Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:076/13
Data do Acordão:11/27/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
LOTEAMENTO URBANO
CADUCIDADE DE LOTEAMENTO
Sumário:I – Os lotes de terreno para construção constituem-se com a emissão da licença de loteamento, constando, de forma especificada, do respectivo alvará (artigo 77.º, n.º 1, alínea e) do RJUE então vigente).
II – A caducidade da licença de loteamento, ao extinguir os direitos a que se reporta, produz efeitos nos lotes criados por força do licenciamento.
III – Deixando os lotes previstos no licenciamento caduco de existir como tais, não pode sobre estes incidir IMI.
Nº Convencional:JSTA00068471
Nº do Documento:SA220131127076
Data de Entrada:01/21/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF ALMADA DE 2012/07/14
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:RJUE ART77 N1 E ART84 N1.

CIMI ART6 N1 C N3
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0764/07 DE 2008/01/31; AC STA PROC0766/07 DE 2007/11/28
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A FAZENDA PÚBLICA recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 14 de Julho de 2012, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……………….., LDA, contra liquidações de IMI relativos aos anos de 2006 a 2009 e contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa de tais liquidações, apresentando para tal as seguintes conclusões:
I – A caducidade do alvará de loteamento implica, em regra, a extinção dos direitos atribuídos pelo ato administrativo de loteamento titulado por aquele alvará, perdendo os lotes de terreno resultantes da operação de loteamento, a sua autonomia, deixando, juridicamente, de ter existência jurídica, recuperando o prédio loteado a sua natureza anterior.
II – No entanto, não podemos escamotear que a lei admite a sobrevivência de alguns desses lotes, ou mesmo todos, à declaração de caducidade, concretamente daqueles para os quais tenha sido aprovado pedido de licenciamento ou de autorização de obras de edificação neles projectadas, como expressamente vem previsto no n.º 4 do artigo 38.º do DL n.º 448/91 de 29 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo DL 334/95, de 28/12, ratificado com alterações pela Lei n.º 26/96, de 01/08.
III Para efeitos de tributação, o disposto no Art. 2.º do CIMI que dispõe: “1. Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.”.
IV Ora, o conceito de terrenos para construção é aferido, em função da sua destinação objectiva ou subjectiva. Sendo certo que, são terrenos para construção, no primeiro caso, os terrenos a que tiver sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção e, no segundo, os terrenos declarados para construção no título aquisitivo, sendo que é esta destinação subjectiva do prédio que tem relevância quando se não verifique a destinação objectiva revelada por um daqueles títulos.
V – “In casu”, a declaração de caducidade do licenciamento urbanístico, não se deveu à desconformidade da operação de loteamento anteriormente aprovada com qualquer plano de ordenamento do território ou com qualquer outro facto impeditivo de qualquer construção ou edificação nesse espaço, mas apenas ao facto de a impugnante não ter concluído as obras de urbanização no prazo fixado no alvará.
VI Pelo que, tratando-se de parcelas de terreno, física e juridicamente delimitadas no alvará de loteamento, situadas em aglomerado urbano, em local onde não é vedada a construção, com obras de urbanização já executadas, deverão ser fiscalmente tratadas como prédios urbanos, com a categoria de terrenos para construção.
VII – Pelo que, é nosso entendimento que a douta sentença fez uma incorrecta interpretação das normas de incidência de IMI, mais concretamente os Arts. 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 6.º do CIMI.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a Impugnação improcedente.


2 – Contra-alegou a recorrida, concluindo nos termos seguintes:
i. A Recorrida deduziu impugnação judicial contra os actos de liquidação de 2006 26502650, n.º 2006 265026503, n.º 2007 267557103, n.º 2007 389046703, n.º 2008 288498803, n.º 2008 397334803 e n.º 2009 53234403, no montante total de €62.725,20 (sessenta e dois mil, setecentos e vinte cinco euros e vinte cêntimos), referentes aos anos de 2006 a 2009, emitidos pelo Serviço de Finanças de Palmela.
ii. A questão decidenda nos presentes autos reconduz-se, pois, fundamentalmente a uma questão de direito – a qualificação do prédio inscrito na matriz da freguesia do ……………., concelho de Palmela, sob o artigo 87.º - secção F, nos termos do Código do IMI.
iii. As liquidações do IMI objecto dos presentes autos são ilegais por violação de lei e, bem assim, por violação dos princípios da igualdade fiscal, da legalidade, da justiça e da verdade material, reconduzindo-se aquela ilegalidade à liquidação de um imposto sobre uma realidade inexistente.
iv. Conforme se demonstrou, por deliberação municipal tomada em reunião de Câmara de 22 de novembro de 2006, veio a Câmara Municipal de Palmela declarar a caducidade do Alvará de Loteamento n.º 221, e, consequentemente, do licenciamento urbanístico titulado pelo mesmo.
v. Conforme decorre das alíneas b) e c), do n.º 2, do art.º 38.º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 334/95, de 28 de Dezembro, com a declaração de caducidade do alvará de loteamento e respectiva cassação do mesmo, o averbamento da divisão em lotes de terreno perdeu os seus efeitos, regressando o prédio ao seu estado original, no caso de prédio rústico.
vi. Fruto da citada declaração de caducidade, e da posterior cassação do alvará de loteamento, o prédio em causa deixou de estar dividido em lotes de terreno para construção, pelo que o prédio loteado recuperou a sua natureza anterior.
vii. Acresce que, quando a operação de loteamento implica a realização de obras de urbanização, como sucede no caso em apreço, a caducidade é extensível ao próprio licenciamento de obras de urbanização, uma vez que, nestes casos, o licenciamento das respectivas obras de urbanização é indissociável do alvará de loteamento do terreno, do qual faz parte integrante.
viii. Nestes casos o licenciamento urbanístico é uno e incindível, corporizado num único alvará (cfr. artigo 28.º n.º 2 do Decreto-Lei 334/95, de 28 de Dezembro). Assim, por decorrência da caducidade, o prédio rústico anteriormente objecto de licenciamento deixou de ter aptidão para efeitos de construção, motivo pelo qual não podem os anteriores lotes ser objecto de compra e venda ou serem dados em garantia, pelo simples facto de jurídica e registalmente terem deixado de existir.
ix. Pelo que se impõe que o prédio “sub judice”, retome a sua classificação anterior de prédio rústico, pois o mesmo cumpre todos os requisitos de que a lei faz depender a sua classificação, pela positiva, como prédios rústicos.
x. Em face do exposto, os actos de liquidação do IMI referentes aos anos de 2006 a 2009 padecem, assim, de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto.
xi. Por último, importa referir que, ainda que se entenda ser de atribuir a classificação de terreno para construção ao prédio em apreço, o que apenas por mero dever de patrocínio se concede, nunca o mesmo poderá ser tributado autonomamente por referência a cada um lotes constantes do já caducado Alvará de loteamento 221/99, mas tão só pelo terreno único existente, o que assim é de respeitar face às regras de classificação dos prédios constantes do Código do IMI.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVERÁ SER CONSIDERADO IMPROCEDENTE O RECURSO APRESENTADO PELA ILUSTRE REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, E ASSIM, CONFIRMADA, A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA QUE CONSIDEROU A IMPUGNAÇÃO APRESENTADA TOTALMENTE PROCEDENTE.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
«(…)
A nosso ver o recurso não merece provimento.
A questão controvertida prende-se com o enquadramento legal, em sede de IMI, dos prédios já inscritos na matriz como terrenos para construção, após caducidade do alvará de loteamento e obras de urbanização.
Como regra, a caducidade do alvará e consequente licença de loteamento implica a extinção dos direitos atribuídos pelo acto de licenciamento, donde resulta que os lotes de terreno, resultantes da operação de loteamento perdem autonomia, deixando de ter existência jurídica.
Embora seja este o efeito regra da declaração de caducidade do loteamento, a lei admite a sobrevivência à declaração de caducidade, concretamente, dos lotes para os quais tenha sido aprovado pedido de licenciamento ou de autorização de obras de edificação neles projectadas, nos termos do estatuído no artigo 38.º/4 do DL 448/91, de 29 de Novembro.
No caso em análise não se verifica a situação prevista no artigo 38.º, n.º 4 do DL 448/91 sendo certo que, nos termos do disposto no artigo 47.º do DL 448/91, a Câmara Municipal de Palmela, além de declarar a caducidade do licenciamento do loteamento, determinou que as obras de urbanização fossem concluídas por conta da recorrente, titular do alvará, acionando, para o efeito, a garantia que havia sido prestada.
Nos termos do disposto no artigo 2.º do CIMI “prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nele incorporadas ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.”
Por força do disposto no artigo 3.º do CIMI, por regra, são rústicos “os prédios situados fora de um agregado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção e os “terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.
São urbanos todos os prédios que não devam ser classificados como rústicos – artigo 4.º do CIMI.
Nos termos do estatuído no artigo 6.º do CIMI consideram-se terrenos para construção “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedam qualquer daquelas operações, designadamente em zonas vedadas, áreas protegidas …”.
Por força do estatuído no artigo 6.º/4 do CIMI enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 (outros) “… os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados, ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.
Como sustenta o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no voto de vencido exarado no Acórdão do STA, de 31 de Janeiro de 2008 (proferido no recurso n.º 0764/07), cujo discurso fundamentador se subscreve, a declaração de caducidade da licença de loteamento os lotes cuja criação ela titulava aos quais não foram deferidos pedidos de licenciamento das construções neles projectadas deixaram de ter existência. Deixaram, assim, de existir como prédios autónomos para efeitos de IMI, pois deixaram de ser fracções juridicamente individualizadas e só essas fracções juridicamente individualizadas cabem no conceito de prédio, face ao estatuído no artigo 2.º do CIMI.
Por outro lado, como se refere no voto de vencido “… não valem aqui considerações de prevalecimento da realidade económica sobre a realidade jurídica, pois, nesta matéria, não há uma realidade económica distinta da realidade jurídica: se, relativamente a um determinado prédio em que foi licenciada uma operação de loteamento, caduca o alvará, as possibilidades construtivas que derivam desse licenciamento desaparecem, só voltando a existir, nos mesmos ou em diferentes moldes, se for licenciada uma nova operação de loteamento.
Por outro lado, o valor económico da globalidade do terreno abrangido por aquela operação varia com a subsistência ou não da possibilidade jurídica de concretizar tal operação, que depende na não caducidade do respectivo alvará, não sendo indiferente fazer incidir a contribuição autárquica sobre as hipotéticas parcelas ou sobre a globalidade do terreno em que elas estavam projectadas. Tanto basta para concluir, assim, que os actos de liquidação impugnados, que tiveram subjacente a existência de fracções de território juridicamente inexistentes, enfermem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, o que justifica a sua anulação (art. 135.º do CPA).”
O terreno em que estava projectada a criação de lotes pode, eventualmente continuar a ser considerado um prédio urbano com a configuração que tinha antes da operação de loteamento, verificados os requisitos do artigo 6.º/1/d)/4 do CIMI (não constando do probatório, salvo melhor juízo, factualidade bastante para decidir nesse sentido), ou, então, voltar a ser classificado como prédio rústico.
De qualquer modo, independentemente dessa classificação, as liquidações sindicadas ao incidirem, individualmente, sobre cada um dos pretensos 47 lotes que, como se viu, não têm manifestamente, existência jurídica sofrem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
Termos em que, pelos apontados fundamentos, deve negar-se provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.»

4 – Notificadas as partes do parecer do Ministério Público, veio a recorrente pronunciar-se nos termos de fls. 200 a 203, manifestando discordância com o teor do referido parecer e reiterando a posição por si defendida nas alegações de recurso, mais invocando em favor do que alega o Acórdão deste STA de 31 de Janeiro de 2008, rec. n.º 0764/07 (que parcialmente transcreve).


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -

5 – Questão a decidir
É a de saber se bem decidiu a sentença recorrida ao julgar verificado o vício de violação de lei das liquidações de IMI sindicadas, incidentes sobre lotes de terreno constantes de alvará de loteamento cassado após declaração de caducidade do licenciamento urbanístico efectuado pela Câmara Municipal, tendo esta requerido à Conservatória do Registo Predial competente o cancelamento do alvará de loteamento.

6 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada objecto do recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em 16/09/1999 a Câmara Municipal de Palmela emitiu o Alvará de Loteamento n.º 221, em nome da Impugnante, o qual tem o teor constante do doc. n.º 10 junto com a p.i., que aqui se tem por transcrito e do qual consta, entre o mais: (…) Cfr. doc. a fls. 45-51 dos autos.
2. Em 22/11/2006 a Câmara Municipal de Palmela declarou a caducidade do licenciamento urbanístico, a que corresponde o Alvará n.º 221, referido em 1. Supra, constando da respectiva deliberação, que aqui se tem por transcrita, entre o mais, que:
“(…) Ultrapassado o prazo determinado no art. 101.º do CPA – Código de Procedimento Administrativo, propõe-se que seja declarada a caducidade do licenciamento urbanístico, comunicando tal facto à CCDR.LVT – (…) e à Conservatória do Registo Predial de Palmela, bem como que e por conta do titular do alvará, se concluam as obras de urbanização.” Cfr. doc. n.º 11 a fls. 52-54 dos autos.
3. Em 18/12/2006 os serviços da Câmara Municipal de Palmela notificam a Conservatória do Registo Predial de Palmela, nos seguintes termos:
“Serve a presente para informar V. Exa. que esta Câmara Municipal em reunião pública realizada em 22/11/2006, deliberou cassar o alvará de loteamento n.º 221 emitido em 16/09/1999 a favor de A……………….., Lda, atendendo a que as obras de urbanização não foram realizadas no prazo fixado pela licença.
Desta forma vem esta Câmara Municipal requerer a V. Exa., nos termos do Código do Registo Predial o cancelamento do alvará de loteamento atrás referido.” Cfr. doc. n.º 12 a fls. 56 dos autos.
4. A Administração Fiscal procedeu à liquidação de IMI referente aos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009, relativamente aos prédios da titularidade da Impugnante, conforme consta das seguintes demonstrações: (…) Cfr. docs. 1 a 8 a fls. não numeradas do processo administrativo.
5. Em 14/03/2011, a Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Palmela, um pedido de Revisão Oficiosa dos actos de liquidação de IMI referidos em 4. Supra. Cfr. docs. a fls. não numeradas do processo administrativo.
6. Em 05/04/2011, por despacho da Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Palmela, foi indeferido o pedido de revisão oficiosa referido em 5. Supra. Cfr. doc. n.º 1 a fls.24 dos autos.


7 – Apreciando
7.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida ao julgar procedente a impugnação das liquidações de IMI sindicadas
A sentença recorrida, a fls. 112 a 134 dos autos, julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrida contra liquidações de IMI respeitantes a 47 lotes de terrenos para construção constantes de alvará de loteamento cassado pela Câmara Municipal de Palmela após declaração de caducidade da licença de realização da operação de loteamento, fundamentando o decidido nos seguintes termos (cfr. sentença recorrida, a fls. 130 a 132 dos autos):
«A questão a dirimir prende-se com os efeitos da caducidade do acto de licenciamento, de forma a poder precisar a situação jurídica dos lotes que resultaram do alvará que titulou a operação de loteamento.
Ora, os lotes constituem-se com a emissão da licença de loteamento, devendo constar, de forma especificada, do respectivo alvará, cfr. art. 77.º, n.º 1, alínea e), do RJUE.
Com a declaração de caducidade, o acto de licenciamento deixa de existir juridicamente, produzindo efeitos relativamente a todos os direitos que não foram exercidos ao abrigo do mesmo.
Verifica-se, no entanto, que os efeitos da declaração de caducidade não se produzem necessariamente em relação a todos os lotes, v.g. no caso dos lotes para os quais tenha sido aprovado pedido de licenciamento para obras de edificação, cfr. 71.º, n.º 7 do RJUE.
Por outro lado, a própria Câmara Municipal pode proceder à execução das obras de urbanização previstas no licenciamento, mesmo após a declaração de caducidade, acionando a caução (garantia bancária) prestada pelo titular do alvará, cfr. art. 84.º, n.º 1, do RJUE.
Deste modo, considera este Tribunal que a declaração de caducidade do licenciamento urbanístico não reverte a natureza do prédio objecto de loteamento, de prédio urbano para prédio rústico, atendendo a que o mesmo mantém a sua qualificação de tereno para construção adquirida com a concessão de licença de operação de loteamento. É que a declaração de caducidade apresenta-se como uma sanção pelo incumprimento do titular do alvará, reprimindo a negligência imputada ao mesmo (causa imputável ao particular pela não realização da operação urbanística). Por outro lado, não fica precludida a realização de obras urbanísticas em conformidade com a licença caducada pela própria Câmara, como atrás se referiu, bem como a eventual edificação construtiva em alguns dos lotes tal como previstos no alvará, desde que esses direitos se tivessem constituído até à data da declaração de caducidade. Mantém-se, assim, a viabilidade construtiva, mesmo após a declaração de caducidade. Desta forma, não se vislumbra como defensável que os prédios urbanos (terrenos para construção), deixem de o ser, por efeito da declaração de caducidade.
No entanto, tem-se presente que o licenciamento de um loteamento urbanístico, inclui o direito à constituição dos próprios lotes, que por essa via, adquirem autonomia jurídica, enquanto prédios urbanos para efeitos jurídico-tributários, nomeadamente sendo objecto de actos individualizados de liquidação em sede de IMI, ou seja, a concessão da licença de loteamento produz efeitos jurídico-tributários, nomeadamente na qualificação dos lotes como prédios urbanos, por via de serem considerados terrenos para construção, cfr. art. 6.º, n.º 1, alínea c) e n.º 3, do CIMI.
Ademais, o licenciamento de um loteamento, inclui a especificação dos elementos definidores dos lotes, (alguns dos quais são elementos condicionantes dos actos de liquidação) de que são exemplos as áreas, a localização, a finalidade, etc. cfr. art. 77.º, n.º 1, alínea e), do RJUE.
Sucede, no entanto, que o efeito da caducidade é o da extinção dos direitos a que se reporta, vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27/10/2004, Recurso n.º 581/02, não podendo esta, deixar de produzir efeitos nos lotes criados por força do licenciamento ao loteamento, que assim deixam de existir juridicamente como tais.
Neste sentido aponta ainda a imposição legal de comunicação à Conservatória do Registo Predial da cassação do Alvará de loteamento, para efeitos de anotação à descrição ou de cancelamento do respectivo registo, cfr. art. 79.º, n.º 2, do RJUE.
Esta posição foi assumida no voto de vencido do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no Acórdão do Supremo Tribunal administrativo de 31/01/2008, Processo n.º 0764/07, e à qual se adere, por concordância.
Tendo os actos de liquidação impugnados incidido individualmente sobre prédios urbanos sem existência jurídica, vide 4. dos Factos Provados, os mesmos incorreram em erro sobre os pressupostos de facto, o que se reconduz ao vício de violação de lei.» (fim de citação).

Discorda do decidido a recorrente, imputando à sentença recorrida erro de julgamento por incorrecta interpretação das normas de incidência de IMI, mais concretamente os Arts. 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 6.º do CIMI, porquanto tratando-se de parcelas de terreno, física e juridicamente delimitadas no alvará de loteamento, situadas em aglomerado urbano, em local onde não é vedada a construção, com obras de urbanização já executadas, deverão ser fiscalmente tratadas como prédios urbanos, com a categoria de terrenos para construção.
Vejamos.
A questão essencial a dirimir nos presentes autos é a de saber se, para efeitos de IMI, são prédios cada um dos 47 lotes de terrenos para construção constantes do alvará de loteamento n.º 221 cassado pela Câmara Municipal de Palmela após declaração de caducidade da licença de realização da operação de loteamento, e sobre os quais foi liquidado imposto nos anos de 2006 a 2009, ou se, ao invés, em razão da caducidade da licença de loteamento e cassação do respectivo alvará, apenas poderá ser considerado prédio a fracção de território no qual se autorizara a constituição de tais lotes.
Estamos convencidos da bondade do decidido pela sentença recorrida.
É que se os lotes se constituem com a emissão da licença de loteamento, constando, de forma especificada, do respectivo alvará (artigo 77.º, n.º 1, alínea e) do RJUE então vigente), a caducidade da licença de loteamento, ao extinguir os direitos a que se reporta, produz necessariamente efeitos nos lotes criados por força do licenciamento, deixando os lotes previstos no licenciamento caduco de existir como tais (salvo no caso de excepções legais a essa caducidade – cfr. o n.º 7 do artigo 71.º do RJUE – que no caso dos autos não há notícia de que se verifiquem), não podendo, pois, sobre uma realidade que deixou de existir individualmente, incidir IMI.
Ora, como salientava JORGE LOPES DE SOUSA no voto de vencido aposto ao acórdão do STA de 31 de Janeiro de 2008 (rec. n.º 0764/07) – à qual a sentença recorrida e o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal aderem por concordância - o valor económico da globalidade do terreno abrangido por aquela operação varia com a subsistência ou não da possibilidade jurídica de concretizar tal operação, que depende na não caducidade do respectivo alvará, não sendo indiferente fazer incidir a contribuição autárquica sobre as hipotéticas parcelas ou sobre a globalidade do terreno em que elas estavam projectadas.
Acresce que, ao contrário do que sucedia nos Acórdãos deste STA de 28 de Novembro de 2007 (rec. n.º 0766/07) e de 31 de Janeiro de 2008 (rec. n.º 0764/07), não estão em causa nos presentes autos lotes de terreno para construção transmitidos enquanto tais a terceiros após a declaração de caducidade do licenciamento, mas sem que a venda tivesse sido impugnada, em relação aos quais fazia sentido equacionar e ponderar que a negação da respectiva autonomia para efeitos de IMI implicaria que parcelas do solo deixassem de estar sujeitas a imposto, por impossibilidade de as tributar na esfera jurídica do titular do alvará cassado – pois que as havia transmitido por negócio jurídico válido – e na esfera jurídica dos respectivos adquirentes, pois que apenas se lhes reconhecendo autonomia haveria fundamento para a tributação.
No caso dos presentes autos, não há notícia de qualquer transmissão de parte(s) do prédio para o qual estava autorizado o loteamento (apenas de uma tentativa – frustrada, por via da decisão judicial do TAF de ALMADA de que a então impugnante juntou cópia como documento n.º 14 –, de venda em execução fiscal de um dos pretensos lotes - o n.º 19 -, e anulada precisamente por se ter entendido que “após a caducidade do alvará o lote 19 deixou de ter autonomia como prédio, não podendo ser objecto de compra e venda”), não havendo, pois, que ponderar o que ali se ponderou.

Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento.

- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Novembro de 2013. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Ascensão Lopes – Dulce Neto.