Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0694/08
Data do Acordão:10/28/2009
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:LÚCIO BARBOSA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário:Não é possível a Administração Fiscal compensar dívidas do contribuinte com créditos deste, se ainda não tiver decorrido o prazo para o contribuinte reclamar, impugnar, recorrer ou opor-se à execução - art. 89º, 1, do CPPT.
Nº Convencional:JSTA00066047
Nº do Documento:SAP200910280694
Data de Entrada:05/13/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS.
Objecto:AC STA PROC694/08 DE 2009/01/07 - AC STA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART89 N1.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED V1 PAG635.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso para o Pleno desta Secção de Contencioso Tributário, do acórdão da Secção de 7 de Janeiro de 2009 que, negando provimento a um recurso por si apresentado, confirmou a decisão do Mm. Juiz do TAF de Braga que determinou “a anulação da compensação e restituição da quantia à reclamante”.
Alegou oposição de acórdãos.
O Mm. Juiz relator julgou verificada a invocada oposição de julgados, nada havendo a opor a tal decisão.
Apresentou então o recorrente as suas alegações sobre o mérito da causa, que finalizaram no seguinte quadro conclusivo:
a) O artigo 89º do CPPT não contém qualquer previsão que impeça a Administração Fiscal de proceder a compensação enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação administrativa e ou contenciosa do acto de liquidação;
b) Antes se deverá entender que a Administração Tributária deve accionar a modalidade da compensação de dívida instituída nesse artigo 89º do CPPT, logo que se verifique o incumprimento e não estiver realizada a situação expressamente excepcionada;
c) De acordo com o preceituado pelos artigos 78º e 84º do CPPT, a cobrança das dívidas fiscais pode ocorrer ou por pagamento voluntário ou através da cobrança coerciva;
d) Findo o prazo do pagamento voluntário, previsto nas leis tributárias, o devedor encontra-se em mora, sendo legítima a cobrança coerciva;
e) Essa cobrança é motivada pela natureza da dívida, pelo seu carácter público e pela celeridade dessa cobrança e pela respectiva afectação à satisfação das necessidades colectivas;
f) Daí que, mesmo que o devedor conteste a legalidade da dívida exequenda ou do respectivo processo, a execução não se suspende, prosseguindo até venda de bens, se a dívida não estiver garantida de forma adequada, incluindo por penhora (art. 169° do CPPT):
g) Após a introdução no ordenamento jurídico-tributário português (Decreto-Lei n. 20/97, de 21 de Janeiro) do princípio da compensação de créditos fiscais com dívidas da mesma natureza resultantes, a Administração Tributária passou a estar obrigada a aplicar os créditos de que sejam beneficiários contribuintes devedores na compensação das respectivas dívidas (artigo 110º-A);
h) Essa previsão consta hoje do artigo 89º do CPPT, que nem exige (nºs 1 e 5), para ser viável a compensação, que tenha ocorrido a citação no processo de execução fiscal mas apenas que o processo tenha sido instaurado;
i) A utilização da compensação não significa que os direitos de defesa dos contribuintes sejam coarctados, ainda que não tenha decorrido o prazo de apresentação de medidas de defesa, porque no caso de uma eventual anulação da dívida por ilegalidade, o contribuinte será ressarcido pelo valor indevidamente cobrado acrescido dos juros indemnizatórios que se mostrarem devidos;
j) A utilização acima descrita do instituto da compensação concretiza na área fiscal uma possibilidade existente entre os particulares, para regulação de pretensões tuteladas pelo direito privado extinguindo mutuamente as obrigações entre os obrigados;
k) Numa relação de direito público, em que existe uma obrigação pecuniária exigível passível de ser, após o decurso do prazo de pagamento voluntário, objecto de cobrança coerciva, não constitui qualquer violência ou restrição ilegítima de direitos do contribuinte;
l) E, sendo a compensação efectuada no respeito das regras estabelecidas no artigo 89º do CPPT, não pode também alegar-se que a actuação da AT se tenha traduzido na violação do princípio da confiança, como de nenhum dos outros anteriormente assinalados:
m) Digamos que a compensação permite pela mobilização imediata, a título não definitivo, visto que a dívida poderá, eventualmente, ser anulada, de uma importância de que o devedor é titular, não apenas a garantia da prestação tributária (o que releva do interesse público), como a dispensa de outras situações a sofrer pelo devedor tributário que lhe seriam, em princípio, de não menor restrição, como a penhora, prestação de garantias adequadas e até mesmo a venda de bens;
n) Ora, se a compensação após o decurso o prazo para pagamento voluntário, mas antes de decorrido todo o prazo para impugnação/recurso, não é constitucionalmente vedada, inexiste razão para deixar de interpretar o art. 89º do CPPT de acordo com a sua letra expressa, até porque dessa aplicação não resulta qualquer restrição injustificada das garantias dos devedores tributários;
o) Assim, deverá ser adoptada como a melhor interpretação do artigo 89°, n, 1 do CPPT, a efectuada pelo Acórdão fundamento, no sentido de essa norma não afronta os princípios fundamentais da igualdade, do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, quando interpretado no sentido de que a compensação de créditos fiscais, realizada por iniciativa da Administração Tributária, pode ser efectuada desde o momento em que a dívida se torne exigível, apesar de ainda não se encontrar esgotado o prazo para o exercício do direito de impugnação e de esta ainda não ter sido deduzida.
p) E, concluindo-se que a actuação da Administração Tributária no caso do presente recurso não violou, antes cumpriu o princípio da legalidade, respeitando as normas legais vigentes.
Contra-alegou a recorrida, cujas conclusões das respectivas contra-alegações são as seguintes:
A. Não obstante as considerações tecidas no Acórdão n. 386/2005, de 13 de Julho, proferido pelo Tribunal Constitucional a propósito da constitucionalidade da norma ínsita no artigo 89° CPPT, a verdade é que, como expressamente afirmou o mesmo Tribunal, o juízo proferido limitou-se ao controlo da constitucionalidade da norma quando interpretada no sentido então defendido pela Fazenda Pública; razão pela qual, na determinação daquele que é "o melhor direito" ou a "mais acertada interpretação da norma", o Supremo Tribunal Administrativo não se encontra limitado ou constrangido de alguma forma.
B. De acordo com a tese sustentada pela Fazenda Pública, o facto de, por força da segunda parte do n.º 1 do artigo 89.° do CPPT, a Administração Fiscal estar impedida de proceder à compensação se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial, oposição à execução da dívida exequenda ou esta esteja a ser paga em prestações, devendo a dívida exequenda mostrar-se garantida nos termos deste Código", não pressupõe, todavia, que a mesma Administração Fiscal tenha de aguardar pelo decurso dos prazos de que o contribuinte dispõe para lançar mão dos citados expedientes legais em ordem a obter a suspensão do processo executivo, porquanto, segundo afirma, o contribuinte tem sempre a possibilidade de discutir a legalidade da dívida e de ser ressarcido dos prejuízos sofridos com o pagamento indevido de imposto mediante o pagamento de juros indemnizatórios.
C. A A… não concorda – nem poderia concordar – com o entendimento propugnado pela Fazenda Pública porquanto considera, na esteira do Acórdão recorrido, que tal entendimento "redundaria numa diminuição irrazoável e desproporcionada dos meios de defesa e impugnatórios [do contribuinte], com potencialidade para lesar de forma irreversível os seus direitos", sendo certo, ademais, que essa não parece ser a interpretação mais consentânea com as restantes normas que disciplinam o processo executivo, nem é, certamente, essa a interpretação que melhor se coaduna com os princípios constitucionais da legalidade, da igualdade e do acesso ao direito e aos tribunais.
D. O regime jurídico da compensação previsto no artigo 89º do CPPT reveste-se de uma natureza verdadeiramente excepcional que se justifica pelo facto de conflituar com um interesse legítimo do contribuinte – o direito a um crédito sobre o Estado – direito que, naturalmente, merece protecção quer se trate do Estado, quer se trate do contribuinte.
E. Não faz qualquer sentido que a execução possa ser extinta por cobrança coerciva – mediante compensação – ainda antes do sujeito passivo ter tido sequer oportunidade de obter a suspensão da mesma através da prestação de garantia, porquanto, se assim fosse, os casos de suspensão genericamente previstos no artigo 169° do CPPT e no artigo 52° da LGT não teriam qualquer aplicação prática, circunstância que, salvo o devido respeito, desvirtua por completo a intenção do legislador com a consagração legal dos mencionados normativos.
F. Nas situações em que o contribuinte apenas pretende discutir a inexigibilidade da dívida exequenda – como acontece, por exemplo, quando a dívida já está prescrita - a compensação antes do decurso do prazo de oposição, porque extingue o processo executivo, impede, de facto e irremediavelmente, o acesso à justiça, violando assim o direito constitucional a uma tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20º da Constituição da República.
G. Ao compensar de imediato a dívida exequenda – sem aguardar pelo decurso dos prazos de «contestação» que conferem ao sujeito passivo a possibilidade de obter a suspensão do processo executivo – a Administração Fiscal viola uma das mais elementares garantias do contribuinte: o direito ao prazo legalmente consagrado para deduzir a competente reclamação graciosa ou impugnação judicial, o que configura um cerceamento das garantias consagradas no n. 4 do artigo 268º da CRP.
H. Conferir-se à Administração Fiscal a discricionariedade de compensar a dívida exequenda antes ou depois dos prazos legalmente previstos configura, além do mais, uma flagrante violação do princípio constitucional da igualdade e da justiça material.
I. Os prazos previstos nas normas jurídico tributárias destinam-se, justamente, a conferir um grau aceitável de certeza à actuação das duas partes – Administração Fiscal e contribuintes – pelo que se a própria Administração Fiscal, se antecipa e desrespeita os prazos conferidos legalmente aos contribuintes para praticarem os actos que lhe permitem suspender a execução fiscal e, assim, obstar à compensação, não só atenta contra o princípio constitucional da igualdade como defrauda a confiança desses mesmos contribuintes na lei e - sobretudo - na actuação dos órgãos e agentes da Administração,
J. Contrariamente ao que afirma o Tribunal Constitucional no Acórdão n. 386/2005, nem antecipando o prazo para "contestar" a dívida tributária em causa, o contribuinte consegue garantir o efeito de "não compensação".
K. A jurisprudência relativa à questão sub judice já se consolidou, tendo-se já logrado reunir um consenso em torno do juízo de não inconstitucionalidade proferido pelo Tribunal Constitucional e a posição defendida por este Supremo Tribunal.
L. Do consenso entre as posições defendidas pelo Tribunal Constitucional e pelo Supremo Tribunal de Justiça resulta, sem margem para dúvidas, que a jurisprudência relativa à questão sub judice já se consolidou no sentido de que a interpretação veiculada pela Fazenda Pública, não sendo inconstitucional, não é a que melhor realiza as finalidades do direito e da justiça, porquanto dever-se-á entender que “ [… ] numa interpretação conforme à Constituição, o artigo 89º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não apoia a Administração na declaração de compensação de dívida tributária sem que sobre o acto de liquidação da mesma tenha decorrido o prazo de impugnação administrativa e contenciosa".
O EPGA junto deste Supremo Tribunal defende que o recurso não merece provimento.
Foram colhidos os vistos legais.
2. É a seguinte a matéria de facto fixada no acórdão recorrido:
1. A reclamante foi notificada da liquidação adicional de IRC, no valor de € 823.414,99, relativa ao exercício de 2003, com data limite de pagamento em 08.08.2007 (fls. 14/16 dos autos);
2. Em 10.09.2007, a reclamante foi notificada pelos Serviços de Finanças, da compensação n. 2007 00000064984, no valor de € 81.123,87, efectuada em 04.09.2007 (fls. 17 dos autos);
3. A administração fiscal instaurou processo de execução fiscal n. 2356200701005014, em 30.08.2007, pelo valor de € 823.514,99.
4. A presente reclamação foi interposta em 18.10.2007.
3. Sendo estes os factos vejamos agora o direito.
Está em causa a interpretação da 2ª parte do n. 1 do art. 89º do CPPT.
Dispõe este normativo:
“1. Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação graciosa ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma administração tributária, salvo se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial, ou oposição à execução da dívida exequenda ou esta esteja a ser paga em prestações, devendo a dívida exequenda mostrar-se garantida nos termos deste Código.
E a questão a resolver é esta: se não tiver ainda decorrido o prazo para o contribuinte reclamar, impugnar, recorrer ou opor-se à execução, é possível a compensação?
O acórdão fundamento, em função de acórdão proferido nesses autos pelo Tribunal Constitucional, decidiu que, nesse entretempo, a AF pode operar a compensação.
Não é esta a tese sufragada no acórdão recorrido. E nele se dá conta de outros arestos deste Supremo Tribunal que vão neste mesmo sentido.
Quid juris?
Como escreve Jorge de Sousa, no seu Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 1º volume, pág. 635, “a proibição de efectuar a compensação se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda, exprime uma intenção legislativa de a compensação só se dever efectuar relativamente a dívidas sobre as quais não haja controvérsia. Por isso, está ínsito naquele n. 1 que a compensação não possa ser declarada enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação da dívida em causa (…) Por outro lado, não se pode admitir que ocorra uma privação coerciva de um direito de crédito, como sucede nos casos de compensação forçada previstos no art. 89º, sem que sejam concedidas ao afectado por ela todas as garantias de defesa que são concedidas à generalidade dos executados fiscais”.
Parece-nos esta uma tese a sufragar sem reservas.
E que não colide com a doutrina que emana do referido acórdão do TC.
Na verdade, não está em causa a inconstitucionalidade da norma, mas sim a sua interpretação sistemática.
Demais que o último argumento usado no acórdão recorrido, tem que nos induzir definitivamente a adoptar a solução que preconizamos.
Como aí se escreve, “a lei equipara, para o efeito, o regime legal de todos os preditos meios pelo que não pode operar-se qualquer diferenciação entre a impugnação judicial e a oposição”. Ora, operada a compensação, esta extinguia-se, pelo que o executado ficaria sem meios de se opor à execução, qualquer que fosse o fundamento (maxime, a prescrição).
O que seria intolerável.
Aliás não se vê qualquer razão para interpretar esta norma de forma literal, deixando de fora os casos que não tinham sequer chegado à fase final da sua possível impugnação (entendida esta em sentido amplo).
Em suma, o acórdão recorrido não merece censura.
4. Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso.
Custas pela Fazenda Pública, fixando-se a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 28 de Outubro de 2009. – Lúcio Alberto de Assunção Barbosa (relator) – Jorge Manuel Lopes de SousaFrancisco António Vasconcelos Pimenta do ValeJorge Lino Ribeiro Alves de SousaAntónio Francisco de Almeida CalhauAntónio José Martins Miranda de PachecoIsabel Cristina Mota Marques da SilvaDomingos Brandão de PinhoJoaquim Casimiro GonçalvesJoão António Valente TorrãoDulce Manuel da Conceição Neto.