Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01346/22.2BELSB
Data do Acordão:05/04/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INTIMAÇÃO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão confirmativo da sentença que intimou a recorrente a prestar à recorrida uma informação que esta lhe solicitara, porque as «quaestiones juris» colocadas no recurso foram resolvidas com plausibilidade pelas instâncias.
Nº Convencional:JSTA000P30962
Nº do Documento:SA12023050401346/22
Data de Entrada:04/18/2023
Recorrente:ANACOM - AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES [ANACOM] - demandada nesta intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões- vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCA..., de 23.02.2023, que negou provimento à sua apelação e manteve a sentença - de 26.10.2022 - do TAC ... que a intimou a enviar ao autor - AA -, no prazo de 10 dias, toda a documentação administrativa respeitante ao concurso aqui em causa - concurso interno de recrutamento de admissão para uma «bolsa de coordenadores» a quem incumbiria a gestão de equipas a constituir em várias Direcções, Gabinetes e Delegações, no contexto da reestruturação organizacional da ANACOM.

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito».

O recorrido - AA - apresentou contra-alegações em que defende, além do mais, a não admissão da revista por ser correcta a aplicação do direito efectuada pelos tribunais de instância, mormente pelo acórdão ora recorrido.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Ambas as «instâncias» deram razão à pretensão do autor do processo de intimação, e fizeram-no, essencialmente, com base nestas passagens que respigamos do acórdão proferido pelo tribunal de apelação, e ora recorrido:

[…] Sucede que, no caso sobre o qual nos debruçamos […] a entidade requerida simplesmente expurgou todos os dados nominativos relativos aos demais concorrentes […] desatendendo por completo ao regime legal resultante do disposto no artigo 6º, nº5, alínea b), da LADA, segundo o qual um terceiro pode ter direito de acesso a documentos nominativos se demonstrar, fundamentadamente, ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação. Em situações semelhantes, a jurisprudência vem entendendo que, à luz da ponderação exigida pelo artigo 6º, nº5, alínea b), da LADA, o interesse do candidato preterido em aceder a dados nominativos de terceiros que se mostrem relevantes para exercício dos seus direitos de reacção [audiência prévia, impugnação administrativa, impugnação judicial...], prevalece sobre o direito desses terceiros à salvaguarda destes dados […]. Pretendendo o requerente ter acesso, através de consulta, à identificação - maxime ao respectivo nome - dos outros candidatos, está em causa o tratamento [acesso] de dados pessoais [maxime do nome] por terceiro […], pois o requerente não é o titular desses dados, sem prejuízo de ser directamente interessado […]. De acordo com o disposto no artigo 6º, alínea e), da Lei nº67/98, de 26.10, o terceiro pode ter acesso à identificação dos restantes candidatos se estes tiverem dado, de forma inequívoca, o seu consentimento, ou se tal acesso for necessário para a prossecução de interesses legítimos do terceiro, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias de tais candidatos. […] O requerente tem direito a impugnar designadamente a decisão final do procedimento concursal ora em causa […], mas só poderá exercer de forma efectiva tal direito, melhor dizendo, só poderá ponderar de forma esclarecida se vai ou não impugnar o concurso em causa, se tiver acesso à identificação dos outros candidatos, pois, caso contrário, poder-se-á tornar impossível ou, pelo menos, muito difícil, detectar eventuais erros existentes nas razões invocadas para fundamentar a decisão final […] Os referidos documentos em anonimato não permitem que se possa exercer o direito de sindicar o acto. […] O princípio da proporcionalidade implica que os interesses do requerente prevalecem sobre os dos candidatos em manter em segredo a sua participação num procedimento que é público […]. Considerando as regras aplicáveis no concurso, o requerente - que pode querer sindicar a legalidade da selecção e da escolha dos demais candidatos - é, por conseguinte, titular de interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, que lhe faculta o direito de acesso aos dados nominativos de terceiros que se mostrem relevantes para exercício dos seus direitos de reacção [aquilo que o requerente denominou de análise comparativa dos candidatos]. Neste sentido, […] importa que seja facultado o acesso ao requerente aos dados relevantes dos demais candidatos que ficaram graduados à sua frente [de acordo com a proposta de graduação], relativamente às 27 vagas que [ainda] se encontravam postas a concurso. Tais dados relevantes incluem, entre outros, os curricula vitarum destes candidatos e os relatórios efetuados por empresas externas, bem como todos os demais aspectos susceptíveis de influenciar a tomada de decisão; tais dados não incluem as informações não estritamente conexas com o processo de recrutamento, as quais se mostram inócuas para a tomada de decisão, como é o caso das fotografias, filiação, moradas ou contactos. O autor só poderá exercer o direito de audiência prévia em termos efectivos, se tiver acesso maxime ao conteúdo dos curricula vitarum dos outros candidatos [onde constarão as respectivas habilitações e experiência profissional], aos relatórios de avaliação dos testes cognitivos e comportamentais [destinados a apurar a aptidão para a função de coordenação] realizados pelos outros candidatos, à proposta de seriação dos candidatos com os respectivos nomes e à fundamentação em que assentou tal proposta […], pois só com o acesso a tais elementos poderá determinar se na proposta de seriação dos candidatos foram [ou não] respeitados os referidos princípios. Dito por outras palavras, o acesso pelo autor aos curricula vitarum dos outros candidatos, com expurgo, por completo, dos respectivos dados pessoais, e o não acesso aos restantes elementos supra enumerados ou o seu acesso com expurgo, total, dos dados pessoais dos outros candidatos, implica que o autor não possa exercer, em termos efectivos, o direito de audiência prévia [o que o impedirá, posteriormente, de ponderar, de forma esclarecida, se vai, ou não, impugnar contenciosamente a seriação final dos candidatos]. Assim, existe um interesse directo, pessoal, legítimo, suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade, a justificar o acesso aos dados pessoais dos restantes candidatos, nos termos consignados na sentença recorrida. […]

A entidade demandada e apelante, de novo inconformada com o acórdão que manteve o decidido pela 1ª instância, pede a sua revista, apontando-lhe «erro de julgamento de direito». Em essência, considera que os tribunais de instância - mormente o acórdão recorrido - aplicaram e interpretaram de forma errada o artigo 6º, nº5 alínea b), da LADA, porque desconsideraram o valor hierárquico do RGPD - Regulamento Geral de Protecção de Dados - em função do estatuído no artigo 8º, nº4, da CRP, não tendo procedido a uma articulação, devida, destes dois regimes jurídicos. E, nesta senda, sublinha que o direito de acesso a documentos administrativos, não sendo um direito absoluto, deve ser compreendido à luz do princípio da proporcionalidade, pois a sua disponibilização indevida a terceiros pode resultar numa intromissão indevida na dignidade e na honra da pessoa afectada.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Ora, cumprirá ressaltar, à cabeça, que as duas instâncias foram unânimes em «julgar» o pedido de intimação procedente, fazendo-o precisamente com base na ponderação, no caso, do princípio da proporcionalidade cujo cumprimento a recorrente sublinha. E a verdade é que, feita a apreciação preliminar e sumária que nos compete, o julgamento efectuado mostra-se alicerçado em interpretação coerente, e aparentemente acertada, das normas jurídicas chamadas a intervir. Não detectamos qualquer erro de direito que seja ostensivo, manifesto, a reclamar a intervenção do tribunal de revista, e, por isso, no âmbito da apreciação que nos é pedida, entendemos que a admissão desta revista não se impõe em nome da «clara necessidade de uma melhor aplicação do direito», único pressuposto em nome do qual ela vem requerida.

Admitir este recurso de revista seria abrir uma 3ª instância, o que não é permitido pela lei.

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto pela ANACOM.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 4 de Maio de 2023. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.