Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0786/15.8BECBR
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
COMPARTICIPAÇÃO
REPOSIÇÃO DE QUANTIAS
Sumário:É de admitir revista sobre a aplicação no caso, do prazo previsto no art. 40º do DL nº 155/92, e qual o respectivo termo inicial, questão que reveste relevância jurídica não sendo isenta de dúvidas a solução do acórdão recorrido.
Nº Convencional:JSTA000P28812
Nº do Documento:SA1202201130786/15
Data de Entrada:09/14/2020
Recorrente:A......... – ASSOCIAÇÃO ..............
Recorrido 1:INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório
A…… – Associação ………… (doravante A…..), Autora na acção administrativa especial que intentou contra o Instituto da Segurança Social, IP (ISS, IP), vem interpor recurso de revista, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo TCA Norte, em 15.05.2020, que negou provimento ao recurso que interpôs do acórdão do TAF de Coimbra que julgou a acção improcedente.
Alega que a revista é necessária por estar em causa questão de importância fundamental, pela sua relevância jurídica e social por abranger questões que têm capacidade de expansão da controvérsia e para uma melhor aplicação do direito.

Em contra-alegações o Recorrido defende que a revista não deve ser admitida ou deve ser julgada improcedente.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Nos presentes autos está em causa o acto administrativo praticado pelo Director da Segurança Social do Centro Distrital de Coimbra do ISS, IP, praticado em 19.05.2015, que determinou à ora Recorrente a reposição da quantia de €93.094,00, recebida a título de comparticipações financeiras indevidamente pagas no âmbito dos acordos de cooperação para a resposta de lar residencial.

A Recorrente imputa ao acórdão recorrido erro de julgamento sobre a questão da prescrição, à qual o acórdão recorrido entendeu ser aplicável o regime estabelecido no art. 40º do DL nº 155/92, de 28/7, concluindo não ocorrer a prescrição invocada por: i) o prazo de prescrição só se iniciar quando o direito puder ser exigido, ou seja, e em concreto, após o conhecimento de que os valores em causa eram indevidos: e, ii) para além das causas gerais de interrupção, as dívidas à Segurança Social estariam ainda sujeitas a uma outra causa de interrupção, que deriva da realização de qualquer diligência administrativa.

O TAF de Coimbra por sentença de 06.11.2019, julgou improcedente a acção administrativa especial intentada, além do mais, no entendimento de que, no caso concreto, não era aplicável o prazo de prescrição de 5 anos previsto no art. 40º, nº 1 do DL nº 155/92, de 28/7, por a quantia em causa, cuja restituição se pretende, não ter natureza de despesa de gestão corrente, nos termos do art. 4º daquele diploma, detendo, antes, aqueles incentivos financeiros, atribuídos contratualmente, a natureza de despesas de capital [conforme já entendeu este STA nos acs. de 25.06.2003, Proc. nº 0325/03 e de 05.02.2015, Proc. nº 0770/13].
Assim, concluiu que: “…, não envolvendo as importâncias que a Entidade Demandada reputa como indevidamente pagas e que, por isso, é pretendido que sejam reembolsadas, actos de gestão corrente subsumíveis à aplicação do prazo de prescrição de 5 anos referido no artigo 40.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, às mesmas é aplicado o prazo ordinário da prescrição de 20 anos, estabelecido no artigo 309º do Código Civil, prazo esse que ainda não decorreu, atento os factos considerados assentes.

O TCA Norte confirmou esta decisão no que respeita a não ter ocorrido a prescrição.
No entanto, considerou aplicável o prazo de prescrição contemplado no art. 40º, nº 1 do DL nº 155/92, tendo entendido que este, atento o que dispõe o art. 306º, nº 1 do Código Civil (CC) apenas começou a correr quando a Segurança Social tomou conhecimento das irregularidades verificadas com a realização da auditoria nº 3/2010, de Novembro de 2010, tendo-se interrompido, nessa altura, o decurso do prazo de prescrição. E que, reportando-se a comparticipações financeiras referentes ao período de Maio de 2009 a Maio de 2010, à data da decisão originária (de 22.12.2014) que determinou a reposição, não ocorrera a prescrição. Tendo ainda chamado à colação em defesa da ocorrência da interrupção do prazo de prescrição o art. 60º, nºs 1 e 4 da Lei nº 4/2007, de 16/1 (Lei de Bases da Segurança Social).

Na sua revista o Recorrente questiona o decidido pelo acórdão recorrido defendendo não ser aqui aplicável o art. 306º do CC, para efeitos do termo inicial do prazo de prescrição das dívidas abrangidas pelo DL nº 155/92, quando existe neste diploma norma especial quanto à prescrição das dívidas contempladas neste diploma – o art. 40º, nº 1 -, o qual derroga o regime geral. Alega ainda não ser aplicável ao caso o art. 60º da Lei nº 4/2007, por não se estar perante quotizações ou contribuições não pagas.

Como se vê as instâncias decidiram a questão da prescrição de modo dissonante quanto ao regime de prescrição aplicável.
Ora, a questão de direito que vem suscitada na revista sobre a aplicação no caso, do prazo previsto no art. 40º do DL nº 155/92, e qual o respectivo termo inicial reveste relevância jurídica e a solução do acórdão recorrido não é isenta de dúvidas.
Assim, e porque a questão não deixa de apresentar dificuldade superior ao normal, como logo resulta da divergência das instâncias quanto ao regime de prescrição aplicável, não respeitando apenas ao caso dos autos, tal como o mesmo se apresentou concretamente, sendo susceptível de se replicar em outros casos semelhantes, tem inegável relevância jurídica e social que justifica a intervenção deste STA, para uma melhor dilucidação da questão suscitada na revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2022. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.