Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0669/10
Data do Acordão:11/30/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:CADUCIDADE DE LIQUIDAÇÃO
SUSPENSÃO DA CADUCIDADE
PRAZO
INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário:A eficácia suspensiva da inspecção externa no decurso do prazo de quatro anos para liquidar os tributos mantém-se para além da prática dos actos externos da inspecção, apenas cessando como o fim do procedimento inspectivo concretizado na notificação do relatório final ao contribuinte, no pressuposto que tal tenha ocorrido dentro do prazo de seis meses após a notificação ao contribuinte da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa.
Nº Convencional:JSTA00066709
Nº do Documento:SA2201011300669
Data de Entrada:09/03/2010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC - LIQUIDAÇÃO.
Legislação Nacional:LGT98 ART45 N1 ART46 N1.
RGU COMPLEMENTAR DO PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA APROVADO PELO DL 413/98 DE 1998/12/31 ART61 N1 ART62 N2 I.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC473/09 DE 2009/09/16.; AC STA PROC112/10 DE 2010/10/20.; AC STA PROC993/05 DE 2005/12/07.; AC STA PROC769/05 DE 2006/02/02.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A Fazenda Pública vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto que, com fundamento na caducidade do direito à liquidação, julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade A…, Lda., com os demais sinais dos autos, contra a liquidação de IRC e juros compensatórios, referente ao ano de 2002, no montante global de € 386.136,41, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. Nos termos do artº. 46°. n.°. 1 da LGT, o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, desde que a acção de inspecção não ultrapasse seis meses a contar dessa notificação.
B. Nos termos do artº. 51°. do RCPIT, a acção de inspecção iniciou-se com a notificação à Impugnante da ordem de serviço que determinou a inspecção em 20/10/2006;
C. Nos termos do artº. 62 n°2 do mesmo RCPIT, o procedimento de inspecção considera-se concluída data da notificação ao contribuinte do relatório final de inspecção.
D. A notificação pessoal do relatório final de inspecção à impugnante na pessoa do seu representante Sr. B…, ocorreu em 03/04/2007, pelo ofício n°. 30000/05.5, dessa mesma data, (fls. 55 a 57).
E. Respeitando a liquidação a IRC do ano de 2002, o prazo de caducidade deste imposto, ocorreria em 31/12/2006.
F. Com o procedimento de inspecção externa o referido prazo suspendeu-se entre 20/10/2006, e 3/04/2007, sem que tivessem sido ultrapassados seis meses;
G. Na realidade aquele prazo suspendeu-se por cinco meses e 11 dias.
H. O prazo de caducidade apenas ocorreria em 14/06/2007.
I. A notificação da liquidação ocorreu em 31/05/2007, antes de se encontrar esgotado tal prazo pelo que a liquidação é legal e válida, sendo devido o imposto calculado.
J. A sentença de que se recorre não pode manter-se por se encontrarem violados os artº. 45°. e 46.º, n°.1 da LGT, e artº. 62.º, nº. 2 do RCPIT.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
“A questão objecto do presente recurso prende-se com a caducidade do direito à liquidação, nomeadamente com a aplicação do disposto no art. 46.º nº 1 da Lei Geral Tributária.
Concretamente a questão posta pela recorrente consiste em saber, para os efeitos da referida, quando é que ocorre a conclusão do procedimento inspectivo, atenta a redacção do artº 46.º, nº 1 da Lei Geral Tributária.
Alega a entidade recorrente que embora a fls. 1 do relatório o funcionário inspector refira que a acção inspectiva decorreu entre 20-10-2006 e 16-03-2007, «isso significa tão somente, que na data de 16-03-2007, considerou concluídos os actos externos de inspecção que levaram ao procedimento, não o encerramento do procedimento, já que a seguir aos actos externos de inspecção, é necessário elaborar um projecto de relatório, dar direito de audição ao contribuinte, e finalmente elaborar um relatório final, sendo certo que todos estes actos, são constituintes da acção de inspecção, e não podem ultrapassar seis meses».
Mais alega que só posteriormente a todos esses actos, isto é após o encerramento com o relatório final do procedimento de inspecção, se poderá proceder então à respectiva liquidação e que, nos termos do artº 61.º, nº 2 do RCPIT, o relatório dos serviços de inspecção deve ser notificado ao contribuinte por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no nº 4 do artigo 60.º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação.
Pretendendo daí retirar a conclusão e que não se verificaria a invocada caducidade do direito à liquidação.
Afigura-se-nos que lhe assiste razão.
Nos termos do artº 61º, nº 2 do RCPIT o relatório dos serviços de inspecção deve ser notificado ao contribuinte por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no nº. 4 do artigo 60.º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação.
Por sua vez dispõe o nº1 do artº 60.º, do mesmo regulamento que os actos de inspecção se consideram concluídos na data de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento.
No caso subjudice resulta dos autos (fls. 57 dos autos apensos), e foi levado ao probatório, que o relatório dos serviços de inspecção foi notificado ao contribuinte em 03.04.2007, sendo nessa data que deverá ser considerado concluído o procedimento de inspecção para efeito do disposto no artº 46.º, nº 1 da LGT (suspensão do prazo de caducidade).
Daí que se entenda, tal como a entidade recorrente, que no caso subjudice não ocorreu a caducidade do direito de liquidação.
Termos em que somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se o julgado recorrido.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4-A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
a) Na sequência de uma acção de inspecção à impugnante, a Administração Fiscal procedeu a correcções à matéria colectável daquela com referência ao exercício de 2002.
b) Em 20.10.2006, a impugnante tomou conhecimento da ordem do serviço do início que ordenava uma inspecção externa à sua contabilidade - cf. fls. 73 dos autos.
c) A acção inspectiva decorreu entre 20.10.2006 e 16.3.2007 - cf. fls. 36 dos autos.
d) Por ofício de 19.3.2007, a impugnante foi notificada do projecto de relatório dessa inspecção – cf. fls. 19 do p.a, apenso.
e) Por ofício de 3.4.2007, a impugnante foi notificada do relatório definitivo dessa inspecção – cf. fls. 55 do p.a. apenso.
f) Em 3.5.2007, a impugnante apresentou pedido de revisão da matéria: tributável fixada por métodos indirectos relativamente ao exercício de 2002.
g) No âmbito desse procedimento de revisão, houve acordo entre os pontos, conforme acta constante de fls. 76/80 do p.a apenso e cujo teor se dá por reproduzido.
h) Em 23.5.2007, a Administração Fiscal emitiu a liquidação de IRC nº 8310013615 relativa ao exercício de 2002, de que resultou imposto a pagar pela impugnante, no valor de 386.136.41 euros, cuja data limite para pagamento voluntário ocorreu em 2.7.2007.
i) A impugnante foi notificada da liquidação referida na al. h) em 31.5.2007.
j) A presente impugnação foi apresentada em 2.10.2007 - cfr. fls. 2.
k) Dá-se por reproduzido o teor do relatório de inspecção constante de fls. 29 a 51 do p.a. apenso.
5- A questão jurídica que vem controvertida no presente recurso consiste em saber do momento em que ocorre a conclusão da inspecção externa, o que releva para efeito da cessação do prazo de suspensão do direito de liquidar tributos previsto no n.º 1 do artigo 46.º da LGT.
Com base no entendimento que essa conclusão acontece com o fim da acção inspectiva, entendida esta como a prática de actos de inspecção externa, a sentença sob recurso concluiu pela caducidade da liquidação de IRC relativa ao ano de 2002, objecto da presente impugnação.
Ao invés, a recorrente Fazenda Pública vem defender na sua alegação de recurso que a inspecção externa apenas se conclui com o fim desse procedimento através da notificação ao contribuinte do relatório final dessa inspecção, nos termos do n.º 2 do artigo 62.º do RCPIT, no que tem o apoio do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a pronunciar-se neste último sentido (cfr. acórdãos de 16/09/09 e 20/10/10, nos recursos n.ºs 473/09 e 112/10), sendo certo que não se descortinam razões para dela divergir.
Vejamos, então.
O n.º 1 do artigo 45.º da LGT dispõe que “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”, contando-se esse prazo, nos impostos periódicos, como é o caso, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (n.º 3 do mesmo preceito).
Ainda no mesmo diploma legal, o artigo 46.º prevê a suspensão do prazo de caducidade «com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.».
Por sua parte, sob a epígrafe “Conclusão dos actos”, o artigo 61.º do RCIPT estabelece no seu n.º 1 o seguinte – “Os actos de inspecção consideram-se concluídos na data de notificação da nota de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento”.
Ainda do RCPIT, o artigo 62.º dispõe o seguinte “1- Para conclusão do procedimento é elaborado um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico tributária. 2 - O relatório referido no número anterior deve ser notificado ao contribuinte por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no n.º 4 do artigo 60.º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação.”
Embora se reconheça que dos preceitos invocados ressalte alguma “imprecisão terminológica”, como se assinala no já citado acórdão de 20/10/10, ao fazer-se apelo a conceitos com manifesta afinidade como sejam os de “acção de inspecção externa, “inspecção externa”, “actos de inspecção” e “procedimento de inspecção”, da respectiva articulação normativa evidencia-se que a mera conclusão da prática dos actos de inspecção externa não configura o fim da respectiva inspecção, entendida esta na sua dimensão procedimental, a qual, de acordo com o referido n.º 2 do artigo 62.º do RCPIT, só se conclui com a notificação do relatório final ao contribuinte.
Atenta a normação contida no RCPIT, dúvidas não podem restar que a autonomização da conclusão dos actos de inspecção constante do artigo 61.º em confronto com o conceito de conclusão do procedimento de inspecção acolhido no sequente artigo 62.º, nos elucida quanto à diferença desses dois momentos procedimentais.
No mesmo sentido parece apontar o legislador da LGT no n.º 1 do artigo 46.º ao distinguir o início da “acção de inspecção externa”, enquanto prática de actos materiais de detecção, consulta e análise de documentos e escrituração contabilística, do conceito de duração da “inspecção externa”, mais abrangente do ponto de vista procedimental e daí que se entenda que a respectiva conclusão apenas aconteça com a notificação do relatório final, como expressamente se consagrou no aludido n.º 2 do artigo 62.º do RCPIT.
E bem se compreenda que assim seja, pois como se afirma no acórdão de 20/10/10 “-É que, procedendo o relatório final à identificação e sistematização dos factos detectados e à sua qualificação jurídico-tributária designadamente descrevendo os factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, a AT está impedida, antes da elaboração desse relatório final, de exercer o direito de liquidação por desconhecimento dos pressupostos fácticos em que se deve basear (art. 62° n°s. 1/2 al. i) RCPIT).
Importa, pois, concluir que a eficácia suspensiva da inspecção externa se mantém para além da conclusão dos actos externos de inspecção, apenas cessando com o fim do procedimento inspectivo concretizado na notificação do relatório final ao contribuinte, no pressuposto que tal tenha ocorrido dentre o prazo máximo de seis meses após a notificação ao contribuinte da ordem de serviço ou despacho no inicio da acção de inspecção externa-artigo 46.º n.º 1 da LGT (cfr. acórdãos de 7/12/05 e 2/02/06, nos recursos n.ºs 993/05 e 769/05).
Sendo assim, o prazo de quatro anos para liquidar o IRC de 2002 da ora recorrida que caducaria, em princípio, a 1/01/07, suspendeu-se durante o período em que decorreu a inspecção externa, ou seja entre 20/10/06 e 3/4/07 (c) e e) o probatório).
Daí resulta que, em face dessa suspensão, o prazo para liquidar só viria a concretizar-se a 14/06/07.
Acontece que, tendo a ora recorrida sido notificada da liquidação em 31/5/07, o respectivo direito de liquidar ainda não caducara, ao invés do que se entendeu na sentença recorrida.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida, devendo os autos baixar ao TAF do Porto para conhecimento dos restantes fundamentos impugnatários, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Novembro de 2010. - Miranda de Pacheco (relator) – Pimenta do vale – António Calhau.