Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0841/11
Data do Acordão:05/08/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRC
TRIBUTAÇÃO DE SUJEITOS PASSIVOS NÃO RESIDENTES
PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
CONHECIMENTO DO ACTO
Sumário:I – Estando em causa a retenção na fonte, a título definitivo, de IRC incidente sobre rendimentos, obtidos por entidades não residentes, que não sejam imputáveis a estabelecimento estável situado em território português (arts. 88º, nº 3 e 5 e 80º, nº 2, al. e) do CIRC, na redacção do decreto-lei 198/2001, de 3 de Julho) o facto gerador do imposto considera-se verificado na data em que ocorra a obrigação de efectuar aquela.
II – Devendo o facto gerador do imposto considerar-se verificado na data em que ocorra a obrigação de efectuar a retenção na fonte, ou seja, na data do pagamento ou da colocação dos rendimentos à disposição do seu titular, também a taxa de câmbio (USD/Euro) a considerar no cálculo da retenção na fonte devida pelo pagamento ao fornecedor não residente deverá ser aquela que vigorar no momento da colocação do rendimento à disposição e não aquela que vigorar no momento em que a factura for recepcionada e lançada na contabilidade.
III – O artº 49º do RCPIT aplica, no domínio tributário, o princípio da comunicação previsto no art . 55.°, n.° 1 do C. P. Administrativo.
IV – No entanto o não cumprimento de tal formalidade não gera a anulabilidade da decisão do procedimento, degradando-se tal formalidade em mera irregularidade, sem efeitos invalidantes, se ao interessado foi dado conhecimento do procedimento e do seu objecto a tempo de nele participar e se lhe foi dada a possibilidade legal de exercer o seu direito de audição durante o procedimento inspectivo.
Nº Convencional:JSTA00068250
Nº do Documento:SA2201305080841
Data de Entrada:09/22/2011
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:CIRC01 ART88 N3 N5 N6 ART80 N2 E ART8 N8 B
RCPIT98 ART49 N1 N2 N3 ART50 ART51 N1
CIRS ART98
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0887/07 DE 2008/01/31
Referência a Doutrina:RUI MORAIS - APONTAMENTOS AO IRC
LEITE DE CAMPOS E BENJAMIM RODRIGUES E JORGE DE SOUSA - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA 3ED PAG592
ANTÓNIO DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 2ED PAG211
ESTEVES DE OLIVEIRA E GONÇALVES DA COSTA E PACHECO DE AMORIM - CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINSTRATIVO COMENTADO 2ED PAG438
CASALTA NABAIS - DIREITO FISCAL 6ED PAG363
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I – A…………….., SA., com os sinais dos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 28 de Abril de 2011, que julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC referente ao ano de 2002, na parte (1281,69 €) que se reporta ao facto da retenção na fonte e correspondente entrega de imposto ao Estado, no pagamento ao fornecedor “B…………”, não ter sido efectuada à taxa de câmbio Dólar/Euro em vigor à data desse pagamento.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«50. As disposições legais invocadas pela AF para sustentar a correcção em questão - os artigos 80º nº 2 e), 88º nº 3 e 5, 106º nº 2 e 5 do CIRC e 28º da LGT — não prescrevem a obrigatoriedade de aplicar, para efeitos de retenção na fonte (e respectiva entrega ao Estado), a taxa de câmbio em vigor no momento do pagamento ou colocação dos rendimentos à disposição.
51. Nessa medida, e contrariamente ao decidido, a fundamentação administrativa desta correcção padecia e padece de errónea fundamentação de Direito.
Por outro lado,
52. Contrariamente ao preconizado na douta Sentença, a taxa de câmbio aplicável deve ser aquela que vigorar no momento da recepção e contabilização da factura emitida pelo fornecedor extra-comunitário.
53. Porque é nesse momento que a factura é contabilizada e o respectivo imposto a reter na fonte apurado — designadamente, por força dos princípios fundamentais da contabilidade e da normalização contabilística da especialização e do custo histórico, imanências do princípio fundamental constitucional da tributação do rendimento real (cfr. 17º nº 1 e nº 3 e 18º do CIRC, 104º nº 2 da CRP e POC, aprovado pelo DL nº 410/88, de 21/11).
54. Viola, assim, a douta Sentença, o preceituado nestes normativos.
55. Estando em causa custos com comissões pagas a um fornecedor de serviços extra-comunitário, não poderia o contribuinte nacional deixar de contabilizar a respectiva factura e os impostos daí decorrentes à taxa de câmbio em vigor aquando dessa contabilização, irrelevando a taxa ele câmbio que eventualmente vigorasse posteriormente, aquando do pagamento da factura.
56. A obrigação de retenção na fonte, por força do disposto nos artigos 98º e ss. do CIRS, ex vi do artigo 88º nº 6 do CIRC, nasce no momento em que a entidade devedora dos rendimentos os paga ou coloca à disposição.
57. Contudo, o momento do nascimento desta obrigação tributária nada tem que ver com o valor da retenção na fonte a efectuar e a entregar nos cofres do Estado; são questões absolutamente distintas.
58. Por conseguinte, a douta Sentença interpreta e aplica erradamente o disposto nos sobreditos artigos 98º e ss. do CIRS e 88º nº 6 do CIRC.
59. Sendo a taxa de retenção na fonte (no caso, de 15%) incidente e tendo por base os rendimentos ilíquidos a pagar, e sendo estes convertidos para Euros à taxa de câmbio em vigor aquando da recepção e contabilização da factura, não poderia o valor da retenção na fonte a entregar nos cofres nacionais ser definido segundo uma taxa de câmbio diferente.
60. Com efeito, seria de uma total incoerência contabilizar o valor total da factura por um valor em euros segundo a taxa de câmbio em vigor à data dessa mesma contabilização, e contabilizar 15% desse mesmo valor total segundo uma taxa de câmbio completamente distinta.
Por outro lado,
61. Contrariamente ao decidido, o não envio, por parte da AF, da carta-aviso do início da inspecção que subjaz à liquidação aqui impugnada, viola o disposto no artigo 49º nº 1, 2 e 3 do RCPIT.
62. Contrariamente ao que se afirma na douta Sentença, do disposto nos artigos 66º da LGT e 54º do CPPT, que consagram o princípio da impugnação unitária do acto de liquidação, resulta que é precisamente na impugnação do acto de final de liquidação que o contribuinte pode e deve invocar qualquer ilegalidade anteriormente cometida, designadamente na inspecção externa que esteve na génese e fundamento da liquidação final.
63. Conforme factualidade provada, não restam quaisquer dúvidas de que a inspecção em causa está umbilicalmente ligada à liquidação aqui impugnada — aquela constituiu a causa e fundamento desta.
64. Nos termos do artigo 11º do RCPIT, o procedimento de inspecção tributária tem um carácter preparatório e acessório dos actos tributários ou em matéria tributária sequentes, de modo que é inquestionável a relação próxima de causa-efeito entre a inspecção tributária e o acto final de liquidação que nela assenta.
65. O artigo 50º do RCPIT enumera expressamente os casos, excepcionais, em que o legislador dispensou a sobredita “carta-aviso” - e em nenhum deles cabe a situação “sub judice”.
66. Por força do artigo 59º nº 3 l) da LGT, uma das expressões do dever legal de colaboração da AF com o contribuinte reside precisamente na obrigação de “Comunicação antecipada do início da inspecção da escrita, com a indicação do seu âmbito e extensão e dos direitos e deveres que assistem ao sujeito passivo”.
67. A “carta-aviso” em questão assume um cariz absolutamente fundamental, manifesto, precisamente, no facto de constituir uma comunicação antecipada, ao contribuinte, dos direitos que lhe assistem no decurso do procedimento inspectivo.
68. Nessa medida, a “carta-aviso” integra-se no domínio das “garantias dos contribuintes”, no âmbito do qual, e por força do disposto no artigo 103º nº 2 da CRP, não se perspectiva como é que se possa minimizar semelhante formalidade, degradando-a em “não essencial” e, por via disso, dispensável, como se não existisse lei que impusesse precisamente o contrário, i.e. a sua observância.
69. Sendo certo que a AF, designadamente na sua actividade inspectiva, está sujeita ao princípio da legalidade (cfr. artigos 55º da LGT, 3º nº 1 do CPA, 103º nº 3 e 266º nº 2 da CRP).
70. Ao decidir diferentemente, a douta Sentença viola as sobreditas normas legais e princípios jurídicos.
II- Não foram apresentadas contra alegações.

III- O Exmº Magistrado do Mº Pº emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, argumentando, em síntese, que não ocorreu violação de regra referente ao princípio da tributação do lucro real, e que da não aplicação do art. 49° do R.C.I.T. não resulta que tenha ocorrido violação do princípio da legalidade.

IV- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

V – Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
a) A impugnante foi alvo de uma acção inspectiva que incidiu sobre os exercícios de 2001 e 2002, tendo em vista a conformação de reembolso solicitado por um fornecedor não residente e confirmação dos pressupostos para aplicação das convenções para evitar a dupla tributação internacional, nomeadamente existência e validade de certificados de residência (cf. relatório da acção inspectiva — fls. 14 a 43 dos autos).
b) Em relação ao exercício de 2002 apurou-se que “A empresa foi notificada através do nosso ofício nº 349595 de 27 de Dezembro de 2004, para apresentar os certificados válidos e os originais em falta para o exercício de 2002.
A empresa encetou todos os esforços para colmatar a falta de certificados apresentando modelos 12-RFI para o exercício em questão, certificado pelas autoridades da residência do respectivo fornecedor. No entanto até á presente data não foram apresentados os Modelos 12-RFI ou certificados originais válidos para os seguintes fornecedores:





O sujeito passivo não comprovou assim a residência fiscal dos seus fornecedores não residentes, não podendo pois accionar as respectivas convenções para evitar a dupla tributação, sendo devida retenção na fonte à taxa de 15% nos termos do disposto no art. 83°, n°3 e 5 do CIRC e art. 80°, n°2 alínea e) do CIRC (cf. fls. 20 dos autos).
c) Concluíram aqueles serviços que “A empresa é responsável original pelo pagamento do imposto retido a título definitivo assim como os respectivos juros compensatórios, nos termos do artigo 28° da LGT, n°2 e n°5 do art. 106° do CIRC. Através do mapa seguinte o imposto retido em falta por período e respectiva data para efeitos de juros”

Mês de retençãoRetenção em faltaData para efeitos de juros
Jan-02942,20€20-02-2002
Fev-02384,00 €20-03-2002
Mar-02224,9320-04-2002
Jun-0262,11€20-07-2002
Total 20021.613,24€

d) No que tange à diferença de câmbio na retenção em relação ao fornecedor “B……………” aos SIT apuraram que “A A…………… efectuou os lançamentos na contabilidade dos pagamentos e não residentes na moeda em que a factura foi emitida Automaticamente o programa de contabilidade transforma esses lançamentos de moeda estrangeira em valores em Euros, através da aplicação da taxa de cambio do dia constantes na base de dados do programa. No entanto o pagamento efectuado em 08-08-2002, da factura 221257 do fornecedor “B………….”, emitida em 01-06-2002, no valor de USD 16.149,00, foi convertida em Euros a uma taxa de cambio de 0.5032. A retenção foi igualmente efectuada sobre o valor em USD e posteriormente convertido a mesma taxa de cambio (...) A taxa de cambio à data não foi de 0,5032 mas sim de 1,03231 de acordo com os dados extraídos do Banco de Portugal (...) pelo que o cálculo da retenção não foi efectuado correctamente e a retenção entregue ao estado foi diminuída (...) assim a A……………. não entregou ao estado o valor correcto da retenção na fonte a título definitivo, nos termos do disposto no artigo 88°, n°3 e 5 do CIRC e art. 80°, n°2 alínea e) do CIRC, no valor de 1.281,696,..” (cf. doc. de fls. 21 dos autos).
e) Após o exercício do direito de audição, e para o exercício de 2002, foram efectuadas correcções de natureza meramente aritmética em sede de IRC, no montante de €2.894,93, o que veio a originar a liquidação no 20056420000928, no montante de €3.288,19, com data limite de pagamento de 01/06/2005 (cf. doc. de fls. 9 dos autos).
f) A liquidação referida em e) veio a ser paga em 01/06/2005 (cf. doc. de fls. 11 dos autos).
g) A impugnante foi notificada em 20/12/2004 da ordem de serviço e do despacho subjacentes à inspecção externa que conduziram à liquidação (cf. doc. de fls. 41 dos autos).
h) A presente impugnação foi deduzida em 04/08/2005 (cf. fls. 2 dos autos).

VI- São as seguintes as questões trazidas pela recorrente à apreciação deste Supremo Tribunal:
a) saber se incorre em erro de julgamento a sentença recorrida ao julgar que para efeito de retenção na fonte a titulo definitivo em sede de IRC (art. 88º, ns. 3 e 5 do CIRC, na redacção então em vigor, do decreto-lei 198/2001, de 3 de Julho) a taxa de câmbio aplicar deve ser aquela que vigorar no momento do pagamento efectivo e não aquela que vigorar no momento em que a factura for recepcionada e lançada na contabilidade.
b) saber se a sentença recorrida julgou erradamente a questão do vício de forma por falta de cumprimento de uma formalidade, relacionada com o procedimento inspectivo, derivado ao facto de não ter sido recepcionada a carta aviso com a antecedência mínima de 5 dias sobre o inicio da inspecção que precedeu a liquidação, violando o disposto no artº 49º nº1, 2 e 3 do RCPIT;

VI - I
Do eventual erro de julgamento na determinação da taxa de câmbio aplicável no cálculo da retenção na fonte devida pelo pagamento ao fornecedor “B……………”.
Considerou o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, face às disposições aplicáveis (art. 88°, n° 6 do CIRC), tal taxa não poderia ser outra senão aquela que vigorava no momento do pagamento efectivo ou colocação do rendimento à disposição.
Para tanto ponderou que, nos termos daquele dispositivo legal, a obrigação de retenção ocorre na data estabelecida para obrigação idêntica em sede de IRS, sendo que o art. 98° e ss. do CIRS, estipula que a obrigação tem lugar no acto em que a entidade devedora dos rendimentos os paga ou coloca à disposição.
Não conformada com tal entendimento a recorrente alega que a taxa de câmbio aplicável deve ser aquela que vigorar no momento da recepção e contabilização da factura emitida pelo fornecedor extra-comunitário.
E isto porque é nesse momento que a factura é contabilizada e o respectivo imposto a reter na fonte apurado — designadamente, por força dos princípios fundamentais da contabilidade e da normalização contabilística da especialização e do custo histórico, imanências do princípio fundamental constitucional da tributação do rendimento real.

Esta argumentação da recorrente não deve, no entanto, obter provimento, como abaixo se demonstrará.

No caso em apreço estão em causa rendimentos obtidos por uma entidade não residente que não são imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, mais concretamente o pagamento efectuado em 08-08-2002, da factura 221257 do fornecedor “B…………….”, emitida em 01-06-2002, no valor de USD 16.149,00 foi convertida em Euros a uma taxa de cambio de 0.5032, sujeitos a retenção na fonte nos termos dos arts. 88º, nº 3 e 5 e 80º, nº 2, al. e) do CIRC (redacção do decreto-lei 198/2001, de 3 de Julho).
Trata-se, pois, de uma retenção na fonte a título definitivo, estando em causa o total do imposto devido por aplicação de uma taxa liberatória.
Nestes casos, a cobrança feita por retenção na fonte esgota a pretensão tributária portuguesa. (Vide, com mais desenvolvimento, sobre a questão, Rui Duarte Morais, apontamentos ao IRC.)
Assim sendo, o facto gerador do imposto deve considerar-se verificado na data em que ocorra a obrigação de efectuar a retenção na fonte, ou seja, na data do pagamento ou da colocação dos rendimentos à disposição do seu titular (Cf., também neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31.01.2008, recurso 887/07, in www.dgsi.pt.), sendo lógico que a taxa de câmbio (USD/Euro) a considerar no cálculo da retenção na fonte devida pelo pagamento ao fornecedor “B………………..” seja também aquela que vigorar no momento da colocação do rendimento à disposição e não aquela que vigorar no momento em que a factura for recepcionada e lançada na contabilidade.
Aliás, isso mesmo resultava do artº 8º, nº 8, al. b) do CIRC, na redacção então em vigor, que era a do decreto-lei 198/2001, de 3 de Julho, normativo esse que, na definição de facto gerador do imposto para estes rendimentos, exceptuava a regra geral constante do seu nº 7 (o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação) nos termos seguintes: “exceptuam-se do disposto no número anterior os seguintes rendimentos, obtidos por entidades não residentes, que não sejam imputáveis a estabelecimento estável situado bem território português:
a) (…) b) Rendimentos objecto de retenção na fonte a título definitivo, em que o facto gerador se considera verificado na data em que ocorra a obrigação de efectuar aquela.

A idêntica conclusão se chegaria, tal como fez a sentença recorrida, pela interpretação do artigo 88, nº 6, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, na redacção então em vigor (do referido decreto-lei 198/2001, de 3 de Julho).
De harmonia com este normativo a obrigação de retenção ocorre na data estabelecida para obrigação idêntica em sede de IRS, sendo que nos artigos 98 e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares se estipula que essa obrigação tem lugar no acto em que a entidade devedora dos rendimentos os paga ou coloca à disposição.
Nenhuma razão assiste, pois, à impugnante quando argumenta que o momento do nascimento da obrigação tributária nada tem a ver com o valor da retenção na fonte a efectuar e a entregar nos cofres do Estado, não padecendo a liquidação correctiva relacionada com o pagamento efectuado a “B…………………” de qualquer violação de lei.
A sentença recorrida que assim decidiu, não merece censura, pelo que improcedem, nesta parte, as alegações da recorrente.


VI – II
Da preterição de formalidade legal por violação do disposto no artº 49º nº1, 2 e 3 do RCPIT

A sentença recorrida considerou que os procedimentos inspectivo e de liquidação são distintos entre si, ainda que este tenha carácter meramente preparatório ou acessório, o que não significa que as ilegalidades nele cometidas se projectem, fatalmente, na liquidação, invalidando-a.
Mais ponderou que no caso a recorrente nada alegou no sentido daquela omissão ter influenciado ou projectado qualquer efeito invalidante sobre a liquidação de que foi alvo, concluindo que tal formalidade se degradou em não essencial, sendo alheia, como tal, à liquidação impugnada.

Contra o assim decidido se insurge a recorrente sustentando que, tendo em conta o princípio da impugnação unitária do acto de liquidação, é precisamente na impugnação do acto de final de liquidação que o contribuinte pode e deve invocar qualquer ilegalidade anteriormente cometida, designadamente na inspecção externa que esteve na génese e fundamento da liquidação final.
E que da factualidade provada não restam quaisquer dúvidas de que a inspecção em causa está umbilicalmente ligada à liquidação aqui impugnada — aquela constituiu a causa e fundamento desta.
Prosseguindo o seu discurso argumentativo sustenta que artigo 50º do RCPIT enumera expressamente os casos, excepcionais, em que o legislador dispensou a sobredita “carta-aviso” - e em nenhum deles cabe a situação “sub judice”.
Sendo que, por força do artigo 59º nº 3 da LGT, uma das expressões do dever legal de colaboração da AF com o contribuinte reside precisamente na obrigação de “Comunicação antecipada do início da inspecção da escrita, com a indicação do seu âmbito e extensão e dos direitos e deveres que assistem ao sujeito passivo”.
Para, a final, concluir que a “carta-aviso” em questão assume um cariz absolutamente fundamental, manifesto, precisamente, no facto de constituir uma comunicação antecipada, ao contribuinte, dos direitos que lhe assistem no decurso do procedimento inspectivo, e que, nessa medida, a “carta-aviso” se integra no domínio das “garantias dos contribuintes”.
Também por aqui se nos afigura que não deverá proceder a argumentação da recorrente.
Vejamos.

Nos termos do nº 1 do artº 49º do RCPIT o procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início.

Esta notificação efectua-se por carta-aviso elaborada de acordo com o modelo aprovado pelo director-geral dos Impostos, contendo os seguintes elementos: a) identificação do sujeito passivo ou obrigado tributário objecto da inspecção; b) Âmbito e extensão da inspecção a realizar (nº2 do referido normativo).

Por fim a carta-aviso deverá conter um anexo com os direitos, deveres e garantias dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários no procedimento de inspecção (nº 3)

Depois, aquando do início da inspecção, é entregue ao sujeito passivo cópia da decisão que determinou a realização do procedimento de fiscalização, de acordo com o artigo 51º nº 1 do RCPIT.

Do probatório e bem assim do processo administrativo apenso nada consta quanto à efectivação daquela primeira notificação o que aponta para o não cumprimento da referida formalidade.

Ainda assim entendemos, tal como se decidiu na primeira instância, que se trata de omissão insusceptível de se repercutir na validade das liquidações.
Com efeito, e como notam Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na sua Lei Geral Tributária Anotada, 3ª edição, pag. 592, o artº 49º do RCPIT aplica, no domínio tributário, o princípio da comunicação previsto no art. 55.°, n.° 1 do C.P. Administrativo

O objectivo do preceito é assegurar aos interessados o conhecimento da instauração do procedimento.

No entanto a não comunicação não gera a anulabilidade da decisão do procedimento no caso de o interessado ter tomado conhecimento do procedimento e do seu objecto a tempo de nele intervir (cf.. neste sentido António Francisco de Sousa, Código de Procedimento Administrativo, 2ª edição, pag. 211 e também Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves da Costa e João Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo comentado, 2ª. edição, Livraria Almedina, 1997, pág.438).

Como referem estes autores não se gera tal invalidade de decisão, se, não obstante isso, se demonstrar que o interessado em causa teve conhecimento do procedimento a tempo de poder nele participar, sendo que, se houver lugar à audiência, o interesse em causa poderá ficar desde logo satisfeito, pese embora a falta de comunicação.

No caso subjudice resulta do probatório (al. g), fls. 80) que a impugnante, e ora recorrente, foi notificada em 20.12.2004 da ordem de serviço e do despacho subjacentes à inspecção externa que conduziram à liquidação.

Resulta também do probatório (al. a), com remissão para o relatório da acção inspectiva -fls. 20 e 22) que o contribuinte foi notificado em 27 de Dezembro de 2004 para apresentar os certificados de residência válidos e os originais em falta e foi notificado, e usou, o seu direito de audição em 11.02.2005, no âmbito do procedimento inspectivo.

E que após o exercício do direito de audição foram efectuadas as correcções de origem aritmética em sede de IRC que deram origem à liquidação sindicada (al. e), fls. 80).

Ficou, pois, demonstrado que a recorrente tomou conhecimento do procedimento e do seu objecto a tempo de nele participar, como participou, sendo assegurado o princípio da comunicação e o objectivo do preceito e sem que tivesse ocorrido violação dos seus interesses e direitos legalmente protegidos e que integram as chamadas garantias dos contribuintes, em sentido estrito, pelo que improcede a invocada violação do princípio da legalidade (Como esclarece José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6ª edição, fls. 363, são de excluir do conceito de garantias dos contribuintes, «ou das garantias dos contribuintes em sentido estrito, aqueles instrumentos ou mecanismos jurídico-institucionais, por vezes também referidos por garantias, que, embora constituindo a base ou fundamento das garantias, apenas de uma maneira indirecta ou mediata se repercutem ou reflectem nos seus objectivos, como acontece com os princípios constitucionais do Estado de direito democrático, da separação e interdependência de poderes, da subordinação à Constituição e à lei e aos demais actos normativos dos poderes públicos e os princípios constitucionais a que se encontra subordinada a Administração Pública».).

O que permite, concluir que, no caso, a referida formalidade se degradou em não essencial, sendo, por isso, alheia às liquidações e insusceptível de nelas projectar qualquer efeito invalidante.

Daí que também este invocado vício de forma, por preterição de formalidade, se afigure improcedente.

A decisão recorrida, que decidiu neste pendor, deve, pois, ser confirmada, com esta fundamentação.

VII. Decisão:

Nestes termos acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 08 de Maio de 2013. – Pedro Delgado(relator) – Casimiro Gonçalves – Ascensão Lopes.