Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0499/12.2BEPRT 0339/18
Data do Acordão:06/17/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:IVA
TRANSMISSÃO DE BENS EM SEGUNDA MÃO
Sumário:I - As transmissões de bens em segunda mão efectuadas por um sujeito passivo revendedor são sujeitas a tributação segundo o regime especial de tributação da margem quando este tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade a outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão de bens por este tenha sido efectuada ao abrigo de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efectuada (art.3º nº1 l.d) DL nº 199/96,18 outubro, correspondente ao art.314º nº1 al.d) da actual Directiva IVA 2006/112/CE, do Conselho)
II - Tendo as viaturas objecto das operações sujeitas a tributação sido adquiridas pelo sujeito passivo em Portugal a um revendedor comunitário na Alemanha que aplicou a taxa normal de IVA, e não o regime especial de tributação pela margem vigente nesse país, paralelo ao aplicável em Portugal as transmissões em território nacional deverão ser tributadas segundo o regime normal de IVA, com base tributável correspondente ao valor da contraprestação obtida ou a obter dos adquirentes, podendo aquele sujeito passivo proceder à dedução do IVA suportado na aquisição (arts. 16º nº1, 19º nº1 al.a) e 20º nº1 al.a) CIVA)
Nº Convencional:JSTA000P26060
Nº do Documento:SA2202006170499/12
Data de Entrada:04/04/2018
Recorrente:A............ & FILHOS, LDA.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.RELATÓRIO
1.1. A………& Filhos, Lda interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 13 dezembro 2017 que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de improvimento do recurso hierárquico interposto contra decisão de indeferimento de reclamação graciosa apresentada contra liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios (anos 2006 a 2008) no montante global de € 104 041,42

1.2. A recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
1. A Recorrente, no período de 2006. 2007 e 2008, exerceu a actividade de “Revendedor” de veículos automóveis ligeiros que adquiriu, uns a particulares e outros a revendedores que aplicaram nas facturas emitidas ora o regime geral, ora o regime especial dos bens em segunda mão.
2. A Recorrente com recurso a internet seleccionava as viaturas e procedia a sua encomenda pagando o preço “net”.
3. Nas transmissões efectuadas a recorrente não liquidou IVA nem pelo regime normal nem pelo regime da margem, com fundamento no n.º 33 do art.º 9 do CIVA.
4. Convencida do erro de interpretação a Recorrente apurou o imposto pela aplicação do regime especial de tributação de bens usados que entregou nos cofres do Estado.
5. A AT na sequência da acção inspectiva que realizou procedeu a liquidação adicional do IVA e dos juros compensatórios, por aplicação do regime normal, a todas as transmissões de bens usados adquiridos a “revendedores” que liquidaram o IVA nas facturas que emitiram.
6. Não se conformando, a Recorrente reagiu, contenciosamente, contra os actos tributários controvertidos pedindo a sua anulação com fundamento em erro de facto e de direito.
7. O Tribunal a quo decidiu pela improcedência do pedido considerando que só as transmissões de bens adquiridos a revendedores que se subsumam numa das alíneas do art.º 3.º do DL n.º 199/95, estão sujeitas ao regime especial dos bens em segunda mão.
8. Salvo o devido respeito, pela aliás douta decisão, entende Recorrente que aquela fez errada interpretação do art.º 3.º do DL 199/95 de 18 de Outubro.
9. Entendimento que resulta desde logo dos motivos que determinaram o legislador, nacional e comunitário a instituir um regime especial que permitisse “trazer para dentro do sistema do imposto sobre o valor acrescentado os ganhos dos revendedores” eliminando ou atenuando a dupla tributação ocasionada pela reentrada no circuito económico de bens que já tinham sido definitivamente tributados (cfr. aliás, consta expressamente consta do Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro de 1996), observando o princípio da neutralidade fiscal e evitando as distorções da concorrência.
10. Propósitos que no preambulo do DL 504-G/85 de 30 de Dezembro, constavam do modo seguinte: “A aplicação do método de crédito de imposto, nos casos em que a actividade exercida pelo sujeito passivo consista na transmissão de bens em segunda mão ou de objectos de arte referidos no n.º 19 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, traduzir-se-ia, em última análise, em sujeitar a nova e integral tributação de bens habitualmente oriundos do estádio final do consumo, em cujo preço está implicitamente contida uma parcela de imposto, obviamente excluída do direito à dedução.
Infere-se, pois, que naquelas circunstâncias a reintrodução dos bens no circuito económico implicaria, necessariamente, um agravamento das condições de exploração dos operadores e um real encorajamento à respectiva comercialização fora dos circuitos normais.
No sentido de obstar aos inconvenientes apontados, permite-se que o sujeito passivo revendedor, aquando da transmissão dos referidos bens, proceda à determinação do respectivo valor tributável através da diferença, devidamente justificada, entre a contraprestação obtida ou a obter do adquirente e o preço de compra dos mesmos bens, com inclusão do próprio imposto quando este tenha sido liquidado e como tal conste expressamente de factura ou documento equivalente.”
11. O DL 504-G/85 manteve-se em vigor até entrada em vigor do DL 199/96, sendo, por este expressamente revogado pelo art.º 5.º.
12. O DL n.º 199/96 transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 94/5/CE justificada pela necessidade de uniformização no espaço europeu dos procedimentos aplicáveis as transmissões de bens usados.
13. Também do preambulo daquele diploma consta que “o regime agora instituído decorrente da transposição no essencial idêntico ao regime que já vigorava para o mesmo tipo de transacções, tem como finalidade eliminar ou atenuar a dupla tributação ocasionada pela reentrada no circuito económico de bens que tenham sido definitivamente tributados”.
14. Neste sentido depois de dar nova redacção a alínea f) do n.º 2 do art.º 16.º do CIVA e do n.º 3 do art.º 21.º daquele diploma, estabelece como princípio que “estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado segundo o regime especial de tributação da margem as transmissões de bens e segunda mão… efectuadas nos termos deste diploma por sujeitos passivos revendedores.” (art.º 1.º)
15. No art.º 2.º do legislador cuida da definição dos conceitos, designadamente de bens em segunda mão e de revendedores.
16. Os bens transmitidos pela Recorrente e a actividade desenvolvida são subsumíveis no conceito de bens usados e de “revendedor”.
17. No n.º 1 do art.º 3.º o legislador elenca as situações que obrigatoriamente estão sujeitas ao regime especial de tributação da margem.
18. Para além das transmissões dos bens adquiridos aos sujeitos previstos nas alíneas do n.º 1 do art.º 3.º do DL 199/96, o “revendedor” pode aplicar o regime a outras aquisições desde que se trate de bens usados, definitivamente tributados no momento da sua introdução no consumo.
19. Interpretação que resulta não apenas do art.º 1.º mas também do n.º 1 do art.º 4. do DL 199/95 onde expressamente se prevê a inclusão no preço de compra, do IVA que “tenha sido liquidado e venha a ser expresso na factura ou documento equivalente”.
20. A admitir-se como correcta a interpretação que da norma foi feita pelo Tribunal a quo, no sentido de que as transmissões de bens usados adquiridos a revendedores que liquidaram o IVA e o fizeram constar da fatura ficam excluídas do regime especial e sujeitas ao regime legal do art.º 16.º do CIVA.
21. Em abono da tese defendida pela ora recorrente, cita-se o n.º 3 do art.º 6 e o n.º 1 do art.º 7 ambos do DL 199/95.
22. Ou seja, a transmissão de bens usados está, em regra, sujeita ao regime especial da margem.
23. A transmissão de bens adquiridos aos sujeitos passivos identificados no n.º 1 do art.º 3 do DL 199/96, a aplicação do regime é obrigatória para os bens em estado de uso (facultativa para os objectos de arte, por força do disposto no n.º 2 do art.º 3).
24. A Transmissão de bens adquiridos a “revendedores” que liquidaram o IVA e o fizeram expressamente constar da factura será considerado para efeitos da determinação do preço de compra.
25. Ora, tendo a Recorrente aplicado a todas as transmissões de bens usados (veículos ligeiros de passageiros) o regime especial de tributação da margem, agiu o mesmo de acordo com a lei.
26. No sentido pugnado pela Recorrente, decidiu o STA no Ac de 13.04.2011, proc 016/10,
I – O valor tributável dos veículos comprados em segunda mão no estrangeiro e vendidos no território nacional é constituído pela diferença entre o preço de compra, com inclusão do IVA e o preço de venda.
2 - Mesmo o IVA só é incluído no preço de aquisição dos veículos “caso tenha sido liquidado e venha expresso na factura ou documento equivalente”. Se o IVA não tiver sido liquidado e não venha expresso na factura também não é tomado em consideração. Isto porque o sistema comum IVA é o de que este imposto está incluído no preço dos produtos. É o sistema “preço imposto incluído”
27. In casu a decisão sob recurso viola, por errada interpretação as normas do art.º 16.º n.º 2 alínea f) do CIVA, art.º 21 n.º 3 do CIVA com a redacção que lhes foi introduzida pelo DL n.º 199/96 de 18 de Outubro e as normas deste, que transpôs para a ordem jurídica nacional as disposições da Directiva nº 94/5/CE, do Conselho de 14 de Fevereiro de 1994, relativa a tributação em imposto sobre o valor acrescentado, das transmissões de bens em segunda mão (bens usados),
28. Acresce que a decisão é injusta, por referência inexacta dos factos ao direito.
29. A decisão recorrida não conheceu os fundamentos de direito que não tendo sido invocados pela Recorrente na p.i o foram em sede de alegações.
30. A questão que se coloca é a de saber se não constando da p.i a violação dos princípios constitucionais da legalidade, da capacidade contributiva, da proporcionalidade, da equidade e da Justiça, como fundamento da ilegalidade dos actos tributários controvertidos, tal obsta que o tribunal sobre eles se pronuncie.
31. Defende a doutrina e a jurisprudência que, no que respeita ao direito e, por conseguinte, à qualificação jurídica, o juiz tem plena liberdade, no sentido de que não está sujeito a quanto a esse respeito aleguem as partes.
32. Assim padece de erro a decisão que não apreciou a invocada ilegalidade por violação dos princípios constitucionais, da legalidade, da capacidade contributiva, da proporcionalidade, da equidade e da Justiça.
33. A decisão recorrida viola a constituição e a lei.
Em face do exposto deverá revogar-se a decisão recorrida com as consequências legais, como é de JUSTIÇA.

1.3. A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.4. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (processo físico fls. 207/210).

1.5. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência.

2.FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO

A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
A) A Impugnante exercia a atividade de comércio de veículos automóveis ligeiros – cfr. fls. 73 do procedimento de reclamação graciosa n.º 3441201104000013 (PRG) apenso aos autos.
B) A coberto das ordens de serviço n.ºs OI200903155 e OI200905821, a ora Impugnante foi alvo de uma ação inspetiva externa levada a cabo pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças do Porto, de âmbito parcial (IVA e IRC) e com incidência sobre os exercícios de 2006, 2007 e 2008, da qual resultaram, além do mais, correções de natureza meramente aritmética em sede de IVA, nos montantes de € 31 816,73, € 61 279,21 e € 50 807,06, respetivamente – cfr. fls. 21 a 23 do processo administrativo (PA) apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
C) As correções mencionadas na alínea antecedente apresentam a seguinte fundamentação (cfr. fls. 21 a 26 do PA apenso aos autos):
«(…)
CAPÍTULO III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
1 - IVA (não liquidado nas vendas efectuadas)
- O sujeito passivo adquiriu viaturas usadas na Comunidade Europeia a fornecedores que, nas respectivas facturas mencionam a liquidação de IVA, ou mencionam o Regime de IVA idêntico ao regime de IVA previsto Decreto-Lei n.º 199/96 de 31/10, bem como a “particulares” alemães.
- Aquando da venda das viaturas no mercado nacional, o sujeito passivo não liquidou IVA, tendo-as consideradas “isentas ao abrigo do n.º 33 do artigo 9.º do Código do IVA” (actual n.º 32.º do artigo 9.º). Ora, de acordo com o citado preceito legal, estão isentas de imposto “as transmissões de bens afectos exclusivamente a uma actividade isenta, quando não tenham sido objecto do direito à dedução e bem assim as transmissões de bens cuja aquisição ou afectação tenha sido feita com exclusão do direito à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 21.º”. Tal não se poderá aplicar, uma vez que a aquisição das viaturas não está excluída do direito à dedução prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º, atendendo a que a comercialização de viaturas constitui objecto da actividade exercida pela empresa e, como tal não é excluída o direito à dedução, tal como previsto na primeira parte da alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo.
- Assim, o sujeito passivo deveria ter liquidado IVA:
(a) Pelo Regime normal de IVA, no caso das viaturas adquiridas a fornecedores alemães pelo Regime normal do IVA, com liquidação de imposto, na Alemanha;
(b) Pelo Regime da margem, previsto no Decreto-Lei n.º 199/96 de 31/10, no caso das viaturas adquiridas directamente a particulares alemães ou a fornecedores que, nas respectivas facturas mencionam o Regime de IVA idêntico ao regime de IVA previsto neste Decreto-Lei.
2 - Resposta a pedidos de informação solicitados à Administração Fiscal Alemã
Os documentos apresentados pelo sujeito passivo para documentar as aquisições intracomunitárias fizeram-nos suspeitar de algumas irregularidades, como por exemplo, divergências entre o expedidor da viatura (CMR enviado pela Alfândega) e o fornecedor e, pagamento a pessoa diferente do fornecedor.
Por tal facto, abrigo do artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 1798/2003, foi solicitado à Alemanha o envio dos documentos (…) que comprovassem a transmissão. Das respostas recebidas, verificou-se:
2.1 - Ano de 2006:
As viaturas com os chassis WDB2110161A205111 e WDB2110161A534009 (matrículas “……….” e “………..”), constam da contabilidade do sujeito passivo como adquiridos aos particulares B……… e C……… pelo valor de €30.000,00 e €31.000,00, respectivamente, conforme documentos exibidos pelo sujeito passivo que se anexam (Anexo 3 e 4). O pagamento foi efectuado a “Autohaus D……..”, mas pelos valores de 27.000,00 e €28.000,00 - anexo 5 e 6.
Pela Administração fiscal alemã, foram enviadas as facturas emitidas pelo fornecedor “Autohaus D…….., gmbh, NIF DE ………..” a “A………”, cujos valores facturados correspondem aos valores pagos. Juntam-se fotocópias dos documentos - Anexos 7 a 10. A empresa alemã comprou as viaturas aos particulares “B………” e “E……….”, esta última foi assinada pelo marido “C………” - Anexos 11 a 15.
“B………” e “C……..” são os nomes que constam como vendedores nos “supostos” contratos efectuados com a empresa portuguesa. Pode-se verificar que as assinaturas foram falsificadas, uma vez que foram enviados documentos com a assinatura destes particulares aquando da compra das viaturas pela empresa alemã, que se juntam – anexo 11 e 15.
Atendendo a que as viaturas foram compradas ao fornecedor alemão por regime idêntico ao previsto no Decreto-lei n.º 199/96 (§ 25 a), a falsificação de tais documentos reflecte-se na diminuição da base tributável para efeitos de liquidação de IVA e na contabilização de um custo superior ao devido (€6.000,00), em sede de IRC.
2.2 - Ano de 2007:
A viatura com o chassis WDC2510221A009704 (matrícula “……….”), consta como adquirida a um particular alemão “F……….” pelo valor de €56.500,00 e o pagamento foi efectuado a “Auto G…….”, conforme fotocópias em Anexo 16 e 17. No entanto, nas instalações da empresa encontrava-se arquivada a factura emitida por “Auto G……” que, após se ter solicitado fotocópias das facturas de compra, não mais se encontrou nas pastas onde os documentos se encontravam arquivados, tendo sido exibido o contrato com o particular alemão.
Os elementos enviados pela Administração fiscal alemã demonstram que a viatura foi adquirida à “Auto G……, Gmbh, NIF ……….” em nome de “A………..”, tendo a transacção sido sujeita a imposto na Alemanha, porque este não forneceu o “N.º de IVA português”. O valor da venda foi de €47.475,99 e IVA liquidado de €9.021,01. Junta-se fotocópia de documentos enviados - Anexo 18 a 21
Daqui conclui-se que o contrato apresentado pelo sujeito passivo a justificar a aquisição foi falsificado, o que levou a que o custo da viatura fosse superior ao devido pelo facto de ser incluído no custo o valor €9.021,01, correspondente ao IVA liquidado na Alemanha. Em Portugal, aquando da venda, o IVA poderia ser liquidado pelo Regime da margem, quando na posse do verdadeiro documento (factura do fornecedor) o IVA deveria ser liquidado pelo Regime normal.
2.3 - Ano de 2008:

(a) - A viatura com o chassis WDB2030061A032885 (matrícula “………..”) consta como adquirida ao particular alemão “H…………”, pelo valor de €11.300,00, tendo verificado que o pagamento foi efectuado para “Autohaus I………, KG”, conforme fotocópias em Anexo 22 e 23.
Da resposta enviada pela Administração fiscal alemã, constatamos que a viatura foi vendida por aquele particular alemão à sociedade “Autohaus I…….., NIF DE ……..”, em 01.03.2008, conforme se verifica pelo Anexo 24, sendo por esta posteriormente vendida à sociedade portuguesa, conforme se conclui dos documentos enviados e que constam do Anexo 25 a 28. O valor da transmissão efectuada pelo fornecedor alemão coincide com o valor que consta do suposto contrato com o particular, tendo sido foi aplicado regime idêntico ao previsto no Decreto-lei n.º 199/96 (§ 25 a), para efeitos de IVA.
Comparando a assinatura do particular alemão que consta neste documento e a que consta da contabilidade do sujeito passivo nacional, verificamos que não são iguais (anexos 22 e 24). No entanto não se compreende o porquê da falsificação do documento, uma vez que não teria implicações a nível de IVA e IRC.
(b) - A viatura com o chassis WDB2040081A043189 (matrícula “……..”) consta como adquirida ao particular alemão “J…………”, pelo valor de €30.500,00, tendo-se verificado que o pagamento foi efectuado para “Auto K………., GmbH”, conforme fotocópias em Anexo 29 e 30.
A administração alemã enviou documentos que comprovam que a viatura foi adquirida directamente ao fornecedor “Auto – K…….., Gmbh, NIF DE ………”, pelo valor de €25.621,85, tendo pago IVA, na Alemanha, no valor de €4.868,15 (Anexos 31 e 32).
Daqui conclui-se que o contrato apresentado pelo sujeito passivo a justificar a aquisição foi falsificado, o que levou a que o custo da viatura fosse superior ao devido pelo facto de ser incluído no custo o valor €4.868,15, correspondente ao IVA liquidado na Alemanha. Em Portugal, aquando da venda, o IVA poderia ser liquidado pelo Regime da margem, quando na posse do verdadeiro documento (factura do fornecedor) o IVA deveria ser liquidado pelo Regime normal. (c) - Relativamente à viatura com o chassis n.º WDB2037081A680977, matrícula “……..”, ainda não foi obtida resposta da administração fiscal alemã. No entanto, atendendo a que a viatura faz parte do inventário à data de 2008.12.31, as correcções que porventura possam ser devidas, só surtirão efeito no exercício de 2009.
3 - Correcção a efectuar:
3.1 - IVA
Tendo em conta o regime de IVA segundo o qual a viatura foi adquirida, os valores de aquisição, corrigidos em função das respostas recebidas da Alemanha, o valor das facturas de venda emitidas e as taxas de imposto previstas no artigo 18.º do Código do IVA, procede-se à liquidação adicional nos termos do artigo 87.º do mesmo Código, nos montantes de €31.816,73, em 2006, €61.279,21, em 2007 e €50.807,06, em 2008, conforme se pode verificar pelo quadros que constam em Anexos n.º s 1 e 2.
Por períodos de imposto o IVA em falta é:

(…).»
D) As correções efetuadas pela inspeção tributária respeitam às transmissões das viaturas mencionadas nos anexos 1 e 2 do relatório de inspeção, insertos a fls. 26 verso e 27 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
E) O relatório de inspeção tributária foi notificado à Impugnante por ofício acompanhado de registo postal datado de 27/05/2010 – cfr. fls. 42 verso e 43 do PA apenso aos autos.
F) Em 05/06/2010, na sequência das correções efetuadas pela inspeção tributária, foram emitidas em nome da Impugnante, com referência ao 1.º, 2.º e 3.º trimestres de 2006, 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2007 e 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2008, liquidações adicionais de IVA e liquidações de juros compensatórios, no valor total de € 153 614,42, com data limite de pagamento em 31/08/2010 – cfr. fls. 46 a 49 do PA apenso aos autos.
G) Em 29/12/2010, a ora Impugnante pagou IVA no valor total de € 49 573,00, apurado nas declarações periódicas de substituição entregues para os seguintes períodos de imposto: 1.º, 2.º e 3.º trimestres de 2006, 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2007, 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2008 – cfr. (…).»
fls. 29 a 39 do processo físico e fls. 23 a 33 do PRG apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
H) Em 29/12/2010, a aqui Impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações mencionadas na alínea F) supra, pedindo a sua anulação – cfr. fls. 7 a 19 do PRG, apenso aos autos.
I) Por despacho do Diretor de Finanças de Aveiro (por delegação de competências), datado de 18/11/2011, foi indeferida a reclamação graciosa mencionada na alínea antecedente – cfr. fls. 61 a 66 do PRG apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
J) A decisão mencionada na alínea antecedente foi notificada à aqui Impugnante em 25/11/2011 – cfr. fls. 67 a 69 do PRG apenso aos autos.
L) Em 23/12/2011, a ora Impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa mencionada na alínea I) supra, pedindo a sua anulação – cfr. fls. 4 a 20 do procedimento de recurso hierárquico (PRH) apenso aos autos.
M) A presente impugnação judicial foi deduzida em 20/02/2012 – cfr. fls. 2 e 40 do processo físico.
Mais se provou que,
N) As viaturas de matrícula ……….. e ……… (chassis DB2110161A205111 e WDB2110161A534009, respetivamente) foram faturadas a A………… pelo fornecedor alemão “Autohaus D……….”, pelos montantes de € 27 000,00 e € 28 000,00, respetivamente, pagos pela Impugnante, tendo sido aplicado regime idêntico ao previsto no D.L. n.º 199/96, de 18/10 – cfr. anexos 5 a 10 do relatório de inspeção tributária, insertos a fls. 28 verso a 31 do PA apenso aos autos.
O) A viatura de matrícula ………. (chassis WDC2510221A009704) foi adquirida por A………… ao fornecedor alemão “Auto G………..”, pelo valor de € 56 500,00, com imposto incluído de € 9 021,01 – cfr. anexos 17 a 21 do relatório de inspeção tributária, insertos a fls. 34 verso a 36 verso do PA apenso aos autos.
P) A viatura de matrícula ……….. (chassis WDB2030061A032885) foi adquirida pela Impugnante ao fornecedor alemão “Autohaus I………, KG”, pelo valor de € 11 300,00, tendo sido aplicado regime idêntico ao previsto no D.L. n.º 199/96, de 18/10 – cfr. anexos 25 a 28 do relatório de inspeção tributária, insertos a fls. 38 verso a 40 do PA apenso aos autos.
Q) A viatura de matrícula ……… (chassis WDB2040081A043189) foi adquirida pela Impugnante ao fornecedor alemão “Auto – K……..”, pelo valor de € 25 621,85, tendo sido pago IVA no montante de € 4 868,15 – cfr. anexos 30 a 32 do relatório de inspeção tributária, insertos a fls. 41 e 42 do PA apenso aos autos.

2.2.DE DIREITO
2.2.1. Questão decidenda: aplicação às liquidações adicionais impugnadas do Regime Especial de Tributação em IVA dos Bens em Segunda Mão (DL nº 199/96,18 outubro)

2.2.2. Apreciação jurídica
2.2.2.1.O DL nº 199/96,18 outubro (diploma de aprovação do Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e Antiguidades), procedeu à revogação de anteriores diplomas que regulavam a matéria (DL nº 504-G/85, 30 dezembro e DL nº 346/89, 12 outubro) esclarecendo no respectivo preâmbulo que procedia à transposição para a ordem jurídica nacional da Directiva 94/5/CE, do Conselho,14 fevereiro 1994 e que o regime instituído tem como finalidade eliminar ou atenuar a dupla tributação ocasionada pela reentrada no circuito económico de bens que já tinham sido definitivamente tributados.
De acordo com este regime:
a) as transmissões de bens em segunda mão efectuadas por sujeitos passivos revendedores estão sujeitas a IVA segundo a tributação da margem (art.1º);
b) as transmissões de bens em segunda mão efectuadas por um sujeito passivo revendedor são sujeitas a tributação segundo o regime especial de tributação da margem quando este tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade a outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão de bens por este tenha sido efectuada ao abrigo de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efectuada (art.3º nº1 l.d), correspondente ao art.314º nº1 al.d) da actual Directiva IVA 2006/112/CE, do Conselho)
c) o valor tributável das transmissões de bens efectuadas pelo sujeito passivo revendedor é constituído pela diferença entre a contraprestação obtida ou a obter do cliente e o preço dos mesmos bens, com inclusão de IVA, caso este tenha sido liquidado e venha expresso na factura ou documento equivalente. (art.4º nº1)
A consonância imperativa entre os regimes de tributação que oneram a primeira e a segunda transmissão de bens usados resulta do carácter excepcional do regime e pretende prevenir a manipulação pelos agentes económicos da carga fiscal das transmissões em que intervêm, o que poderia acontecer se em cada Estado membro as bases tributáveis fossem distintas.
A jurisprudência comunitária é explícita na afirmação do carácter excepcional deste regime, derrogatório do regime geral da Directiva IVA 2006/112/CE/, do Conselho devendo o art.314º da Directiva que identifica os casos da sua aplicação ser objecto de uma interpretação estrita (acórdãos TJUE 19 julho 2012 processo C-160/11; 3 março 2011 processo C-203/10)
Com interesse para a compreensão do mecanismo e objectivos do regime especial transcrevem-se considerandos do citado acórdão TJUE 3 março 2011 processo C- 203/10:
48.Tributar pela totalidade do seu preço a entrega de um bem em segunda mão por um sujeito passivo revendedor, quando o preço a que este adquiriu esse bem inclui uma quantia de IVA paga a montante por uma pessoa que pertence a uma das categorias identificadas no artigo 314.º, alíneas a) a d), da referida directiva, e que nem essa pessoa nem o sujeito passivo revendedor puderam deduzir, implica, com efeito, uma dupla tributação (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Stenholmen, n.º25, e Jyske Finans, n.º38).
49. Contudo, quando um sujeito passivo revendedor revende, para os fins das suas operações tributáveis, bens como os que estão em causa no processo principal, que ele próprio importou, ficando sujeitos ao regime normal do IVA, no Estado-Membro em que efectua essas operações, pelo que pode, por força do artigo 168.º, alínea d), da Directiva 2006/112, deduzir o IVA devido ou liquidado por esses bens importados, não existe, como salienta a Comissão, nenhum risco de dupla tributação que possa justificar a aplicação do regime de tributação derrogatório da margem de lucro. No caso concreto as viaturas identificadas nos anexos 1 e 2 do relatório de inspeção foram adquiridas pelo sujeito passivo em Portugal a um revendedor comunitário na Alemanha que aplicou a taxa normal de IVA, e não o regime especial de tributação pela margem vigente nesse país, paralelo ao aplicável em Portugal (factos provados als.C) e D); em consequência as transmissões dessas viaturas em Portugal deverão ser tributadas segundo o regime normal de IVA, com base tributável correspondente ao valor da contraprestação obtida ou a obter dos adquirentes, podendo o sujeito passivo em Portugal proceder à dedução do IVA suportado na aquisição (arts. 16º nº1,19º nº1 al.a) e 20º nº1 al.a) CIVA)

2.2.2.2. A recorrente invocou em sede de alegações escritas no tribunal de 1ª instância (art.120º CPPT) novos fundamentos de invalidade dos actos de liquidação impugnados: violação dos princípios da capacidade contributiva (como declinação do princípio da igualdade no domínio dos impostos), da proporcionalidade, da equidade e da justiça (arts.13º e 266º 2 CRP).
Assumindo estes princípios dignidade constitucional inscrevem-se no perímetro de conhecimento oficioso pelo tribunal, na medida em que não pode aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (art.204º CRP)
Embora com indevida convocação do regime processual civil quanto à possibilidade de alteração das causas de pedir (arts. 260º e 265º nº1 CPC), o tribunal não deixou de se pronunciar sobre a questão no sentido da improcedência da impugnação com esses fundamentos.
Esta pronúncia merece o nosso sufrágio, reiterando-se o entendimento de que não basta a invocação de princípios constitucionais alegadamente violados, sem a exposição de argumentos que lhe confiram concreta substanciação (absolutamente inexistente no caso concreto), permitindo que a apreciação do tribunal os acolha ou refute.

3-DECISÃO
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo Secção de Contencioso Tributário em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida.
Custas pela recorrente (art.527º nºsº 1/2 CPC /art. 2º al.e) CPPT)

Lisboa, 17 de junho de 2020. - José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.