro.
Nº Convencional:JSTA00066919
Nº do Documento:SA220110413016
Data de Entrada:01/11/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA SUL DE 2009/03/31.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Área Temática 2:DIR PROC CIV. /DIR COMUN.
Legislação Nacional:CPC96 ART264 ART729 N2.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 94/5/CEE DE 1994/02/14 ART4 N1 ART11 N3 A.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC627/07 DE 2008/01/31.; AC STA PROC647/06 DE 2007/03/07.; AC STA PROC1958/03 DE 2005/06/08.; AC STA PROC507/07 DE 2007/11/14.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. “A…”, com os demais sinais nos autos, veio recorrer do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31.03.09, proferido no Processo nº 7399/02, que negou provimento ao recurso interposto da decisão do Mmº Juiz do TAF do Funchal que, por sua vez, julgara improcedente a impugnação por si deduzida pela ora recorrente contra a liquidação adicional de IVA dos anos de 1994 e 1995, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
1ª)- A sentença sob recurso, surge na sequência do Acórdão, aliás douto, de 31/01/2008 desse V. Tribunal, no qual se ordenou a revogação do aresto do TCAS proferido nos autos em 24/04/2007;
2ª)- E através do qual, se ordenou ao TCAS, que proferisse nova decisão sobre a matéria “sub-judice “, a levar em conta a aplicação do emanado da Directiva n.º 94/5/CEE, a partir de 01 de Janeiro de 1995, por forma de evitar a aplicação de IVA sobre o IA (imposto automóvel) desde essa data;
3ª)- Os autos versavam sobre IVA e IRC reportados aos exercícios de 1994 e de 1995;
4ª)- Não obstante a questão controvertida versar sobre estes impostos e exercícios, a ora recorrente ao formular ali as alegações de recurso, decidiu restringir o âmbito do pedido, atenta a delimitação temporal da aplicação da aludida Directiva;
5ª)- Delimitou assim, nos termos da faculdade conferida pelo n.º 2 do art.º 273° do C. P. C., a matéria de facto do recurso, reduzindo o pedido apenas no que concerne ao IVA de 1995;
6ª)- De modo a permitir de acordo com o determinado por este Tribunal Superior, a decisão simples e expurgada de objecto de controvérsia (aceitando assim tudo o demais que consta do relatório da AT, deixando cair todas as reclamações respeitantes a 1994 e todas as outras respeitantes a 1995, deixando, assim, de haver qualquer matéria de facto controvertida);
7ª)- Destarte, o pedido reformulado reduz-se assim apenas à questão da incidência do IVA sobre o IA, do aludido exercício, ou seja, versando a quantia de Esc: 18.778.384$00 de IVA, que a AT fez incidir sobre o valor de IA pago em 1995 — 110.461.082$00 (conforme consta do dito relatório/auto de notícia da AT) e respectivos juros compensatórios no valor de 3.304.063$00 (Cfr nº 6 das alegações,);
8ª)- Os valores impugnados de IVA e respectivos juros compensatórios, foram pagos pela recorrente em Outubro de 1996 (conforme documentos juntos aos autos);
Contudo,
9ª)- Inexplicavelmente, o Tribunal “a quo” ao fundamentar factualmente a sua decisão, fez tábua-rasa, não só da alegada redução do pedido formulado pela recorrente, como igualmente da decisão desse STA;
10ª)- Quanto ao primeiro aspecto, continua a fazer referência a toda a matéria do ano de 1994, aos articulados n°s 8 a 15 da p.i, ao parecer jurídico solicitado pela recorrente, acabando por concluir, não ter matéria de facto para poder decidir e tão só meras considerações;
11ª)-Quando no relatório da AT, dado como reproduzido no Aresto recorrido, consta o valor das compras, o valor das vendas, o valor do IA, o valor do lucro bruto e do Lucro líquido, os valores corrigidos do IVA, com indicação dos motivos da correcção;
12ª)-Assim acontecendo, que melhor e mais clara matéria de facto se pode indicar?;
13ª)-Termos em que o TCAS não esteve bem, ao trazer à sua decisão a matéria do ano de 1994, porquanto são os limites do pedido da exclusividade das partes, a quem pertence definir os factos que integram a causa de pedir, sendo que o Tribunal, apenas pode tomar decisões sobre esses factos;
14ª)-Ao proceder como o fez, o TCAS violou o disposto no Cód. Proc. Civil— artº. 264°, nºs 1 e 2;
15ª)-Também o TCAS não esteve bem, ao não ver como a matéria de facto sobre que incidia o actual pedido era clara, bem delimitada e totalmente provada documentalmente e por não contestada, emanando até da leitura do aresto recorrido, a ideia de que os Ilustres Desembargadores nem sequer leram o requerimento da recorrente em que se pede apenas decisão sobre a matéria relacionada com o IVA do ano de 1995;
16ª)-Relativamente ao segundo aspecto - o não acatamento da decisão desse Tribunal consubstanciada no Ac. de 31/01/2008 - lavra no mais absoluto erro o aresto recorrido;
17ª)-Em matéria de direito, pretende o TCAS fazer valer a tese da sua primitiva decisão, ou seja, de que o IVA tem mesmo de incidir sobre o IA, (quer no caso em apreço, quer noutros semelhantes);
18ª)-E fundamenta esta posição, nos termos do disposto no art.17.°, n.° 3 do RITI e art. 1.°, n.º 2 do DL 504-0/85 de 30/12, Lei que aprovou o Orçamento de Estado de 1996, Dec.Lei n.º. 199/96 e algumas decisões de sentido contrário ao deste STA;
19ª)-Assume inclusivamente, uma interpretação diferente sobre a aplicação da Directiva Comunitária N° 94/5/CEE, de 11 Fevereiro, no sentido de que não tem aplicação no território nacional em 1995;
Ora,
20ª)- no essencial, foi precisamente o facto de este Tribunal de recurso ter considerado que a entrada em vigor desta Directiva N° 94/5 é a partir de 1 de Janeiro de 1995, que levou à revogação do aresto do TCAS;
21ª)-Não compete aos Tribunais de 2ª Instância modificar as decisões dos Tribunais Superiores, transitadas em julgado, mas tão somente acatá-las, respeitá-las e “proceder à reformulação do acórdão recorrido nos precisos termos que o Supremo tiver fixado “, conforme dispõe o art. 718.°, n.º 2 do CPC;
22ª)-No caso “sub-judice “, ao contrariar por completo a douta decisão do STA, no concernente à aplicação ao ano de 1995, da Directiva N.° 94/5, o TCAS não só está a violar o dito art.º 718°, como também o disposto no art.º 671°-1.° do CPC, que taxativamente diz “transitada em julgado a decisão fica tendo força obrigatória dentro do processo “;
23ª)- E tendo deste modo extravasado largamente as suas competências hierárquicas e processuais;
Assim,
24ª)-O aresto em crise, não só não conheceu do “thema decidendum” nos precisos termos em que ficou definido após as alegações da recorrente;
25ª)- Como não reformulou o anteriormente proferido nos termos que resultam do douto Acórdão deste V. Tribunal, de 31/01/2008;
26ª)-Pelo que, de todo se encontra, mal fundamentado;
27ª)-Deste modo, resultaram violadas as normas constantes da directiva n.º 94/05/CEE de 11 de Fevereiro, do artº. 264°, n°s. 1 e 2, do n.º 1 do art.º 671.°, do art.º 718.° n.º 2 e alínea d), do n.º 1 do art.º 668.°, todos do C. P. C.
NESTES TERMOS:
-Deve uma vez mais, ser revogado o douto acórdão recorrido, proferindo-se um outro em sua substituição que determine que o IA, em carros usados, importados de um país da CEE, em 2ª mão, faz parte do preço de custo, não sendo passível de incidência de IVA, de acordo com a legislação já mencionada no anterior douto acórdão deste STA, mormente a citada Directiva 94/5/CEE;
-Devem ser declaradas ilegais as correcções ao IVA feitas pela Administração Fiscal, respeitantes às aquisições e vendas de veículos, importados em 2ª mão, no ano de 1995 e que tiveram por fundamento o facto de esta entidade (AT) não considerar o IA como parte do custo, fazendo incidir IVA sobre ele;
-Deve declarar-se que os valores indevidamente cobrados pela AT, respeitantes a IVA de 1995, foram de Esc: 18.778.364$00, acrescidos de Esc: 3.304.063$00 de juros compensatórios (à data actual respectivamente € 93.666,08 e € 16.480,59);
-Deve a Administração Fiscal ser condenada a devolver à recorrente, os valores acima referidos, acrescidos de juros indemnizatórios, à taxa legalmente aplicável, a partir de 1 de Novembro de 1996 até efectivo pagamento;
-Deve a Administração Fiscal ser condenada no pagamento das custas processuais e procuradoria condigna.
Venerandos Senhores Juízes - Conselheiros: confiante na preclara e profunda análise a que procedereis do objecto do presente recurso, no confronto da presente alegação com as que lhe seguirão, tendo como pano de fundo o aliás Douto Aresto “sub-judice”, a Recorrente aguardarás serena a reposição da JUSTIÇA!
2. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 882/883 no qual defende a improcedência do recurso.
3. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.
4. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância e no TCAS os seguintes factos:
1º)-Do relatório da inspecção tributária em que assentaram as liquidações oficiosas de IVA 1994 e 1995 e de IRC/1995 do sujeito passivo consta:
A firma faz a aquisição de carros usados na Alemanha … que depois de legalizados incluindo o pagamento do IA respectivo os vende no mercado nacional.
Como locais de venda possui stands além do da sede, no Algarve e Madeira.
… nas declarações de rendimento mod. 22 - IRC é indicado como gerente B….
As compras … processam-se no mercado alemão sendo os vendedores essencialmente particulares.
No exercício de 1994 o IA pago não foi contabilizado em compras, não constituindo assim custo directo da viatura. Era contabilizado numa conta da classe 27- acréscimos e deferimentos.
Quando vende, ao preço de venda deduz o IA pela diferença, uma vez que opta pelo regime de bens em segunda mão.
Este procedimento foi abandonado em 1995 sendo neste exercício o IA contabilizado numa subconta da conta compras.
Quanto ao IVA, apesar de terem sido apurados novos valores, não foram enviadas as respectivas declarações de substituição.
O sujeito passivo continuou a utilizar o regime dos bens em segunda mão para efeitos de dedução/liquidação de IVA, abatendo à margem bruta das vendas o valor do IA.
(Quanto a IRC/1995)
Alteração ao inventário final: correcção no valor de 4.197.863$00 esc.
Correcções ás vendas...
Custo das vendas... (anexo 11) (-10.662.080$00 esc.).
2- No apuramento do IVA, o sujeito passivo não incluiu o valor do IA
3- O sujeito passivo não apresentou a declaração de IRC/1995.
4- O veículo de matrícula …-…-… não pertence à impugnante.
5) - Quanto às vendas constatou-se que o valor contabilizado era inferior ao efectivamente praticado. No entanto relativamente a 1995, como a contabilidade foi reformulada foram considerados os valores correctos para efeitos de IRC.
6) Contabilizou em duplicado (1994 e 1995) a venda de diversas viaturas, nomeadamente os seguintes:

Data
Matrícula
P. de Aquisição
Nov./94
…-…-…
1 254 317$00
Nov./94
…-…-…
1 307 712$00
Nov./94
…-…-…
1 225 980$00
Dez./94
…-…-…
1 203 329$00
…-…-…
1 070 759$00
…-…-…
1 123 815$00
…-…-…
1 205 547$00
…-…-…
1 379 673$00
…-…-…
889 123$00
…-…-…
561 869$00

Ora, porque os documentos foram emitidos em 1995, nas correcções a efectuar, estes proveitos que contabilizados em duplicado são considerados como fazendo parte do exercício de 1995 sendo a correcção feita a 1994.
7) Assim, em consequência a AT efectuou as seguintes correcções:
Correcções nas vendas
Exercício de 1994 – Mês de Novembro de 1994

Matrícula
P. Compra
P. Venda/Decl.
P.V. Corrigido
Valor da Correc.
Anexo 4/5
(1) Anexo 2
(1) Anexo 6
D
…-…-…
1 478 666$00
2 200 000$00
3 100 000$00
…-…-…
851 508$00
1 600 000$00
2 350 000$00
…-…-…
1 274 713$00
2 100 000$00
2 790 000$00
…-…-…
632 257$00
780 000$00
1 270 000$00
…-…-…
1 196 679$00
1 850 000$00
2 800 000$00
…-…-…
712 915$00
1 100 000$00
1 600 000$00
…-…-…
1 731 365$00
2 650 000$00
3 300 000$00
SOMA
7 878 103$00
11 280 000$00
17 210 000$00
5 930 000$00
Nota (1) – Valores com IVA incluído

Mês de Dezembro de 1994

Matrícula
P. Compra
P. Venda Decl.
P.V. Corrigido
Valor Correc.
Anexo 4/5
Anexo 7
…-…-…
866 804$00
1 600 000$00
2 600 000$00
…-…-…
031 439$00
1 000 000$00
1 650 000$00
…-…-…
1 326 650$00
2 100 000$00
2 950 000$00
…-…-…
1 634 928$00
2 400 000$00
2 900 000$00
…-…-…
970 738$00
1 450 000$00
1 800 000$00
…-…-…
766 373$00
1 350 000$00
1 350 000$00
SOMA
7 320 747$00
9 900 000$00
13 250 000$00
3 350 000$00

8) A AT procedeu à correcção do Inventário em 31.12.94 com os seguintes fundamentos:
Comparando a compra de viaturas e as vendas das mesmas, verifica-se que os Inventários não estão correctos:
Senão vejamos:
Compra de carros (1994) 42.269 161$00
Custo dos carros vendidos 14.074.830$00
Existências Finais - 28 194.331$00
A existência final de carros declarada foi de 19 250 334$30.
Estes valores não incluem o I.A. suportado uma vez que este foi contabilizado numa conta de
“Acréscimos e Deferimentos”.
O valor do IA. envolvido nestas Operações foi o seguinte.
I.A. suportado nas compras 22 130 185$00
I.A. nas vendas 6 820 816$00
I.A. nas Existências Finais 15 309 369$00
9) Correcções IVA – 1994
Face às correcções efectuadas às vendas e referidas no ponto 3.1.1 deste relatório e à margem bruta das vendas por exclusão do Imposto Automóvel da base tributável declarada, tendo em conta o Dec - Lei 504-G/85, de 30/12 - art.º 1°, n.º 2, as correcções de IVA são as seguintes para o 4° Trimestre de 1994.
MESES
IVA Corrigido
IVA Liquidado
Correcções
Novembro
1 109 620$00 (Anexo 6)
149 825$00 (Anexo 2)
959 795$00
Dezembro
838 331$00 (Anexo 7)
180 322$00 (Anexo 3)
658 331$00
Total
1 947 951$00 330 147$00
1 618 126$00

10) A AT procedeu a Correcções - Exercício de 1995 com o seguintes fundamentos:
Neste exercício o sujeito passivo continuou a liquidar IVA sobre uma base tributável inferior à efectivamente obtida, não só, porque considerava o valor da venda inferior ao real mas também porque ao mesmo abatia o Imposto Automóvel suportado e pago na D.G.A..
No entanto, ao refazer a contabilidade considerou o valor de venda correcto, mas a este continuou a abater o IA. pago. Mas, apesar de ter preenchido as Declarações de substituição Mod. C não os enviou ao SAIVA.
Face a estes factos, as correcções a efectuar neste exercício são as seguintes:
3.2.1 – Imposto/o Valor Acrescentado
a) Apuramento do Imposto em falta

Meses
IVA
Corrigido p/ Serviços
Anexo
IVA
Contabilizado
Anexo
IVA
Declarado S.P.
Anexo
IVA
Liq.Adicional
Janeiro
Fevereiro
Março
3 145 286$
2 882 385$
2 134 602$
11/12
13
14
389 618$
371 144$
319 688$
Total 1º T
8 162 273$
2 879 892$
15
1 080 450$
16
7 081 823$
Abril
Maio
Junho
1 857 459$
2 611 452$
1 600 504$
17
18
19
439 579$
450 966$
436 776$
Total 2º T
6 069 415$
2 658 970$
20
1 327 321$
21
4 742 094$
Julho
Agosto
Setembro
1 590 158$
326 792$
1 615 972$
22
23
24
530 840$
605 757$
641 013$
Total 3º T
6 532 922$
2 752 935$
25
1 777 610$
26
4 755 312$
Outubro
Novembro
1 295 483$
2 581 290$
3 048 138$
27
28
29
Total 4º T
6 924 911$
3 026 942$
30
0
6 924 911$

Quanto ao 4° Trimestre de 1995, como o sujeito passivo não enviou a Declaração Periódica foi preenchido documento oficioso de liquidação sendo o Imposto em falta de 5 197 081$00 determinado da seguinte forma:

IVA Liquidado
6 924 911$00
IVA Reg. Favor do Estado
8 990$00
IVA Dedutível Contabilizado
(- 1 736 820$00)
IVA a pagar
5 197 081$00


11) Efectuou ainda outras correcções, a saber:
No mês de Julho de 1995 foi vendido o matrícula ...-…-… por 1.460 177$00 adquirido no mercado nacional tendo o sujeito passivo exercido o direito à dedução do IVA.
Porque na venda não foi liquidado o respectivo Imposto, está em falta IVA no montante de (1460 177$00x17%=) 189 823$00
E concluiu que, relativamente a 1995, o IVA em falta é de 20 465 531 $00.
5. De acordo com as conclusões das alegações, são as seguintes as questões a conhecer no presente recurso:
a) Violação do disposto no artº. 264°, nºs l e 2 do Cód. Proc. Civil (conclusões 1ª a 14ª).
b) Violação do disposto nos artºs. 718.° e 671.°- n° 1 do CPC, (conclusões 15ª a 20ª).
c) Violação do disposto no artº 668º, nº l, alínea d) do Código de Processo Civil (conclusões 21ª a 26ª).
d) Violação da Directiva nº 94/05/CEE, de 11 de Fevereiro.
5.1. Relativamente à 1ª questão, entende a recorrente que:
Os autos versavam sobre IVA e IRC reportados aos exercícios de 1994 e de 1995;
Não obstante a questão controvertida versar sobre estes impostos e exercícios, a ora recorrente ao formular ali as alegações de recurso, decidiu restringir o âmbito do pedido, atenta a delimitação temporal da aplicação da aludida Directiva;
Delimitou assim, nos termos da faculdade conferida pelo n.º 2 do art.º 273° do C. P. C., a matéria de facto do recurso, reduzindo o pedido apenas no que concerne ao IVA de 1995;
Deste modo, o pedido reformulado reduzia-se apenas à questão da incidência do IVA sobre o IA, do aludido exercício pelo que, ao trazer à sua decisão a matéria do ano de 1994, o TCAS violou o disposto no artº 264º, nºs 1 e 2 do CPC.
Será que procede esta argumentação?
Conforme refere o MºPº no seu parecer de fls. 882/883 a regra do citado artº 264º funciona para os factos principais da causa, mas não já para os factos instrumentais.
Assim o Tribunal poderá tomar em conhecimento os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.
Sucede que no caso sub-judice o processo voltou ao tribunal recorrido para efeito de ampliação da matéria de facto, ao abrigo do disposto no art° 729º, nº 2 do Código de Processo Civil.
Tendo o Acórdão deste Supremo Tribunal (fls. 735 e segs.) considerando que os factos ocorreram entre 1994 e 1995, sendo que importava, para decidir da legalidade do acto impugnado, identificar os factos tributários, situando-os no tempo e esclarecer em que se traduziu a concreta actuação da Administração, e quais as razões que a determinaram.
Foi em cumprimento de decisão do Tribunal Superior que o Tribunal recorrido procedeu ao alargamento da base instrutória, nos termos que constam de fls.779 e segs., ali se fazendo constar as correcções efectuadas pela Administração Tributária nos exercícios de 1994 e 1995, e os factos apurados pelos serviços de finanças relativos àqueles exercícios.
E como se constata da referida factualidade há documentos que foram contabilizados em duplicado nos exercícios de 1994 e 1995, tendo a Administração Tributária considerado os mesmos como contabilizados em 1995 e procedendo a correcções em 1994 (cf. fls.780).
Do exposto resulta manifesto que os factos relativos ao exercício de 1994, sendo instrumentais, não podiam deixar de ser conhecidos pelo Tribunal recorrido, sendo até necessários para, em obediência ao decidido pelo tribunal superior «identificar os factos tributários, situando-os no tempo e esclarecer em que se traduziu a concreta actuação da Administração, e quais as razões que a determinaram».
Concorda-se com este entendimento, pelo que improcedem as conclusões 1ª a 14ª.
5.2. Quanto à 2ª questão refere a recorrente que o TCAS não acatou a decisão proferida por este Supremo Tribunal no Acórdão de 31.01.08, Processo nº 0627/07, que revogou o anterior acórdão do TCAS proferido nos presentes autos.
E acrescenta que o acórdão recorrido assume inclusivamente, uma interpretação diferente sobre a aplicação da Directiva Comunitária n° 94/5/CEE, de 11 Fevereiro, no sentido de que não tem aplicação no território nacional em 1995 quando, no essencial, foi precisamente o facto de este Tribunal de recurso ter considerado que a entrada em vigor desta Directiva N° 94/5 é a partir de 1 de Janeiro de 1995, que levou à revogação do aresto do TCAS;
Não compete aos Tribunais de 2ª Instância modificar as decisões dos Tribunais Superiores, transitadas em julgado, mas tão somente acatá-las, respeitá-las e “proceder à reformulação do acórdão recorrido nos precisos termos que o Supremo tiver fixado “, conforme dispõe o art. 718.°, n.º 2 do CPC pelo que, ao contrariar por completo a douta decisão do STA, no concernente à aplicação ao ano de 1995, da Directiva n.° 94/05, o TCAS não só está a violar o dito art.º 718°, como também o disposto no art.º 671°-1° do CPC, que taxativamente diz “transitada em julgado a decisão fica tendo força obrigatória dentro do processo “;
Vejamos então se ocorreu desrespeito pelo Acórdão deste Supremo Tribunal.
No citado aresto ficou escrito o seguinte:
“3.2. As alegações da recorrente, o teor do acórdão recorrido, bem como o da sentença que ele reapreciou, deixam perceber qual a questão de direito em discussão.
Mas dessa discussão bem se pode dizer que tem decorrido em abstracto, isto é, sem atinência a uma realidade factual precisa, sendo certo que os tribunais julgam diferendos entre as partes, aplicando o direito a situações concretas da vida real, e que tal aplicação só pode fazer-se adequadamente quando a situação de facto subjacente está perfeitamente definida.
Ora, a leitura da matéria de facto apurada pelas instâncias não permite atingir a situação de facto a que a recorrente pretende ver aplicado o direito.
Não nos dizem as instâncias nada sobre a actividade da recorrente que motivou a intervenção da Administração Tributária e conduziu à prática do acto impugnado: o que importou ela, quando, donde, que impostos satisfez, o que revendeu, quando, e que tributos suportou. Limitam-se a estabelecer que a inspecção tributária se debruçou sobre o IVA de 1994 e 1995 (ponto 1 da matéria de facto) e que «no apuramento do IVA, o sujeito passivo não incluiu o valor do IA» (ponto 2).
Deste modo, não é possível aplicar o direito, nem sequer se pode eleger com segurança o que interessa ao caso.
Tanto mais que o direito este não se mantém imutável no tempo - designadamente, no tempo em que ocorreram os factos, que se sabe ser entre 1994 e 1995. Basta ver que em 14 de Fevereiro de 1994 foi publicada a Directiva n° 94/5/CEE, do Conselho, a qual determinava, no n° 1 do seu artigo 4°, que os Estados Membros adoptassem os regimes de IVA às disposições da Directiva, e que os regimes adoptados entrassem em vigor até 1 de Janeiro de 1995. Porém, o Estado Português só transpôs a Directiva e harmonizou o regime do IVA através do decreto-lei n° 199/96, de 18 de Outubro. Assim, é jurisprudência corrente deste Tribunal que, entre 1 de Janeiro de 1995 e a data de entrada em vigor do decreto-lei n° 199/96, a transmissão de veículos usados provenientes de países comunitários se regula, directamente, pelas normas da Directiva. Mas, até 1 de Janeiro de 1995, outro era o quadro legal a atender.
Há, pois, que identificar, para decidir da legalidade do acto impugnado, os factos tributários, situando-os no tempo; e esclarecer em que se traduziu a concreta actuação da Administração, e quais as razões que a determinaram.
Sem esse mínimo não é possível, conscientemente, decidir da legalidade ou ilegalidade do acto tributário discutido, objecto da presente lide.
Não dispondo este Tribunal de poderes de cognição sobre os factos (artigo 21° n° 4 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo decreto-lei n° 129/84, de 27 de Abril), ou seja, não estando ao seu alcance estabelecê-los, há que devolver a tarefa às instâncias, para que, depois de assentarem num quadro factual preciso e suficiente, decidam, de direito, com base nele, elegendo o direito aplicável, e aplicando-o”
Ora, da passagem transcrita e ao contrário do que a recorrente dá a entender nas conclusões 16ª a 20ª, resulta que este Supremo Tribunal não só não procedeu à definição do direito aplicável, como expressamente reconheceu que “Deste modo, não é possível aplicar o direito, nem sequer se pode eleger com segurança o que interessa ao caso”.
Não pode, por isso, concluir-se que o acórdão recorrido contrariou a decisão deste Supremo Tribunal referida, pelo que improcedem também as conclusões das alíneas 15ª a 23ª.
5.3.Relativamente à 3ª questão, refere a recorrente que o acórdão recorrido não só não conheceu do “thema decidendum” nos precisos termos em que ficou definido após as alegações da recorrente, como não reformulou o anteriormente proferido nos termos que resultam do douto Acórdão deste V. Tribunal, de 31/01/2008.
Ora, também nesta parte a recorrente carece de razão.
Com efeito, tendo em vista o cumprimento do acórdão deste Supremo Tribunal a matéria de facto foi ampliada, ficando a conhecer-se os factos em causa nos autos (v. fls. 779/784). Os factos relativos ao exercício de 1994 relevam pela sua relação com os do ano de 1995, sendo irrelevante que a liquidação relativa a esse exercício não esteja impugnada.
Deste modo, não existe nem excesso, nem omissão de pronúncia, até porque, como bem refere o MºPº citando o despacho de fls. 856, este vício abrange questões processuais que possam determinar a absolvição da instância e as questões que as partes tenham submetido à apreciação do Tribunal e não a pronúncia sobre factos.
E a questão submetida à apreciação do Tribunal recorrido, tal como a própria recorrente refere nas suas alegações, consistia em saber se o IA incidente sobre carros usados, importados de um país da CEE, em 2ª mão, fazia ou não parte do preço de custo, para efeitos de incidência de IVA.
A esta questão respondeu o TCAS em sentido desfavorável à recorrente.
6. Apreciemos agora a questão de saber se o IA deveria ou não ser incluído no preço de compra dos veículos.
Nos autos está apenas em causa o exercício de 1995.
Ora, como se escreveu no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 31.01.2008 – Processo nº 0627/07 “Basta ver que em 14 de Fevereiro de 1994 foi publicada a Directiva n° 94/5/CEE, do Conselho, a qual determinava, no n° 1 do seu artigo 4°, que os Estados Membros adoptassem os regimes de IVA às disposições da Directiva, e que os regimes adoptados entrassem em vigor até 1 de Janeiro de 1995. Porém, o Estado Português só transpôs a Directiva e harmonizou o regime do IVA através do decreto-lei n° 199/96, de 18 de Outubro. Assim, é jurisprudência corrente deste Tribunal que, entre 1 de Janeiro de 1995 e a data de entrada em vigor do decreto-lei n° 199/96, a transmissão de veículos usados provenientes de países comunitários se regula, directamente, pelas normas da Directiva. Mas, até 1 de Janeiro de 1995, outro era o quadro legal a atender “.
O nº 3 da citada Directiva estabelecia o seguinte:
“3. A matéria colectável das entregas de bens referidas no nº 2 é constituída pela margem de lucro realizada pelo sujeito passivo revendedor, deduzido o montante do imposto sobre o valor acrescentado correspondente à própria margem de lucro. Esta margem de lucro é igual à diferença entre o preço de venda solicitado pelo sujeito passivo revendedor para os bens e o seu preço de compra.
Para efeitos do presente número, entende-se por:
- preço de venda, tudo o que constitua a contrapartida obtida ou a obter pelo sujeito passivo revendedor da parte do comprador ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente ligadas a essa operação, os impostos, direitos, contribuições e taxas, as despesas acessórias, tais como as despesas de comissão, embalagem, transporte e seguro cobradas pelo sujeito passivo revendedor ao comprador, com exclusão dos montantes referidos no ponto A, nº 3, do artigo 11º,
- preço de compra, tudo o que constitua a contrapartida definida no primeiro travessão, obtida ou a obter do sujeito passivo revendedor pelo seu fornecedor”.
Interpretando esta norma – mais concretamente a expressão preço de compra – tem vindo este Supremo Tribunal a entender, com uniformidade, que o Imposto Automóvel liquidado e cobrado em Portugal não faz parte do preço de compra estando em causa veículos adquiridos em outros Estados-membros da União Europeia.
A respectiva argumentação jurídica está expressa, por exemplo, no Acórdão de 07.03.2007 – Processo nº 647/06, do qual transcrevemos a seguinte passagem:
“Com efeito, “quando a recorrente comprou, no estrangeiro, os veículos, não pagou IA, mas IVA (este na medida em que já fazia parte do conteúdo fiscal do produto, pois os veículos já tinham sido definitivamente tributados no estrangeiro). Só depois de a recorrente ter comprado os veículos no estrangeiro é que procedeu à sua introdução no nosso país. Quando a recorrente pagou o IA — e quando este lhe foi liquidado — já os veículos lhe pertenciam. Mesmo o IVA só é incluído no preço de aquisição dos veículos “caso tenha sido liquidado e venha expresso na factura ou documento equivalente”. Se o IVA não tiver sido liquidado e não venha expresso na factura também não é tomado em consideração. Isto porque o sistema comum IVA é o de que este imposto está incluído no preço dos produtos. É o sistema “preço imposto incluído”…
Sendo o IA pago no nosso país e o preço de compra pago no estrangeiro, não se pode dizer que o IA é uma componente do preço de compra. O preço de compra é o que consta da factura e nele não está incluído o IA.
A recorrente fez uma aquisição intracomunitária de bens e, só depois, é que pagou o IA referente a cada veículo. Assim, o IA nem sequer faz parte do preço de aquisição. O IA é uma imposição interna do nosso país e não uma imposição “externa” pela aquisição intracomunitária de bens.
O legislador bem sabia que os veículos importados pagam IA para obterem a matrícula portuguesa. Logo, se quisesse incluir o IA no preço de compra tê-lo-ia dito” (Acórdão desta Secção do STA de 8/6/05, in rec. nº 1958/03)”.
Neste mesmo sentido se concluiu também no Acórdão de 14.11.2007 – Processo nº 0507/07: “Como se vê, a impugnante, ora recorrente, fez acrescer ao preço de compra o IA (imposto automóvel).
O que viola flagrantemente o n.º 1 do artigo 4.º do “Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão”, quando preceitua que no «(…) preço de compra dos (…) bens [se inclui o] imposto sobre o valor acrescentado, caso este tenha sido liquidado e venha expresso na factura ou documento equivalente» – e não o IA.
Assim sendo, devemos dizer – e em resposta ao thema decidendum – que, para efeitos de determinação do valor tributável em IVA, o imposto automóvel (IA) não se inclui no “preço de compra”.
Ou seja: o montante respeitante ao Imposto Automóvel (IA), pago pelo sujeito passivo revendedor (impugnante, ora recorrente), adquirente de veículos em segunda-mão através de transacção intracomunitária, não deve ser incluído no cálculo do IVA devido pela transmissão dos veículos em Portugal”.
Por tudo o que ficou dito e sem necessidade de mais considerações, concluímos que o recurso improcede.
7. Nestes termos e pelo exposto nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão (acórdão) recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 300 euros e a procuradoria em metade.
Lisboa, 13 de Abril de 2011 – Valente Torrão (relator) – Casimiro Gonçalves – Brandão de Pinho.