Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:082/17.6BCLSB 0747/18
Data do Acordão:09/11/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Sumário:I - A exigência de fundamentação a que alude o art. 46º subalínea vi) da alínea a) do n.º 3 da LAV corresponde à exigência de fundamentação das sentenças judiciais.
II - Não é de anular a decisão arbitral quando nenhuma das faltas de fundamentação imputadas como de seis nulidades ao Acórdão Arbitral violam o dever de fundamentação tal como previsto no art. 46º subalínea vi) da alínea a) do n.º 3 da LAV, por inexistência de qualquer absoluta falta de fundamentação nos termos do art. 615º, n.º 1, als b) e c) do CPC.
Nº Convencional:JSTA000P24868
Nº do Documento:SA120190911082/17
Data de Entrada:11/05/2018
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:AEDL - AUTO ESTRADAS DO DOURO LITORAL, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. O ESTADO PORTUGUÊS vem interpor recurso de revista do acórdão do TCAS de 15 de março de 2018 que julgou improcedente a ação administrativa de anulação do acórdão arbitral de 7/02/2017 (retificado por acórdão de 5/04/2017), por si movida contra a AEDL - AUTO-ESTRADAS DO DOURO LITORAL, S.A., com fundamento em violação do dever de fundamentação.

A AEDL havia apresentado no Centro de Arbitragem Comercial contra o aqui recorrente requerimento pedindo a condenação deste a repor o equilíbrio financeiro da concessão Douro Litoral, pedido que foi parcialmente procedente.

Subsidiariamente, e em caso de não admissão do recurso de revista, o Estado Português interpôs recurso de apelação, com efeito suspensivo (arts 140º, 142º, nº1, 143º, nº1, 144º e 148º CPTA).

2. O recorrente conclui as suas alegações da seguinte forma:

"A. O dever de fundamentação é uma característica essencial de todas as decisões dos tribunais e decorre da Constituição da República Portuguesa.

B. Mesmo os autores que notam a tendência para maior “ligeireza” na fundamentação das decisões arbitrais relativamente às exigências aplicáveis nessa sede às sentenças dos tribunais do Estado não negam a sua necessidade, salvo nas exceções previstas na LAV/2011, que não têm aplicação no caso dos autos, e no caso das sentenças que se limitem a homologar acordos estabelecidos entre as partes, circunstância que não é igualmente a do caso vertente.

C. A ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira gera nulidade da decisão arbitral, nos termos da LAV/2011.

D. A ideia geral de “aligeiramento” do discurso fundamentador das sentenças arbitrais não pode merecer adesão à luz do sistema jurídico português.

E. A função arbitral é, no Direito português, claramente assumida como jurisdictio (cf. o nº 2 do artigo 209º, da Constituição) e é essa recondução material que inapelavelmente conduz a que, no exercício da sua atividade, os árbitros fiquem sujeitos ao duty to give reasons que, em Estado de Direito democrático, marca a função jurisdicional e que a Constituição portuguesa estabelece no n.º 1 do artigo 205 º.

F. O cerne do erro da decisão do TCA Sul reside em o Tribunal ter entendido que o padrão legalmente exigível de fundamentação das decisões arbitrais é o de uma “fundamentação meramente formal”, bastando, portanto, que qualquer coisa se diga no aresto arbitral para fundar a decisão, desde que isso que assim se diz seja inteligível.

G. O TCA Sul não se deu conta de que lhe bastaria entender a lei no que respeita à fundamentação das decisões arbitrais, à luz do padrão aplicável às decisões judiciais para que a suficiência da “fundamentação meramente formal” desaparecesse, sendo certo que, na lei positiva, nada há que sustente a teoria da “fundamentação meramente formal”.

H. Porque é sempre um método jurisdicional que está em causa, a prescrição da LAV/20114 de que “a sentença deve ser fundamentada” não pode senão ser tida em linha com as exigências que no sistema jurídico-constitucional português valem, em geral, para a motivação das sentenças da justiça estadual.

I. Nesse contexto, não pode senão deixar de se considerar, pelo menos, o padrão mínimo que a esse respeito se extrai da nossa jurisprudência constitucional, isto é, que na fundamentação seja visível uma racionalização dos motivos da decisão, revelando-se aos sujeitos processuais e à comunidade o conhecimento das razões que subjazem ao concreto juízo decisório, devendo, para isso, a fundamentação revelar uma aptidão comunicativa na exteriorização das premissas que presidem à sua conclusão, assim como o respetivo juízo de valoração, de modo a transmitir, como obrigação de inteligibilidade, a intrínseca validade substancial do decidido.

J. O cumprimento do dever de fundamentação das decisões só é alcançado quando os respetivos destinatários - e a comunidade globalmente considerada - conseguem conhecer cabalmente as verdadeiras razões que subjazem ao concreto juízo decisório, isto é, quando as decisões apresentam uma sustentada aptidão comunicativa dos critérios normativos e fácticos que foram determinantes da decisão.

K. No caso da concretização do grau de suficiência da fundamentação das decisões arbitrais, esse recurso aos critérios da lei processual é mesmo o único caminho que, no Direito Português, resta ao intérprete.

L. É que, lido sem qualquer complemento adicional, o comando da LAV segundo o qual “a sentença deve ser fundamentada” (nº 3 do artigo 42º) redundaria numa norma de controlo impossível em particular pelos Tribunais estaduais, seja em fase de eventual recurso, seja em sede de anulação de sentença.

M. Se assim fosse, tal comando revelar-se-ia contrário às razões ... que explicam a obrigação constitucional de fundamentação das decisões jurisdicionais.

N. Reconhecer a existência de um dever de fundamentar a sentença arbitral, mas reconhecer, simultaneamente, que esse dever se poderia cumprir de qualquer forma, com qualquer conteúdo e com qualquer grau de suficiência, significaria admitir fazer cair os processos arbitrais numa via intuicionista e empirista - e, portanto, hostil à objetividade e à racionalidade, perfeitamente contrárias ao que, em Estado de Direito democrático, se deve entender ser o exercício da jurisdictio.

O. À luz do disposto na subalínea vi) da alínea a) do nº 3 do artigo 46.º da LAV, são seguramente de anular pelos Tribunais estaduais as decisões arbitrais às quais falte qualquer enunciação da matéria de facto ou das razões jurídicas que ditaram o resultado obtido.

P. Mesmo contendo a sentença ou acórdão arbitral a enunciação desses factos ou a explanação dessas razões jurídicas, será ainda assim de invalidar o aresto cuja concatenação fáctica e jurídica se revele deficiente a ponto de o tornar ininteligível para os seus destinatários.

Q. Não se lê na decisão da matéria de facto ou da matéria de direito, ou nos seus esclarecimentos e correções, uma linha, sequer uma palavra, sobre a aptidão, idoneidade e suficiência do conteúdo de qualquer um dos cinco documentos em que o Tribunal deu com provado que a AEDL formou a sua convicção pré-contratual para sustentar essa convicção.

R. O Tribunal não demonstrou na decisão ter apreciado se a convicção da AEDL se baseava em elementos de informação cujo conteúdo era apto, idóneo e suficiente a produzir o efeito invocado, como se a prova da invocação de certa convicção por um sujeito de direito se pudesse bastar pela simples demonstração de que ela existiu, sem curar de saber se era justificada no conteúdo dos elementos de facto que ele mesmo invocou como seu fundamento.

S. No caso, essa tarefa, todavia essencial à compreensão da decisão estava sumamente facilitada, porquanto a AEDL invocou que a sua convicção se formara exclusivamente a partir de documentos que trouxe aos autos e não a partir de conversas ou outros elementos de informação oral cuja identificação e definição exata de conteúdo sempre se revelariam, por natureza, mais difíceis.

T. No caso, os fundamentos documentais únicos - únicos, repete-se - da invocada convicção da AEDL estiveram fisicamente juntos aos autos, proporcionando amplo campo de debate e valoração sobre o respetivo conteúdo, ao qual se dedicaram as partes, nos articulados, na instrução e nas alegações.

U. Da parte do Tribunal, nada se ouve, na decisão, a esse propósito e esse silêncio ensurdecedor, essa falta absoluta de fundamentação, compromete definitivamente a inteligibilidade da decisão e gera, portanto, a sua nulidade, à luz dos critérios acima identificados (e não daqueles que o Acórdão ora em crise fixou, muito mal).

V. A ausência de fundamentação decorre de o Tribunal arbitral ter inexplicavelmente confundido um Tema de Prova, no caso o nº 9, com um Quesito, respondendo-lhe no registo sincopado e atomístico que era próprio da estrutura dos despachos saneadores anterior à revisão do Código do Processo Civil em 2013. Realmente, depois de ter concluído, na resposta ao Tema de Prova n.º 6.3, que ficou “Provada que o Agrupamento AEDL assumiu, na sua Proposta BAFO, que o Lanço IC2 entraria em serviço em 2011”, o Tribunal arbitral limitou-se, na resposta ao Tema de Prova nº 9, a dar como “Provado que o Agrupamento AEDL teve acesso, antes da apresentação da BAFO, pelo menos aos seguintes documentos, com relevância para a matéria deste ponto”.

W. É justamente porque não se encontra na decisão do Tribunal arbitral a mais leve referência que possa auxiliar o leitor a compreender esta parte da decisão — função e exigência direta e imediata do dever de fundamentação - que ela é incompreensível e, por isso, nula.

X. A mera identificação, pelo nome ou pela designação pela qual ficaram conhecidos nos autos, dos cinco documentos em que o Tribunal deu como provado que a AEDL fundou a sua convicção está muito aquém de permitir entender a decisão, assim limitada à natureza auto-justificativa desses parágrafos: ex nihilo nihil fit.

Y. O Tribunal arbitral ignorou o mais básico requisito das decisões judiciais ou arbitrais: colocado perante a tensão de duas realidades cognitivas dissonantes — a da AEDL, que alegava ter depositado confiança em certos documentos e que essa confiança encontrava justificação no respetivo conteúdo; a do Estado, que defendia a falta de suficiência, idoneidade e aptidão do conteúdo desses documentos para fundamentar a convicção daquela - abdicou de fundamentar e explicar a sua decisão em favor de uma delas, encontrando refúgio na auto-justificação, que veda ao leitor a compreensão da razão da decisão.

Z. O que falta na decisão arbitral é a explicação da razão pela qual o Tribunal fundou a sua convicção de que o conteúdo dos referidos cinco documentos era bastante para a AEDL ter formado uma certa representação da realidade, cuja frustração pelo Estado, após a assinatura do Contrato de Concessão, seria fundamento de reequilíbrio financeiro.

AA. A segunda nulidade apontada pelo Recorrente decorre de o Tribunal ter declarado que decidiu de certa forma, em matéria de facto, não o tendo verdadeiramente feito.

BB. A referência ao “ambiente em que decorreu o concurso” é uma referência espúria totalmente desprovida de apoio na decisão em matéria de facto e, por isso, totalmente falha de fundamentação, gerando segunda nulidade da decisão ora impugnada.

CC. Não é uma referência dispensável, de mera retórica: é uma parte componente da decisão sobre a convicção contratual da AEDL buscando apoio convalidante para a convicção determinada pelo Tribunal com base nos títulos dos citados cinco documentos.

DD. A razão pela qual o Acórdão é, por este motivo, nulo decorre do facto de se declarar no acórdão arbitral que certo facto ficou provado quando, na verdade, isso é falso: não existe, na decisão em matéria de facto, nenhuma referência ao ambiente em que decorreu o concurso ou às convicções que este poderia ter gerado.

EE. A nulidade agora identificada é causa autónoma da ininteligibilidade da decisão porque ninguém pode compreender que um Tribunal diga que o facto A ocorreu sem que o mesmo Tribunal explique por que razão entende que ocorreu ou sem que se encontre o facto A dado como provado na decisão em matéria de facto — e, logo, da sua nulidade.

FF. A terceira nulidade da decisão arbitral decorre de se percorrer em vão a decisão do Tribunal para encontrar o fundamento da fixação em “oito (Oito) pontos percentuais”, da co-responsabilização da AEDL na formação da sua própria convicção.

GG. O regime da conculpa - que os art.s 570º a 572º, do CC situam no campo da culpa e não no da mera negligência - exige a prova da culpa do lesado.

HH. Ora, no caso, a culpa do lesado foi efetivamente alegada na contestação, aliás especificadamente, e foi objeto essencial da instrução, das alegações em matéria de facto e das alegações em matéria de direito de ambas as partes; do mesmo modo, e antinomicamente, a AEDL invocou a culpa do Estado e a ausência da sua própria culpa.

II. Apesar disso, o Tribunal nada disse, em alguma das suas duas decisões, relativamente ao suporte fáctico para decidir da repartição da culpa.

JJ. Os “8 (oito) pontos percentuais” de conculpa da AEDL são mera repetição da técnica da auto-justificação que se demonstra ser o traço predominante da parte da decisão arbitral cuja anulação se pede, impedindo, por falta absoluta de fundamentação, a sua compreensão e gerando, por isso, a respetiva nulidade.

KK. O TCA Sul entendeu (i) que a anulação da decisão arbitral causará, automaticamente, a re-condenação do Estado; (ii) que a anulação dessa decisão por força de se julgar falha de fundamentação a decisão sobre a conculpa da AEDL implica necessariamente que essa re-condenação não poderá, de novo, julgar que houve conculpa e determinar, em 49,0797% ou noutro valor qualquer, a percentagem de contribuição da AEDL para o resultado e esse julgamento é, manifestamente, errado.

LL. O TCA Sul entendeu também que a declaração de nulidade da decisão arbitral implica uma decisão simultânea, pelo mesmo Tribunal do Estado, do quantum da indemnização, que deveria então ser expurgada da contribuição da conculpa decidida pelo tribunal arbitral, o que é, igualmente, manifestamente errado.

MM. É completamente indiferente que esta parte da decisão do Tribunal arbitral reduza o valor monetário da compensação a pagar pelo Estado: a nulidade gerada pela sua falta absoluta de fundamentação gera impossibilidade de compreensão da decisão e, logo, também a incompreensão e a dúvida razoável sobre por que razão os “8 (oito) pontos percentuais” não foram antes fixados em 10, ou 3, ou 15 ou 7 ou outro valor qualquer, mais ou menos favorável ao Estado e/ou à AEDL, com isso se afastando a interpretação, que seria absolutamente ridícula, de que o Estado se deveria conformar com os “8 (oito) pontos percentuais”, carecendo até de falta de interesse processual para questionar aquele valor, porque a decisão poderia ter sido pior para si.

NN. As decisões dos Tribunais não são nulas nem deixam de ser conforme dá jeito a uma das partes: são-no ou não, objetivamente.

OO. Sem que o Tribunal arbitral tenha descrito que comportamentos da AEDL estão na origem da sua conculpa, a fixação de um valor que a expresse, qualquer que ele seja, apresenta-se ao leitor da decisão como um exercício de “achismo” e de decisão “a olho”, não como aplicação fundamentada da justiça que se espera e é constitucionalmente exigível de qualquer tribunal, incluindo um tribunal arbitral.

PP. A ponderação percentual feita pelo Tribunal arbitral quanto ao grau de conculpa 49,0797% para a AEDL, 50,9203% para o Estado — é, por isso, impossível de compreender e gera nulidade da decisão.

QQ. O Tribunal deu como provado que (realce acrescentado) “a entrada em serviço do Lanço IC2 teria, em 2011, um impacto médio estimada na concessão Douro Litoral, a partir das previsões do Estudo de Tráfego da BAFO, que seria de um acréscimo de entre cerca de 3.400 e cerca de 4.000 veículos por dia (secção média ponderada 3.385 ou 4.028 veículos x km/km), correspondente a um aumento percentual entre cerca de 15,9% e 19,6%”.

RR. O Tribunal declarou que (realce acrescentado) “O que respeita o comando do Contrato é, antes, jogar com a estimativa de tráfego constante do caso base, que é aquela que foi utilizada pela Demandante nos cálculos que fez para determinar a rendibilidade da Concessão que lhe proporcionaria um certo equilíbrio financeiro, e apurar em que medida é que a não construção do Lanço IC2 obriga a uma correção dessa estimativa”.

SS. Já se notará a evidentíssima falta de fundamentação da decisão do Tribunal Arbitral quanto ao valor da compensação: é que, destinando esta, nos termos expostos pelo Tribunal, a compensar a AEDL pela receita que não auferiu ou não auferirá pela cobrança de portagens aos veículos que não circularam nem circularão na sua concessão em direta consequência da não existência do Lanço IC2, falta nos autos a decisão do Tribunal sobre quantos veículos assim não circularam na concessão nesse período, isto é, entre 2012 e 2034, por referência ao Estudo de Tráfego apresentado pela AEDL.

TT. A prova do tráfego que não se verifica/verificará não tem, in casu, nenhuma relação com o tráfego que realmente usa ou usará a concessão da AEDL e com a eventual diferença entre este e o projetado no Estudo de Tráfego da BAFO; tem apenas que ver com o valor que, no Estudo de Tráfego, o então concorrente AEDL indicou ser o que esperava ver circular na concessão, entre 2012 e 2034, em consequência da construção do Lanço IC2. A prova de tal tráfego só pode portanto realizar por análise do documento em causa.

UU. O resultado dessa averiguação, designadamente em sede pericial, apenas permitiu produzir prova relativamente ao ano de 2011.

W. Nem se diga, que a falta de fundamentação pode ser suprida por alguma presunção de prova que o seu leitor estaria vinculado a realizar ou, ao menos, a supor que o Tribunal Arbitral poderá ter feito.

WW. A presunção requer “uma dupla operação lógica consistente numa dedução fundada numa indução prévia ou, dizendo de outra forma, uma dedução regulada por máximas de experiência”, que permite, a partir de um facto concreto, fixar uma regra e chegar a novo facto concreto.

XX A técnica da prova por presunção, que assenta justamente nessa indução reconstrutiva, não tem aplicação no caso concreto e não pode servir para explicar a falta de fundamentação da decisão. É que, a determinação do volume de tráfego que o Estudo de Tráfego previa que circularia na concessão entre 2012 e 2034 em decorrência da existência do Lanço IC2 não pode residir na prova sobre a probabilidade dedutiva (presumida) de um facto futuro mas só pode decorrer da análise do conteúdo do Estudo de Tráfego apresentado na BAFO e da fixação da medida em que essa previsão, desse Estudo, se frustrou por ato imputável ao Estado.

YY. O Tribunal arbitral nada deu como provado no que respeita ao volume da indução ou desvio de tráfego prevista no estudo de Tráfego nos anos de 2012 a 2034 e resultante da construção do Lanço lC2.

ZZ. A “assunção” que é referida no primeiro parágrafo da pág. 134 do Acórdão, evidencia, aliás, particularmente essa lacuna da prova: o Tribunal apenas pôde declarar que é razoável assumir que a “perda de tráfego” se continuará a verificar enquanto não houver Lanço lC2, mas não conseguiu “assumir” que o valor da “perda de tráfego” provada para o ano de 2011 se manteria nos anos de 2012 a 2034.

AAA. A condenação do Estado no pagamento de uma compensação igual ao valor não verificado dessa indução ou desvio de tráfego é, portanto, incompreensível, porque não tem nenhuma base fáctica que fundamente o valor de perda de receita daí decorrente, quantificando-o ou permitindo compreender a sua dimensão.

BBB. Fenecendo a prova do quantum da perda de receita, fenece necessariamente a possibilidade de fundamentação da atribuição da compensação reparatória e, destarte, fenece a compreensão da decisão tomada pelo Tribunal Arbitral a esse propósito, gerando a invocada quarta nulidade da decisão.

CCC. Mesmo que se entendesse que, neste caso, existe mero erro de julgamento, no sentido de que o Tribunal arbitral usou uma técnica que lhe estava verdade para suprir a falta de prova por parte de quem alegou o facto, ainda assim haveria nulidade da decisão: é que, “Deverão constar da fundamentação todos os raciocínios presuntivos judiciais baseados em regras de experiência não notórias e ainda os baseados em regras de experiência notórias, quando estes influenciem diretamente a decisão da causa, em virtude do seu papel ao nível da valoração dos meios de prova ou da determinação da verdade das proposições factuais trazidas ao processo pelas partes”.

DDD. Ora, o Tribunal não explica na decisão em que “regras de experiência não notórias” ou em que “regras de experiência notórias” baseou o seu raciocínio presuntivo seja sobre a manutenção da redução do tráfego, seja, sobretudo, sobre o quantum dessa redução, face aos valores previstos no Estudo de Tráfego e essa falta de fundamentação é, ela mesma, mesmo no cenário em que se admitisse a presunção para suprir a falta de prova, geradora de ininteligibilidade da decisão e, logo, de nulidade desta.

EEE. O Tribunal decidiu que “Por conseguinte, considera o Tribunal que não deixará de ser prudente no seu juízo se aceitar que o desvio apurado relativamente ao tráfego esperado em 2011 por efeito da não construção do Lanço IC2 se manterá ao longo de toda a vida da Concessão”.

FFF. O apelo à “prudência” não é fundamento, nem processo, da verificação de uma presunção, antes é evidência de recurso à equidade.

GGG. É que o Tribunal não apelou a qualquer dado da experiência comum ou da experiência não notória mas decidiu antes que “não deixará de ser prudente” entender que o desvio apurado relativamente ao tráfego esperado para 2011 se manterá ao longo de toda a vida da concessão. É dizer, neste ângulo de análise, que o Tribunal apelou à equidade.

HHH. Nos termos da cláusula compromissória, está vedada ao Tribunal a decisão de acordo com a equidade: só o recurso ao direito lhe é permitido.

III. A violação dos termos da cláusula compromissória, designadamente pelo recurso à proibida equidade, constitui a quinta nulidade da decisão arbitral, nos termos do disposto no art 46º nº 3, alínea a), subalínea iii), da LAV.

JJJ. No Contrato de Concessão, o direito ao reequilíbrio financeiro, figura ao abrigo da qual o Tribunal condenou o Estado, encontra-se tratado na cláusula e, no que importa a estes autos, o mecanismo contratual é este: tem início (i) com a identificação do facto ou ato que integra, factualmente e no direito, alguma das previsões contratuais (ou legais) da existência daquele direito e (ii), no caso do tipo de facto invocado pela AEDL nos autos arbitrais, que se inclui na alínea a) do n.º 88.1, na determinação do valor da perda de receita ou do aumento de despesa sofrido em consequência desse ato ou facto pela concessionária, (iii) prosseguindo com a determinação, por cálculo feito num documento anexo ao Contrato, designado por Caso Base, de que certos rácios variaram por esse motivo mais do que um certo valor, condição para o acionamento do direito (mas não para a sua existência, posto que os valores reclamados podem ser cumulativamente determinados por factos ou atos sem ligação entre si), (iv) sendo concluído pela fixação do valor compensatório que é apto a repor os “Critérios Chave” acordados entre as partes, numa lógica de “restaurar a proporção financeira do Contrato” e não de “reparar danos”.

KKK. É inequívoco que o Tribunal arbitral declarou a existência do direito e a sua acionabilidade pela AEDL: tanto assim foi que condenou o Estado num valor de reposição do equilíbrio contratual que julgou perturbado.

LLL. Na determinação do valor da perda de receita, condição da determinação da existência do direito invocado pela AEDL o Tribunal absteve-se de fundamentar a sua decisão relativa ao respetivo quantum, limitando-se a indicar que o tráfego que deixou de circular na concessão por motivo atribuível ao Estado, já deduzido do efeito da conculpa da AEDL foi, em 2011, de 8,3%, mas não indicando (e, por maioria de razão, não fundamentando) qual foi a percentagem ou valor do tráfego que deixou/deixará de passar na concessão nos anos de 2012 a 2034 pelos mesmos motivos, anos que são aqueles que, na decisão, considerou relevantes para o cálculo do desequilíbrio e do valor da compensação necessária à sua reposição.

MMM. A sexta nulidade da decisão consiste na falta absoluta de fundamentação da declaração de existência do direito ao reequilíbrio financeiro que consta da parte 1. do Acórdão arbitral.

NNN. É que, a própria existência do direito invocado pela AEDL depende, nos termos da cláusula 88.1, alínea a), do Contrato de Concessão, que sustenta a decisão arbitral, da existência, i.e., da prova, de uma perda de receita.

OOO. Não tendo identificado o valor da não indução de tráfego para o período de 2012 a 2034 — isto é, do valor de tráfego que o Estudo de Tráfego previa vir a ser induzido pelo lanço IC2 na concessão entre 2012 e 2034 —, e, logo, não tendo identificado a perda de receita nesse período, o Tribunal não fundamentou a sua declaração de existência do direito, tornando-a nula nessa parte também.

Nestes termos e nos demais de direito, revogando o Acórdão em crise e substituindo-o por outro que julgue que a decisão arbitral é parcialmente nula no que se refere à decisão contida no seu ponto 1., alínea e), farão V. Exas, a costumada JUSTIÇA "

3. ADEDL – AUTO-ESTRADAS DO DOURO LITORAL, S.A. contra-alegou, concluindo:

“A. Através do presente recurso (ver os n.º 1 a 36 das alegações), o Estado Português pretende numa fórmula que se presume ser intencionalmente dúbia e equívoca — que este STA, em revista, defina quais são e de que forma se devem aplicar os “requisitos mínimos de fundamentação das decisões arbitrais”, designadamente, se eles são inferiores, iguais ou superiores aos aplicáveis à fundamentação de decisões judiciais, para aferir do “alcance da regra relativa aos vícios de fundamentação das decisões arbitrais no quadro da sua anulação” (cf., em particular os n.s 2 e 17 das alegações de recurso).

B. Como se vê, através desta fórmula ambígua e equívoca, o Estado limita-se a colocar uma questão ao STA quando, de acordo com as leis processuais, ele devia ter identificado concretamente a norma ou preceito legal violado pelo TCA Sul e o sentido com que ele deveria ter sido interpretado e aplicado pelo Tribunal recorrido) — como se impunha, à luz do artigo 150.º do CPTA.

C. Não o tendo feito, esse recurso deve ser julgado inadmissível por este Supremo.

D. Em segundo lugar, há, como se sabe, jurisprudência deste Supremo que afirma claramente que dos acórdãos dos tribunais administrativos tirados na sequência de ações de anulação de decisões arbitrais não há, em circunstância alguma, revista, como, por exemplo, no Acórdão de 08.11.2012, proc. 01538/12.

E. Em terceiro lugar, relativamente à questão colocada pelo Estado neste recurso, das duas, uma:

a. Ou o Estado pretende que este Supremo esclareça quais são os requisitos mínimos (médios ou máximos) de fundamentação das sentenças arbitrais como algo autónomo relativamente ao tema da falta absoluta de fundamentação (que serve de critério à anulação das sentenças arbitrais);

b. Ou o Estado pretende justamente saber, através dessa via, quando é que existe uma falta absoluta de fundamentação das sentenças arbitrais.

F. No primeiro caso, a questão pode ser interessante do ponto de vista teórico e dogmático, mas não releva para a sorte dos autos, uma vez que do que se trata nestes é apenas saber se o Acórdão Arbitral padece de falta absoluta de fundamentação.

G. Por outras palavras, neste enquadramento, o que o Estado pretenderia obter, em sede de revista, por parte deste Supremo Tribunal, era uma decisão sobre uma questão colocada abstratamente (quais são os requisitos da fundamentação de decisões arbitrais e sua equiparação ou não aos requisitos da fundamentação de decisões judiciais) e que, embora possa ter interesse, não possui relevância para a (nem tem qualquer repercussão na) decisão do caso concreto destes autos.

H. Pois, repete-se, aquilo que está aqui em causa não é saber qual a extensão ou a densidade - a suficiência ou insuficiência - da fundamentação das decisões arbitrais e sua relação com a fundamentação das decisões judiciais, mas apenas a falta absoluta de fundamentação: só ela é causa de anulação.

I. Sendo que, como se decidiu no Acórdão do STA de 06.06.2018 (proc. 01359/17), “não se justifica a admissão de recurso excecional de revista para apreciação de questão que, embora em abstrato relevante, não seja suscetível de influir na decisão da causa, mercê das circunstâncias processuais do caso” ou, noutros termos, o requisito da relevância jurídica das questões que justificam a admissão de uma revista afere-se segundo a sua importância fundamental, a qual “tem de ser detectada não perante o interesse teórico da questão, mas perante o seu interesse prático e objectivo” (Acórdão do STA de 04.05.2016, proc. 074/16).

J. No segundo caso, ou seja, se o que o Estado pretende submeter ao julgamento de V. Exas. é saber em que consiste a falta (absoluta) de fundamentação enquanto causa de anulação de acórdãos arbitrais, a questão, tendo interesse prático para os autos, não é geradora de qualquer controvérsia e é objeto de jurisprudência pacífica dos tribunais superiores.

K. Mais: essa questão é objeto de jurisprudência uniforme esteja em causa analisar a falta absoluta de fundamentação de um acórdão judicial ou de um acórdão arbitral (seus requisitos, parâmetros ou critérios), sendo que a constatação dessa uniformidade existe quer na jurisprudência cível, quer na jurisprudência administrativa.

L. Assim, no âmbito da jurisdição administrativa, ver, relativamente a um caso em que se discutia a falta de fundamentação de uma decisão arbitral, o Acórdão do TCA Sul, de 12.09.2013 (proc. 01570/06) — onde se diz que “uma decisão apenas enferma de falta de fundamentação, enquanto vício que afecta a sua validade e constitui causa de anulação da decisão arbitral, quando lhe falta em absoluto qualquer fundamentação, pois a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação, afectando o valor doutrinal da decisão e constituindo fundamento para a sua revogação ou alteração, não produz nulidade, não integrando o fundamento de nulidade da decisão, nem constituindo motivo para a anulação da decisão arbitral ora impugnada” - e, relativamente a um caso em que se discutia a falta de fundamentação de uma decisão judicial, o Acórdão do STA de 20.05.2015 (proc. 050/15), nos termos do qual “a nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto ou de direito só ocorre quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão”, o mesmo sucedendo no Acórdão deste STA de 25.07.2012 (proc. 027/12): “a nulidade de acórdão, por falta de fundamentação, só ocorre quando tal falta for total”.

M. Por sua vez, no âmbito da jurisdição cível, ver, no que respeita à violação do dever de fundamentação de decisões arbitrais, o Acórdão do STJ de 10.07.2008 (proc. 08A1698) — “a nulidade prevista na citada al. B), tal como é pacificamente admitido, exige a ausência total de fundamentação de facto ou de direito e não se basta com uma fundamentação meramente incompleta ou deficiente” — e, quanto à violação do dever de fundamentação de decisões judiciais, o Acórdão do STJ de 16.12.2004 (proc. 04B3896), nos termos do qual “só uma ausência absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação escassa, deficiente, ou mesmo medíocre, pode ser geradora da nulidade das decisões judiciais”.

N. Ora, se o conceito de falta absoluta de fundamentação é univocamente entendido tanto em relação a decisões arbitrais como a acórdãos judiciais, seja na jurisprudência administrativa, seja na jurisprudência cível, então não cabe revista do Acórdão do TCA Sul para os efeitos pretendidos pelo Estado Português.

O. E o facto de — como o Estado alega — o STA, até agora, não se ter pronunciado concretamente sobre a falta de fundamentação relativamente a decisões arbitrais enquanto causa de nulidade não justifica a revista: o STA já decidiu em que é que consiste o vício de falta de fundamentação em sede de decisões judiciais (corresponde à falta absoluta de fundamentação) e não se antecipa, nem sequer como tese académica, que este mesmo Supremo venha dizer, numa matéria tão consolidada, há décadas, na doutrina e na jurisprudência, que afinal, em sede de decisões arbitrais, a falta de fundamentação justificativa da respetiva anulação equivale a uma fundamentação meramente insuficiente ou errada, porque isso representaria abrir as portas a uma sindicância do mérito da decisão arbitral.

P. Em suma, não há rigorosamente nada que justifique a revista e é a essa questão que se dedicam as alegações subsequentes.

Q. O critério de anulação de uma decisão arbitral está consolidado há décadas, na doutrina e jurisprudência, não havendo sobre a matéria — como o Estado acaba por reconhecer um único acórdão divergente, independentemente de estarem em causa acórdão (judiciais) ou decisões (arbitrais), pelo que a questão trazida pelo Estado, se se consubstanciar no tema da falta absoluta de fundamentação, (i) não é de complexidade superior ao normal, (ii) não está enquadrada num complexo normativo particularmente exigente, (iii) não convoca a necessidade de compatibilizar regimes jurídicos antagónicos e (iv) não demanda do intérprete um particular esforço de interpretação das regras a aplicar ao caso.

R. Por outro lado, a questão de saber se o Acórdão Arbitral, em concreto, padece ou não de falta absoluta de fundamentação, não tem uma relevância que transcenda o próprio caso dos autos: é que a pronúncia que o STA hipoteticamente seria chamado a efetuar circunscrever-se-ia à situação em concreto, por referência ao concreto teor do Acórdão Arbitral, não transcendendo o âmbito deste processo e não sendo, pela sua especificidade, transponível ou replicável para outros processos.

S. No Acórdão recorrido, o TCA Sul julgou (e julgou bem), limitando-se a aplicar as coordenadas doutrinais e jurisprudenciais sobre a falta de fundamentação de uma decisão arbitral conducente à sua anulação — sendo que não há, quanto a esta questão, erro do TCA Sul (quanto mais um erro manifesto), como não há qualquer querela doutrinária ou jurisprudencial.

T. Não há, portanto, necessidade de admissão da revista tendo em vista uma melhor aplicação do direito: no Acórdão recorrido aplicou-se o melhor (que neste caso equivale a dizer, o único) direito.

U. Não estando verificados os requisitos de admissão estabelecidos no artigo 150.º/1 do CPTA, deve o recurso de revista interposto pelo Estado ser julgado inadmissível.

V. Dos acórdãos dos tribunais centrais administrativos, tirados em ação de anulação de decisões arbitrais, não cabe recurso (ordinário) de apelação para este STA - neste sentido, vejam-se os Acórdãos deste Alto Tribunal de 08.09.2011 (proc. 0664/09), de 30.06/2016 (proc. 0991/14) e de 13.10.2016 (proc. 0744/14) -, pelo que deve ser rejeitado, por processualmente inadmissível, o recurso de apelação (subsidiariamente) interposto pelo Estado.

W. Para além de esse recurso ser inadmissível, deve ser indeferida a pretensão do Estado formulada ao abrigo do artigo 148.º do CPTA: como resulta do que se expôs nestas alegações, o Acórdão do TCA Sul de 15.03.2018 está perfeitamente alinhado com a jurisprudência e doutrina dominantes, não estando verificados os pressupostos postos na referida norma.

x. É unânime, na doutrina e na jurisprudência, que só a falta absoluta de fundamentação é que releva para a anulação de uma decisão arbitral ou judicial, não bastando que a fundamentação se mostre deficiente, escassa ou errada.

Y. Essa conclusão não é minimamente posta em causa caso se entenda que o grau de fundamentação de uma decisão arbitral é inferior (ou igual ou superior) ao de uma decisão judicial, pois o parâmetro de validade da decisão, judicial ou arbitral, é sempre o mesmo: só é nula uma decisão, judicial ou arbitral, à qual falte em termos absolutos fundamentação (ou que seja ininteligível ou irracional).

Z. Basta uma leitura do Acórdão Arbitral para ver que ele está fundamentado - como bem decidiu o TCA Sul -, como basta uma leitura das alegações de recurso do Estado para perceber que não há aí, em qualquer das cinco nulidades invocadas a esse respeito, qualquer imputação àquele Acórdão de falta absoluta de fundamentação que pudesse determinar a sua anulação.

AA. Quanto à primeira nulidade, o Estado suscita um suposto erro de julgamento (que teria sido cometido pelo Tribunal Arbitral) relacionado com a eventualmente insuficiente apreciação crítica que foi feita de determinados documentos — o que, na verdade, implicaria um reexame da decisão arbitral, apenas possível em sede de recurso (mas não no seio de uma ação de anulação).

BB. No Acórdão Arbitral, foram referidos os documentos com base nos quais se formou a convicção da AEDL (no sentido da futura construção do Lanço IC2) e nos quais assentaram os pressupostos de rede viária que constaram da sua proposta BAFO — refutando-se ainda o argumento aduzido pelo Estado a esse propósito —, dizendo-se depois que a decisão arbitral se baseava no “teor convergente destes documentos, no sentido da construção do Lanço IC2” e que isso mesmo “foi depois diretamente confirmado pelo próprio Demandado”.

CC. Depois, o Tribunal Arbitral pronunciou-se criteriosamente sobre todos os requisitos relevantes para efeitos do princípio da proteção da confiança, concluindo que aqueles elementos objetivos (os tais documentos) eram “suficientes (...) para fundar uma situação de confiança justificada e legitima” (p. 117 do Acórdão Arbitral).

DD. Nas palavras de Sérvulo Correia, “o Tribunal apelou ao conteúdo dos documentos em causa (neles identificando, em conjunto, o «teor convergente» quanto à construção futura do Lanço IC2); não se coibiu de explicar a razão pela qual considerou tais documentos pertinentes para este efeito (...); para além disso, e em direto contraponto com os elementos probatórios que o Estado havia indicado em sentido contrário (esclarecimentos de 2004 e 2007), o Tribunal aderiu, explicando as razões concretas por que o fez, à tese propugnada nos autos pela AEDL, dessa forma desmerecendo a contra-tese que foi nos autos sustentada pelo Estado” (pp. 74 e 75 do Parecer).

EE. A este propósito, decidiu o TCA Sul que “o que está em causa não é a omissão da enunciação dos factos provados, nem nenhuma contradição entre fundamentos e decisão nem, por fim, qualquer ambiguidade que afete, diretamente, a condenação contida na alínea e) da decisão; trata-se de um problema de atribuição de valor probatório em rigor: de explicação das razões pelas quais se atribuiu dado valor probatório — a determinados meios de prova; só que a falta ou deficiência na apreciação crítica da prova e, em função dela, a falta ou deficiência da motivação da decisão da matéria de facto não se convola, no Direito português, num problema de validade da decisão, antes respeita ao seu mérito” (pp. 33 e 34 do Acórdão), transcrevendo-se logo depois, no Acórdão recorrido, as passagens da Decisão Arbitral que fundamentam a posição aí assumida sobre a questão suscitada pelo Estado.

FF. Quanto à segunda nulidade arguida pelo Estado Português, “mais uma vez, porém, não é questão que se coloque no plano de invalidade da decisão arbitral, mas sim no da suficiência ou insuficiência da matéria de facto dada por provada ou da fundamentação em geral; enfim, como já referido por outros tribunais, o peso que, na solução adotada, o tribunal arbitral, no amplo universo factual fornecido pelo processo, confira ou deixe de conferir à factualidade é questão que excede a ação de anulação” (p. 35 do Acórdão do TCA Sul).

GG. É perfeitamente compreensível, percetível e justificada a menção do Tribunal Arbitral no sentido de que “a prova produzida na ação esclareceu que ambiente em que a negociação decorreu era de convicção generalizada de que o Lanço IC2 iria efetivamente «para a frente»” (p. 117 do Acórdão Arbitral).

HH. Num caso em que os documentos (com base nos quais a AEDL formou a sua convicção no sentido da futura construção do Lanço lC2) foram obtidos na pendência do concurso, nomeadamente na fase de negociação, e em que o seu teor convergia no sentido da construção do IC2, afigura-se perfeitamente normal que se afirme que o “ambiente em que a negociação decorreu era de convicção generalizada” de que o Lanço lC2 iria efetivamente ser construído, que é o que se diz a pp. 117 do Acórdão.

II. Como bem observa Robin de Andrade, “o Acórdão arbitral, a págs. 117, ao analisar a tese do Estado de que tais cinco documentos seriam irrelevantes, torna claro qual o sentido da sua referência a um ambiente concursal: o facto de os documentos em causa terem sido emitidos e obtidas pela AEDL no quadro da dinâmica de um processo concursal com estas características e da negociação que este envolve — factos estes dados como provados por documentos e prova testemunhal — sustentam a própria relevância dos tais cinco documentos para a formação de uma convicção da AEDL sobre as intenções do Estado, e por essa viam para a formação dos pressupostos da BAFO” (p. 16 do Parecer).

ii. Para concluir pela improcedência da terceira nulidade alegada pelo Estado — que, se fosse procedente, resultaria num significativo agravamento da condenação do próprio Recorrente, como notou o TCA Sul (p. 35 do Acórdão recorrido) e levou Sérvulo Correia a suscitar a eventual falta de interesse de agir do ora Recorrente (pp. 83 e 84 do Parecer) basta ler as pp. 54 e 55 das alegações de recurso, onde são transcritas as razões e motivos (a fundamentação, portanto) da fixação da corresponsabilidade da AEDL, e respetivo peso, na formação da sua convicção pré-contratual.

KK. O Tribunal Arbitral (i) começou por explicitar qual o valor do desvio de tráfego resultante da não construção do Lanço lC2 a que devia atender-se para efeitos do cálculo dos montantes necessários à reposição do equilíbrio financeiro da Concessão Douro Litoral, concluindo que era de 16,3% (pp. 128 e 129 do Acórdão); (ii) depois, encontrou, fundamentando a sua posição, motivos para reduzir esse valor percentual em 8% (pp. 117, 135 e 136 do Acórdão).

LL. O raciocínio do Tribunal é perfeitamente inteligível e mostra-se claramente fundamentado: basta ler as pp. 135 do Acórdão para encontrar as razões (material e jurídica) e as consequências (genérica e específica), concluindo-se que o Tribunal enunciou as proposições fundamentais que justificaram este segmento da sua decisão, pelo que não há nada a censurar, muito menos, em sede de falta absoluta de fundamentação — como concluiu o TCA Sul (p. 35 do Acórdão recorrido) e também, já agora, Robin de Andrade (p. 18 do Parecer) e Sérvulo Correia (p. 85 e 86 do Parecer).

MM. No que respeita à quarta nulidade arguida pelo Estado, a verdade é que o Tribunal Arbitral dedicou, nas pp. 126 a 139, uma secção inteira [secção VI da Alínea B) do Capítulo IV] do Acórdão Arbitral] à fundamentação dos termos e modo da reposição do equilíbrio financeiro do Contrato de Concessão, recorrendo sempre, para o efeito, aos elementos constantes do processo e à prova nele produzida, tendo tratado, expressa e especificamente, a questão da medida do impacto negativo da não construção do IC2 para os anos de 2012 a 2034, fundamentando as razões por que considerou justificado, para esse efeito, partir dos valores apurados relativamente ao ano de 2011 para os aplicar a toda a vida futura da Concessão — em particular na Alínea C) da tal Secção VI do Acórdão (pp. 133 e ss.).

NN. Ciente de que os valores reais encontrados para medir o impacto negativo da não construção do lC2 eram por referência a 2011, o Tribunal Arbitral sabia que teria, de um lado, de decidir sobre se o impacto negativo se manteria nos anos subsequentes a esse (primeira questão) e, de outro lado, se sim, se a medida (percentual) do impacto desse evento em tais anos futuros era igual ou era diferente do valor que se encontrou para 2011 (segunda questão).

OO. O Tribunal Arbitral tratou, fundamentando a posição assumida, ambas as questões: quanto à primeira, a pp. 120 a 122 do Acórdão Arbitral, e no que respeita à segunda, fê-lo a pp. 68, 128 e 129 e, depois, a pp.133 e ss. do Acórdão.

PP. Como decidiu o TCA Sul, no Acórdão recorrido, “é argumentação ou fundamentação linear e perfeitamente inteligível” (p. 36), não existindo dúvidas sobre qual foi o raciocínio do Tribunal e quais os motivos subjacentes a esta parte da decisão relativa ao impacto da não construção do lC2 nos anos subsequentes a 2011, que estão centrados no carácter permanente do efeito negativo da perda de tráfego decorrente desse evento — sendo que também aqui o que o Estado pretende é “um reexame crítico do mérito da Sentença” (p. 18 do Parecer de Robin de Andrade e, no mesmo sentido, p. 90 do Parecer de Sérvulo Correia).

QQ. Relativamente a uma suposta violação da cláusula compromissória por parte do Tribunal Arbitral — a quinta nulidade invocada pelo Estado —, é manifesta a sua improcedência: em momento algum os árbitros colocaram de parte a lei para, em sua substituição, e segundo juízos de equidade, decidir de outra forma.

RR. Quando tratou do tema da medida do impacto negativo da não construção do lC2 para a Concessão Douro Litoral relativamente aos anos subsequentes a 2011, o que o Tribunal decidiu foi que, como o desvio apurado em 2011 foi um “valor mínimo” — pois que “se verificou que o impacto da construção do IC2 sobre a Concessão seria maior do que um acréscimo de tráfego de entre 15,9% e 19,6% se o tráfego que viria do Lanço IC2 não se estabilizasse em 2011 mas somente nos anos seguintes” —, estava a ser sensato, cauteloso, ajuizado, enfim, “prudente no seu juízo”, quando decidiu aplicar esse valor mínimo aos anos subsequentes da Concessão Douro Litoral para determinar o impacto negativo futuro da não construção do lC2: é só isto, que nada tem a ver com equidade, sendo puro direito positivo.

SS. Como se pode ler no Acórdão recorrido (p. 38), “o tribunal arbitral, portanto, considerou prudente aceitar que o desvio apurado por referência ao ano de 2011 se viesse a manter estável entre os anos de 2012 e 2034. É uma apreciação probatória, uma presunção judicial (...). A referência à prudência tem o significado de ter o colégio arbitral considerado verosímil, em face da inexistência de outros elementos que resultassem da instrução, a conclusão probatória de que o desvio referente ao ano de 2011 se manteria ao longo de todos os demais de vigência da concessão. E o colégio arbitral não deixou de avançar as razões, que, no seu entender, tornavam legítima e razoável, no caso dos autos, essa conclusão fáctica (...). Não se tratou de recurso à equidade. Os árbitros limitaram-se a aplicar bem ou mal — o Direito constituído, expondo essa aplicação de um modo inteligível, utilizando uma presunção judicial” (no mesmo sentido, p. 20 do Parecer de Robin de Andrade e pp. 95 e 96 do Parecer de Sérvulo Correia).

191. É manifesta a improcedência da sexta nulidade invocada pelo Estado, que mais não é do que uma pura derivação da invocada em quarto lugar — é exatamente a mesma coisa, só que analisada sob duas perspetivas ou, talvez mais corretamente, sob segmentos distintos.

192. E foi justamente por isso, e bem, que o TCA Sul a julgou improcedente, invocando os mesmos motivos que determinam a improcedência da quarta nulidade invocada pelo Estado (p. 36 do Acórdão recorrido).

TT. Seja como for, “dificilmente se entende a lógica [da posição do Estado], já que tendo o Tribunal concluído que, em consequência da suspensão do lanço lC2, ocorreu uma modificação unilateral, por facto do “príncipe”, das condições de desenvolvimento da concessão, que determina uma perda de receitas, tanto deveria bastar para, de acordo com a Cláusula 88 do Contrato de Concessão e o art 84º das Bases da Concessão, se reconhecer o direito ao reequilíbrio financeiro” (p. 21 do Parecer de Robin de Andrade).

UU. Dos factos dados como provados e da fundamentação jurídica aduzida no Acórdão Arbitral resulta que (i) o desvio apurado relativamente ao tráfego esperado em 2011, por referência às previsões do Estudo de Tráfego da BAFO, é, em virtude da não construção do Lanço lC2, de 8,3% e que (ii) ele se mantém ao longo de toda a vida da concessão, pelo que (iii) isso significa que o desvio para os anos subsequentes, de 2012 a 2034, é de.... 8,3% — sendo essa, portanto, “a percentagem ou valor do tráfego que deixou/deixará de passar na concessão nos anos de 2012 a 2034”, e que se traduz também na determinação do valor da perda de receita.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas.:

(i) Não deve ser admitido o recurso de revista interposto pelo Estado, por falta de verificação dos pressupostos do artigo 150.º/1 do CPTA,

(ii) Deve o recurso de apelação interposto subsidiariamente pelo Estado ser rejeitado, por inadmissibilidade processual,

(iii) Subsidiariamente, devem os recursos interpostos pelo Estado ser julgados totalmente improcedentes, confirmando-se o Acórdão recorrido.”

4. Foi proferido, em 8.10.2018, acórdão por este STA nos termos do art. 150° do CPTA a admitir o recurso de revista.

5. Notificado o MP, não foi emitido parecer.

6. Após vistos, cumpre decidir.

***

II – Fundamentação

Foi dada como assente a seguinte matéria de facto:

«II.1 – FACTOS ALEGADOS E PROVADOS por documentos

1) Em 28 de dezembro de 2007, o Estado outorgou com a ora R. o Contrato de Concessão cuja cópia se junta e se dá por inteiramente reproduzido, como todos os documentos juntos com este articulado (cf. doc. 1), em que esta ocupa a posição jurídica de concessionária.

2) Em 16 de janeiro de 2013, a R. requereu, em carta que dirigiu ao Estado (cf. doc. 2), a constituição de um tribunal arbitral destinado a dirimir uma série de litígios que ali identificou, desde logo juntando a petição inicial, aliás em cumprimento do disposto na cláusula compromissória.

3) Aceite a constituição de tribunal arbitral e contestada a ação, foi o tribunal arbitral instalado em 17 de dezembro de 2013, ficando a ser árbitro-presidente o Sr. Professor Doutor António Pinto Monteiro e sendo árbitros-adjuntos os Srs. Professores Doutores António Meneses Cordeiro, indicado pela ora R., e José Manuel Cardoso da Costa, indicado pelo ora A. (cf. doc. 3).

4) Em 8 de setembro de 2016, foi proferido pelo tribunal arbitral, e notificado às partes (cf. doc. 5), o acórdão em matéria de facto.

5) Tendo sido solicitada pelo ora A. a correção de lapso cometido naquela decisão, foram as partes notificadas da respetiva retificação (cf. doc. 5), efetuada através do Acórdão de 22 de setembro de 2016.

6) Em 7 de fevereiro de 2017, foi notificado às partes (cf. doc. 6) o Acórdão Arbitral final (cf. doc. 7).

7) Em 21 de fevereiro de 2017, o ora A. solicitou ao tribunal arbitral o esclarecimento de obscuridades e a retificação de erros materiais do referido acórdão (cf. docs. 8 e 9).

8) Em 6 de abril de 2017, foi notificado às partes o acórdão de aclaração que incidiu sobre o referido pedido (cf. doc. 7).

9) Do texto dos capítulos “I - As partes, a convenção de arbitragem e o tribunal arbitral”, “II – O objeto do litígio e o desenvolvimento da instância” e “III – Os factos” do Acórdão arbitral, tal como pontualmente corrigidos pelos acórdãos de aclaração de 22 de setembro de 2016 e de 5 de abril de 2017, consta a descrição do iter processual, das posições das partes e da matéria dada como assente ou provada pelo tribunal, dando-se por reproduzido tudo o que ali inscreveu o tribunal arbitral.

10) A decisão final do tribunal pode ler-se na parte “VII - Decisão” e é composta por cinco alíneas, correspondentes aos vários pedidos que haviam sido inicialmente formulados pela ora R.

11) Em particular, o tribunal arbitral condenou o Estado português nos seguintes termos (cf. alínea e) do ponto 1. da decisão):

- Por conta da não construção e consequente não entrada em serviço do Lanço IC2, o Demandado deverá pagar à Demandante uma compensação faseada, cujo valor deverá ser calculado nos seguintes termos:

- Para o período de 31 de dezembro de 2011 até à presente data, a quantia de €42.000.000,00 (quarenta e dois milhões de euros), a qual deverá ser paga no prazo de 60 (sessenta) dias contados da notificação do presente Acórdão;

- Para cada período semestral subsequente e até ao final do prazo da Concessão Douro Litoral, as quantias indicadas na tabela seguinte:

(tabela-quadro no original)

- O caso base deverá passar a refletir a reposição decretada pelo Tribunal Arbitral no presente Acórdão, originada pela não construção do Lanço IC2, devendo ser alterado de acordo com as seguintes indicações:

(tabela-quadro no original)

12) Ao processo arbitral foi também aplicável o regulamento fixado pelo próprio tribunal, com o acordo das partes, uma vez que se tratava de uma arbitragem ad-hoc, aplicando-se, ainda, nos seus termos e nos casos omissos, a LAV/2011 e a versão de 2008 do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa (cf. art.º 7.º da ata de instalação do tribunal).

13) Conforme decorre da exposição do iter processual que consta das partes I e II do acórdão arbitral, a factualidade em que assentava o pedido da ora R. de pagamento de uma compensação com base no reequilíbrio financeiro, que veio a ser parcialmente julgada procedente no segmento decisório que está em crise nesta ação, ordenou-se em torno de saber:

a. Se a ora R. formou uma certa convicção sobre a futura existência de uma autoestrada, ligando Oliveira de Azeméis e Coimbra, que ficou nos autos arbitrais designada de forma abreviada por “Lanço IC2”, expressão que se passará a usar também nesta peça, explorada em regime de sem cobrança de portagem aos utilizadores, com perfil de 2x2 vias e com um certo traçado;

b. Se a proposta final da ora R. no concurso público que conduziu à assinatura do Contrato de Concessão que liga A. e R. até 2034 (adiante “BAFO”) indicava essa convicção;

c. Se eram patentes na BAFO os resultados dessa convicção, designadamente por a ora R. ter previsto nas projeções de tráfego então apresentadas um certo volume de tráfego “induzido” 33 pela futura existência daquela nova via;

d. Em que elementos de informação se fundara a alegada convicção da ora R.;

e. Se esses elementos de informação eram atribuíveis ao Estado ou da sua autoria;

f. Se esses elementos de informação eram aptos, idóneos e suficientes para sustentar a convicção da ora R.; e

g. Se a convicção da ora R., assim formada, foi desfeiteada por ato do Estado, posterior à assinatura do Contrato de Concessão.

14) O tribunal arbitral decidiu afirmativamente, no acórdão em matéria de facto, as questões factuais descritas em a., b. e c.

15) O tribunal arbitral decidiu igualmente, no mesmo acórdão e no que respeita à questão elencada em d., listar um conjunto de cinco documentos que, no seu entender, foram aqueles em que a convicção da R. se fundou.

16) O tribunal arbitral decidiu, no que respeita à questão elencada em e., que todos aqueles documentos se devem ter por juridicamente atribuíveis ao Estado.

17) O tribunal deu resposta afirmativa à questão descrita em g.

18) O tribunal concluiu que a ora R. (i) formou certa convicção sobre o futuro Lanço IC2, (ii) que a sua proposta BAFO refletia, (iii) desde logo porque as projeções de tráfego aí apresentadas indicavam um aumento de tráfego no ano de 2011, que (iv) essa convicção se fundara num conjunto de cinco documentos, (v) juridicamente atribuíveis ou da autoria direta do Estado, (vi) tendo este desfeiteado tal convicção por ato seu, posterior à assinatura do Contrato de Concessão.

19) Da decisão colegial arbitral impugnada consta, nomeadamente, o seguinte (com interesse para as 6 ilegalidades invocadas na p.i.):

“A Demandante (A.....) é patrocinada pelos Senhores Drs. …. …………., ….. ……….. e ….. ……….., de ….. ………….., Sociedade de Advogados, R. L., e o Demandado (ESTADO) é patrocinado pelos Senhores Drs. …. ………….. e …. …………., de ………….. ……… e Associados, Sociedade de Advogados .…

Em conformidade com o previsto no número 100 do Contrato de Concessão - Concessão Douro Litoral -, celebrado entre o Estado Português e a AEDL - Auto-Estradas do Douro Litoral, S. A., em 28 de dezembro de 2007 (doravante designado, abreviadamente, "Contrato de Concessão" ou "Contrato"), e das correspondentes Bases da Concessão aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 392-A/2007, de 27 de dezembro de 2007 (doravante, abreviadamente, "Bases da Concessão"), as Partes submeteram a Tribunal Arbitral, para ser julgado segundo o direito constituído, o litígio que as opõe quanto ao pedido de reposição do equilíbrio financeiro do Contrato, em função dos seguintes eventos:

-A criação da Taxa de Regulação das Infraestruturas Rodoviárias (TRIR);

-A introdução das tarifas a cobrar pela SIEV - Sistema de Identificação Eletrónica de Veículos (SIEV);

-A suspensão do concurso para a adjudicação da subconcessão usualmente designada por "Auto-Estradas do Centro".…

A Demandante nomeou como Árbitro o Prof. Doutor António ……………….; o Demandado nomeou como Árbitro o Prof Doutor José ………………..; os dois primeiros designaram como Árbitro Presidente o Prof. Doutor ………………………..

Estamos, inequivocamente, perante um contrato administrativo de concessão, modalidade daquilo que a doutrina designa como contratos administrativos de colaboração em que o contraente privado assume a responsabilidade pela execução de uma atividade pública em vez da administração, ficando-lhe confiada, “em nome próprio e com imputação própria, uma missão de carácter público.…

Fala-se, a este propósito, de uma partilha de riscos entre as partes, que resulta da lei e do próprio contrato, e que deve ser feita de acordo com um critério de otimização na alocação de riscos, fazendo-os correr por aquele que se encontra em melhor situação para os suportar e gerir.…

Entre os riscos que se entende deverem ser suportados pelo contraente privado estão os designados riscos próprios do contrato, nos quais se incluem, nomeadamente, o "risco da procura " (ligado à inexistência de procura ou à procura abaixo do nível necessário para cobrir os custos e proporcionar a receita esperada) e o "risco financeiro" (relativo à variação dos encargos financeiros suportados pelo contraente privado).

Relacionado com a assunção do risco da procura pelo concessionário está o facto de a contrapartida que aufere estar dependente, ao menos em parte, dos resultados da exploração.

Pelo contraente público correrá, em regra, o chamado risco político, ligado à ocorrência de custos a suportar pela concessionária resultantes de medidas administrativas ou mesmo legislativas que importam uma alteração do conteúdo do contrato ou, em certos termos, uma alteração das circunstâncias que constituem a base do negócio.

Relaciona-se com esta partilha de riscos a questão, central na presente ação, da assunção por uma ou outra das partes, e em que termos, dos efeitos de factos que implicam uma alteração do equilíbrio financeiro do contrato por serem causa de maiores custos ou de diminuição dos resultados de exploração do contraente privado.

Conforme a doutrina tem reconhecido, a alteração do equilíbrio financeiro dos contratos administrativos, em prejuízo do contraente privado, pode resultar de situações de diferente natureza e origem, que se podem apresentar do seguinte modo:

-Situações originadas por uma conduta ilícita e culposa do contraente público;

-Situações de modificação unilateral, pelo contraente público, do conteúdo do contrato, nomeadamente quanto às prestações a cargo do contraente privado;

-Situações de adoção, pelo contraente público (ou, segundo alguns, também por outrem no exercício de poderes públicos), de medidas legislativas, políticas ou administrativas (de carácter geral ou concreto) que não modificam o conteúdo do contrato, mas se projetam indiretamente, e em termos específicos, sobre a relação contratual, tomando mais oneroso o cumprimento pelo cocontratante ou agravando por outra via a posição patrimonial deste último;

- Situações em que ocorrem alterações anormais e imprevisíveis das circunstâncias em que assentou o contrato, não imputáveis a nenhuma das partes. …

O equilíbrio financeiro do contrato tem a ver com a proporção entre as prestações a que se obriga o contraente privado e as contraprestações a cargo do contraente público, sendo que para a definição dessa proporção ou equilíbrio inicial são feitas estimativas de custos e de receitas que o contraente privado irá obter ao longo da execução do contrato. Quando, por efeito de uma modificação unilateral do contrato promovida pelo contraente público, este equilíbrio é desfeito em resultado de uma diminuição das receitas ou de um aumento dos custos, a lei considera adequado fazer crer pelo contraente público o encargo correspondente, através do mecanismo da reposição do equilíbrio financeiro do contrato.

Por seu turno, os casos de adoção de medidas que não modificam o conteúdo do contrato, mas que se projetam indiretamente, e em termos específicos, sobre a relação contratual, correspondem à chamada alteração de circunstâncias por efeito de facto do príncipe (factum principis, fait du prince), entendido como um "ato jurídico de carácter geral, por isso estranho à relação contratual, mas com impacto sobre a execução do contrato administrativo".

Ora, tem-se entendido que tal alteração das circunstâncias, quando preencha determinados pressupostos, pode ser fundamento de modificação do contrato através da reposição do seu equilíbrio financeiro, à semelhança do que ocorre quando tem lugar uma modificação unilateral do conteúdo contratual promovida pelo ente público.

Na verdade, num caso e noutro, estamos perante situações em que o equilíbrio contratual é posto em causa por um ato de autoridade do contraente público, pelo que se situa ainda na esfera do acima mencionado risco político ou político-administrativo, que é, em princípio, assumido pelo ente público. Ora, sendo esse o caso, é razoável que o remédio proporcionado ao contraente privado neutralize os efeitos desse ato sobre o contrato e reponha a proporção financeira em que este assentou originariamente o contrato.

Isso mesmo se entende resultar hoje da norma do artigo 314.º, n.º 1, alínea a), do Código dos Contratos Públicos, mas era também já defendido antes da entrada em vigor do referido diploma, perante o regime constante das normas dos artigos 178.° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, aplicáveis ao contrato em apreço. Nas palavras de LICÍNIO LOPES MARTINS, "perante alterações causadas pela Administração, a aplicação do princípio do equilíbrio financeiro assume um duplo título de concretização: o reequilíbrio impõe-se seja pela alteração das circunstâncias, seja por via da modificação unilateral, por neste caso, estar desde logo em causa um dever - em rigor, um dever extracontratual imposto por lei, na medida em que o contraente público, por virtude da sua atuação, frustra as expectativas económico- financeiras do seu contraente, tendo, por isso, de o indemnizar. Orientação que já tem, entre nós, precedentes doutrinais e jurisprudenciais desde o início do Século transato. …

A matéria da alocação dos riscos do Contrato e da manutenção do equilíbrio financeiro do mesmo é tratada no seu capítulo XXII, que tem por epígrafe "Condição financeira da Concessionária" e que prevê, nomeadamente, o seguinte:

Quanto à alocação de riscos, estipula-se no número 86.1 que a Concessionária "assume, expressa, integral e exclusivamente, a responsabilidade por todos os riscos inerentes à Concessão, exceto nos casos especificamente previstos no Contrato de Concessão", e acrescenta-se, no número 86.2, que a Concessionária assume, designadamente, o risco integral de tráfego inerente à exploração da autoestrada, neste se incluindo o risco emergente de qualquer causa que possa dar origem à redução de tráfego ou à transferência de tráfego da autoestrada para outros meios de transporte ou outras vias.

Salvaguarda-se, porém, no número 86.3, que a entrada em serviço de vias rodoviárias concorrentes pode conferir à concessionária o direito à reposição do equilíbrio financeiro da concessão.

São também cláusulas com direta atinência à matéria da alocação dos riscos as do número 88.l do Contrato, que preveem que a Concessionária terá direito à reposição do equilíbrio financeiro da Concessão nas seguintes situações:

- Modificação unilateral, imposta pelo Concedente, do conteúdo das obrigações contratuais da Concessionária ou das condições de desenvolvimento das atividades concessionadas, desde que, em resultado da mesma, se verifique para a Concessionária um aumento de custos ou uma perda de receitas;

-Ocorrência de casos de força maior nos termos do número 80, de que não decorra a resolução do Contrato;

- Alterações legislativas de carácter específico que tenham um impacto direto sobre as receitas, custos ou resultados relativos às atividades Concessionadas;

- Quando o direito de aceder à reposição do equilíbrio financeiro seja expressamente previsto no contrato de concessão. …

Provou-se na presente ação, por acordo das Partes, que, até à data da propositura da ação, a variação provocada pela TRIR nos montantes dos custos previstos no Caso Base foi de € 725.479,00 e que, entre a data da propositura da ação e o termo da Concessão D........... L........, a variação provocada pela TRIR nos montantes dos custos previstos no Caso Base será igual à totalidade das quantias que, a esse título, já foram e vierem a ser pagas pela Demandante (ponto 17.1 da decisão sobre a matéria de facto, constante do Despacho n.º 51).

Está também provado que a TRIR se projeta apenas sobre as condições económicas particulares ou específicas das concessionárias diretas do Estado em matéria de infraestruturas rodoviárias e não sobre os operadores económicos em geral (facto provado gg) do Despacho nº 9).

Provado ficou igualmente que o Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., declarou que o Estado reconhecia a incidência da TRIR sobre a Demandante como evento gerador do direito ao reequilíbrio financeiro e propôs a celebração de um acordo escrito entre as Partes que consagrasse o direito à devolução, pela EP - Estradas de Portugal, S. A., dos montantes que, em cada período, fossem efetivamente pagos pela Demandante a título de TRIR (facto assente w) do Despacho n.º 9).

Está ainda assente que a Demandante, considerando não existirem motivos que legitimassem, no que respeita ao instituto da reposição do equilíbrio financeiro, a diferença de tratamento entre as soluções a dar à TRlR e às tarifas da SIEV, transmitiu ao Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, LP., que a formalização do acordo referente à TRIR deveria abranger também as tarifas da SIEV e que, não tendo aquele Instituto acedido a tal pretensão, o acordo acabou por não ser celebrado (factos assentes y) e z) do Despacho n.º 9).…

V. A NÃO CONSTRUÇÃO DO LANÇO IC2

A questão sobre a qual recaiu a maior parte da atividade probatória desenvolvida pelas Partes na presente ação, bem como o essencial do seu esforço argumentativo, foi a dos efeitos sobre o Contrato de Concessão da não construção e não entrada em serviço do Lanço IC2, entre Coimbra e Oliveira de Azeméis.

Para a Demandante, estamos perante um evento que é suscetível de se enquadrar quer na alínea a) quer na alínea e) do número 88.l do Contrato de Concessão. …

O Demandado, por seu turno, defende que a não construção do Lanço IC2 não é evento capaz de se integrar em nenhuma das hipóteses em que o Contrato de Concessão reconhece o direito à reposição do equilíbrio financeiro, alegando, nomeadamente, que a Demandante assumiu integralmente no Contrato o risco de tráfego, que não existe uma situação de confiança atendível da Demandante relativamente à construção e entrada em exploração da referida estrada (quanto aos quatro elementos que reputa essenciais, do perfil, traçado, data da entrada em serviço e regime de exploração) e que os factos provados não suportam a alegação da Demandante quanto aos danos que o referido evento lhe teria provocado e provocará no futuro e ao modo como pretende a reposição do equilíbrio financeiro do Contrato.

A NÃO CONSTRUÇÃO DO LANÇO IC2 COMO UM EVENTO QUE ALTERA AS CONDIÇÕES DE DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES CONCESSIONADAS

É entendimento do Tribunal que o número 88.1.a) do Contrato abrange na sua letra dois tipos distintos de eventos geradores de desequilíbrio financeiro do contrato decorrentes de ato unilateral do Concedente: a modificação do conteúdo do contrato pelo Concedente e a adoção, também por este, de medidas que não modificam o conteúdo do contrato, mas que afetam diretamente, e em termos específicos, a relação contratual, em prejuízo da Concessionária.

Na verdade, a formulação adotada na referida cláusula indicia claramente que não foi propósito das Partes restringirem o direito à reposição do equilíbrio financeiro somente às situações em que o ato do Concedente se traduziu em direta modificação das condições do contrato através do exercício do ius variandi -essa é a hipótese visada na primeira parte da cláusula, relativa à "modificação unilateral [...] do conteúdo das obrigações contratuais da Concessionária" --, mas que se quis também atribuir tal direito à Concessionária no caso de o facto do príncipe não visar diretamente o Contrato mas implicar uma alteração das circunstâncias que o Contrato pressupõe com específica repercussão na situação da Concessionária, traduzida no aumento de custos ou na perda de receitas - é a "modificação unilateral [...] das condições de desenvolvimento das atividades concessionadas" de que se fala na segunda parte desta cláusula.

O que, aliás, coloca o Contrato em linha com aquilo que se viu ser defendido já em face das regras legais vigentes à data da celebração do Contrato e que hoje encontra mais clara expressão no artigo 314, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos.

Comecemos por ver se a não construção do Lanço IC2 se pode considerar como uma modificação unilateral, imposta pelo Concedente, das condições de desenvolvimento das atividades concessionadas suscetível de gerar a direito à reposição do equilíbrio financeiro do Contrato.

A ALTERAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS EM QUE ASSENTOU O CONTRATO

A Demandante defende na ação que entre os pressupostos da rede viária assumidos pela AEDL na sua proposta de contrato, expressa na BAFO, estava a construção do Lanço IC2 e a sua entrada em exploração em 2011, que esse pressuposto foi relevante na sua decisão de contratar e que a sua não verificação originou um desequilíbrio financeiro do Contrato, suscetível de correção por via do mecanismo da reposição.

Com direta relevância para a questão ora em debate, está provado na ação:

- Que a AEDL assumiu, na sua Proposta BAFO, que o Lanço A32/IC2 teria continuidade para Sul, com ligação ao Lanço IC2, entre Coimbra Norte e São João da Madeira, e que este efeito de continuidade aumentaria a atratividade da concessão, face aos outros corredores de autoestrada já existentes (Al/IPl e A29/IC21);

- Que a AEDL assumiu, na sua Proposta BAFO, que o Lanço IC2 entraria em serviço em 2011, que teria um perfil de 2x2, ou seja, de autoestrada, e que viria a ser explorado sem cobrança de portagem aos utilizadores;

- Que os pressupostos de rede viária assumidos na Proposta BAFO influenciaram os termos dessa proposta;

- Que os mencionados pressupostos de rede viária foram explicitados no relatório do estudo de tráfego apresentado com a BAFO e que o Estado teve deles conhecimento;

- Que o Agrupamento AEDL teve acesso, antes da apresentação da BAFO, pelo menos aos seguintes documentos, com relevância para a definição, na BAFO, dos pressupostos da rede viária acima identificados:

-Plano Rodoviário Nacional, aprovado pelo Decreto-Lei nº 222/98, de 17 de junho.

-Estudo Prévio do Lanço A32, entregue ao Agrupamento AEDL em 23.5.2007 (Documento n.º 3 do requerimento de prova da Demandante de 15.7.2014), que contém em anexo um Estudo de Tráfego (Documento n.º 3 do requerimento do Demandado de 1.8.2014).

-Resumo Não Técnico do Estudo de Impacto Ambiental do Lanço A32, datado de março de 2006.

-Programa de desenvolvimento futuro da rede viária previsto para a área em estudo (distritos de Braga, Porto e Aveiro), enviado por e-mail de 19.6.2007 por ………. a ……….. e ………. (Documento n.º 13 da p. i.).

-Esboços corográficos do Lanço IC2 (Documento n.º 14 da p. i.).

- Que o tráfego na concessão, em especial no Lanço A32, seria influenciado pelo tráfego potenciado pela subconcessão Auto-Estradas do Centro entre Coimbra e o Porto, e poderia vir a beneficiar de um corredor alternativo Lisboa/Coimbra/Porto pela Subconcessão Pinhal Interior entre Lisboa e o Porto;

- que, sem o Lanço IC2, o lanço da A32 ficou conectado a Sul à N224, servindo as cidades de Oliveira de Azeméis e de Vale de Cambra, ligando esta ainda ao atual IC2 (com perfil de estrada nacional em lx2), que se dirige para Sul, servindo outras localidades, e que, não havendo ligação a Sul à rede primária de estradas (isto é, autoestradas ou vias rápidas), a função do lanço da A32 fica essencialmente confinada à distribuição de tráfego local e a viagens de curto ou médio curso, não captando o tráfego de longo curso;

- Que a entrada em serviço do Lanço IC2 teria, em 2011, um impacto médio estimado na concessão Douro Litoral, a partir das previsões do Estudo de Tráfego da BAFO, que seria de um acréscimo de entre cerca de 3.400 e cerca de 4.000 veículos por dia (secção média ponderada - 3.385 ou 4.028 veículos x km/hr), correspondente a um aumento percentual entre cerca ele 15,9% e 19,6%;

- Que esse é o impacto mínimo, podendo o impacto ser maior se o tráfego que viria do Lanço IC2 não se estabilizasse em 2011, mas somente nos anos seguintes;

- Que uma redução de TMDA igual a 19,6% no Caso Base para todos os sub-lanços durante a vigência do Contrato de Concessão corresponde a uma diminuição das receitas de portagens num valor global de € 584.238.080,00 (a preços correntes).

Da matéria provada resulta que a Demandante, na Proposta BAFO, pressupôs que o Lanço IC2 iria ser construído e entrar em serviço em 2011, com características de autoestrada sem cobrança de portagem, e que iria existir uma ligação entre a Concessão, em particular o Lanço A32, e o referido Lanço IC2, o que potenciaria a atratividade da Concessão e a sua competitividade em razão da ligação da autoestrada a Coimbra, e ainda, da possibilidade de vir a beneficiar de um outro corredor de auto-estrada entre Lisboa e o Porto, tendo tais assunções influenciado os termos da referida Proposta BAFO.

Está também provado que o Estado teve conhecimento de que a proposta da AEDL assentava nesses pressupostos.

A proposta, integrada pelo conjunto da documentação apresentada pela AEDL na sessão de negociações que ocorreu em 4 de outubro de 2007 (documento nº 5 junto com a contestação), é um dos documentos contratuais aplicáveis à Concessão, conforme previsto no número 5.1.d) do Contrato, e o caso base faz parte integrante desse mesmo Contrato, como seu Anexo 5 (número 2).

A relevância objetiva dos pressupostos em que assentou a proposta apresentada pela AEDL também se pode dar como assente, tendo presente que se apurou que, sem o Lanço IC2, o Lanço A32 ficou essencialmente confinado a servir o tráfego local e de curto e médio curso e que a entrada em serviço desse Lanço IC2 teria provocado em 2011, à luz das previsões do Estudo de Tráfego, um acréscimo de tráfego de entre cerca de 3.400 e cerca de 4.000 veículos por dia.

Pode afirmar-se com segurança, portanto, que a construção e entrada em serviço do Lanço IC2, nos termos referidos, estava entre os pressupostos em que assentou a decisão da Demandante de celebrar o Contrato nos termos em que o fez e que isso foi do conhecimento do Demandado. A estruturação financeira da proposta da Demandante foi efetuada também em função destes pressupostos.

Será porventura duvidoso se isso basta para que os referidos pressupostos integrem a base negocial, no sentido de serem pressupostos não só conhecidos pelo Demandado como também aceites ou assumidos por ele enquanto circunstâncias em que também teria fundado a decisão de contratar.

Afigura-se, porém, que não se tomará necessário ir tão longe. Basta a constatação, em face da matéria provada, de que estamos perante “pressupostos nos quais o cocontratante determinou o valor das prestações a que se obrigou", conhecidos do Demandado, e que a não construção do Lanço IC2 surge como um facto que, tendo em conta a repartição do risco entre as partes altera os referidos pressupostos. É isso que hoje se prevê no art. 282.º do CCP, mas que se julga ser o precipitado de doutrina que já valia em face do regime anterior, aplicável na situação em apreço, contido no Código de Procedimento Administrativo As fontes dos pressupostos em que assentou a proposta da AEDL (...)

O Demandado contrapõe que a pressuposição, pela Demandante, de que seria construído o Lanço IC2 não assenta em bases que permitam atribuir-lhe relevância, por não provir de documentos emitidos pelo próprio Estado ou por entidades que ajam em seu nome, mas antes arrancar de documentos e informações provenientes de fontes que o não vinculam.

Vejamos.

Os documentos acima referidos que não foram emitidos pelo Estado são imputáveis à Estradas de Portugal. E.P.E., que sucedeu ao IEP - Instituto das Estradas de Portugal, por serem da sua responsabilidade ou de funcionários seus.

Ora, como lembra a Demandante na ação, ao IEP - Instituto das Estradas de Portugal, depois Estradas de Portugal, E.P.E., foi atribuída pelo Estado a direção do concurso da concessão Douro LITORAL -conforme resulta do artigo 4 do Programa de Concurso, aprovado por Despacho Conjunto dos Ministérios das Finanças e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações n.º 55/2004, de 5 de janeiro, que reza que "O Estado é a entidade adjudicante, correndo o concurso na dependência do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação e sob a direção do IEP - Instituto da Estradas de Portugal".

Não se vê, por conseguinte, como não atribuir ao Demandado os atos praticados pela Estradas de Portugal, E.P.E. e pelos seus funcionários no âmbito do Concurso, e nomeadamente o Estudo Prévio do Lanço A32, o Resumo Não Técnico do Estudo de Impacto Ambiental do Lanço A32, o Programa de desenvolvimento futuro da rede viária previsto para a área em estudo e os esboços corográficos do Lanço IC2.

Aliás, o teor convergente destes documentos, no sentido da construção do Lanço IC2, foi depois diretamente confirmado pelo próprio Demandado, ainda que em momento posterior à adjudicação, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 181/2007, de 29 de novembro de 2007, na qual se determinava que a EP - Estradas de Portugal, S. A., lançasse, durante o 1º trimestre do ano de 2008, o concurso público internacional para a subconcessão IC 2, entre a Mealhada e Oliveira de Azeméis.

A este propósito, o Demandado suscita nas suas alegações a questão da eventual inconstitucionalidade da resposta aos temas de prova 12 (segunda parte) e 15 (terceiro parágrafo), "na parte que que julgaram provado que as decisões sobre "calendarização, lançamento e anulação de concursos, bem como de definição e redefinição do objeto dos contratos de subconcessão de infraestruturas rodoviárias" cabem ao Governo, que dá sobre tal instruções à EP, S.A.".

Ressalvado o devido respeito pelo entendimento manifestado pelo Demandado, considera o Tribunal que o julgamento sobre a matéria de facto, em si mesmo, não é suscetível de um juízo de inconstitucionalidade, qualquer que seja o entendimento que se tenha sobre a realidade a que aquele julgamento se reporta - sobre a qual não compete ao Tribunal agora pronunciar-se. O Tribunal considerou que ficou demonstrado na ação que as referidas decisões eram da responsabilidade do Estado, e é isso que releva para efeitos de se imputar ao Demandado os atos acima referidos.

Questão diversa da anterior é a de saber se, em face dos documentos acima identificados, documentos com base nos quais a Demandante assumiu como pressuposto da sua proposta a construção e entrada em serviço do Lanço IC2, deve considerar-se justificada a confiança neles depositada pela Demandante. Ora, perante a prova produzida, que revelou que os referidos documentos foram emitidos e obtidos pela Demandante no quadro da dinâmica própria de um processo concursal com estas características e da negociação que este envolve, o Tribunal entende que deles podia a Demandante legitimamente inferir que existia um propósito sério, por parte do Estado, de construir o Lanço IC2 e de o ter em serviço em 2011.

Retrospetivamente, poderá talvez dizer-se que a Demandante, perante a relevância que para a sua proposta tinha a construção do Lanço IC2, poderia ter procurado obter da parte do Demandado ou de quem por ele agia uma mais firme explicitação do seu propósito de construir aquela estrada, nos prazos e com as características pressupostas na sua proposta, e que se não devia ter bastado com documentos ou informações dos quais apenas se retira indiciariamente ou de forma indireta aquele propósito; no entanto, considera-se que a prova produzida na ação esclareceu que o ambiente em que a negociação decorreu era de convicção generalizada de que o Lanço IC2 iria efetivamente "para a frente", pelo que a confirmação obtida pela Demandante através dos apontados documentos era suficiente, repete-se, para fundar uma situação de confiança justificada e legítima.

OS ESCLARECIMENTOS PRESTADOS EM ABRIL DE 2004 E NOVEMBRO DE 2007

A este respeito, o Demandado alega que a relevância dos documentos acima referidos enquanto base para a criação de uma situação de confiança na construção do Lanço IC2 seria posta em crise por dois outros documentos:…

Em ambos os casos, sustenta o Demandado que as afirmações contidas nos mencionados documentos impedem a formação de uma situação de confiança (o primeiro) ou que esta se pudesse manter para lá de 23.11.2007 (o segundo, aliás pouco tempo anterior à adjudicação provisória, que ocorreu em 7.12.2007).

Sucede que, como bem assinala a Demandante, o esclarecimento de abril de 2004, prestado pelo IEP - Instituto das Estradas de Portugal, depois Estrada de Portugal, E.P. E. é anterior a outros documentos, também da autoria ou imputáveis à Estradas de Portugal, E.P.E., dos quais resultou, no entendimento do Tribunal, a formação de uma situação de confiança atendível sobre o perfil, a data de entrada em serviço e o tipo de exploração do Lanço IC2 (em particular, o Estudo Prévio do Lanço A32 e o Resumo Não Técnico do Estudo de Impacto Ambiental do Lanço A32, o Programa de Desenvolvimento Futuro da Rede Viária e os Esboços Corográficos do Lanço IC2).

Ora, não faria sentido atribuir relevo decisivo àquele esclarecimento de abril de 2004 quando seria legítimo à AEDL supor que o seu conteúdo estava de alguma forma superado pelos novos elementos transmitidos à AEDL durante a segunda fase do Concurso.

Quanto ao segundo documento, não se vê que ele infirme o que resulta dos anteriores documentos da Estradas de Portugal, E.P.E., sobre a construção e características do Lanço IC2, nem que seja suscetível de pôr em causa a confiança neles depositada. Lido com atenção o referido documento, nomeadamente na passagem sublinhada pelo Demandado (que, aliás, somente versa sobre a questão de o Lanço IC2 vir a ser ou não portajado), em lado algum se nega nele a realidade das informações anteriormente transmitidas pela Estradas de Portugal, E.P.E., e mesmo o que se diz sobre a competência do Estado para definir o regime de exploração das autoestradas não é de molde a pôr em crise as informações que a Estradas de Portugal, E.P.E., em representação desse mesmo Estado, anteriormente havia transmitido aos Concorrentes.

O Tribunal não considera, em suma, que os dois documentos assinalados pelo Demandado fossem capazes de impedir ou destruir uma situação de confiança da Demandante relativamente à construção, entrada em serviço e características do Lanço...

Uma vez assente que a proposta da Demandante assentou no pressuposto da construção do IC2 e da sua entrada em serviço em 2011, não cabem dúvidas de que a não construção dessa autoestrada significa uma alteração desse mesmo pressuposto.

A este respeito, discutiu-se na ação se o facto de a autoestrada não ter sido até ao presente construída poderá realmente tomar-se como um evento modificador de um pressuposto contratual, tendo em conta que a Concessão vai perdurar por bastantes anos e a estrada em causa poderá ainda ser construída.

É verdade que não existe uma impossibilidade absoluta de construção do Lanço IC2 na vigência da Concessão, mas os factos apurados em nada indiciam que tal venha a ocorrer. Tenha-se em conta, nomeadamente, a este respeito, os factos dados como provados nas alíneas qq) a ww) do Despacho n.º 6, de 2 de junho de 2014, dos quais decorre não só que o primeiro concurso público internacional da subconcessão "Auto- Estradas do Centro" foi anulado mas também que o segundo concurso lançado com o mesmo objeto sofreu adiamentos sucessivos do prazo de apresentação de propostas, bem como os factos provados em sede de julgamento da matéria de facto, no quadro da resposta à questão litigiosa nº 11, matéria da qual é possível retirar, se não a caducidade das propostas apresentadas no concurso da EP - Estradas de Portugal, S.A. de outubro de 2009 para a adjudicação da subconcessão Auto-Estradas do Centro (como sustenta a Demandante), pelo menos que a situação de facto existente é de uma suspensão sine die do referido concurso.

Por conseguinte, é adequado tomar, na presente decisão, esta situação como permanente e estrutural, ou seja, como destinada a afetar a Concessão durante todo o período de vida do Contrato.

Isto sem prejuízo de que uma eventual modificação da situação de facto que passe pela efetiva construção e entrada em serviço do Lanço IC2 ou de outra alteração da rede viária que importe um efeito benéfico sobre a Concessão poderá sempre ser considerada nos termos legais.

A NÃO CONSTRUÇÃO DO IC2 COMO UMA MODIFICAÇÃO OBJETIVA, ESPECÍFICA, DIRETA E SUBSTANCIAL DAS CONDIÇÕES DE DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE CONCESSIONADA

A não construção do Lanço IC2, apesar de não importar uma modificação dos termos do Contrato de Concessão, teve sobre as receitas que ele é capaz de proporcionar à Demandante um efeito direto, já que limitou a capacidade de atração de tráfego pela Concessão, face à não continuação da autoestrada até Coimbra e mesmo face à impossibilidade de se constituir como uma alternativa aos condutores de autoestrada já existentes, e implicou uma "perda" de tráfego (no sentido de perda de tráfego potencial) entre cerca de 3.400 e cerca de 4.000 veículos por dia, correspondente a um aumento percentual entre cerca de 15,9% e 19,6%.

Esse impacto da não construção e entrada em serviço do Lanço IC2 sobre a Concessão afeta também especialmente o Contrato, porque se revelou que era sobremaneira relevante para a Concessão poder dispor dessa vantagem competitiva que se traduzia na ligação a sul através de uma autoestrada com o perfil que se assumiu iria ter o Lanço IC2. Não está em causa um efeito geral sobre a atividade económica decorrente desse ato do ente público que a Demandante suporte, como empresária, no mesmo plano dos demais agentes económicos, mas antes de um facto que provoca sobre a Concessão um efeito especial de diminuição da capacidade de atração de tráfego.

Em face da dimensão que esta perda de atratividade da Concessão assume, demonstrado fica ainda que a não construção e entrada em serviço do IC2 importa um efeito substancial sobre os termos em que é exercida a atividade concessionada, que se prolonga no tempo e não é, por isso, meramente conjuntural.

Conclui-se, portanto, que a não construção e entrada em serviço do IC2 constitui uma modificação objetiva, específica, direta e substancial das condições de desenvolvimento da atividade concessionada que decorre de ato unilateral do Concedente e que gera para a Concessionária um efeito de perda de receitas relativamente ao assumido nas previsões do Estudo de Tráfego da BAFO.

A ALOCAÇÃO CONTRATUAL DO RISCO DE NÃO CONSTRUÇÃO DO IC2

Outro ponto que cumpre aqui discutir é o da relação entre a alteração de pressupostos verificada e a distribuição contratual do risco; por quem corria, nos termos do Contrato, o risco da não construção do Lanço IC2?

A este respeito, o Demandado chama a atenção para o disposto nos números 86.1 e 86.2 do Contrato de Concessão, dos quais decorre que a Concessionária assume integral e exclusivamente todos os riscos inerentes à Concessão, designadamente o risco de tráfego.

Trata-se de uma questão muito pertinente a que é suscitada pelo Demandado, se tivermos em conta que, como acima se viu, o contrato é terreno próprio para se proceder a esta alocação de riscos entre as partes no contrato administrativo (ainda que, porventura, dentro de certos limites insuperáveis) e que as disposições em causa são particularmente contundentes quanto ao modo como nelas se declara fazer correr pela Concessionária a generalidade dos riscos da Concessão.

Sucede que, como acima se viu também já, isso não significa que tal assunção do risco pela Concessionária seja absolutamente irrestrita, e que não haja riscos que devam continuar a ser suportados pelo Concedente, como o risco político ou político-administrativo ligado a factos imputáveis à vontade do Concedente com impacto específico na Concessão.

Ora, a alteração verificada decorre de uma decisão pública de não construção do Lanço IC2, tomada pelo Estado no uso dos seus poderes de autoridade, que, não visando diretamente o Contrato de Concessão, o afeta direta e especificamente. Pode assim dizer-se, com PEDRO GONÇALVES, que o evento causador do desequilíbrio financeiro do Contrato se insere na zona de risco do ente público, ou seja, que integra o risco político assumido pelo Demandado.

Em face do exposto, julga-se preenchida, relativamente à não construção e consequente não entrada em serviço do Lanço IC2, a hipótese do número 88.1.a), segunda parte, do Contrato de Concessão: estamos perante uma modificação unilateral, imposta pelo Concedente, das condições de desenvolvimento das atividades concessionadas que importa para a Concessionária uma perda de receitas, que é capaz de atribuir à Demandante o direito à reposição do equilíbrio financeiro da Concessão.

Consequentemente, considera-se prejudicada a apreciação do fundamento subsidiário invocado pela Demandante, de a decisão de não construir o Lanço lC2, alegadamente expressa em vários atos formais do Estado que teriam alterado a Resolução do Conselho de Ministros n.º 181/2007, ser tida como uma alteração legislativa de carácter específico com impacto direto nas receitas das atividades concessionadas, assim se preenchendo a hipótese do número 88.1.c) do Contrato de Concessão.

O Demandado invoca, em contra-alegações de Direito, que existiria abuso do direito por parte da Demandante ao vir suscitar nesta ação a questão da frustração da base negocial relativamente à não construção do Lanço IC2, pois deveria ter antes reagido (i) quando tomou conhecimento da resposta às pronúncias em sede de audiência prévia; (ii) quando soube, em 18 de novembro de 2007, que o Demandado ordenara à EP, S.A., que lançasse o concurso para a construção de, entre outras vias, o Lanço IC2, sem definir o seu regime de portagem, a data da sua entrada em serviço, o seu traçado ou, sequer, o seu perfil; (iii) quando, em março de 2008, soube que a EP, S.A. lançara a concurso a construção do Lanço IC2 com portagem; (iv) e quando, em outubro de 2009, soube que a EP, S.A. lançara novo concurso para o Lanço IC2 de novo com portagem e sem perfil de autoestrada até que certo volume de tráfego se verificasse.

Afigura-se não ter razão o Demandado quanto a este ponto. Primeiramente, a Demandante reagiu logo em 28 de julho de 2011 e não somente com a propositura da ação, através de carta pela qual invocava a não construção do Lanço IC2 como fundamento de um pedido de reposição do equilíbrio financeiro da Concessão (alínea r) dos factos assentes; documento n.º 4 junto com a petição inicial).

Depois, quanto à resposta às pronúncias dos dois concorrentes em sede de audiência prévia, datada de 23.11.2007, esta, no juízo que o Tribunal acima fez, não é de molde a pôr em causa a situação de confiança da Demandante relativamente à construção do Lanço IC2.

Ainda por outra via, o que resulta dos factos provados, nomeadamente dos constantes das alíneas qq) a ww) e da resposta à questão litigiosa n.º 10, é que foram sendo praticados diversos atos, relacionados com o lançamento de concursos para a subconcessão Auto-Estradas do Centro, que, ao invés do que sustenta o Demandado, de certa forma sustentavam as expectativas de construção do Lanço IC2 -sendo certo que o prazo de apresentação de propostas no concurso lançado em 2009 foi por último prorrogado até 4 de fevereiro de 2010 (alínea ww) dos factos assentes).

Não se vê, por isso, que a reação da Demandante, em julho de 2011, seja tardia ou que seja contraditória com o seu comportamento anterior, em termos tais que a pudessem fazer incorrer em abuso do direito. …

Está provado na ação que a entrada em serviço desse lanço de autoestrada teria, em 2011, um impacto médio estimado na concessão D........... L........, a partir das previsões do Estudo de Tráfego da BAFO, que seria de um acréscimo de entre cerca de 3.400 e cerca de 4.000 veículos por dia, correspondente a um aumento percentual entre cerca de 15,9% e 19,6%.

Apurou-se também que esse é o impacto mínimo, podendo o impacto ser maior se o tráfego que viria do Lanço IC2 não se estabilizasse em 2011, mas somente nos anos seguintes.

E provou-se, ainda, que uma redução de tráfego médio diário anual (TMDA) igual a 19,6% no Caso Base (isto é, considerados os valores de tráfego do Caso Base) para todos os sublanços durante a vigência do Contrato de Concessão corresponde a uma diminuição das receitas de portagens num valor global de € 584.238.080,00 (a preços correntes).

Ao dizer-se que a construção e entrada em serviço do Lanço IC2 provocaria um acréscimo de tráfego em 2011, à luz das previsões do Estudo de Tráfego, que seria no mínimo de entre cerca de 3.400 e cerca de 4.000 veículos por dia (secção média ponderada - 3.385 e 4.028 veículos x km/km), está-se com isto a expressar que a parte que, no desvio verificado relativamente à estimativa de tráfego em que assentou a BAFO, é devida especificamente àquele fator é de pelo menos aquele número de veículos. Conforme foi amplamente debatido entre as Partes e esteve na base da redução do pedido feita pela Demandante em alegações de Direito, demonstrou-se em juízo que aquele desvio teve também outras causas, mas a única que aqui releva, por ser aquela que é suscetível de desencadear o mecanismo da reposição do equilíbrio financeiro, é justamente aquela que tem a ver com o facto do príncipe de não construção do IC2.

Uma vez que se trata de um valor mínimo, já que não ficou esclarecido se não poderia ainda haver algum efeito de ramp up nos anos seguintes que levasse a que a estabilização das consequências da não construção do IC2 viesse a ocorrer somente mais tarde, considera-se razoável que seja tomado como relevante o valor mais alto daquele intervalo, de 4.028 veículos por dia, correspondentes a um acréscimo de 19,6%.

Assinale-se que este valor de 19,6%, que foi indicado no Relatório de Perícia de Tráfego em resposta ao quesito 35, visa traduzir o crescimento de tráfego que seria provocado pela construção e entrada ao serviço do Lanço IC2 e não o decréscimo de tráfego provocado pela não existência do referido Lanço IC2. Ora, uma vez que o que está em causa na ação é a redução do tráfego por referência às previsões do Estudo de Tráfego da BAFO, entende-se que o valor percentual relevante não será de 19,6%, mas de 16,3%, que é o que corresponde à apontada diminuição de 4.028 veículos por dia relativamente a um total estimado de 24.775 veículos por dia.

Dir-se-á que temos aqui os elementos de que carecemos para determinar o montante da compensação que será necessário para operar a reposição do equilíbrio financeiro do Contrato. Um conjunto de problemas tem ainda, porém, de ser encarado.

ALCANCE DO RECURSO AO CASO BASE

Em primeiro lugar, cabe perguntar se o desvio que releva deve ser aquele que se verifica entre os valores estimados no caso base e os que resultem da correção dessa estimativa que se considere ser devida em função da não construção do Lanço IC2 ou se, diversamente, se deverá considerar a concreta diferença entre o tráfego que circula na concessão e aquele que circularia se aquele lanço de estrada estivesse construído e em serviço.

A opção pela segunda via indicada leva a que a reposição do equilíbrio financeiro se faça numa lógica indemnizatória mais próxima da responsabilidade civil: o Demandado teria que pagar à Demandante uma quantia que a ressarcisse da diminuição do número de veículos que efetivamente circulam na Concessão (ou mais rigorosamente, do não aumento do tráfego) em resultado da não construção do IC2, sem recurso ao caso base. Se, por hipótese, se apurasse que a não construção do Lanço IC2 importou no não aumento de 4.000 automóveis por dia na Concessão, haveria que atribuir à Demandante uma indemnização que a compensasse de tal "perda", indemnização essa que seria igual à valorização da diferença entre o número total de veículos que efetivamente circulam na Concessão e o número dos que circulariam se o Lanço IC2 estivesse em funcionamento.

A aplicação deste critério indemnizatório esbarra, porém, parece-nos, na escolha de um diferente critério de reposição do equilíbrio financeiro que foi feita pelas Partes no Contrato -escolha essa que, diga-se, está em sintonia com o entendimento da doutrina.

É que o Contrato de Concessão, em matéria de reposição do equilíbrio financeiro, não manda reparar danos, mas sim restaurar a proporção financeira do Contrato, e prevê, ainda, que isso seja alcançado por recurso ao caso base -que este forneça, em suma, o critério que se deverá utilizar para operar tal reposição. Ora, como bem assinala a Demandante nas suas alegações, se o critério de determinação da compensação fosse o indemnizatório, onde é que ficava a utilização do caso base? Para que é que este servia, afinal, num cenário em que o montante a entregar pelo Demandado à Demandante se destinasse a pagar o valor correspondente ao dano apurado, ou seja, o valor da perda de receita da Demandante decorrente do número de veículos que circula a menos na Concessão? Para nada, efetivamente.

O que respeita o comando do Contrato é, antes, jogar com a estimativa de tráfego constante do caso base, que é aquela que foi utilizada pela Demandante nos cálculos que fez para determinar a rendibilidade da Concessão que lhe proporcionaria um certo equilíbrio financeiro, e apurar em que medida é que a não construção do Lanço IC2 obriga a uma correção dessa estimativa.

Como se disse, o Tribunal, ainda que reconhecendo a delicadeza da questão, considera que esta última opção é aquela que está de acordo com a escolha feita no número 86.1 do Contrato e com, reconheça-se, aquilo que em geral se entende ser a lógica subjacente a estes processos de reposição do equilíbrio financeiro, que não é de uma pura e simples indemnização de danos mas, antes, de preservação das perspetivas de obtenção de um ganho por parte do concessionário -perspetivas que, em rigor, em contratos assentes em modelos de project finance, não são somente dele mas também dos próprios bancos financiadores, que aceitam financiar o projeto a partir da análise que fazem da viabilidade do negócio tal como ele resulta do caso base, ou seja, da assunção de que o exercício da atividade concessionada se irá fazer em circunstâncias que gerarão determinados fluxos financeiros que serão suficientes para satisfazer os encargos com o financiamento.

É essa a função do caso base, de permitir que se determine uma certa relação que deve ser mantida entre os rendimentos e os custos do Concessionário, que as Partes aceitaram corresponder a um modelo de equilíbrio contratual e que deve ser reposta quando o desequilíbrio se deve a um facto que provém da zona de risco do contraente público.

Deve ter-se em conta, a este respeito, que a remissão para o caso base é feita não somente no Contrato de Concessão, mas também nas respetivas Bases, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 392-A/2007, de 27 de setembro, dispondo a Base 83 que "o Caso Base representa a equação financeira com base na qual é efetuada a reposição do equilíbrio financeiro da concessão ".

Assinale-se também que era para uma reposição do equilíbrio financeiro assente no caso base que apontava já, à época do Contrato de Concessão, o regime aplicável às parcerias público-privadas constante do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de julho, cujo artigo 14.º-C, n.º 4 dispunha que "a aferição do equilíbrio financeiro da parceria tem em conta o modelo financeiro que constituí o respetivo caso-base".

O Contrato de Concessão prevê que a reposição do equilíbrio financeiro se faça por forma a que a TIR acionista e o Rácio de Cobertura Anual do Serviço da Dívida Sem Caixa sejam repostos nos valores definidos no Anexo 9 ao Contrato, no qual se estipula que os valores mínimos dos critérios chave constantes do caso base são os seguintes: (a) Rácio de Cobertura Anual do Serviço da Dívida Sem Caixa: 1,20; (b) TIR Acionista, em termos nominais, para todo o prazo da Concessão: 6,83%.

É, pois, de acordo com o apontado critério que deverá ser feita a reposição do equilíbrio financeiro da Concessão.

Isto posto, entende o Tribunal não dever alterar a decisão provisoriamente proferida em sede de despacho saneador relativamente à matéria do pedido deduzido pelo Demandado sob a alínea e), que visava que se ordenasse à Demandante "que indique nos autos o valor do lucro por si projetado para o período pelo qual reclama do Estado indemnização fundada na teoria da imprevisão".

Como se referiu nesse despacho, a questão suscitada pelo Demandado contende com o que este alega, nomeadamente, nos arts. 182 e 183 da contestação, sobre o que considera ser a necessidade de se indicar qual o valor do lucro projetado para o período afetado pela alteração das circunstâncias, quando o pedido indemnizatório se funda na teoria da imprevisão.

Ora, a tutela concedida à pretensão da Demandante não se funda no regime da alteração das circunstâncias e a reposição do equilíbrio financeiro do Contrato não se fará segundo uma lógica estritamente indemnizatória nos termos referidos pelo Demandado, pelo que não se justifica aceder àquela pretensão.

Ao que acresce que, conforme também adiantado no despacho saneador, não parece que coubesse nos poderes do Tribunal Arbitral convidar a Demandante a completar ou a aperfeiçoar a sua petição inicial.

A QUESTÃO DOS "DANOS FUTUROS"

Uma segunda questão que aqui se coloca tem a ver com o facto de a matéria provada se reportar somente à quantificação do desequilíbrio decorrente da não construção do IC2 em 2011, mas já não relativamente ao que ocorrerá nos anos subsequentes da Concessão.

Todavia, entende o Tribunal que a matéria provada permite assumir, com razoável segurança, que o efeito de "perda de tráfego" decorrente da não construção do IC2 que se julgou verificado em 2011 tem carácter permanente, ou seja, subsistirá enquanto a situação de facto não se alterar por efeito de uma eventual entrada ao serviço da referida estrada, facto que não se demonstrou, neste momento, ser provável que ocorra na vigência da Concessão.

Aliás, o valor apurado para 2011 foi até um valor mínimo, pois que se verificou que o impacto da construção do IC2 sobre a Concessão seria maior do que um acréscimo de tráfego de entre 15,9% e 19,6% se o tráfego que viria do Lanço IC2 não se estabilizasse em 2011, mas somente nos anos seguintes.

Por conseguinte, considera o Tribunal que não deixará de ser prudente no seu juízo se aceitar que o desvio apurado relativamente ao tráfego esperado em 2011 por efeito da não construção do Lanço IC2 se manterá ao longo de toda a vida da Concessão.

Nessa medida, o Tribunal não acompanha a alegação do Demandado na parte em que este invoca a impossibilidade de consideração de "danos futuros" não provados na ação.

A CONSIDERAÇÃO DO CONTRIBUTO DA DEMANDANTE PARA A CRIAÇÃO DE UMA SITUAÇÃO DE CONFIANÇA

Uma terceira questão a ter em conta nesta sede de definição do modo de cálculo do montante necessário à reposição do equilíbrio financeiro da Concessão versa sobre a eventual ponderação, nesta sede, daquilo que acima se qualificou como alguma menor cautela da Demandante na não obtenção junto da contraparte, em sede negocial, de uma posição mais explícita sobre a construção e entrada em serviço do Lanço IC2. Poderá algum contributo da "atuação do lesado", nessa fase decisiva da formação da sua vontade de contratar, ser tido em conta neste momento em que se está a tratar de apurar um critério de determinação do valor da quantia que lhe deverá ser atribuída de modo a obter o reequilíbrio financeiro do Contrato?

Já se disse que a lógica desta reposição financeira não é puramente ressarcitória, pelo que, à partida, não têm por que se aplicar aqui as regras da responsabilidade civil, em particular as relativas à determinação das consequências do facto danoso, entre as quais a do artigo 570.º do Código Civil.

É legítimo inquirirmo-nos, porém, se a referida norma da lei civil não é um precipitado de um princípio geral do nosso Direito, de autorresponsabilização por condutas que signifiquem uma deficiente proteção dos próprios interesses e que, apesar de não gerarem qualquer reprovação por parte do ordenamento jurídico, podem ser fonte de imputação de consequências patrimoniais desvantajosas.

Aceitando que este princípio de autorresponsabilidade por opções livres que vêm a revelar-se desfavoráveis tem virtualidades que ultrapassam o estrito domínio da responsabilidade civil, o Tribunal considera razoável que na fixação do quantum adequado à reposição do equilíbrio financeiro da Concessão se atenda ao contributo da atuação da Demandante na fase negocial para a produção do efeito que a não construção e entrada em serviço do Lanço IC2 veio a ter sobre o equilíbrio financeiro da Concessão.

Para o efeito, o Tribunal entende ser adequado que se reduza em 8 (oito) pontos percentuais o valor do desvio a atender para efeitos do cálculo dos montantes necessários à reposição financeira, pelo que este deverá ser de 8,3%.”»

*

III. O DIREITO

AEDL – Auto-Estradas do Douro Litoral apresentou, no Centro de Arbitragem Comercial, contra ESTADO PORTUGUÊS – representado pelo IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes - requerimento pedindo a condenação do Réu a repor o equilíbrio financeiro da concessão Douro Litoral.

O Tribunal Arbitral condenou o Estado:

“- A indemnizar o agrupamento empresarial AEDL, repondo o equilíbrio financeiro da Concessão Douro Litoral, pagando-lhe:

- Um montante de 725.479,00 EUROS,

- Outro montante de 3.110,41 EUROS,

- Os montantes correspondentes às quantias que a então demandante pagou na pendência da ação arbitral referentes às tarifas de SIEV e TRIR acrescidos de juros de mora,

- Os montantes correspondentes às quantias que a AEDL venha a pagar referentes às tarifas do SIEV e à TRIR que lhe vierem a ser aplicadas, e

- Uma compensação monetária faseada, por conta da não construção e não entrada em serviço do Lanço IC2, sendo 42 milhões de Euros relativamente a 31-12-2011 e a data da decisão arbitral e um total de cerca de 94 milhões de euros até maio de 2026.”

Inconformado, o Estado instaurou, no TCA Sul, ao abrigo do art.ºs 46.º da LAV e 185.º-A do CPTA, contra a AEDL – Auto-Estradas do Douro Litoral ação pedindo a declaração de nulidade parcial do referido Acórdão Arbitral com fundamento na violação pelo mesmo do dever de fundamentação.

O Estado veio, assim, pedir ao TCAS a declaração de nulidade parcial da decisão arbitral proferida com base no vício de falta de fundamentação.

E é a decisão deste tribunal que negou provimento a este recurso por entender que nas decisões arbitrais é menor a exigência de fundamentação que está aqui em causa.

Neste recurso ao abrigo do disposto no artigo 150.º/1 do CPTA vem o Estado invocar as seguintes nulidades:

1_Nulidade da decisão arbitral [por falta de fundamentação quanto à convicção pré-contratual da AEDL] por ausência total de explicação das razões porque se decide de uma determinada maneira;

2_ Nulidade do acórdão arbitral por declaração de que certo facto ficou provado [por falta de fundamentação quanto à convicção pré-contratual da AEDL – respeitante à expressão «ambiente de convicção generalizada»], o que não é verdade.

3_Nulidade da decisão arbitral por não se encontrar o fundamento da fixação em oito pontos percentuais da co-responsabilização da AEDL na formação da sua própria convicção pré-contratual;

4_ Nulidade por falta de compreensão da possibilidade de fundamentação da atribuição de compensação reparatória [não indução de tráfego nos anos de 2012 a 2034].

5_Nulidade por violação da cláusula compromissória nomeadamente o recurso à equidade.

6_Nulidade por falta absoluta de fundamentação da declaração de existência do direito ao reequilíbrio financeiro da ora recorrida.

Em 1º lugar convém referir, desde logo, que a decisão aqui sindicada não é o acórdão arbitral, mas a decisão do TCAS.

Pelo que se entende que o Estado quis sindicar a decisão do TCAS que decidiu as questões ali postas invocando o erro deste ao não dar provimento aos mesmos fundamentos que então invocara.

O Acórdão recorrido justificou a sua decisão no seguinte discurso jurídico:

“A Lei da Arbitragem Voluntária nada diz … sobre o tipo ou a densidade da fundamentação das decisões arbitrais (v. artigo 42º/3).

O dever de fundamentação das decisões arbitrais, em sede de arbitragem nacional, poderia assim constituir, desde logo, uma garantia das partes contra o arbítrio do julgador, mesmo que estas tenham uma grande confiança na arbitragem e, em particular, nos juízes-árbitros escolhidos para resolver o litígio.

Mas, em sede da (muito) diferente arbitragem comercial internacional, pelo menos, também existem vantagens compreensíveis na dispensa da fundamentação da decisão final, quais sejam a promoção da celeridade do processo, o aumento do grau de confidencialidade dos factos objeto do litígio e a dificuldade de impugnar a decisão arbitral nesse contexto internacional, conferindo-lhe, assim, um caráter mais definitivo …..

Nas ações de anulação de decisões arbitrais, no âmbito das arbitragens voluntárias (ad hoc) (não tratamos aqui da arbitragem forçada ou necessária, naturalmente excecional e subsidiária), aquilo que resulta…. é o seguinte:

(1) - as entidades arbitrais ad hoc portuguesas seriam verdadeiros tribunais (vd. artigos 110º e 209º/2 da CRP);

(2) - tais entidades, porém, não seriam – e não são – órgãos de soberania segundo a CRP (vd., no entanto, o artigo 110º da CRP);

(3) - embora tais entidades fossem tribunais sem serem órgãos de soberania portugueses,

(4) qualquer fundamentação de facto e ou de direito das decisões arbitrais é aceitável e insindicável, desde que essa fundamentação seja inteligível.

(5) E é assim, não apenas no âmbito dos litígios relacionados com atividades económicas privadas, mas também quando estão em causa interesses públicos e dinheiros públicos (aqui são mais de 213 milhões de euros); dinheiros públicos cuja disciplina é, porém, e por princípio, muito rigorosa, dependente de um heterocontrolo técnico-financeiro e jurídico-financeiro, tudo com expressa base constitucional.

E assim é, independentemente de uma “fundamentação meramente formal” poder trazer sérios inconvenientes contra o erário público ou de a execução coerciva da decisão arbitral competir a uma jurisdição a se, no sentido da jurisdictio estadual ou soberana.….

- Qualquer fundamentação de facto e ou de direito das decisões arbitrais, em arbitragem voluntária, é aceitável e insindicável, desde que a fundamentação apresentada seja inteligível.

O fundamento de tal afirmação ou conclusão jurídico-legal, quanto à arbitragem voluntária nacional, que aqui temos de adotar, é, consabidamente, o seguinte:

i)- Não há lugar ao reexame do mérito da decisão arbitral, o que aliás resulta da Convenção de Nova Iorque de 1958, que vincula Portugal;

ii)- Como não há tal reexame (uma vez que as partes resolveram obter justiça privada), o dever constitucional de fundamentação poderá ser meramente formal e uma mera exigência de inteligibilidade; é assim irrelevante, nesta sede, o argumento …. de que as resoluções imparciais e justas de conflitos jurídicos deveriam também se esforçar, com o máximo rigor, para convencer também as partes e a comunidade jurídica em geral (cf. o Ac. do TC nº 27/2007);

iii)- Assim, as decisões arbitrais apenas terão o dever de dizer, de modo entendível, o direito, no que aos três elementos da fundamentação diz respeito (factos provados e não provados; motivação da decisão de facto; aplicação do direito objetivo);

iv)- A fundamentação das decisões arbitrais em arbitragem voluntária pode, por isso, ser deficiente, incompleta, insuficiente, ligeira, medíocre ou errada, continuando essas decisões a serem lícitas e insindicáveis, ou seja, definitivas; o que bem se compreende dada a natureza da arbitragem voluntária;

v)- Assim, o padrão jusprocessual, de transparência e de legitimação comunitária da decisão arbitral, é diferente e menos exigente na justiça privada realizada pelas arbitragens voluntárias, quando comparado com o padrão exigido aos tribunais judiciais ou aos tribunais administrativos e fiscais (cf. artigo 607º/3/4 do CPC);

vi)- O paradigma da decisão arbitral em arbitragem voluntária é, pois, a busca da célere e discreta decisão definitiva (o que sempre poderia implicar uma enorme exigência de fundamentação, se o legislador o decidisse);

vii)- A CRP, nesta matéria, autoriza que a lei ordinária seja menos exigente relativamente aos árbitros jurídicos (em arbitragem voluntária) do que aos juízes do Estado, embora, seguramente, desde que não estejam em causa direitos-liberdades-e-garantias.…..

Portanto, o dever de fundamentar decisões que resolvam litígios jurídicos tem, i.e., no âmbito da arbitragem voluntária segundo a LAV/2011, a seguinte característica compósita intrínseca:

1ª - qualquer fundamentação de facto das decisões arbitrais é de aceitar e é insindicável ou definitiva, desde que a fundamentação apresentada seja inteligível;

2ª - qualquer motivação do julgamento da matéria de facto é de aceitar e é insindicável, desde que a motivação apresentada seja inteligível; e

3ª - qualquer fundamentação de direito é de aceitar e é insindicável, desde que a fundamentação apresentada seja inteligível.

E inteligível quer dizer: entendível, compreensível, claro, acessível. Nada mais.

Fundamentar, aqui, é apenas expor um texto escrito, sobre o objeto do processo, que um jurista médio entenda. Nada mais. O que, naturalmente, não significa que os jusárbitros ad hoc não possam ou não exponham uma fundamentação de facto e uma fundamentação de direito completas, profundas e claras.

Em conclusão, uma decisão arbitral, em arbitragem voluntária, segundo a Lei da Arbitragem Voluntária (como na arbitragem comercial internacional), só poderá ser anulada por um tribunal (de entre os referidos no artigo 110º da CRP) se o seu discurso fundamentador for incompreensível, obscuro ou inacessível ao comum e mediano dos juristas.….

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em absolver a ré do pedido, indeferindo o pedido de declaração de nulidade da decisão arbitral cit.”

Está aqui, pois, em causa a decisão do TCAS que entendeu que a decisão arbitral não padecia de falta de fundamentação com os argumentos supra transcritos.

Desde logo há que ter presente que a nulidade das decisões judiciais por falta de fundamentação implicam que ocorra uma absoluta falta de fundamentação como resulta do art. 615º do CPC.

Nos termos do nº 1 deste preceito é nula a decisão judicial :

“...b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;...”

Tem sido jurisprudência corrente que a nulidade da alínea b) apenas se verifica quando:

_haja falta absoluta de fundamentos, e não quando a justificação seja apenas deficiente, medíocre ou errada, visto o tribunal não estar adstrito à obrigação de apreciar todos os argumentos das partes.

_apenas abrange a falta de motivação da própria decisão e não a falta de justificação dos respetivos fundamentos.

Como vem entendendo uniformemente no STA, com apoio no próprio texto desta disposição, só se verifica tal nulidade quando ocorra falta absoluta de fundamentação.

Ver a este propósito os Acórdãos do STA de 20.05.2015 (proc. 050/15) e de 25.07.2012 (proc. 027/12), entre muitos outros.

É certo que o art. 46º subalínea vi) da alínea a) do n.º 3 da LAV prevê a anulação de decisões arbitrais por violação do dever de fundamentação.

Pelo que se impõe a interpretação do mesmo que dispõe:

“Da impugnação da sentença arbitral

Artigo 46.º

Pedido de anulação

1 - Salvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 39.º, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no presente artigo.

2 (...) 3 - A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se: (...)

vi) A sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.ºs 1 e 3 do artigo 42.º; ou (...)”

Por sua vez o artigo 42.º dispõe:

“Forma, conteúdo e eficácia da sentença

1 - A sentença deve ser reduzida a escrito e assinada pelo árbitro ou árbitros. Em processo arbitral com mais de um árbitro, são suficientes as assinaturas da maioria dos membros do tribunal arbitral ou só a do presidente, caso por este deva ser proferida a sentença, desde que seja mencionada na sentença a razão da omissão das restantes assinaturas.

2 - Salvo convenção das partes em contrário, os árbitros podem decidir o fundo da causa através de uma única sentença ou de tantas sentenças parciais quantas entendam necessárias.

3 - A sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º (...)”

Ora, não vemos porque não entender que esta exigência de fundamentação corresponde à exigência de fundamentação das sentenças judiciais.

Só que o desvalor da falta de fundamentação das decisões judiciais corresponde à nulidade e nas decisões arbitrais corresponde à anulabilidade, não obstante a falta de fundamentação quer de uma quer de outra seja sempre a de uma ausência absoluta de fundamentação.

Ou seja, as situações extremas em que a falta de fundamentação conduz à ininteligibilidade da decisão, por ausência total da enunciação dos fundamentos de facto ou de direito, por oposição de tais fundamentos com o resultado alcançado a final ou, por ambiguidade ou obscuridade que impossibilite os destinatários de a compreender.

Não se vê, pois, que resulte do referido preceito da LAV a existência de qualquer diferenciação quanto às exigências de fundamentação das decisões arbitrais e a fundamentação das decisões judiciais.

Daí que está suficientemente fundamentada a decisão arbitral que enuncia, de forma perfeitamente inteligível e apreensível pelos respetivos destinatários, os fundamentos factuais e normativos da decisão, tornando percetível o iter lógico jurídico seguido na resolução do litígio.

As consequências a nível de recurso é que serão distintas consoante estejamos perante uma decisão arbitral ou uma decisão judicial.

Quando a fundamentação de uma decisão judicial não acarrete a sua nulidade, mas possa ter deficiências pode a mesma ser objeto de recurso para as instâncias hierarquicamente superiores com fundamento em erro da mesma.

O que já não acontece com as decisões arbitrais por as mesmas não poderem ser objeto de recurso para os tribunais estaduais com esse fundamento.

Vejamos, então, se a decisão arbitral está fundamentada nos termos exigíveis por lei ou se padece de uma absoluta falta de fundamentação da decisão arbitral, por falta de enunciação da matéria de facto ou das razões jurídicas que ditaram o resultado obtido ou qualquer deficiência que a torne ininteligível para os seus destinatários.

Quanto ao modo como o Tribunal arbitral valorou cada um dos elementos probatórios de que dispunha, ou seja, a forma como apreciou criticamente a prova produzida ou ponderou as versões fáctico-jurídicas carreadas pelas partes, tal não implica falta de fundamentação a não ser que ponham em causa as exigências do parágrafo anterior.

Vejamos, então, se a fundamentação da decisão arbitral aqui em causa obedece ou não à fundamentação legalmente exigida.

Quanto à primeira alegada nulidade entende-se que o Estado suscita um pretenso erro de julgamento conexo com a eventual insuficiente apreciação crítica que foi feita pelo Tribunal Arbitral dos cinco documentos com base nos quais considerou fundada a convicção pré­contratual da aqui recorrida quanto à construção do Lanço IC2, sendo que a decisão contém a fundamentação de facto e de direito exigida, pelo que improcede a arguida nulidade.

De notar que é evidente que as partes podem achar a fundamentação não convincente ou, até, errada, mas isso não as habilita a arguir a nulidade da decisão arbitral, extravasando o vício acometido uma discordância da parte vencida relativamente ao juízo probatório que fez vencimento na decisão arbitral.

Quanto à segunda alegada nulidade temos que mesmo que a referência factual (que se reconduz a um facto instrumental) não tivesse apoio na matéria provada pelo Tribunal tal corresponderia a um erro da decisão que não comprometeria a sua inteligibilidade, razão pela qual, contendo a fundamentação imposta, improcede igualmente este fundamento de nulidade acometido à decisão arbitral.

Quanto à terceira nulidade, relativa à repartição de culpas na formação da convicção pré-contratual [fixação do valor da co-responsabilidade da AEDL na formação da sua convicção pré-contratual] sempre não estaríamos no âmbito de uma falta de fundamentação, pois a motivação do juízo consta da decisão arbitral, dela sendo parte integrante, mostrando-se explicitada e enunciada de modo inteligível, sendo percetível o iter lógico jurídico seguido, na certeza de que a discordância com o juízo envolverá erro de julgamento.

Quanto à quarta e sextas alegadas nulidades, quanto ao modo como o Tribunal apurou o nível de não indução de tráfego na concessão entre os anos de 2012 e 2034 e o modo como, na sequência desse apuramento, o repercutiu no dever de o Estado proceder ao seu reequilíbrio, o percurso decisório estribou-se numa argumentação linear e perfeitamente inteligível, fundada em factos dados por provados e em considerações técnicas e jurídicas consideradas pertinentes, pelo que apenas poderíamos estar no âmbito da suficiência ou insuficiência e não da sua inteligibilidade, e, nessa medida, tem-se como improcedente, também, a arguição de tais nulidades.

Quanto à quinta nulidade invocada, o facto de estarmos ou não perante uma fundamentação presuntiva ou por equidade sempre se passaria no âmbito do erro na fundamentação e não na falta de fundamentação da mesma, o que conduz à improcedência da arguição.

Em suma, nenhuma das alegadas faltas de fundamentação imputadas como de seis nulidades ao Acórdão Arbitral aqui em causa são suscetíveis de conduzir à anulação da decisão arbitral como pretende o aqui recorrente por não estarmos no âmbito de situação em que haja sido inobservada o dever de fundamentação tal como previsto no art. 46º subalínea vi) da alínea a) do n.º 3 da LAV, sendo que inexiste qualquer absoluta falta de fundamentação nos termos do art. 615º, n.º 1, als b) e c) do CPC.

Pelo que, é de manter a decisão recorrida do TCAS nos termos e com a fundamentação antecedente, improcedendo o recurso.

*

Em face de todo o exposto, acordam os juízes deste STA em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida com a presente fundamentação.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 11 de Setembro de 2019. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.