Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01278/13
Data do Acordão:10/16/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:MATÉRIA DE DIREITO
MATÉRIA DE FACTO
INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
Sumário:I) O Supremo Tribunal apenas tem competência para conhecer de decisões dos tribunais tributários quando estiver em causa matéria exclusivamente de direito.
II) Verificando-se que, em inúmeros passos quer das alegações quer das conclusões de recurso, a Fazenda Pública questiona a matéria de facto (vide conclusões 2ª, 4ª e 5ª) é incompetente o STA em razão da hierarquia para conhecer do recurso apresentado.
Nº Convencional:JSTA000P16425
Nº do Documento:SA22013101601278
Data de Entrada:07/17/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:FUNDAÇÃO A……………
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO

Fundação A……………………, intentou reclamação judicial do despacho proferido pelo Órgão de Execução Fiscal em 03/07/2012 que recaiu sobre a constituição de penhor legal sobre o direito do reembolso de IVA no valor de € 156.012,18, no âmbito do processo de execução fiscal n° 1627201201003828.
Por sentença de 26 de Março de 2013, o TAF de Castelo Branco anulou o acto que procedeu à constituição de penhor sobre o reembolso do IVA do período 2010/12T, bem como entendeu que a reclamante devia ser reembolsada do IVA do período de 2010/12T, com pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art° 43º n° 3 al. a) da LGT. Reagiu a Fazenda Pública, interpondo o presente recurso cujas alegações integram as seguintes conclusões:
1) A sentença recorrida decidiu no sentido do pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art.° 43º n° 3 a) da LGT.

2) Todavia, de entre a matéria de facto dada como provada não constam quaisquer factos dos quais se pudesse concluir pela existência do direito a juros indemnizatórios nos termos do art° 43.° n.° 3 a) da LGT.

3) De resto, tais factos nem sequer foram alegados pela reclamante na sua douta P.I.

4) Da sentença não constam factos que permitam concluir se em causa estava uma restituição oficiosa ou não, nem constam factos que permitam determinar qual a data a partir da qual a reclamante tinha direito ao pagamento do reembolso de IVA em causa, sendo que, para a determinação da data a partir da qual são devidos esses juros indemnizatórios é fundamental conhecer a data da apresentação desse pedido por parte do contribuinte, uma vez que o prazo para o respectivo reembolso conta-se a partir daquela data, e, é ainda fundamental saber, estando em causa uma quantia a reembolsar de valor superior a € 30 000,00, se foi exigida alguma garantia, o que, nos termos do n.° 7 do mesmo art.° 22, determina a suspensão do prazo de contagem de juros indemnizatórios até à sua prestação.

5) Era a averiguação destes factos, que, como se disse não foram considerados entre a matéria de facto provada, que permitiria concluir se efectivamente haveria ou não direito a juros indemnizatórios nos termos do art.° 43° n° 1 a) da LGT.

6) Diga-se em qualquer caso que em causa não estava uma restituição oficiosa mas sim um reembolso de IVA pedido pela reclamante e que, no âmbito da sua análise, e antes do final do prazo para o seu pagamento, foi pedida uma garantia àquela que nunca veio a ser prestada.

7) A existência ou não do direito a juros indemnizatórios passava por apurar todo este conjunto de factos, os quais não constam da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida.

8) Acresce que no processo que deu origem à sentença recorrida não poderia sequer ser apreciado o direito a juros indemnizatórios pelo atraso na restituição oficiosa de qualquer tributo, uma vez que o seu objecto era ajuizar se o penhor legal então constituído havia sido legal ou não, e em consequência, se, se deveria manter ou não.

9) Em bom rigor, na data da apresentação daquela reclamação judicial nem sequer existia já qualquer restituição cujo atraso pudesse originar qualquer direito a juros indemnizatórios, pois nessa data o direito ao reembolso em questão já havia sido deferido. Simplesmente, tendo sido constituído um penhor legal sobre o direito de crédito da reclamante sobre esse reembolso, ele ficou afecto a garantia no processo de execução fiscal em curso.

10) Acresce que, na realidade, nunca houve qualquer atraso no seu pagamento susceptível de gerar o pagamento de juros indemnizatórios uma vez que, até à sua confirmação, o prazo de pagamento de juros compensatórios esteve suspenso nos termos do art.° 22.° n.° 7 do CIVA, em virtude da falta de prestação da garantia que foi solicitada à ora recorrente. E, após a sua confirmação foi o mesmo objecto de penhor em sede execução fiscal, e ao abrigo do art.° 8.° do D.L. 122/88 na redacção dada pela lei 55-A/2010.

11) Aliás, é apenas o acto de constituição do penhor legal, enquanto decisão praticado pelo órgão de execução fiscal que pode constituir objecto de reclamação judicial por via do art.° 276.° do CPPT. Efectivamente, o processo de reclamação das decisões do órgão de execução fiscal previsto no art.° 276.° e ss do CPPT não é o meio adequado à apreciação do direito a juros indemnizatórios por violação do art.° 43° n.° 3 a), isto é, do direito a juros indemnizatórios por falta de cumprimento do prazo legal de restituição oficiosa dos tributos.

12) Assim, não podia o direito a juros indemnizatórios por atraso na restituição oficiosa de tributos ser apreciado em processo de reclamação judicial de actos praticados pelo órgão de execução fiscal, sob pena de nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

Por tudo quanto deverá o presente recurso merecer total provimento. Pelo que, revogando a douta sentença recorrida, na parte em que determina o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art.° 43° n° 3 a) da LGT, farão VOSSAS EXCELÊNCIAS, EXCELENTÍSSIMOS SENHORES JUIZES CONSELHEIROS, JUSTIÇA.

Não houve contra-alegações.

O EMMP neste STA a fls. 371 e 371 verso, levantou a questão de omissão de pronúncia relativamente à invocação da existência da excepção de litispendência.
Por despacho de fls. 372 os autos foram remetidos ao TAF de Castelo Branco.

Notificadas as partes, veio a reclamante apresentar requerimento de fls. 378 e segs. no sentido de que a excepção invocada pela Fazenda Pública fosse julgada improcedente.

Por despacho de fls. 387 o TAF de Castelo Branco entendeu que a sentença recorrida não enfermava de qualquer nulidade mantendo-a nos mesmos termos.

O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:

É jurisprudência corrente deste Supremo Tribunal que “o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas conclusões do respectivo recurso se questionar a questão factual manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja das ilações de facto que se devem retirar dos mesmos” (cfr., entre muitos outros, os Acs. do STA de 29.09.2010, de 09.01.13 e de 04.09.13, in procs. n.°s 0446/10, 0653/12 e 0164/12, respectivamente).
Ora, nas Conclusões da sua Alegação do Recurso, a recorrente invoca a insuficiência da matéria de facto para a decisão sobre o pagamento dos questionados juros indemnizatórios. Neste contexto, entende-se que o presente recurso não se fundamenta exclusivamente em matéria de direito, razão pela qual operará a incompetência deste Tribunal, sendo competente para dele conhecer o TCASuI (art. 280° n°1 CPPT e arts. 26° al b) e 38 al. a) do ETAF).

Assim não se entendendo, o que se admite a mero benefício de raciocínio, é o seguinte o nosso parecer:

Está em causa a douta sentença de 26.03.2013 que, julgando procedente a reclamação deduzida pela ora recorrida, anulou o despacho proferido pelo órgão de execução fiscal, em 17.09.2012, “no segmento correspondente ao indeferimento do pedido de levantamento do penhor por considerar ser a manutenção daquele penhor ilegal” determinando, em consequência, que a reclamante, ora recorrida, fosse “reembolsada do IVA do período de 2010/12T, com pagamento de juros indemnizatórios nos termos do disposto no art. 43.°, n.° 3 al. a) da LGT”.
Como se vê das “Conclusões” da respectiva “Alegação” a recorrente Fazenda Pública, para além de invocar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia no que respeita à questão da litispendência, questiona o acerto da decisão recorrida quanto ao segmento relativo à condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
Vejamos:
Como decorre da lei e vem sendo jurisprudência repetida deste Supremo Tribunal, a nulidade por omissão de pronúncia deriva do incumprimento por parte do tribunal do dever que impende sobre o tribunal de resolução de todas as questões que as partes tenham suscitado, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (art. 608.°, n° 2 do novo CPC).
A litispendência é uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que não foi invocada pelas partes mas oficiosamente suscitada pelo tribunal o qual, no entanto, dela não conheceu na douta sentença recorrida, não obstante o dever inserto no art. 495.° do CPC de 1961 (agora o art. 578° do novo CPC).
Porém, como refere Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao art. 125.° do CPPT, “embora o tribunal tenha também o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (parte final do n.° 2 do art. 660.º do CPC), a omissão de tal dever não constituirá nulidade, mas sim erro de julgamento” e esse tem sido também o entendimento da jurisprudência sobre a matéria (cfr. CPPT, anotado, 2000, pág. 550).
Não procederá, portanto, a nulidade por omissão de pronúncia invocada pela recorrente. Contudo, salvo melhor entendimento, o não conhecimento da excepção da litispendência, só por si, não torna inválida a decisão recorrida, sendo certo que o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não impende apenas sobre o tribunal recorrido, impendendo também sobre o tribunal superior, que delas sempre poderá conhecer, não estando nessa matéria limitado ao “tema” do recurso, tal como este vem recortado nas conclusões da alegação do recorrente.
Assim, ocorre litispendência quando se verifica a repetição de uma causa estando a anterior ainda em curso (art. 497°, n.° 1 do CPC). E existe repetição da causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (art. 498.°, n.°l do CPC).
Como ensina Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 301, o instituto da litispendência visa, por um lado, evitar um “duplo dispêndio (desnecessário) de tempo, de dinheiro e de esforços” e, por outro, prevenir a prolacção de sentenças contraditórias, com “risco de grave dano para o prestígio da justiça».
Não havendo qualquer dúvida quanto à identidade das partes em ambos os processos e podendo ainda sustentar-se a existência de alguma similitude entre o objectivo fundamental visado nos presentes autos e na Reclamação n.° 351/12.1 BECTB — a anulação do penhor e consequente reembolso do IVA relativo ao período de 2010/12T — a verdade é que são distintos os actos que se pretendem ver anulados, como distintos são os factos jurídicos donde emerge o direito que a reclamante, ora recorrida, se arroga num e noutro processo.
De facto, se na Recl. n.° 351/12.1 BECTB o que está em causa é o acto de constituição de penhor que recaiu sobre o direito de reembolso do IVA ocorrido no decurso do prazo legal para impugnação das dívidas de imposto e eventual apresentação de garantia que suspendesse o processo executivo, já nos presentes autos o acto de que se reclama é o despacho de 17.09.2012 que indeferiu o pedido de levantamento do penhor que se alicerçava na suficiência das garantias hipotecárias prestadas para a suspensão da execução fiscal.
Entende-se, neste contexto, que a omissão do dever de pronúncia sobre a apontada excepção da litispendência se traduz em mera irregularidade processual insusceptível de fulminar com a nulidade ou a invalidade a douta sentença recorrida.

Quanto aos juros indemnizatórios.

O fenómeno reparatório, a título de juros indemnizatórios, destina-se a compensar o contribuinte pelo prejuízo decorrente do pagamento de prestação tributária indevida ou superior à que seria devida ou, como se discute no caso presente, quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos (art. 43º da LGT).
A sentença recorrida anulou o despacho reclamado, “no segmento correspondente ao indeferimento do pedido de levantamento do penhor por considerar ser a manutenção desse penhor ilegal” e determinou ainda que a reclamante, ora recorrida, fosse reembolsada do IVA relativo ao período de 2010/12T, com o pagamento dos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no art. 43.°, n.° 3, al. a) da LGT.
A Fazenda Pública, ora recorrente, não questionando a anulação do despacho reclamado e o reembolso do IVA, apenas põe em causa o segmento decisório relativo à fixação dos juros indemnizatórios, argumentando no essencial que “nunca houve qualquer atraso susceptível de gerar o pagamento de juros indemnizatórios” e que “não podia o direito a juros indemnizatórios por atraso na restituição oficiosa de tributos ser apreciado em processo de reclamação judicial de actos praticados pelo órgão de execução fiscal, sob pena de nulidade da sentença por excesso de pronúncia”.
Sem razão, porém, salvo melhor entendimento.
Prescreve o art. 22.°, n.° 8 do CIVA, na redacção do DL n.2 197/2012, de 24 de Agosto que “Os reembolsos de imposto, quando devidos, devem ser efetuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira até ao fim do 2.º mês seguinte ao da apresentação do pedido ou, no caso de sujeitos passivos que estejam inscritos no regime de reembolso mensal, até aos 30 dias posteriores ao da apresentação do referido pedido, findo os quais podem os sujeitos passivos solicitar a liquidação de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da lei geral tributária”
Daqui resulta que sempre que os reembolsos tenham lugar para além do termo do prazo referido na norma o contribuinte terá direito a peticionar o pagamento de juros indemnizatórios os quais só não serão devidos se o atraso no reembolso não for imputável à A.F., o que manifestamente não é o caso.
Com efeito, sendo certo que o reembolso não teve lugar no prazo legal, por ter sido objecto de penhor constituído em 3.07.2012, conforme consta do documento de fls. 167, para o qual remete o ponto 3 dos Factos Provados e tendo a sentença recorrida considerado, questões que não se incluem no âmbito do recurso, que o penhor era ilegal e que a reclamante, ora recorrida, devia ser reembolsada do IVA relativo ao período de 2010/12T, estão reunidos os pressupostos para haver lugar ao pagamento dos questionados juros indemnizatórios, não se vislumbrando obstáculo legal a que a questão seja apreciada em sede de processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal.

Em face de tudo quanto se deixou exposto, pronuncio-me no sentido da total improcedência do recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:

1. A reclamante foi notificada das liquidações de IVA relativas aos períodos de 2008/03T, 2008/06T, 2008/12T, 2009/03T e 2009/12T, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 31/05/2012 — cfr. fls. 22 a 41 dos presentes autos;

2. Em 29/06/2012, a reclamante foi citada para o processo de execução fiscal n° 1627201201003828, instaurado para cobrança coerciva das liquidações de IVA, referidas em 1 supra, no valor de € 468.034,56. Da citação consta o valor indicativo para efeitos de garantia de € 592.743,81 — cfr. fls. 42 e seguintes dos presentes autos;

3. Em 11/07/2012, por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Avis, a reclamante foi notificada do penhor/garantia no valor de € 156.012,18 sobre o direito ao reembolso de IVA do período de 2010/12T — cfr. fls. 21 dos presentes autos;

4. Em 31/07/2012, a reclamante procede ao registo on line, na competente Conservatória do Registo Predial, da hipoteca de três imóveis a favor da Fazenda Pública, cujo valor é de € 592.743,81, averbado ficou que “garantia o pagamento da dívida exequenda no valor de €466.817,49, referente ao IVA, relativo ao 1°, 2° e 4º trimestres do ano de 2008, o 4º trimestre do ano de 2009 e o 4º trimestre do ano de 2010, no âmbito do processo de execução fiscal com n° 1627201201003828, do SF de Avis, juros de mora e custas, acrescido de 25% da soma destas importâncias até ao limite do capital” — cfr. fls. 142 e 143 dos presentes autos;

5. Em 01/08/2012, a reclamante emite requerimento endereçado ao Chefe do Serviço de Finanças de Avis, referindo que iria proceder à interposição de impugnação judicial contra os actos tributários de liquidação que constituem a dívida exequenda e que procedeu à constituição de hipoteca voluntária sobre três imóveis:
> Prédio misto denominado “Herdade das Ferrarias”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Fronteira sob. N° 1352/19960711 e inscrito na matriz predial da freguesia de Alter do Chão com o n°21, Secção M, com n° 1218;
> Prédio rústico denominado “courela do Bonjardim”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Fronteira sob o n° 630/19960618 e inscrito na matriz predial da freguesia de Cabeço de Vide com o n° 9, Secção C;
> Prédio misto denominado “Herdade das Ferrarias” descrito na Conservatória do Registo Predial de Fronteira sob o 629/19960617 e inscrito na matriz predial da freguesia de Cabeço de Vide com n° 2, Secção C1 (parte rústica) e com os n°s 1050 e 1051 (parte urbana)
Nesse requerimento, solicita a suspensão da execução com base nas garantias prestadas e, atendendo à suficiência da garantia constituída pelas hipotecas, pede o levantamento do penhor legal no valor de € 156.012,18 — cfr. fls. 139 a 147 dos presentes autos;

6. Em informação que sustenta o projecto de decisão e a decisão final sobre o pedido de suspensão da execução fiscal, foi proferido entendimento favorável no sentido que os três imóveis referidos no ponto anterior deste probatório, oferecidos como garantia da dívida exequenda, cujo VPT da parte rústica totalizava o montante €593.085,10, constituem garantia idónea:




Cfr. fls. 151 a 159 dos presentes autos;

7. Em 14/08/2012, é deferido o pedido de suspensão imediata do processo de execução fiscal e indeferida a pretensão da requerente quanto ao levantamento do penhor — cfr. fls. 151 a 159 dos presentes autos.

8. Os fundamentos enunciados pelo Chefe do Serviço de Finanças acerca do indeferimento do pedido de penhor, estribam-se nas instruções administrativas difundidas através do Oficio - Circulado n° 60076 de 29/07/2010, concluindo assim que “(...) Encontra-se constituído penhor do direito de crédito correspondente ao reembolso de IVA do período 2010/12T, no montante de €156.012,18, tendo sido o mesmo efectuado automaticamente e, por via electrónica nos termos dos n°s. 1 e 5 do art. 195° CPPT em 03/7/2012, passando a constituir garantia associada ao PEF em referência (...) não pode decidir pelo levantamento do penhor, dado que se traduziria numa redução da qualidade da garantia, ainda que num montante parcial da mesma, nomeadamente do ponto de vista da sua liquidez. Assim. Sou de parecer que é de deferir o pedido de suspensão imediata do processo de execução fiscal e, de indeferir a pretensão da requerente quanto ao levantamento do penhor” — cfr. fls. 151 a 159 dos presentes autos;

9. Decorre dos Estatutos da Fundação A…………….., ora reclamante que a mesma é uma instituição particular de solidariedade social, que prossegue os seguintes fins:




3- DO DIREITO

A meritíssima juíza do TAF de Castelo Branco, anulou o acto que procedeu à constituição de penhor sobre o reembolso do IVA do período 2010/12T, bem como entendeu que a reclamante devia ser reembolsada do IVA do período de 2010/12T, com pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art° 43º n° 3 al. a) da LGT, por entender que: (destacam-se apenas os trechos mais relevantes da decisão com interesse para o presente recurso)

“I. RELATÓRIO
Fundação A…………….., vem intentar a presente reclamação judicial do despacho proferido pelo Órgão de Execução Fiscal em 03/07/2012 que recaiu sobre a constituição de penhor legal sobre o direito do reembolso de IVA no valor de € 156.012,18, no âmbito do processo de execução fiscal n° 1627201201003828.
Quanto ao fundamento da reclamação:
Funda-se na ilegalidade do ato reclamado. Para o efeito, considera que quando tal garantia foi constituída ainda decorria o prazo para requerer a dação em pagamento, para deduzir oposição judicial, para requerer o pagamento em prestações, bem como para deduzir impugnação judicial;


(...)
II- FUNDAMENTAÇÃO
II. 1- DOS FACTOS PROVADOS
(...)

II.4-DO DIREITO
A reclamação prevista no artigo 276.° do CPPT é o meio processual adequado para impugnação da generalidade de atos materialmente administrativos praticados no âmbito do processo de execução fiscal.
De forma geral, a lei prevê a obrigatoriedade de assegurar a possibilidade de reclamar de todos os atos lesivos (art. 268° n°4 da CRP e 95° n°s 1 e 2 als,j) e 103° n°2 da LGT), porquanto desde logo, enunciamos a própria Constituição da República Portuguesa, a qual garante no seu art. 268° n°4, o direito à tutela judicial efetiva de direitos e interesses legítimos em matéria de contencioso administrativo (em que se engloba o tributário).
Do petitório resulta que a reclamante argui a revogação do acto de constituição de penhor do reembolso de IVA do período de 2010/12T, praticado pelo Órgão de Execução Fiscal, de que a reclamante foi notificada em 13/7/2012, considerando que o mesmo é ilegal, por não ter decorrido 30 dias para que a mesma procedesse ao pagamento da dívida exequenda ou à sua contestação, nem sequer aos 15 dias a que se refere o n° 7 do art. 169° do CPPT.

Vejamos a bondade da questão colocada pela reclamante:

Da ilegalidade da constituição automática de penhor:

Neste sentido há que dizer, essencialmente que, embora a lei tributária permita à Administração fiscal, por sua iniciativa e independentemente de consentimento do respectivo titular, a constituição de penhor ou hipoteca legal para garantia (especial) dos créditos tributários (art. 50.° n.° 1, alínea b) da Lei Geral Tributária e os n.°s 1 e 5 do art. 195.° do CPPT), e o n.° 1 do artigo 195.° do CPPT pareça permitir a constituição de penhor sempre que o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável, a Lei Geral Tributária, que naturalmente prevalece sobre o disposto no CPPT, como o próprio reconhece no seu artigo 1.º e porque, nos termos da respectiva autorização legislativa, este diploma visou adaptar as normas procedimentais e processuais vigentes ao disposto naquela Lei (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Volume III 6ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, p. 390/391 - nota 2 ao art. 195.° do CPPT) - exige que a constituição de tais garantias se revelem necessárias à cobrança efectiva da divida —, necessidade essa que não se tem por verificada nos casos em que o próprio executado, voluntariamente, se oferece para prestar garantia e/ou não se lhe dá, antes da constituição do penhor, oportunidade de o fazer.
Veja-se neste sentido, acórdão do STA de 02/05/2012, rec. n.° 408/12 e, ainda acórdão STA de 24/10/2012, proc. 01042/12.
ln casu, tem-se como assente que o prazo de pagamento voluntário do imposto (IVA) dos períodos de 2008/03T, 2008/06T, 2008/12T, 2009/03T e 2009/12T, terminava em 31/05/2012 e, nos termos da lei, dispunha a, ora reclamante, de 90 dias contados a partir daquela data para deduzir impugnação judicial (art. 102° n° 1 al. a) do CPPT) e ainda, nos termos do art. 169° do CPPT, é facultado ao executado que deduza impugnação judicial e possa solicitar a suspensão da execução, desde que preste garantia nos termos do disposto no art. 199º do CPPT.
Dentro dos prazos indicados, a reclamante veio oferecer voluntariamente garantia idónea.
Atenta esta factualidade, conclui-se que a constituição automática de penhor em 11/07/2012, não é legal, pois encontrava-se a decorrer prazo legal para impugnação das dívidas de imposto e para, concomitantemente, a reclamante apresentar querendo garantia que suspendesse o processo executivo.
Por outro lado, a ora reclamante, foi notificada da constituição automática de penhor sobre direito ao reembolso de IVA do período 2010/12T, sem que tenha tido qualquer oportunidade de constituir outro tipo de garantia.
Devia a AF, em fase anterior à constituição do penhor automático, ter notificado a reclamante para prestar garantia, tal decisão administrativa revela-se pois ilegal por contrariar o disposto no art. 50°, n° 2, al. b) da LGT.
Com efeito, a constituição de penhor pela AF, em Julho de 2012, sem que tenha antecipadamente notificado a reclamante para esta eleger garantia idónea, é sinónimo nos termos legais que a constituição de penhor não “se revela necessário para a cobrança efectiva da dívida”.
Termos em que o acto, ora reclamado, ilegal.

Procede por aqui, o presente pedido devendo ser anulado o acto de constituição de penhor, ora reclamado.

Mesmo que assim não se entendesse, sempre procederia o pedido por outra vertente.
Com efeito, a reclamante em articulado superveniente, ainda nos presentes autos, vem referir que foi notificada em 22/08/2012 do despacho do Chefe do Serviço de Finanças da decisão que recaiu sobre a constituição de garantia apresentada, considerando-a idónea, mantendo contudo o penhor constituído sobre o direito ao reembolso do IVA do período 2010/12T, pedindo também a anulação deste indeferimento.
Ora, manifestando a, ora reclamante, a intenção de apresentar impugnação judicial e constituindo hipoteca voluntária em valor suficiente para garantir os créditos exequendos, e verificando-se que o Chefe de Serviço de Finanças de Avis decidiu que as garantias oferecidas pela reclamante eram idóneas, em atenção ao disposto no art. 199° do CPPT, quanto à forma e suficiência, considerando que o PEF deveria ser suspenso, não poderia manter a constituição de penhor sobre o reembolso do IVA no valor €156.012,00 com fundamento em que tal redundaria na redução de qualidade da garantia, ainda que num montante parcial da mesma, nomeadamente, do ponto de vista da sua liquidez, em sentido contrário ao preconizado pela AF, v.g acórdão do STA de, 15/02/12, proc. n°0126/12, in www.dgsi.pt.
Desde que, a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a Administração fiscal não pode manter o penhor anteriormente constituído, com fundamento em aspectos meramente qualitativos das garantias, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do art. 199° do CPPT e, ainda com base em prestação de garantia superior à devida.
Cumpridos, ou não, todos formalismos a que alude o art. 52° da LGT, o certo é que o Chefe do Serviço de Finanças ponderou a constituição das hipotecas e do penhor e assentiu e deferiu a constituição das hipotecas voluntárias sobre os três imóveis considerando que tal servia de garantia idónea da dívida exequenda, quer quanto à forma, quer quanto à suficiência, pelo que sempre se verificaria que o indeferimento sobre o pedido de levantamento do penhor não tinha qualquer consistência legal, assim este último despacho no segmento que se reporta ao indeferimento do pedido de levantamento de penhor não poderia manter-se na ordem jurídica.
Procede o pedido da presente reclamação.

Por último passemos à análise do pedido de juros indemnizatórios.

Nos autos está em causa um reembolso de IVA do período de 2010/12T, que não foi atribuído dentro do prazo legal, dada a constituição de penhor no âmbito do processo executivo dos autos.
Prescreve, a alínea a) do n.° 3 do art.° 43. ° da LGT que são devidos juros indemnizatórios quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos.
Ora, verificando-se que, no momento em que foi constituído o penhor, ainda decorria o prazo legal para o executado impugnar e constituir garantia idónea para suspender o processo executivo e, para além do mais, concluindo-se que tal penhor sobre o direito ao reembolso do IVA não devia ter sido constituído por ilegal, são devidos juros indemnizatórios desde que não foi respeitado o prazo legal de reembolso do IVA do período de 2010/12T à reclamante.
Procede o pedido de juros indemnizatórios.

Nos termos do artigo 446°, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e), do CPPT, a decisão que julgue a acção condenará em custas a parte que a elas houver dado causa. Entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (artigo 446.°, n.º 2, do CPC). Face ao decidido, cabe à Fazenda Pública a responsabilidade pelas custas (artigo 446.° do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT).

IV- DECISÃO

Termos em que, anulo o acto que procede à constituição de penhor sobre o reembolso do IVA do período de 2010/12T.

Em consequência, a reclamante deverá ser reembolsada do IVA do período de 2010/12T, com pagamento dos juros indemnizatórios nos termos do disposto no art. 43º nº 3 al. a) da LGT.”

DECIDINDO NESTE STA

Este Supremo Tribunal por respeito aos ditames legais em matéria de competência hierárquica não pode conhecer do recurso, pois verificamos, como destaca o Ministério Público junto deste STA, que nas conclusões da sua Alegação do Recurso, (conclusões 2ª e 5ª) a recorrente invoca a insuficiência da matéria de facto para a decisão sobre o pagamento dos questionados juros indemnizatórios.
Neste contexto, entende-se que o presente recurso não se fundamenta exclusivamente em matéria de direito, razão pela qual operará a incompetência deste Supremo Tribunal que apenas tem competência para conhecer de decisões dos tribunais tributários quando estiver em causa matéria exclusivamente de direito (cfr. art. 26°, al. b) do ETAF, aprovado pela Lei n.° 13/2002, de 19 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.°s 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, 107-D/2003, de 31 de Dezembro, 1/2008, de 14 de Janeiro, 2/2008, de 14 de Janeiro, 26/2008, de 27 de Junho, 52/2008, de 28 de Agosto, 59/2008, de 11 de Setembro, Decreto-Lei n.° 166/2009 de 31 de Julho e Lei n° 55-A/2010 de 31 de Dezembro e n° 1 do artigo 280º do CPPT), cumpre declarar a sua incompetência em razão da hierarquia.

Pelo exposto, o Supremo Tribunal Administrativo é incompetente em razão da hierarquia, para conhecer do recurso da Fazenda Pública, no que concorda a própria recorrente ( vide fls. 400 e 401) indicando-se nos termos do art° 18° n° 3 do CPPT o Tribunal Central Sul, como o tribunal competente.

4- DECISÃO

Termos em que se acorda em declarar incompetente em razão da hierarquia este STA para o conhecimento do recurso da Fazenda Pública, determinando a remessa dos autos ao TCA Sul por ser o competente.

Sem custas

Lisboa, 16 de Outubro de 2013. - Ascensão Lopes (relator) - Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.