Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02749/11.3BEPRT
Data do Acordão:11/27/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
SUB-ROGAÇÃO
Sumário:I - É claramente inviável a acção movida contra um município para este indemnizar o autor pelos prejuízos sofridos por uma sociedade construtora, cujo ressarcimento – segundo uma sentença judicial condenatória – incumbe ao próprio autor, já que este não invocou os factos constitutivos da sua qualidade de sub-rogado.
II - Assim, não é de admitir a revista do acórdão que julgou tal acção improcedente, pois a solução do aresto – ainda que imperfeitamente fundada numa falta dos requisitos da responsabilidade civil – acabou por ser a exigível «in casu».
Nº Convencional:JSTA000P23885
Nº do Documento:SA12018112702749/11
Data de Entrada:11/05/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE GAIA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
A…………, identificado nos autos, interpôs a presente revista do acórdão do TCA Norte confirmativo da sentença do TAF do Porto que julgara improcedente a acção de indemnização proposta pelo ora recorrente contra o Município de VN Gaia por razões que ultimamente se fundam na nulidade do licenciamento de uma construção.

O recorrente pugna pelo recebimento da revista por esta incidir sobre questões relevantes e mal decididas pelo tribunal «a quo».

O município recorrido, ao invés, considera a revista inadmissível.

Cumpre decidir.

Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA's não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150°, n.º 1, do CPTA).

Atentemos agora no presente caso.

O autor e aqui recorrente obteve a declaração camarária de que era viável a construção de um certo edifício num terreno que lhe pertencia. Seguidamente, celebrou com determinada sociedade uma permuta desse terreno, ou bem presente, por bens futuros – duas fracções do imóvel a implantar pela sociedade no dito terreno. E, porque a Câmara Municipal de Gaia licenciou os projectos de arquitectura e de especialidades relativos a tal construção, a mesma sociedade iniciou a obra. Todavia, um despacho camarário posterior declarou nulos aqueles actos de licenciamento e ordenou o embargo dos trabalhos em curso.

Perante isto, o autor e a sociedade construtora celebraram um contrato escrito em que aquele se obrigou a recorrer contenciosamente do despacho declarativo da nulidade e, caso o recurso não fosse interposto ou soçobrasse, a indemnizar a sociedade pelos danos emergentes e lucros cessantes por ela sofridos e perdidos. Deduzido esse recurso, o TAF do Porto negou-lhe provimento, por sentença que transitou. Após o que a sociedade propôs, no Tribunal Judicial de VN Gaia, uma acção contra o ora recorrente, que este, aliás, não contestou e onde veio a ser condenado a pagar à autora € 3.324.237,94, correspondente aos prejuízos reconhecidos no dito acordo, bem como os respectivos juros moratórios.

Dizendo-se prejudicado por essa sentença, o autor veio então instaurar, contra o Município de Vila Nova de Gaia, a acção dos autos, onde basicamente pretende obter do réu, a título indemnizatório, a importância que foi condenado a pagar à sociedade construtora.

As instâncias não foram unânimes quanto aos exactos requisitos da responsabilidade civil que, «in casu», estariam em falta. Mas concordaram que tais pressupostos estavam incompletos, motivo por que julgaram improcedente a acção dos autos.

Nesta revista, o recorrente insiste na presença de todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do município. Mas é flagrante a inviabilidade do recurso.

O pedido formulado pelo autor «in initio litis» corresponde aos danos sofridos pela sociedade construtora – os quais se repercutiriam na esfera jurídica dele em virtude do contrato celebrado entre ambos e da sentença condenatória que, nesse negócio, se baseou («vide» o art. 37º da petição inicial).

Assim, ao invocar contra o município réu danos sofridos por um terceiro, o autor veio exercer – na presente lide – um arremedo de sub-rogação (cfr. os arts. 589º e ss. do Código Civil). Com efeito, só nesse plano da sub-rogação é concebível que o autor demande o município; pois é óbvio que não podia fazê-lo com base no contrato em que aceitou ser responsável perante a sociedade, já que tal negócio só tinha efeitos relativos ou «inter partes» – como acertadamente se disse no aresto «sub specie».

Contudo, o autor não alegou o suficiente para que se lhe possa atribuir, nesta lide, a qualidade de sub-rogado. Para tanto, era necessário – para além do mais – que ele tivesse alegado que já pagara à sociedade construtora aquilo que, agora, quer obter do réu. Como esse facto não consta da petição, é impossível atribuir ao autor a qualidade de sub-rogado nalgum direito de crédito da sociedade perante o município. E, mostrando-se o autor desprovido dessa qualidade, logo se revelam inviáveis a acção e a presente revista.

Assim, nenhuma razão há para que submetamos o juízo de improcedência – inserto no acórdão recorrido – a reapreciação. Afinal, e embora partisse de uma fundamentação imperfeita, o tribunal «a quo» terminou pela emissão do comando judicial exigível «in casu».

Nestes termos, acordam em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Porto, 27 de Novembro de 2018. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.