Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0865/13
Data do Acordão:06/05/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:LEI DO ORÇAMENTO
CÓDIGO CIVIL
FIXAÇÃO
PRAZO
Sumário:I - Os números 5 e 6 do artº 52º da LGT na redacção introduzida pela Lei 64-B/2011, de 30/12, que entrou em vigor em 01/01/2012 (Lei de Orçamento de Estado de 2012) só operam para pedidos futuros de isenção de prestação de garantia.
II - A introdução de um prazo limite para vigência de uma isenção que quando concedida não tinha prazo, não é equiparável a uma situação de encurtamento do prazo, não sendo, pois, de aplicar o disposto no artº 297º do C. Civil, devendo antes considerar-se o artº 12º nº 3 da LGT, para decidir da sua aplicação a procedimentos pendentes à data da sua entrada em vigor.
Nº Convencional:JSTA000P15894
Nº do Documento:SA2201306050865
Data de Entrada:05/15/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO

A…….., L.DA, NIPC ……, com sede na Rua ……., ……., 3770-……. Oliveira do Bairro, deduziu reclamação do despacho do Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, datado de 07.01.2013, que indeferiu a pretensão da isenção de prestação de garantia para a suspensão do processo de execução fiscal n.º 0140201001001922.
Por sentença de 26 de Março de 2013, o TAF de Aveiro, julgou a reclamação procedente.
Reagiu a representante da Fazenda Pública interpondo o presente recurso cujas alegações integram as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal deduzida contra o despacho proferido em 07/01/2013, pelo órgão de execução fiscal, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0140201001001922, que corre termos no Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro e que indeferiu o pedido de renovação da isenção de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal, após notificação da caducidade daquela isenção.

2. A Fazenda Pública defendeu que, dos n.ºs 5 e 6 do artigo 52º da LGT, na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, e que entrou em vigor em 01/01/2012, resultou um regime de caducidade da isenção de prestação de garantia, ao ser determinado que a isenção de prestação de garantia é válida por um ano, devendo a administração tributária notificar o executado da data da sua caducidade até 30 dias antes, e caso o executado não solicite um novo período de isenção ou o mesmo seja indeferido pela administração tributária, é levantada a suspensão do processo de execução fiscal.

3. Assim, e relativamente às isenções que estivessem concedidas no momento da entrada em vigor das alterações mencionadas, como in casu, seria aplicável o novo regime, mas o prazo de caducidade só se contaria a partir da entrada em vigor daquele, de harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 297.º do CC, porquanto a sujeição a prazo, por uma lei nova, de um direito que à face da lei antiga não tinha qualquer limite temporal consubstancia, ou pelo menos é equiparável, a uma situação de encurtamento do prazo, salvaguardado o facto de o mesmo só se contar a partir da entrada em vigor da nova lei.

4. A douta sentença ora em recurso, considerou procedente a reclamação, e determinou a anulação do despacho reclamado, invocando que: “Na situação em apreço, o processo de execução fiscal ficou suspenso quando foi dispensada a prestação de garantia, na sequência da dedução de impugnação judicial (…) pelo que tal suspensão deve permanecer até à decisão do pleito que se verificará quando transitar em julgado a decisão a proferir naquela impugnação judicial. (…) Acresce que a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que aprovou O orçamento de Estado para 2012, aditou ao artigo 52º da LGT mais dois números, o e o 6, que, fixaram o prazo de apenas um ano para a validade da isenção de prestação de garantia. Contudo, de acordo com o artigo 12º do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro. E, não obstante o artigo 151º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro estabelecer disposições legais transitárias no âmbito da LGT em, nenhuma delas manda aplicar o disposto n.º 5, do artigo 52º da LGT aos processos de execução fiscal pendentes. Neste sentido, os n.ºs 5 e 6 do artigo 52º da LGT não se aplicam aos processos pendentes em que tenha sido concedida a isenção de prestação de garantia, uma vez que anteriormente à citada alteração normativa não existia qualquer sujeição a qualquer prazo de caducidade. Pelo que, o despacho reclamado é ilegal, tendo o mesmo de ser anulado.”

5. Salvo o devido respeito, não se conforma a Fazenda Pública com a decisão recorrida, porquanto, perfilhando o entendimento já explanado na contestação, considera que o juiz a quo fez tábua rasa dos efeitos jurídicos decorrentes da caducidade expressamente prevista no n.º 5 do artigo 52.º da LGT e interpretou os n.ºs 4, 5 e 6 do artigo 52.º da LGT, desvirtuando o verdadeiro sentido e alcance destas normas, reiterando-se, por conseguinte, a conclusão de que a nova redacção do n.º 5 do referido artigo se aplica aos processos pendentes, senão vejamos.

6. Conforme resulta do n.º 1 do artigo 52º da LGT, a cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude, designadamente, de reclamação ou impugnação, não obstante, nos termos do n.º 2, tal suspensão dependa da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.

7. Ora, o n.º 1 do artigo 169.º do CPPT prescreve, por sua vez, que a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso, nomeadamente, de reclamação graciosa ou impugnação judicial, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente.

8. Por outro lado, e como resulta do n.º 4 do artigo 52.º da LGT, a prestação de garantia não é imprescindível para a obtenção do efeito suspensivo da execução fiscal, porquanto a mesma pode ser dispensada, mediante requerimento do executado dirigido ao órgão de execução fiscal, posto que fundamentado de facto e de direito, Invocando que a prestação de garantia lhe causa prejuízo irreparável ou a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou a inexistência de bens não seja da sua responsabilidade, instruindo-o com a prova documental necessária, como resulta dos n.ºs 1 a 3 do artigo 170.º do CPPT.

9. Noutra vertente, o n.º 5 do artigo 52.º da LGT, na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, veio prescrever que a isenção é válida por um ano, devendo a administração tributária notificar o executado da data da sua caducidade, até 30 dias antes.

10. Estabelecendo ainda o n.º 6 do mesmo artigo, igualmente alterado pelo mencionado diploma, que, caso o executado não solicite novo período de isenção ou a administração tributária o indefira, é levantada a suspensão do processo.

11. Temos assim que, na sequência da alteração legislativa introduzida aos n.ºs 5 e 6 do artigo 52.º da LGT, a isenção de prestação de garantia concedida no âmbito do processo de execução fiscal passou a estar sujeita a um prazo de caducidade de um ano.

12. Assim, sendo o prazo previsto no n.º 5 do artigo 52.º da LGT um prazo de caducidade, a consequência daqui decorrente traduzir-se-á na extinção do direito anteriormente reconhecido e consequentemente dos respectivos efeitos jurídicos.

13. Contrariamente à interpretação que o juiz a quo efectua dos n.ºs 4 a 6 do artigo 52.º da LGT, perante a caducidade do direito de isenção de prestação de garantia, impõe-se à executada (ora recorrida) formular um novo pedido, devendo para tanto respeitar toda a tramitação que o quadro legal lhe impõe, designadamente, o disposto no n.º 4 do artigo 52.º e o n.º 3 do artigo 170.º do CPPT.

14. Assim, tendo a Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, estabelecido um regime de validade temporária da isenção de prestação de garantia, limitando-a a um ano, sem prejuízo da possibilidade de o interessado obter novo período de suspensão da execução fiscal com isenção de prestação de garantia, este novo regime é aplicável às isenções que estiverem concedidas no momento da entrada em vigor destas alterações, mas o prazo só se contará a partir da data da respectiva entrada em vigor, de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 297.º do CC.

15. Uma vez que a sujeição a prazo, por uma lei nova, de um direito que à face da lei antiga não tinha qualquer limite temporal consubstancia, ou pelo menos é equiparável, a uma situação de encurtamento do prazo.

16. Posição esta defendida pela avisada doutrina proposta por LEITE DE CAMPOS, Diogo, SILVA RODRIGUES, Benjamim, LOPES DE SOUSA, Jorge, Lei Geral Tributário Anotada e Comentada, Edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, anotação 3 ao artigo 52.º, pág. 424.

17. Por conseguinte, não obstante o devido respeito pela decisão a quo, considera-se que, na interpretação que a mesma efectuou do n.º 5 do artigo 52.º da LGT, foi feita tábua rasa do prazo de caducidade ali expressamente consagrado e dos respectivos efeitos jurídicos, desvirtuando, assim, o verdadeiro sentido e alcance da norma em apreço.

18. Face ao supra exposto, defende a Fazenda Pública, salvo melhor entendimento, que a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento, fazendo errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais que regem a isenção da prestação da garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal, mais concretamente no que concerne à caducidade daquela isenção, conforme o estatuído pelo n.º 5 do artigo 52.º da LGT.

19. Face a estes condicionalismos estamos convictos de que do direito V. Ex.ªs farão a adequada interpretação, motivação que subjaz ao presente recurso.

20. Pois que a douta sentença, ora recorrida, a manter-se na ordem jurídica, revela uma inadequada interpretação e aplicação do disposto no regime sub judice.

Nos termos vindos de expor e nos que V. Ex.ªs, sempre mui doutamente poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, substituir a douta decisão recorrida por outra que declare improcedente a presente reclamação do acto do órgão de execução fiscal, conforme se apresenta mais consentâneo com o Direito e a Justiça

Não houve contra-alegações.

O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:

1. Recorre a F.P. nos autos em que é reclamante A………, Lda., invocando a aplicação ao caso da norma contida no art. 297.º n.º 1 do C. Civil, o que sustenta na doutrina de Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em L.G.T. Anotada e Comentada, 4ª ed. 2012, p. 424, e acabando por pedir a revogação do decidido a substituir por decisão a julgar a reclamação improcedente.
2. Emite-se ainda o seguinte parecer:
Está em causa a aplicação da redacção dada ao art. 52. n.º 5 da L.G.T. pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, na qual se sujeitou a caducidade a dispensa de garantia, o que na versão anterior aplicável não se previa.
Como defende com acerto a referida doutrina, tal equivale ao encurtamento de um prazo que não se pode deixar de entender como aplicável também nesse caso, e com base na referida disposição legal.
Aliás, tal tem sido aceite em vários acórdãos entretanto já proferidos no S.T.A. em que se decidiu em que termos é de decidir então a “renovação” do pedido que seja apresentado - assim, nomeadamente, no acórdão proferido a 23-4-13 no proc. n.º 0507/13, em cujo sumário consta que “I - Impondo o n.º 5 do artigo 52.º do LGT (na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) a notificação da caducidade da isenção de garantia até 30 dias antes desta ter lugar) se o executado vier requerer a “renovação” da isenção (…)”.
Tem assim razão a FP. quanto a essa questão.
No entanto, acontece que na reclamação se invoca ainda falta de fundamentação de facto e de direito, bem como que a reclamante não tinha património susceptível de ser oferecido como garantia, por o mesmo se encontrar penhorado em processos fiscais, de que, aliás, o Serviço de Finanças (S.F.) tinha conhecimento.
Alega ainda a reclamante ter cessado actividade, não gerando rendimentos, e bem assim a ausência de culpa dos seus gerentes nessa situação.
Acaba por referir que os fundamentos de dispensa de garantia se mantêm actuais, oferecendo prova testemunhal, juntando 2 documentos, e requerendo ainda a junção do anterior processo de decisão de dispensa de garantia, e a prestação de outras informações pelo SF..
Ora, pese embora se encontre expressamente previsto no art. 170º. n.º 3 do C.P.P.T. que o pedido deve ser instruído com a prova documental necessária, no caso de “renovação” em que se invoque manter-se a situação constante de anterior processo, satisfaz-se aí o necessário ao prosseguimento da reclamação.
3. Concluindo, não sendo de reconhecer a interpretação tida na sentença recorrida como correcta, parece que o recurso é de proceder, sendo de revogar o decidido.
Contudo, os autos são ainda de mandar remeter à 1.ª instância, a fim de que se conheça dos demais fundamentos invocados na reclamação após apuramento da respectiva matéria de facto, o que, não resultando ter ocorrido, impossibilita que se julgue a reclamação improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente dos autos.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:
A) Em 22.02.2010, foi instaurado contra a Reclamante o processo de execução fiscal n.º 0140201001001922, pelo Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, para cobrança de dívidas de IVA, relativas aos anos de 2005, 2006 e 2007, no montante global de €59.967,24 (cfr. fls. 3 a 27 dos autos);

B) A Reclamante, em 31.03.2010, comunicou à Administração Tributária a intenção de deduzir impugnação judicial das liquidações subjacentes ao processo de execução fiscal referido em A) e requereu a isenção de prestação de garantia, com vista à suspensão do mesmo processo (cfr. fls. 29 dos autos);

C) Em 30.04.2010, a Reclamante apresentou neste Tribunal impugnação judicial das liquidações subjacentes ao processo de execução fiscal referido em A) (cfr. fls. 32 e 33 dos autos);

D) Em 30.03.2011, o Chefe do Serviço de Finanças em regime de substituição do Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro deferiu o pedido de isenção de prestação de garantia referido em B) (cfr. fls. 44 dos autos);

E) Por despacho, de 26.07.2012, do Chefe do Serviço de Finanças em regime de substituição do Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, foi revogado o deferimento do pedido de isenção de prestação de garantia referido em D) (cfr. fls. 48 e 48/verso dos autos);

F) Em 05.11.2012, a Reclamante deduziu reclamação, ao abrigo dos artigos 276º e ss do CPPT, do despacho referido em E) ( cfr. fls. 58 a 72 dos autos);

G) A Reclamante foi notificada, por ofício datado de 07.12.2012, que a isenção de prestação de garantia que lhe foi concedida iria caducar no prazo de 30 dias, caso, no prazo de 15 dias, não requerer nova isenção (cfr. fls.. 84 dos autos);

H) Por oficio datado de 11.12.2012, do Chefe do Serviço de Finanças em regime de substituição do Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, o Mandatário da Reclamante foi notificado que foi reposta a decisão de deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia (cfr. fls 127 dos autos);

I) Em 03.01.2013, a Reclamante requereu novo pedido de dispensa de prestação de garantia (cfr. fls. 86 a 87 dos autos);

J) Por despacho, de 07.01.2013, do Chefe do Serviço de Finanças em regime de substituição do Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, foi indeferido o pedido de isenção de prestação de garantia referido em H) (cfr. 89 e 90 dos autos);

K) Em 21.01.2013, a Reclamante deduziu a presente reclamação, ao abrigo dos artigos 276º e ss do CPPT, do despacho referido em I) (cfr. fls. 96 a 136 dos autos).

3 – DO DIREITO

A meritíssima Juíza do TAF de Aveiro, julgou a reclamação procedente por entender que:

Reclamação de actos do órgão de execução fiscal

VALOR DA CAUSA
(…)
I — Relatório

A………, L.DA, NIPC ……., com sede na Rua ……., ………, 3770-…….. Oliveira do Bairro, deduziu ao abrigo dos artigos 276º e ss. do CPPT a presente reclamação do despacho do Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, datado de 07.01.2013, que indeferiu a pretensão da isenção de prestação de garantia para a suspensão do processo de execução fiscal n.º 0140201001001922.
Para tanto, alegou, em síntese, que a decisão reclamada é ilegal, uma vez que revoga decisões anteriores, no sentido de dispensar a Reclamante da prestação de garantia.
Mais alegou que a decisão reclamada não se encontra fundamentada de facto ou de direito, nem invoca qualquer facto superveniente que permita revogar a decisão anterior.
Referiu ainda que os fundamentos alegados no pedido de dispensa de prestação de garantia que foi deferido, permanecem actuais, sem qualquer alteração
Concluiu pedindo a anulação da decisão reclamada

A Fazenda Pública respondeu pugnando pela improcedência da reclamação, sustentando, em suma, que nos termos do n.º 5, do artigo 52º da LGT a isenção de prestação de garantia para a suspensão do processo de execução fiscal é válida por um ano, sendo que, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, caso o executado não solicite novo período de isenção ou a Administração Tributária o indefira, é levantada a suspensão do processo.
Alegou ainda que a Reclamante não logrou demonstrar, como lhe competia, não ser responsável pela insuficiência ou inexistência de bens para o pagamento da dívida exequenda, pelo que o pedido de dispensa de prestação de garantia não podia senão ser indeferido.

Instruídos os autos foram com vista à Digna Magistrada do Ministério Público que emitiu douto parecer, concluindo pela improcedência da reclamação.

II — Saneamento
(…)

III — Fundamentação
(…)
2. Fundamentação de Direito

A questão a decidir consiste em saber se a decisão que revogou o deferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia o fez indevidamente.
Vejamos.
Dispõe o artigo 52º da LGT, na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro que:
1 - A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CRE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros.
2 - A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
3 - A administração tributária pode exigir ao executado o reforço da garantia no caso de esta se tornar manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
5 - A isenção prevista no número anterior é válida por um ano, devendo a administração tributária notificar o executado da data da sua caducidade, até 30 dias antes.
6- Caso o executado não solicite novo período de isenção ou a administração tributária o indefira, é levantada a suspensão do processo.
7 - A garantia pode, uma vez prestada, ser excepcionalmente substituída, em caso de o executado provar interesse legítimo na substituição e daí não resulte prejuízo para o credor tributário.
8 - A garantia só pode ser reduzida após a sua prestação nos casos de anulação parcial da dívida exequenda, pagamento parcial da dívida no âmbito de regime prestacional legalmente autorizado ou se, se verificar, posteriormente, qualquer das circunstâncias referidas no n.º 4.”
Na data do deferimento da isenção de prestação de garantia, referido na alínea D) do probatório, o artigo 52º da LGT, com a redacção dada pela Lei 67-A/2007, de 31 de Dezembro, estabelecia que:
1 - A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros.
2 - A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
3 - A administração tributária pode exigir ao executado o reforço da garantia no caso de esta se tornar manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
5 - A garantia pode, uma vez prestada, ser excepcionalmente substituída, em caso de o executado provar interesse legítimo na substituição e daí não resulte prejuízo para o credor tributário.
6 - A garantia só pode ser reduzida após a sua prestação nos casos de anulação parcial da dívida exequenda, pagamento parcial da dívida no âmbito de regime prestacional legalmente autorizado ou se, se verificar, posteriormente, qualquer das circunstâncias referidas no n.º 4.”
Como se escreveu no Acórdão do STA de 12 de Abril de 2012, proc. nº0322/12, in www.dgsi.pt/jsta.nsf «Entre os casos em que a lei admite a suspensão da execução fiscal contam-se a reclamação graciosa e a impugnação judicial da liquidação em que se discuta a legalidade da liquidação da dívida exequenda, desde seja prestada garantia idónea nos termos das leis tributárias ou a administração tributária tenha dispensado o executado da prestação da garantia, o que depende da verificação dos requisitos de que a lei faz depender essa dispensa (art. 52.º n. 1, 2 e 4, da LGT (...)
Assim, embora a instauração de impugnação graciosa ou contenciosa contra o acto tributário não obste à sua imediata executoriedade, a lei admite que a execução fiscal se suspenda «até à decisão do pleito» nos casos previstos no artigo 169.º do CPPT, designadamente a reclamação graciosa ou a impugnação judicial «que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda» (Quanto ao alcance da expressão «legalidade da dívida exequenda» e sua distinção do conceito de «legalidade da liquidação da dívida exequenda», utilizado noutras normas legais, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 3 ao art. 169º, pág. 208,), desde que tenha sido constituída garantia nos termos do art. 195.º ou prestada nos termos do art. 199.º ambos do CPPT, ou tiver sido efectuada penhora que garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido ou tiverem sido nomeados bens à penhora pelo executado no prazo referido no n.º 6 do art. 199º do CPPT e que sejam suficientes para aquele efeito (Sobre a suspensão da execução fiscal, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 2 ao art. 169. págs. 207/208.).
Ou seja, a garantia é imprescindível para a obtenção do efeito suspensivo da execução, sendo apenas dispensada nos casos previstos na lei (art. 52.º n.º 4 da LGT e art. 170.º do CPPT)».
Na situação em apreço, o processo de execução fiscal ficou suspenso quando foi dispensada a prestação de garantia, na sequência da dedução de impugnação judicial [cfr. alíneas B), C) e D) do probatório], pelo que tal suspensão deve permanecer até à decisão do pleito que se verificará quando transitar em julgado a decisão a proferir naquela impugnação judicial.
Refere Jorge Lopes de Sousa, in CPPT comentado e anotado, 6ª edição, volume III, anotação 9 ao artigo 169º, pág. 220 que: «(…) a suspensão só terminará quando não houver possibilidade de impugnação administrativa ou contenciosa da decisão que for proferida nos processos referidos.
Isso sucederá, no caso de processos judiciais com o trânsito em julgado da decisão, que ocorre logo que ela não seja susceptível de recurso ordinário, ou de reclamação nos termos dos artigos 668.º e 669.º do CPC (art. 677.º do mesmo Código). No caso de impugnação administrativa, deverá entender-se que a questão fica decidida quando se formar o chamado caso decidido ou caso resolvido, o que ocorre quando a decisão da administração tributária deixar de ser contenciosamente impugnável com fundamento em vícios geradores de anulabilidade. Terminado o período de suspensão, a execução fiscal prosseguirá, no caso de improcedência total ou parcial da impugnante, na respectiva medida, ou terminará no caso de procedência total».
E, na anotação 2 ao artigo 170º, afirma o mesmo autor, na obra citada que: «O deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia tem os mesmos efeitos que teria a sua prestação relativamente à suspensão da execução, isto é, esta ficará suspensa, apesar de não haver garantia nem penhora de bens que assegurem o pagamento da dívida exequenda, nos mesmos termos em que ficaria se a garantia tivesse sido prestada».
Importa referir que o despacho que, no âmbito da dedução da impugnação judicial, dispensou a Reclamante da prestação da garantia [cfr. alínea D) do probatório], suspendeu o processo de execução fiscal até à extinção do contencioso tributário referente às liquidações de IVA subjacentes à execução aqui em causa.
Acresce que a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que aprovou o orçamento de Estado para 2012, aditou ao artigo 52º da LGT mais dois números, o 5 e o 6, que, fixaram o prazo de apenas um ano para a validade da isenção de prestação de garantia.
Contudo, de acordo com o artigo 12º do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro.
E, não obstante o artigo 151º da Lei a.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro estabelecer disposições legais transitórias no âmbito da LGT em, nenhuma delas manda aplicar o disposto n.º 5, do artigo 52º da LGT aos processos de execução fiscal pendentes.
Neste sentido, os n.ºs 5 e 6 do artigo 52º da LGT não se aplicam aos processos pendentes em que tenha sido concedida a isenção de prestação de garantia, uma vez que anteriormente à citada alteração normativa não existia qualquer sujeição a qualquer prazo de caducidade.
Pelo que, o despacho reclamado é ilegal, tendo o mesmo de ser anulado.
IV — Decisão
Em face do exposto, julga-se a presente reclamação procedente.”

DECIDINDO NESTE STA
A questão que se suscita nos presentes autos é a de saber se os números 5 e 6 do artº 52º da LGT, na redacção introduzida pela Lei 64-B/2011, de 30/12, que entrou em vigor em 01/01/2012 se aplicam ao caso dos autos em que, como resulta do probatório, ( alíneas B) e D) ) o pedido de isenção de prestação de garantia foi apresentado em 31/03/2010 e deferido em 30/03/2011.
Decidiu a sentença recorrida que as alterações introduzidas pela supra mencionada Lei de Orçamento de Estado de 2012 só operavam para pedidos futuros de isenção de prestação de garantia.
Sustenta a reclamante que a mesma Lei de Orçamento de Estado ao estabelecer um novo regime de caducidade do direito de isenção de prestação de garantia, este novo regime é aplicável às isenções que já estiverem concedidas na data da sua entrada em vigor, mas que o prazo só se contará a a partir da data da respectiva entrada em vigor, de acordo com o disposto no artº 297º do C. Civil.
A recorrente defende esta posição com o argumento de que a sujeição a prazo, por uma lei nova, de um direito que à face da lei antiga não tinha qualquer limite temporal consubstancia, ou pelo menos é equiparável, a uma situação de encurtamento do prazo.

Diremos desde já que não acolhemos esta argumentação e que, em consequência, o recurso, não logrará provimento.
Em primeiro lugar, não se subscreve o entendimento de que a inexistência de prazo possa ser equiparável a um “prazo em curso”. A nosso ver só está em curso o prazo que foi definido previamente, para os todos os efeitos normalmente associados aos prazos, designadamente a caducidade e a prescrição. A inexistência de prazo não pode ter como conteúdo integrante, um “prazo em curso” e, por isso, a introdução de um prazo limite para vigência de uma isenção que quando concedida não tinha prazo, não é equiparável a uma situação de encurtamento do prazo.
Ora, é inquestionável que o artº 297º do C. Civil se refere a prazos em curso e por isso definidos previamente e não à inexistência de prazos, quando refere:
Artigo 297.º - Alteração de prazos 1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
2. A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.
3. A doutrina dos números anteriores é extensiva, na parte aplicável, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer autoridade”


Não se desconhece a doutrina expendida na LGT anotada e comentada de Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4ª Edição de 2012 quando a fls. 424 ali se refere:
“A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, veio estabelecer um regime de validade temporária da isenção de garantia, limitando-a a um ano, sem prejuízo da possibilidade de o interessado obter um novo período de suspensão da execução com isenção de prestação de garantia (n.ºs 5 e 6 deste artigo, na redacção daquela Lei).
Relativamente às isenções que estiverem concedidas no momento da entrada em vigor destas alterações, será aplicável o novo regime, mas o prazo só se contará dessa entrada em vigor, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 297.º do CC. Na verdade, a sujeição a prazo, por uma lei nova, de um direito que à face da lei antiga não tinha qualquer limite temporal consubstancia, ou pelo menos é equiparável, a uma situação de encurtamento de prazo”.
No entanto, continuamos a defender a posição expressa no acórdão deste STA de 10/10/2012 tirado no recurso 0859/12, ponderando, ainda que a citada Lei de Orçamento de Estado de 2012 procede a uma alteração substantiva do regime da isenção de prestação de garantia introduzindo-lhe uma causa de caducidade ( decurso de um determinado período temporal ) temos também de considerar o disposto no artº 12º nº 3 da LGT de onde ressalta a manutenção das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes.
Continua actual e é de reiterar a linha de entendimento seguida no acórdão deste STA de 10/10/2012 tirado no recurso 0859/12 onde se expendeu:
“(…)A finalizar cumpre deixar bem claro que como bem se considerou na decisão recorrida que A Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro, que aprovou o orçamento de Estado para 2012, aditou ao art.52º da LGT mais dois números, o 5 e o 6, que, fixaram o prazo de apenas um ano para a validade da isenção de prestação de garantia.
Sucede porém que, nos termos do art.12º do Código Civil (CC), a lei só dispõe para o futuro.
Ora, embora o art.151º da referida Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro estabeleça disposições legais transitórias no âmbito da LGT em, nenhuma delas manda aplicar o disposto no art. 52º, n.º5 da LGT aos processos de execução fiscal pendentes.
Pelo que, os números 5 e 6 do art.52º, da LGT não se aplicam aos processos pendentes em que tenha sido concedida a dispensa de prestação de garantia, por antes da referida alteração normativa não haver qualquer sujeição a qualquer prazo de caducidade, não contendendo esta interpretação com a possibilidade legal que a AT tem de fundamentadamente, nas situação previstas na lei, de poder pedir o seu reforço ou mesmo a sua prestação em casos em que a haja dispensado. Estes poderes legais não instituem um sistema regra, antes devem ser utilizados casuisticamente e sempre com a devida fundamentação por atenção designadamente à alteração das situações patrimoniais dos contribuintes. Não se discute esta matéria nos autos mas antes a amplitude e efeitos da decisão de dispensa de prestação de garantia efectuada na sequência da reclamação graciosa apresentada e sempre por atenção ao quadro legal vigente naquela altura ou seja antes das alterações introduzidas pela lei 64-B/2011 de 30/12, ainda que a recorrente se manifeste pela estrita análise do despacho de indeferimento de dispensa de prestação de garantia na sequência da apresentação da impugnação no que não t/em razão, por a ilegalidade do mesmo ser determinada pelos antecedentes em matéria da falada dispensa(…)”.

Seja-nos permitido, ainda, citar também o Ac. deste STA ( Secção de Contencioso Administrativo) de 09/10/2008 tirado no recurso nº 0355/08 onde se refere que “O art. 297º do C. Civil não prevê directamente a hipótese da lei nova estabelecer pela primeira vez um prazo mas, como refere BAPTISTA MACHADO, ob. cit. pág. 243 “deve ainda acrescentar-se que, se a Lei Nova vem estabelecer pela primeira vez um prazo, este só deve ser contado, qualquer que seja o momento inicial fixado, a partir do início de vigência da nova lei””. Vide, no mesmo sentido, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação comentado de Fernanda Paula Oliveira; Maria José Castanheira Neves; Dulce Lopes; Fernanda Maças a fls. 524.
Nesta linha de entendimento, o recurso não logra provimento.
Preparando a decisão alinhamos as seguintes proposições:

1) Os números 5 e 6 do artº 52º da LGT na redacção introduzida pela Lei 64-B/2011, de 30/12, que entrou em vigor em 01/01/2012 (Lei de Orçamento de Estado de 2012) só operam para pedidos futuros de isenção de prestação de garantia.
2) A introdução de um prazo limite para vigência de uma isenção que quando concedida não tinha prazo, não é equiparável a uma situação de encurtamento do prazo, não sendo, pois, de aplicar o disposto no artº 297º do C. Civil, devendo antes considerar-se o artº 12º nº 3 da LGT, para decidir da sua aplicação a procedimentos pendentes à data da sua entrada em vigor.

4- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente.
Lisboa 5 de Junho de 2013. - Ascensão Lopes (relator) - Pedro Delgado - Valente Torrão.