Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01138/13.0BELSB 059/18
Data do Acordão:11/15/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:APOSENTAÇÃO
LEI DO ORÇAMENTO
SUSPENSÃO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
Sumário:I - A suspensão de pagamento de subsídios de férias e de Natal prevista no artigo 25º, nº1, da LOE/2012, aplica-se, também, aos trabalhadores aposentados da empresa pública «NAV - Portugal, EPE»;
II - Tal aplicação não viola o princípio da estabilidade contratual, nem a garantia constitucional dita no artigo 63º da CRP, nem o princípio da confiança.
Nº Convencional:JSTA000P23859
Nº do Documento:SA12018111501138/13
Data de Entrada:03/08/2018
Recorrente:SINDICATO DOS CONTROLADORES DE TRÁFEGO AÉREO - SINCTA
Recorrido 1:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. O SINDICATO DOS CONTROLADORES DE TRÁFEGO AÉREO [SINCTA], interpõe este «recurso de revista» do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], de 20.04.2017, que, concedendo provimento ao recurso de apelação interposto do saneador-sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC], passou a conhecer do mérito da causa, em substituição, e julgou improcedente a «acção administrativa comum» em que demandou a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES [CGA].

Conclui assim as suas alegações de revista:

1- O recorrente propôs acção administrativa comum contra a recorrida apresentando o seguinte pedido: «Deve assim o tribunal dar como provada e procedente a presente acção, e considerar que o disposto no nº1 do artigo 25º da Lei nº64-B/2011, de 30.12 [Lei do Orçamento de Estado para 2012], não abrange os associados aposentados do autor [recorrente] e que a sua aplicação aos mesmos é ilegal e inconstitucional, e condenar a ré [recorrida] à prática das operações materiais de pagamento dos subsídios de férias e de Natal aos associados do autor [recorrente], acrescidos dos juros de mora devidos, calculados à taxa legal, desde o dia do seu vencimento até ao efectivo e integral pagamento»;

2- O acórdão recorrido considerou que havia uma única questão de direito a resolver: saber se «o âmbito de aplicação da norma da Lei de Orçamento de Estado para 2012, que determina a suspensão do pagamento do subsídio de férias e do subsídio de Natal, engloba os associados ou representados do recorrente» [quarto parágrafo da questão 3ª do acórdão recorrido, página 17];

3- E considerou, simplesmente, que o nº1 do artigo 25º da LOE/2012 se aplicaria também aos associados aposentados do recorrente, concluindo que: «este regime legal aplica-se a todos os trabalhadores aposentados ou reformados, incluindo os aqui defendidos pelo autor e recorrente» [oitavo parágrafo da questão 3ª do acórdão recorrido, página 17];

4- Até porque seria aplicável o acórdão do Tribunal Constitucional nº353/2012 de 05.07, que decidiu da seguinte forma «a) Declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP, das normas constantes dos artigos 21º e 25º da Lei nº64-B/2017, de 30.12 [LOE/2012]; b) Ao abrigo do disposto no artigo 282º, nº4, da CRP, determina-se que os efeitos desta declaração de inconstitucionalidade não se apliquem à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13º e, ou, 14º meses, relativos ao ano de 2012» [nono parágrafo da questão 3ª do acórdão recorrido, página 18];

5- Ora, este entendimento não faz sentido, pois o não pagamento em 2012 dos subsídios de férias e de Natal aos associados aposentados do recorrente é incumprimento das obrigações da recorrida. Por um lado, o nº1 do artigo 25º da LOE/2012 não podia ser aplicado aos associados aposentados do recorrente por estes não se poderem incluir no seu âmbito de aplicação - como adiante melhor se verá - por outro lado, a aplicação dessa norma aos associados aposentados do recorrente é ilegal e inconstitucional;

6- E, finalmente, o AC do TC nº353/2012, de 05.07, não podia ser aplicado ao caso concreto, pois a aplicação do nº1, do artigo 25º, da LOE/2012, não abrange, nem pode abranger, os associados aposentados do recorrente. O que faz com que esse acórdão não pudesse ser tido em conta pelo acórdão recorrido;

7- Os associados aposentados do recorrente não receberam os subsídios de férias e de Natal da recorrida. Trata-se dos associados aposentados do recorrente que constam da lista elaborada pelo recorrente, que se junta como documento nº2 com a Petição Inicial;

8- Em 2004, teve lugar a transferência para a recorrida dos encargos com as pensões de aposentação do pessoal da Navegação Aérea de Portugal - NAV Portugal, E.P.E. [NAV], conforme consta do DL nº240-C/2004, de 29.12 - nos termos do artigo 1º do DL nº240-C/2004, de 29.12 «a Caixa Geral de Aposentações passa a ser responsável, com efeitos o partir de 01.12.2004, pelos encargos com as pensões de aposentação do pessoal, aposentado ou no activo, da Empresa Pública Navegação Aérea de Portugal [NAV Portugal, E.P.E.]»;

9- Para cumprir esse objectivo, de acordo com o disposto no artigo 2º do referido diploma, que tem como epígrafe «Compensação à CGA e respectivo financiamento», a NAV transferiu diversos montantes, em numerário ou em títulos da dívida pública portuguesa, para a recorrente;

10- Mais concretamente, o nº1 desse artigo dispõe que «a NAV Portugal, E.P.E., transfere para a CGA, em numerário ou em títulos da dívida pública portuguesa: a) Até 31.12.2004, o património do Fundo de Pensões NAV-EP Aposentações e do Fundo de Pensões NAV-EP/SINCTA que se encontra afecto à cobertura daquelas responsabilidades, sem prejuízo do disposto nos nºs seguintes; b) Até 31.12.2014, o montante de 36.003.000€, correspondente ao valor das responsabilidades não provisionadas»;

11- Desde que o DL 240-C, de 29.12, entrou em vigor, a 30.12.2004, que as responsabilidades pelo pagamento das pensões de aposentação dos associados do recorrente passaram a ser asseguradas pela recorrida, incluindo os subsídios de férias e de Natal. O que sucedeu, sem qualquer problema, desde 2005 a 2011;

12- A recorrida, por carta datada de 29.11.2004, informou os aposentados da NAV abrangidos pela transferência do fundo de pensões da NAV para a recorrida - que se juntou como documento nº4 na Petição Inicial - que tinha sido «aprovado pelo Governo um projecto de diploma legal que prevê a transferência para a CGA da responsabilidade pelos encargos com a pensão de aposentação […] os quais [eram] suportados pela Navegação Aérea de Portugal - NAV Portugal, E.P.E.»;

13- A recorrida chega mesmo a declarar nessa carta que «a entrada em vigor de tal medida legislativa não afectará quaisquer dos […] atuais direitos perante a CGA». E que «do aludido projecto de diploma resulta que a CGA continuará a pagar-lhe a sua pensão, como até ao momento, sem quaisquer alterações do regime legal actualmente aplicável à mesma»;

14- Ou seja, conclui-se que a transferência do fundo de pensões da NAV para a recorrida se fez de forma a assegurar que todos os pagamentos de pensões seriam feitos normalmente, incluindo o pagamento dos subsídios de férias e de Natal;

15- Refira-se ainda que a posterior legislação que adaptou o regime da CGA ao regime geral da «Segurança Social» em matéria de aposentação e cálculo de pensões continuou a garantir o pagamento dos subsídios de férias e de Natal aos associados aposentados do recorrente;

16- Efectivamente, o nº1 do artigo 7º da Lei 52/2007 de 31.08, determinou expressamente que «as pensões que [estivessem] a ser abonadas à data da entrada em vigor da presente lei não [sofreriam] qualquer redução no seu valor»;

17- Mas mais. O nº4 desse mesmo artigo é ainda mais claro e contém regras específicas para situações como a dos associados aposentados do recorrente, pois esclarece que «o disposto na presente lei não se aplica aos subscritores ou pensionistas cujos direitos à pensão, garantidos através de fundos de pensões, foram transferidos para a CGA, juntamente com as provisões necessárias para suportar os correspondentes encargos»;

18- Conclui-se que a adaptação do regime da CGA ao regime geral da «Segurança Social» em matéria de aposentação e cálculo de pensões garantiu a continuação do pagamento dos subsídios de férias e de Natal aos associados do recorrente;

19- Até porque, como se encontra expressamente referido no nº4 do artigo 7º da Lei 52/2007, de 31.08, esse pagamento far-se-ia através das provisões correspondentes da recorrida;

20- Deve ainda referir-se que a aqui recorrida mantém uma conta separada, em termos contabilísticos, para os aposentados da NAV, que corresponde à transferência do património do fundo de pensões da NAV, não se tendo diluído no demais património da recorrida;

21- O que demonstra que o património que foi transferido para a recorrida para proceder ao pagamento das pensões de aposentação destes aposentados da NAV, associados do recorrente, deveria assegurar a cobertura de todas as responsabilidades, incluindo o pagamento dos subsídios de férias e de Natal;

22- Resulta do exposto que a aplicação do nº1 do artigo 25º da LOE/2012, quando determina a suspensão do pagamento dos pagamentos dos subsídios de férias e de Natal, nunca se poderia aplicar aos associados aposentados do recorrente;

23- Por um lado, a transferência do fundo de pensões da NAV para a recorrida fez-se com a garantia de que o pagamento desses subsídios teria lugar. Tendo a recorrida recebido as provisões necessárias para esse pagamento e mantendo uma conta contabilisticamente separada para esse efeito;

24- Por outro lado, as posteriores adaptações legais do regime da CGA ao regime geral da «Segurança Social» mantiveram essa garantia. Desta forma, nunca poderia a ora recorrida não proceder ao pagamento de férias e de Natal aos associados do recorrente porque, pura e simplesmente, estes sempre seriam devidos independentemente de qualquer disposição legal que viesse a ser consagrada;

25- É que a transferência do fundo de pensões da NAV para a recorrida se fez com o pressuposto de que os pagamentos dos subsídios de férias e de Natal se manteriam;

26- Violar este pressuposto é violar um dos elementos essenciais deste negócio. Conforme, aliás, consta na alínea do nº1 do artigo 2º do DL nº240-C/2004, de 29.12, que, como vimos, determinou a transferência para a recorrida dos encargos com as pensões do pessoal da NAV, incluindo os associados do recorrente, verificou-se a transferência do património do «Fundo de Pensões NAV-EP/SINCTA»;

27- Ora como o próprio nome indica, o recorrente é parte deste «Fundo de Pensões», tendo assinado o respectivo contrato constitutivo. Este contrato constitutivo encontra-se publicado na III Série do Diário da República do dia 15 de Dezembro de 1999, e foi junto como documento nº5 com a Petição Inicial;

28- Fica assim demonstrado que este «Fundo de Pensões» foi criado ao abrigo da autonomia privada das partes. E que, portanto, as subsequentes vicissitudes deste «Fundo de Pensões» também dependeriam da vontade negocial do recorrente;

29- Na verdade, na altura devida, o recorrente manifestou a sua não oposição à transferência do fundo de pensões da NAV-EP/SINCTA para a recorrida, conforme se pode concluir pela carta enviada pelo recorrente a 09.11.2004 ao «Ministro dos Transportes e Obras Públicas», que se juntou como documento nº6 com a Petição Inicial;

30- O não pagamento dos subsídios de férias e de Natal durante o ano de 2012 representou uma violação dos pressupostos da transferência do fundo de pensões da NAV-EP/SINCTA para a recorrida e, consequentemente, uma violação do compromisso assumido pelo Estado nessa altura. Ou seja, tratou-se de uma violação do contrato de transferência do fundo de pensões da NAV-EP/SINCTA;

31- No fundo, tratou-se de uma violação do princípio da estabilidade contratual, que estabelece que não pode haver modificações contratuais por vontade de apenas uma das partes;

32- E que, de acordo com o exposto, o nº1 do artigo 25º da LOE/2012 não podia ser aplicado aos associados aposentados do recorrente por não poder abranger esta situação, sob pena de o Estado violar compromissos contratuais assumidos com o recorrente;

33- Refira-se ainda que o facto de a recorrida manter uma conta separada em termos contabilísticos para os aposentados da NAV determina que o pagamento dos subsídios de férias e de Natal aos associados aposentados do recorrente se pode fazer sem prejuízos para as contas públicas do Estado;

34- O artigo 13º da CRP consagra o princípio da igualdade, que determina que situações iguais devem ter tratamentos iguais;

35- Ora o DL nº127/2011, de 30.12 - que se juntou em anexo como documento nº7 - regula a transmissão para o Estado dos fundos de pensões dos trabalhadores do sector bancário;

36- Trata-se de uma situação em tudo semelhante à que envolveu os associados aposentados do recorrente, em que se verifica a transferência de um fundo de pensões para o Estado que passa, a partir de então, a responsabilizar-se pelo pagamento das pensões de aposentação ou de reforma;

37- Nos termos do nº2 do artigo 3º do referido DL nº127/2011, de 30.12, «a Segurança Social é responsável, a partir de 01.01.2012, pelas pensões referidas no número anterior, no valor correspondente ao pensionamento da remuneração à data de 31.12.2017, nos termos e condições previstos nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho do sector bancário aplicáveis, incluindo os valores relativos ao subsídio de Natal e ao 14º mês»;

38- Ou seja, os trabalhadores do sector bancário, como contrapartida da transferência do seu «fundo de pensões», obtiveram a garantia que continuariam, independentemente das circunstâncias, a receber os subsídios de férias e de Natal;

39- Trata-se de contrapartida perfeitamente normal e compreensível. Pois não faria qualquer sentido que os trabalhadores abdicassem do seu fundo de pensões e fossem, no futuro, prejudicados no pagamento das suas pensões;

40- Foi, aliás, a situação que se verificou com os associados aposentados do recorrente. Também não faria qualquer sentido que os associados do recorrente aceitassem a transferência do seu fundo de pensões aceitando ficar prejudicados através do não pagamento dos subsídios de férias e de Natal;

41- Ora, se os trabalhadores reformados do sector bancário receberam em 2012 os subsídios de férias e de Natal, não há qualquer razão para que os associados do recorrente também não recebam;

42- Trata-se rigorosamente da mesma situação: trabalhadores que aceitam a transferência do «fundo de pensões» em troca do compromisso do Estado em garantir os mesmos pagamentos, neste caso, os subsídios de férias e de Natal;

43- O não pagamento aos associados do recorrente dos subsídios de férias e de Natal viola, de forma flagrante, o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da CRP;

44- Mas não é esse o único princípio constitucional violado pela actuação da recorrida;

45- Na verdade, a recorrida, ao não proceder ao pagamento dos subsídios de férias e de Natal aos associados do recorrente, conforme era pressuposto da transferência do seu fundo de pensões para o Estado, violou flagrantemente o princípio da confiança, que, no fundo, se encontra consagrado no artigo 2º da CRP, que determina que a República Portuguesa é Estado de Direito democrático;

46- Corresponde ao entendimento consolidado do Tribunal Constitucional sobre esta matéria que para ocorrer uma tutela da confiança é preciso que [i] haja comportamentos do Estado capazes de gerar nos privados expectativas de continuidade; [ii] essas expectativas devem ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; [iii] os privados devem ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do comportamento do Estado; e [iv] não podem ocorrer razões de interesse público que determinem a não continuidade do comportamento que gerou essas expectativas;

47- Não há dúvida que a transferência do fundo de pensões da NAV para o Estado tinha como pressuposto que não haveria qualquer diminuição do pagamento das pensões de reforma aos associados do recorrente. Desta forma, está preenchido o primeiro requisito para haver tutela constitucional da confiança;

48- As expectativas dos associados do recorrente são completamente legítimas e fundadas em boas razões, pois de outra forma nunca teriam aceite a transferência do seu fundo de pensões. O que permite concluir que também está preenchido o segundo requisito;

49- Tendo em conta que os pagamentos dos subsídios de férias e de Natal se fez desde 2005 a 2011 e tinha como pressuposto que nunca fossem interrompidos ou suspensos, os associados aposentados do recorrente fizeram os seus planos de vida tendo em conta esta continuidade. Está igualmente preenchido o terceiro requisito;

50- Finalmente, uma vez que a recorrida tem uma conta contabilisticamente separada para o pagamento das pensões aos associados do recorrente, não parece que haja qualquer razão de interesse público para não proceder ao pagamento das pensões correspondentes aos subsídios de férias e de Natal aos associados do recorrente;

51- É que essa provisão separada permite efectuar tais pagamentos sem quaisquer problemas por parte da recorrida, nomeadamente, sem qualquer agravamento do défice das contas públicas. Verifica-se assim que também está preenchido o quarto requisito;

52- Sendo assim, a recorrida, com a sua actuação, violou igualmente o princípio constitucional do Estado de Direito democrático, na vertente da protecção da confiança;

53- Finalmente, a recorrida violou ainda o direito à segurança social. Efectivamente, o nº4 do artigo 63º da CRP estabelece que «todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado»;

54- Ou seja, todos têm direito às prestações correspondentes aos descontos que tenham efectuado;

55- A própria Lei de Bases da Segurança Social [Lei nº4/2007, de 16.01], determina no seu artigo 54º que «o sistema previdencial deve ser fundamentalmente auto financiado, tendo por base uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações»;

56- Trata-se de algo ainda mais pertinente quando estão em causa descontos para um fundo de pensões que beneficia largamente de contribuições que ocorreram antes da sua transferência para o Estado;

57- Desta forma, o não pagamento dos subsídios de férias e de Natal aos associados aposentados do recorrente constitui uma violação do direito constitucional à segurança social, na medida em que viola o princípio que estabelece uma relação sinalagmática entre os descontos efectuados e os pagamentos devidos;

58- Em suma, o não pagamento dos subsídios de férias e de Natal aos associados aposentados do recorrente representa uma violação dos compromissos contratuais assumidos pelo Estado no momento da transferência do fundo de pensões destes aposentados para a recorrida, que ficaram fixadas no DL nº240-C/2004, de 29.12, e na correspondência trocada entre recorrida e recorrente;

59- Este compromisso contratual do Estado foi mantido quando se deu a adaptação do regime da CGA ao regime geral da Segurança Social em matéria de aposentação e cálculo de pensões, nos termos da Lei nº52/2007, de 31.08, que, no nº4 do artigo 7º, dispõe expressamente que essas regras não se aplicam às situações em que os direitos à pensão se encontravam garantidos através de fundos de pensões e foram transferidos para a recorrida, juntamente com as provisões necessárias para suportar os correspondentes encargos, que é exactamente o caso dos associados aposentados da recorrida;

60- Tendo em conta que a transferência do fundo de pensões dos associados aposentados do recorrente se fez mediante o compromisso contratual de continuar a garantir o pagamento de todas as pensões devidas, incluindo os subsídios de férias e de Natal, o nº1 do artigo 25º da LOE/2012, não pode ser aplicado aos associados aposentados do recorrente;

61- Aliás, como a recorrida mantém uma conta contabilisticamente separada para o pagamento das pensões dos aposentados da NAV, não há qualquer prejuízo para o equilíbrio das contas públicas no facto de a recorrida proceder aos pagamentos dos subsídios de férias e de Natal aos associados aposentados do recorrente, pois as provisões existentes são suficientes para esse efeito;

62- O não pagamento dos subsídios de férias e de Natal aos associados aposentados do recorrente configura a violação do princípio constitucional da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP, pois numa situação em tudo semelhante em que também ocorreu a transferência de um fundo de pensões e a assunção dos encargos com as pensões pelo Estado, e que diz respeito aos trabalhadores do sector bancário, o Estado procedeu em 2012 ao pagamento dos subsídios de férias e de Natal a esses pensionistas;

63- Está também em causa a violação do princípio constitucional da confiança, previsto no artigo 2º da CRP, dado que havia uma garantia contratual que os pagamentos dos subsídios de férias e Natal aos associados aposentados do recorrente teriam lugar, caso contrário o recorrente nunca teria aceite a transferência do «fundo de pensões» dos seus associados aposentados. Naturalmente, com esta garantia contratual, os associados aposentados do autor fizeram planos de vida;

64- O facto de a recorrida manter uma conta contabilisticamente separada para o pagamento das pensões dos aposentados da NAV significa que o pagamento dos subsídios de férias e de Natal aos associados aposentados do recorrente não envolve qualquer prejuízo para o equilíbrio das contas públicas;

65- Finalmente, há ainda a violação ao direito constitucional à segurança social, conforme previsto no nº4 do artigo 63º da CRP, devido ao facto de a actuação da recorrida ter quebrado a relação entre os descontos efectuados e a pensão paga aos associados aposentados do recorrente. Por consequência, também foi assim violado o artigo 54º da «Lei de Bases da Segurança Social» [Lei nº4/2007, de 16.01];

66- Deve ser referido que o Acórdão do Tribunal Constitucional nº353/2012 de 05.07 não pode ser aplicado a este caso em concreto, pois o âmbito de aplicação do nº1 do artigo 25º da LOE/2012 não abrange, nem pode abranger, os associados aposentados do recorrente. O que faz com que esse acórdão não pudesse ser tido em conta pelo acórdão recorrido;

67- Pelas especificidades da situação dos associados aposentados do recorrente, conforme foram expostas, o nº1 do artigo 25º da LOE/2012 não lhes pode ser aplicado. E, portanto, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº353/2012, de 05.07, ao debruçar-se sobre a aplicação do nº1 do artigo 25º da LOE/2012 não podia ter sido invocado pelo acórdão recorrido;

68- Conclui-se assim que o nº1 do artigo 25º da LOE/2012 não podia ser aplicado ao caso em apreço pelo Tribunal a quo, tendo o acórdão recorrido violado os artigos 2º e 13º e o nº4 do artigo 63º da CRP, o artigo 54º da Lei de Bases da Segurança Social [Lei nº4/2007, de 16.01], o DL nº240-C/2004, de 29.12, e o nº4 do artigo 7º da Lei nº52/2007, de 31.08.

Termina pedindo o provimento da revista, a revogação do acórdão recorrido, e a condenação da ré, ora recorrida, «à prática das operações materiais de pagamento dos subsídios de férias e de Natal devidos no ano de 2012 aos associados aposentados do ora recorrente, acrescidos de juros de mora devidos, calculados à taxa legal, desde o dia do vencimento até efectivo e integral pagamento».

2. A CGA contra-alegou e concluiu assim:

1- Face ao disposto no artigo 25º da Lei 64-B/2011, de 30.12, a CGA, relativamente ao universo do pessoal aposentado oriundo da ANA Aeroportos de Portugal, SA, cuja responsabilidade pelo pagamento e processamento das pensões foi legalmente cometida à CGA pelo DL 240-C/2004, de 29.12, estava obrigada a aplicar a medida de suspensão do pagamento dos subsídios de Natal e de férias que, como claramente estabelece o nº6, «prevalece sobre quaisquer normas especiais»;

2- Quanto à questão da constitucionalidade da medida prevista no artigo 25º - suspensão de subsídios de férias e de Natal ou equivalentes de aposentados e reformados - trata-se de matéria, como é do conhecimento público, e refere o acórdão recorrido, já analisada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº352/2012. Nesta decisão, declarando-se a inconstitucionalidade dos artigos 21º e 25º das normas constantes dos artigos 21º e 25º, da Lei nº64-B/2011, de 30.12 [LOE/2012] ao abrigo do disposto no artigo 282º nº4 da CRP, o TC determinou que os efeitos desta declaração de inconstitucionalidade «não eram aplicáveis à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012».

Termina pedindo que seja negado provimento ao presente recurso, e mantido o acórdão recorrido.

3. O recurso de revista foi admitido por este Supremo Tribunal - formação a que alude o artigo 150º, nº6, do CPTA.

4. O Ministério Público pronunciou-se no sentido do não provimento da revista - artigo 146º, nº1, do CPTA.

5. Colhidos que foram os vistos legais, importa apreciar e decidir o recurso.

II. De Facto

As instâncias não fixaram quaisquer factos provados, utilizando «dados factuais considerados pertinentes» ao longo do seu arrazoado jurídico.

III. De Direito

1. O SINCTA, em representação dos seus associados, demandou a CGA, pedindo ao TAC de Lisboa que declarasse «que o disposto no nº1 do artigo 25º da Lei nº64-B/2001, de 30.12, não abrange os seus associados aposentados, e que a sua aplicação aos mesmos é ilegal e inconstitucional» e condenasse a CGA, em conformidade, «a praticar todas as operações materiais de pagamento dos respectivos subsídios de férias e de Natal, acrescidos de juros de mora devidos, à taxa legal, desde o dia do seu vencimento até pagamento efectivo e integral».

O TAC de Lisboa, por saneador-sentença, julgou procedentes as excepções de ilegitimidade activa e dedução de pedido genérico, e nessa base absolveu a CGA da instância.

O TCAS concedeu provimento à apelação interposta pelo sindicato autor, revogou a decisão recorrida e, conhecendo em substituição, julgou a acção administrativa comum improcedente.

De novo o sindicato autor discorda, através desta revista, imputando ao acórdão recorrido «erro de julgamento de direito». Defende que o nº1, do artigo 25º, da LOE/2012, «não pode aplicar-se aos seus associados aposentados» uma vez que tal aplicação é ilegal - por violação do princípio da estabilidade contratual; do nº4, do artigo 7º, da Lei nº52/2007, de 31.08; do artigo 54º da Lei nº4/2007, de 16.01; do artigo 2º nº1, do DL nº240-C/2004, de 29.12 - e inconstitucional - por violação dos artigos 2º, 13º e 63º, nº4, da CRP. Ao fazê-lo, o acórdão recorrido interpretou e aplicou mal a lei, errando no seu julgamento de direito.

2. O acórdão recorrido, conhecendo em substituição, reduziu o mérito da acção ao conhecimento de «uma única questão de direito», a de saber se o âmbito de aplicação da norma da LOE/2012, que determina a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, engloba os associados do sindicato requerente.

E, depois de citar o nº1 e o nº6 do artigo 25º dessa LOE, concluiu assim:

[…]

«Portanto, este regime legal aplica-se a todos os trabalhadores aposentados ou reformados. Incluindo os aqui defendidos pelo autor e recorrente.

Ora, como é sabido, a constitucionalidade do artigo 25º da LOE/2012 já mereceu pronúncia do TC, o qual decidiu no seu acórdão nº353/2012, de 05.07, o seguinte:

a) Declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP, das normas constantes dos artigos 21º e 25º da Lei nº64-B/2011, de 30.12 [Orçamento do Estado para 2012];

b) Ao abrigo do disposto no artigo 282º, nº4, da CRP, determina-se que os efeitos desta declaração de inconstitucionalidade não se apliquem à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13º e, ou, 14º meses, relativos ao ano de 2012.

Ora, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma sob apreciação, e que determinou igualmente que os efeitos dessa declaração de inconstitucionalidade não se aplicassem à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13º e, ou, 14º meses, relativos ao ano de 2012, vincula todas as entidades públicas e privadas, quer relativamente à declaração de inconstitucionalidade, quer no que toca aos efeitos atribuídos pelo Tribunal Constitucional à sua decisão.

Perante isto, sem necessidade de ulteriores considerações, revoga-se a sentença recorrida, e, conhecendo em substituição, tem de improceder a acção intentada pelo autor.»

[…]

3. O artigo 25º, nº1, da LOE/2012 [Lei nº64-B/2011, de 30.12] estipula assim:


Artigo 25º

Suspensão de subsídios de férias e de Natal ou equivalentes de aposentados e reformados


1- Durante a vigência do PAEF [Programa de Assistência Económica e Financeira], como medida excepcional de estabilidade orçamental, é suspenso o pagamento de subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações correspondentes aos 13º e, ou, 14º meses, pagos pela CGA, IP, pelo Centro Nacional de Pensões e, directamente ou por intermédio de fundos de pensões detidos por quaisquer entidades públicas, independentemente da respectiva natureza e grau de independência ou autonomia, e empresas públicas, de âmbito nacional, regional ou municipal, aos aposentados, reformados, pré-aposentados ou equiparados cuja pensão mensal seja superior a [euro] 1100.

2- Os aposentados cuja pensão mensal seja igual ou superior a [euro] 600 e não exceda o valor de [euro] 1100 ficam sujeitos a uma redução nos subsídios ou prestações previstos no número anterior, auferindo o montante calculado nos seguintes termos: subsídios/prestações = 1320-1,2 x pensão mensal.

3- Durante a vigência do PAEF, como medida excepcional de estabilidade orçamental, o valor mensal das subvenções mensais, depois de actualizado por indexação às remunerações dos cargos políticos considerados no seu cálculo, é reduzido na percentagem que resultar da aplicação dos números anteriores às pensões de idêntico valor anual.

4- O disposto no presente artigo aplica-se sem prejuízo da contribuição extraordinária prevista no artigo 162º da Lei nº55-A/2010, de 31.12, alterada pelas Leis nºs 48/2011, de 26.08, e 60-A/2011, de 30.11.

5- No caso das pensões ou subvenções pagas, directamente ou por intermédio de fundos de pensões detidos por quaisquer entidades públicas, independentemente da respectiva natureza e grau de independência ou autonomia, e empresas públicas, de âmbito nacional, regional ou municipal, o montante relativo aos subsídios cujo pagamento é suspenso nos termos dos números anteriores deve ser entregue por aquelas entidades na CGA, IP, não sendo objecto de qualquer desconto ou tributação.

6- O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa e excepcional, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos, admitindo como única excepção as prestações indemnizatórias correspondentes, atribuídas aos deficientes militares abrangidos, respectivamente, pelos decretos-lei nºs 43/76, de 20.01, 314/90, de 13.10, na redacção dada pelo DL nº248/98, de 11.08, e 250/99, de 07.07.

O SINCTA defende que esta suspensão de subsídios de férias e Natal não abrange os seus associados aposentados por várias razões.

A seu ver, não estão abrangidos, e desde logo, devido ao compromisso contratual relativo à transferência do fundo de pensões da NAV para a CGA [ver DL nº240-C/2004, 29.12]. O não pagamento desses subsídios, em 2012, representaria uma violação dos compromissos assumidos pelo Estado ao tempo da dita transferência do fundo de pensões, os quais ficaram estabelecidos no DL nº240-C/2004, de 29.12, e na correspondência trocada entre as ora ré e autor.

Salienta que este compromisso contratual foi mantido pelo Estado, em 2007, no âmbito da adaptação do regime da CGA ao regime geral da segurança social em matéria de aposentação e cálculo de pensões [artigo 7º, nº4, da Lei nº52/2007, de 31.08].

Aliás, alega, como a CGA mantém uma conta contabilisticamente separada para o pagamento das pensões dos aposentados da NAV, não haverá «prejuízo» para o equilíbrio das contas públicas pelo facto da entidade ré proceder ao pagamento dos subsídios de férias e de Natal àqueles, pois as provisões são suficientes para o efeito.

Acrescenta que, a não ser assim, isto é, a considerarem-se incluídos «no âmbito do nº1, do artigo 25º, da LOE/2012, os seus associados aposentados», resultará violado o seu direito à segurança social [artigo 63º, nº4, CRP, e artigo 54º da Lei nº4/2007, de 16.01], o princípio do Estado de Direito democrático na vertente da protecção da confiança [artigo 2º da CRP] e o princípio da igualdade [artigo 13º da CRP].

4. Em 15.12.99 foi publicado no Diário da República - III Série, nº26148 - o contrato constitutivo do Fundo de Pensões NAV-EP/SINCTA, celebrado entre a «NAV, E.P., o SINCTA e a Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A.», sendo que o Fundo assim constituído tinha por fim exclusivo o pagamento de pensões vitalícias de reforma e aposentação, invalidez e sobrevivência [artigo 2º], aos respectivos beneficiários.

Em 2004, e complementando o enquadramento legal da NAV, E.P., o DL nº240-C/2004, de 29.12, transferiu para a CGA a responsabilidade pelos encargos com as pensões de aposentação do pessoal da NAV [artigo 1º] transferindo, em compensação, e de forma faseada, o património do dito Fundo que estava afecto à cobertura de tais responsabilidades para a CGA.

E, assim, a CGA passou a pagar as pensões de reforma aos associados do autor, aqui representados, incluindo as referentes a «subsídios de férias e de Natal», desde 01.12.2004 [artigo 1º] até 2012, altura em que o pagamento destas últimas foi suspenso ao abrigo da citada norma da LOE/2012.

5. Mas a verdade é que esta medida legislativa surgiu, entre outras medidas de redução remuneratória, justificada, nos sucessivos relatórios do Orçamento de Estado do Ministério das Finanças e da Administração Pública, por imperativos de «consolidação orçamental», com carácter transitório e imperativo, tendo em conta a decisão do Conselho da União Europeia de 02.12.2009, que exortou o Estado Português a reverter a «sua situação de défice excessivo».

Assim, a análise jurídica da norma orçamental ora em causa, não poderá ignorar este contexto de «correcção de défice excessivo», a cuja prossecução, faseada, se comprometeu o Estado Português perante instâncias internacionais - Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) + Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica + Memorando de Políticas Económicas e Financeiras. E, deste modo, a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal durante o ano de 2012, prevista na LOE/2012, teve por objectivo - a par de várias outras «reduções remuneratórias» - contribuir para a diminuição do défice orçamental excessivo para um valor respeitador do limite fixado pela União Europeia no quadro das regras da união económica e monetária, impondo-se, imperativamente, à generalidade das situações.

Essa «suspensão» constitui assim, no fundo, uma medida parcelar integrada no cumprimento de um compromisso assumido pelo Estado Português, e insere-se, num contexto de excepcionalidade, e com carácter transitório, não visando qualquer retrocesso nomeadamente para «os direitos dos representados pelo SINCTA nesta acção». Como claramente se diz «Relatório» da LOE/2011, este tipo de medidas «só é adoptado quando estão em causa condições excepcionais e extremamente adversas para a manutenção e a sustentabilidade do Estado Social. Não se pretende instituir qualquer tipo de padrão ou de retrocesso social, mas antes assegurar a assumpção das responsabilidades e dos compromissos do Estado Português, quer internamente, continuando a prestar serviço público de qualidade, quer internacionalmente, desde logo na esfera da União Europeia, no quadro do Pacto de Estabilidade e Crescimento».

Ora, enquadrada a questão que nos ocupa nestes moldes, que correspondem à realidade da «situação de crise» que grassou no nosso país e para resolução da qual todos, de um modo ou de outro, foram «chamados a contribuir», mediante a imposição, pelo Estado Português, de medidas transitórias restritivas de direitos, mormente de natureza retributiva, não se afigura que a suspensão do pagamento dos subsídios em causa aos aposentados da empresa pública NAV, ora representados pelo recorrente, se configure como alteração unilateral, e ilegal, do compromisso assumido pelo Estado Português, através do Governo, no DL nº240-C/2004, isto é, numa altura em que não se perspectivava a crise que sobreviria anos depois.

Trata-se de um chamamento do Estado - a par de outros - à contribuição dos seus cidadãos, mormente dos que para ele trabalham, directa ou indirectamente, em ordem a cumprir compromissos por ele assumidos, perante entidades europeias e internacionais, num contexto de excepcionalidade, e com carácter transitório, e não de uma «alteração arbitrária» do compromisso assumido em 2004, do qual resultava, naturalmente, a «não afectação dos direitos dos aposentados da NAV perante a CGA».

E este contexto jurídico, justificativo da suspensão dos ditos subsídios, durante o ano de 2012, não é alterado, nem desvirtuado, pela circunstância de, em 2007, o artigo 7º, nº4, da Lei nº52/2007, de 31.08, ter dito o que disse, ou seja, que a adaptação do regime da CGA ao regime geral da segurança social não afectaria os compromissos assumidos no DL nº240-C/2004. E tão pouco pelo facto, não apurado nesta acção, sublinhe-se, segundo o qual a CGA «mantém uma conta contabilisticamente separada» para o pagamento das pensões dos aposentados da NAV.

6. Como é sabido, o Tribunal Constitucional [ver AC nº353/2012, de 05.07.2012] declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP, da norma constante do artigo 25º da Lei nº64-B/2011, de 30.12 [LOE/2012], porém, ao abrigo do artigo 282º, nº4, da CRP, determinou que os efeitos da declaração não se apliquem à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13º e, ou, 14º meses, relativos ao ano de 2012 - sobre o tema ver AC STA/Pleno de 15.10.2015, Rº438/14.

Vem agora o recorrente alegar que a aplicação dessa suspensão de subsídios aos seus representados viola o seu direito à segurança social, o princípio da confiança e o princípio da igualdade.

O nº4 do artigo 63º da Constituição, garante que todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado, e o artigo 54º da Lei 4/2007, de 16.01, consagra o «princípio da retributividade», segundo o qual o sistema previdencial deve ser fundamentalmente autofinanciado, tendo por base uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações.

É ostensivo que aquela garantia constitucional não é posta em causa pelo nº1, do artigo 25º, da LOE/2012, quando aplicada aos associados do SINCTA, isto porque, desde logo, não está em causa o cálculo das suas pensões mas o seu pagamento, no tocante a subsídios de férias e de Natal de 2012. E, relativamente à aplicação do artigo 54º, da Lei nº4/2007, acontece que nada de novo é acrescentado ao alegado pelo recorrente no tocante ao desrespeito pelo princípio da estabilidade contratual. No fundo, o recorrente apenas reitera, a uma diferente luz, o que ali já havia dito, ou seja, que, a seu ver, o não pagamento das pensões referentes a subsídios de férias e de Natal do ano de 2012 rompe ilegalmente com o equilíbrio emergente dos compromissos assumidos pelo Estado em 2004. A este respeito, pois, limitamo-nos a remeter para aquilo que ficou já dito a tal propósito.

O Tribunal Constitucional, citando jurisprudência firmada em vários acórdãos seus, conclui no seu aresto nº396/2011 [datado de 21.09.2011, processo nº72/11] que para haver lugar à tutela jurídico-constitucional da confiança é necessário em primeiro lugar, que o Estado - mormente o legislador - tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados expectativas de continuidade; que devam tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; que devam os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do comportamento estadual; e, por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.

Sem necessidade de grandes desenvolvimentos, parece bastante claro que, não obstante a ocorrência de «comportamentos geradores de expectativas legítimas de continuidade», por parte do Estado, e a muito provável existência de planos de vida contando com o pagamento dos subsídios em causa, por parte dos aqui representados do recorrente, certo é que surgiram «razões de interesse público nacional», superiores em termos de ponderação, que impuseram a «suspensão transitória» do seu pagamento.

Por último, alega o recorrente que a aplicação da suspensão prevista no nº1 do artigo 25º da LOE/2011 aos seus associados, por ele representados, conduziria à violação do princípio da igualdade, pois que, tendo havido também transferência legal do fundo de pensões do sector bancário para a segurança social, esta pagou durante o ano de 2012 os subsídios de férias e de Natal.

A assunção pela Segurança Social da responsabilidade pelo pagamento de pensões dos aposentados do sector bancário, em contraponto com a respectiva transmissão de fundos, é constatável pela consulta do DL nº127/2011, de 31.12. Já quanto ao pagamento dos subsídios de férias e de Natal, no ano de 2012, aos aposentados do sector bancário, os autos não fornecem qualquer facto provado que permita concluir nesse sentido, nem dessa falta o ora recorrente se queixou.

De todo o modo, para sair violado o princípio consagrado no artigo 13º da CRP, sempre teria de se poder concluir pela existência de situações factuais e jurídicas iguais, e pela ocorrência de discriminação arbitrária, manifestamente injustificada [ver JORGE MIRANDA, in Direito Constitucional, Tomo IV, página 248, e jurisprudência do Tribunal Constitucional aí citada], dos aposentados da NAV relativamente aos do sector bancário, «conclusão» esta que carece, manifestamente, de lastro factual adequado.

7. Em face do exposto, impõe-se negar provimento a este recurso de revista, e, em conformidade, manter a decisão recorrida com a actual fundamentação.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos negar provimento ao recurso de revista e manter a decisão recorrida com a actual fundamentação.

Sem custas, uma vez que o recorrente delas está isento [artigo 4º, nº1 alínea f) do RCP], mas sem prejuízo do estipulado nos nºs 6 e 7 do artigo 4º do RCP.

Lisboa, 15 de Novembro de 2018. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.