Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02905/15.5BELRS 0697/18
Data do Acordão:07/11/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:ATENUAÇÃO ESPECIAL
COIMA
RGIT
REQUISITOS
Sumário:A atenuação especial da coima prevista no nº 2 do art. 32º do RGIT exige a verificação cumulativa dos pressupostos atinentes ao reconhecimento, por parte do infractor, da sua responsabilidade e da regularização da situação tributária até à decisão do processo.
Nº Convencional:JSTA000P24821
Nº do Documento:SA22019071102905/15
Data de Entrada:07/11/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... - SUCURSAL EM PORTUGAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem a Fazenda Pública recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls. 52 e segs., que julgou procedente recurso judicial interposto da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2 e, ao abrigo do artº 32º, nº 2 do RGIT, atenuou especialmente a coima aplicada por aquela entidade à recorrida A…………, sucursal em Portugal.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A. Considerando preenchidos os pressupostos previsto no art. 32º, nº 2 do RGIT, determinou o Tribunal, na douta sentença, alterar a decisão administrativa que aplicou uma coima no valor de €33.844,37, aplicando em sua substituição uma coima de €16.310,54.
B. Salvo o devido respeito, não concorda a Fazenda Pública com o assim decidido pelas razões que se seguem:
C. A atenuação especial da coima prevista no nº 2 do art. 32º do RGIT, exige, pois, a verificação cumulativa de dois pressupostos: o reconhecimento, por parte do infractor, da sua responsabilidade e a regularização da situação tributária até à decisão do processo.
D. Embora a lei não indique os modos por que poderá demonstrar-se a verificação do pressuposto “reconhecimento da responsabilidade”, tem sido entendimento da jurisprudência que, socorrendo-se a arguida, na sua opção de defesa, da alegação de factos que por alguma forma a desresponsabilizassem da omissão ocorrida, não é de julgar verificado tal requisito – Acórdão do STA de 2008-07-02 (Recurso nº 0331/08).
E. No mesmo sentido, a doutrina, João Ricardo Catarino e Nuno Victorino (Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, Vislis, 2002, anotação 7 ao art. 32º, p. 192) entendem que esse requisito se poderá ser tido como evidenciado “a partir dos actos e declarações que o arguido pratique no processo e da conduta que com elas evidencie concretamente assumir”.
F. No caso, nem da factualidade que foi julgada provada nem de quaisquer outros elementos dos autos (note-se que a recorrente nem sequer arrolou prova testemunhal) se evidencia aquele requisito (reconhecimento da responsabilidade, por parte da infractora), sendo que a decisão recorrida também não deixou de exarar, em sede de factos não provados, que “Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.
G. Atento o exposto, não se verificam, no caso em apreço, os requisitos impostos por lei para que a coima possa especialmente atenuada, violando dessa forma a douta sentença o disposto no nº 2 do art. 32º do RGIT, em conjugação com o disposto no nº 1 do art. 2º do RGIT.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.»

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – Neste Supremo Tribunal Administrativo o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, com a seguinte fundamentação que, na parte relevante, se transcreve:
«(…) A representante da Fazenda Pública, inconformada com a sentença recorrida proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, vem interpor recurso do qual resulta para apreciação se a coima não devia ter sido objeto de atenuação especial, atentos os requisitos previstos no n.º 2 do art. 32.º do R.G.I.T., em conjugação com o disposto no n.º1 do seu art. 2.º.
Defende com esse fundamento que a oposição judicial dever ser julgada totalmente improcedente.
Ora, julgou-se aplicar a dita atenuação especial numa ponderação global tida por pertinente face aos factos em que consta ter ocorrido o pagamento da dívida de IVA no 1.º dia de atraso e demais constante na decisão de aplicação da coima dado pro reproduzido, mas em que se deteta sem dificuldade ser "baixa" a situação económica da recorrida, tal como se fundamentou ainda na sentença na parte de direito.
Ora, no dito quadro não é de afastar o decidido, nomeadamente, quanto ao "reconhecimento da responsabilidade", o qual pode resultar dos próprios atos praticados, conforme, aliás, doutrina que a recorrente cita.
Tal depende ainda apenas de "situação regularizada até à decisão da coima", relativamente ao que não subsistem dúvidas.
São esses os 2 únicos requisitos aplicáveis, de acordo com o n.º 2 do dito art. 32.º do R.G.I.T., o qual é aplicável "independentemente do disposto no n.gr.
Assim, o tribunal apurou a prova de todos os requisitos que considerou relevantes para a decisão a proferir, nos termos previstos no art. 72.º n.º 1 do R.G.C.O., o que está de acordo com o decidido no acórdão do STA de 19-4-2017 proferido no proc. 1262/16.
Concluindo:

O recurso é de improceder.»


4 – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

5. A primeira instância deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) Em 19/06/2015, foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 2, em nome da Arguida, o processo de contra-ordenação n.º 32472015060000243282 relativo ao pagamento do imposto (IVA) fora do prazo – cfr. fls. 1 e 2 dos Autos;
B) Em 2/08/2015, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2 o despacho da fixação da coima referente ao processo indicado na alínea anterior, no montante de 33.844,37€, acrescido de custas no montante de 76,50€, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
C) O pagamento do IVA referente a Outubro de 2014 foi pago com um atraso de 24 horas – por confissão, artigo 14º da p.i.;
D) Em 22/09/2015, a Arguida apresentou recurso da decisão referida em B) - cfr. fls. 9 dos autos;»

6. Do objecto do recurso

Da análise da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela Fazenda Pública para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do recurso consiste em saber se no caso vertente se verificam os requisitos da atenuação especial da coima a que alude o artº 32º, nº 2 do RGIT.
Mostram os autos que o Tribunal Tributário de Lisboa considerou preenchidos os pressupostos da atenuação especial da coima previstos no art. 32º, nº 2 do RGIT, e alterou a decisão administrativa que condenou a recorrida numa coima de €33.844,37, aplicando em sua substituição uma coima no valor de €16.310,54.
Não conformada vem a Fazenda Pública interpor o presente recurso.
Alega em síntese que a atenuação especial da coima prevista no nº 2 do art. 32º do RGIT, exige a verificação cumulativa de dois pressupostos: o reconhecimento, por parte do infractor, da sua responsabilidade e a regularização da situação tributária até à decisão do processo.
Mais alega que, nem da factualidade que foi julgada provada, nem de quaisquer outros elementos dos autos se evidencia aquele requisito do reconhecimento da responsabilidade, por parte da infractora.

Vejamos, pois.
6.1 Da atenuação especial da coima
De harmonia com o artº 32º nº 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo.
No caso em apreço a discordância da recorrente cinge-se à verificação do requisito de reconhecimento de responsabilidade.
Não indicando a lei de que modos poderá demonstrar-se a verificação deste requisito de “reconhecimento de responsabilidade” tem sido entendimento da doutrina e da jurisprudência que ele poderá ser evidenciado a partir dos actos e declarações que o arguido pratique no processo e da conduta que com eles evidencie concretamente assumir (Neste sentido vide João Ricardo Catarino e Nuno Victorino (Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, Vislis, 2012, anotação 7 ao art. 32º, p. 300 e Acórdãos de 15.03.2017, recurso 52/17 e de 26.10.2011, recurso 85/11.).
No caso subjudice, e ao invés do que alega a entidade recorrente, é incontroverso que resulta dos autos o reconhecimento, por parte da recorrente, da sua responsabilidade no incumprimento da obrigação de entrega do imposto no prazo – vide recurso de impugnação da coima – artigos 10 a 14, fls.11 - sendo que na referida impugnação a defesa da recorrente se esgota na discordância quanto à não aplicação da dispensa da coima prevista no artº 32º, nº 1 do RGIT e na alegação de irregularidades no procedimento de contra-ordenação que em sua tese poderiam conduzir à sua nulidade.

Configura-se, assim, com relevância para aquele juízo sobre reconhecimento da responsabilidade do infractor, uma situação fáctica bem diversa da equacionada no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 02.07.2008, recurso 331/08 (E também no citado Acórdão de 26.10.2011, recurso 85/11.) mencionado pela recorrente, cujos fundamentos não encontram aqui qualquer espaço de viabilidade.
É que, enquanto naquele aresto estava em causa a alegação de factos que, de alguma forma desresponsabilizavam o arguido pela omissão ocorrida, tal não sucede no caso vertente em que a arguida reconheceu a sua responsabilidade no incumprimento da obrigação de entrega do imposto no prazo devido e procedeu ao pagamento integral do mesmo no dia imediato.

Por isso havemos de concluir que tendo a recorrida procedido, também, de imediato, à regularização da sua situação tributária, se encontram preenchidos os requisitos da atenuação especial da coima previstos no nº 2 do art. 32º do RGIT.
A sentença recorrida que assim entendeu não merece censura.

Pelo que fica dito improcedem todos os fundamentos do recurso.

7. Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Sem custas (arts. 66º do RGIT e 94º, nº 3 do RGCO).

Lisboa, 11 de Julho de 2019. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Ascensão Lopes.