Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0203/14
Data do Acordão:03/26/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
PRAZO DE RECLAMAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
Sumário:Os prazos processuais, não podendo ser excedidos, podem, contudo, ser antecipados. Não sendo, por isso, de indeferir liminarmente, por intempestividade, reclamação de acto do órgão da execução fiscal apresentada antes de uma alegada notificação desse mesmo acto.
Nº Convencional:JSTA00068631
Nº do Documento:SA2201403260203
Data de Entrada:02/21/2014
Recorrente:A.....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART276 ART277 N1 ART278 N5.
LGT98 ART101 D ART103 N2.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLI 6ED PAG225.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A…….., com os demais sinais dos autos, recorre da decisão que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, rejeitou liminarmente a reclamação apresentada, nos termos do artigo 276º do CPPT, contra o acto de penhora de crédito que detém sobre a Clínica B……., Lda.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1) A douta decisão recorrida ao rejeitar liminarmente, por intempestividade, a reclamação da recorrente, de fls..., violou os arts. 276º, 277º, nº 1 e 278º, nº 5, todos do CPPT e o art. 138º do CPC.
2) A ora recorrente não foi notificada da penhora de créditos de fls., pelo que a sua reclamação de fls. está em tempo porque ainda não começou a correr o prazo previsto no art. 277º, nº 1, do CPPT.
3) Cometeu a douta decisão recorrida lapso manifesto, art. 616º, nº 2, al. b) do CPC ex vi art. 2º, al. e), do CPPT.
4) Cometeu, ainda, a douta decisão recorrida erro na aplicação do art. 277º, nº 1 do CPPT pois a recorrente não foi ainda notificada da penhora não sendo extemporânea a reclamação por si apresentada - art. 639º, nº 2, al. c) do CPC ex vi art 2º, al. e) do CPPT.
Termina pedindo a procedência do recurso e a consequente revogação da decisão recorrida.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes:
«Recorre A…….. da sentença do TAF de Loulé de 16.11.2013 que liminarmente indeferiu a Reclamação por ela deduzida do acto de penhora de créditos sobre a Clínica B………, Lda.
Em causa está a tempestividade da Reclamação.
Segundo a decisão recorrida a Reclamação é intempestiva porque, sendo de 10 dias o prazo para o efeito e sendo o mesmo contável a partir do dia seguinte ao da notificação, ou seja, do dia 24.09.2013, o mesmo já se havia esgotado quando a Reclamação foi apresentada, o que ocorreu em 8.10.2013.
Contrapõe a recorrente que não foi notificada do acto de penhora de créditos, pelo que a Reclamação está em tempo - Conclusão 2).
Dir-se-á, antes do mais, que se entende que este Supremo Tribunal não está impossibilitado de conhecer da questão da tempestividade da Reclamação, não obstante o teor da Conclusão 2) da Alegação de Recurso, visto que, como refere Jorge Lopes de Sousa, a propósito da competência em razão da hierarquia, «(...) não devem considerar-se como invocação de matéria de facto, as referências a peças que constem do processo, pois todas as ocorrências processuais são de conhecimento oficioso» ((1) Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e comentado, 5ª edição, vol I, anot. ao art. 16., pág. 215).
Assim, apreciando o recurso, à luz das peças que constam dos autos, parece poder afirmar-se que assiste razão à recorrente pois, corroborando o que vem alegado na Conclusão 2), vê-se do documento de fls. 17, datado de 17.09.2013 e relativo à notificação de penhora de créditos, que o mesmo teve com destinatário a Clínica B…….. Lda., inexistindo nos autos documento que comprove a notificação à ora recorrente do reclamado acto de penhora.
Nesta conformidade, salvo melhor entendimento, será tempestiva a Reclamação apresentada (art. 277º, nº 1 do CPPT), pelo que, não sendo possível, nesta sede, conhecer do respectivo mérito, sou de parecer que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a decisão recorrida, baixando os autos à 1ª Instância a fim de ser conhecido do objecto da Reclamação se a tanto nada mais obstar.»

1.5. Com dispensa de Vistos, dada a natureza (urgente) do processo, cabe deliberar.

FUNDAMENTOS
2. A decisão recorrida é do teor seguinte:
«A…….., NIF …….., residente em …….., Lt. ….., 8700-…… Quelfes, veio reclamar do acto de penhora de créditos sobre a Clínica B……., Lda.
Cumpre apreciar liminarmente.
De acordo com o art. 276º do CPPT, “as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância”.
Muito embora o texto deste normativo refira “decisões” como possíveis objectos de reclamação, o entendimento da doutrina e da jurisprudência é no sentido de que os interessados podem reclamar, na execução fiscal, para o Juiz de todos os actos que os lesem, tenham ou não a configuração ou a designação de decisões, como se depreende do disposto nos artigos 97º nº 1 al. n), 151º nº 1 e 278º nº3 do CPPT e artigos 101º al. d) e 103º nº 2 da LGT - “é assegurado o direito de recurso de actos praticados na execução” e “é garantido o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária”,
Assim, no processo de execução fiscal a oposição à penhora é deduzida através da reclamação prevista nos art. 276º e segs. do CPPT.
Aqui chegados e compulsados os autos, verifica-se que a notificação do acto de penhora de créditos data de 17/09/2013 e foi enviada à Reclamante, no dia 18/09/2013 - cfr. consulta in www.ctt.pt.
Nos termos do art. 277º nº 1 do CPPT, o prazo para apresentação de Reclamação de actos do órgão de execução fiscal é de 10 dias após a notificação da decisão, com a ressalva de justo impedimento previsto no art. 139º nº5 do CPC.
Segundo o disposto no art. 278º nº 5 do CPPT, conjugado com os artigos 20º nº 2, do mesmo diploma e artigo 138º nº 1 e 4 do CPC, aplicável ex vi do art. 2º al. e) do CPPT, a presente Reclamação segue as regras dos processos urgentes, pelo que, o prazo de 10 dias referido, corre nas férias judiciais (neste sentido, Acórdão do STA de 19/03/2009, proc. nº 526/08).
Atenta a data de envio da notificação, a Reclamante presumir-se-ia notificada no dia 21/09/2013. No entanto, sendo este dia, Sábado, o cômputo do termo do prazo para a presunção de notificação, ocorre no 1º dia útil seguinte, ou seja, dia 23/09/2013 do presente ano - 39º do CPPT.

O prazo de 10 dias para apresentar a Reclamação conta-se a partir do dia seguinte ao da notificação, ou seja, dia 24/09/2013 - art. 279º C.C.
Assim, o prazo de 10 dias para apresentar a Reclamação terminou no dia 03/10/2013, quando muito, caso se verificasse justo impedimento, em 06/10/2013. Mas, sendo este dia, um Domingo, tal término do prazo passa para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, dia 07/10/2013.
Atendendo a que a Reclamação foi apresentada em 08/10/2013, neste Tribunal e remetida depois, oficiosamente, no dia 10/10/2013, ao Serviço de Finanças competente (cfr. fls. 5, 20 e 21 dos autos), a mesma é intempestiva.
Rejeita-se por isso, liminarmente, a presente Reclamação, nos termos dos artigos 277º e 278º nº 5 do CPPT e artigo 138º do CPC.»
3.1. Estamos, pois, perante despacho que liminarmente rejeitou a presente reclamação, com fundamento na caducidade do direito de reclamar, no pressuposto de que a notificação do acto lesivo (penhora de crédito) terá sido efectuada em 21/9/2013 e a presente reclamação só foi apresentada em 8/10/2013, para além, portanto do prazo de 10 dias previsto no nº 1 do art. 277º do CPPT.
Na alegação da recorrente, a decisão sofre de erro de julgamento, dado que considera que ela (recorrente) foi notificada da penhora de créditos na referida data de 21/9/2013, quando é certo que nunca foi notificada de tal acto. Isto porque a notificação a que a sentença se reporta (a que consta a fls. 17 dos autos) é a notificação que foi feita à devedora do crédito (a Clínica B…… Lda.), nos termos e para efeitos do então disposto no nº 1 do art. 856º do CPC (actual art. 773º do novo CPC), isto é, para a notificada declarar se o crédito sobre a executada existia, bem como para indicar as demais características do crédito.
Daí que alegue, igualmente, que a decisão pode ser reformada [nos termos da al. b) do nº 2 do art. 616º do CPC (actual redacção)] dado que há um verdadeiro lapso do juiz pois que consta do processo documento que, só por si, implica necessariamente decisão diversa da proferida.
3.2. Ora, apesar de a reforma não poder ser admitida nos termos em que vem requerida, desde logo porque só poderia ser invocada caso não coubesse recurso da decisão - cfr. corpo do nº 2 do citado art. 616º do CPC, afigura-se-nos, todavia, ser de apreciar o também alegado erro de julgamento da decisão.
Na verdade, como certeiramente aponta o MP, o STA não está impossibilitado de conhecer desta questão atinente à caducidade da reclamação, pois que como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa «(...) não devem considerar-se como invocação de matéria de facto, as referências a peças que constem do processo, pois todas as ocorrências processuais são de conhecimento oficioso» ( Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. I, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 10) ao art. 16º p. 225.)
Sendo que, quanto à questão de fundo, à luz das peças que constam dos autos também se impõe concluir pela razão legal da recorrente pois que, como vem alegado, se constata do dito documento de fls. 17, datado de 17/9/2013 e relativo à notificação de penhora de créditos, que o mesmo teve com destinatário a Clínica B…….. Lda., inexistindo nos autos documento que comprove a notificação à ora recorrente do reclamado acto de penhora. Sendo certo, igualmente, que se tem entendido que os prazos processuais, não podendo ser excedidos, podem, contudo, ser antecipados: como se refere no ac. do STJ, de 13/12/1989 (in BMJ 392/396) «a antecipação do acto constitui mera irregularidade irrelevante desde que, como no caso, não produza perturbações no normal andamento do processo, devendo aproveitar-se, sem necessidade da sua repetição, dentro dos limites inicial e final do prazo», (Cfr., no mesmo sentido, os acórdãos desta Secção do STA, de 13/1/88 e de 28/2/2007, respectivamente nos processos nºs. 22.424 e 01121/06.) e no caso presente, também logo se vê que não há qualquer perturbação no normal desenvolvimento dos autos com a apresentação antecipada desta reclamação do acto do órgão da execução fiscal.
Em suma, tendo o despacho recorrido considerado que a reclamação é intempestiva, no pressuposto de que a recorrente se deve ter por notificada em 23/9/2013 (carta registada em 17/9/2013, remetida em 18/9/2013, mas sendo o dia 21/9/2013 um Sábado), mas constatando-se que, afinal, tal notificação não ocorreu e que a mencionada carta registada é tão só a notificação que foi feita à devedora do crédito (e em que o nome da recorrente aparece ali apenas como executada), havemos então de concluir pela tempestividade da presente Reclamação e pela consequente procedência do recurso.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, julgando-se tempestiva a reclamação, ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para dela conhecer de mérito, se a tanto nada mais obstar.

Sem custas.
Lisboa, 26 de Março de 2014. - Casimiro Gonçalves (relator) - Francisco Rothes - Isabel Marques da Silva.