Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0896/10.8BEPRT 0357/17
Data do Acordão:03/13/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IMPUGNAÇÃO
FALTA DE PAGAMENTO
TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:I - Nos termos do artº 552º nº 3 do CPC, “o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo”.
II - O não pagamento da taxa de justiça devida na sequência do indeferimento do pedido de apoio judiciário, notificado antes de efectuada a citação do réu, tem como consequência legalmente prevista a do desentranhamento da petição inicial - cfr. o n.º 6 do artigo 552.º do Código de Processo Civil, o que determina a impossibilidade superveniente da lide de impugnação.
III - Não recusando a secretaria a petição de impugnação judicial e detectada, durante a tramitação do processo, a omissão do comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida relativa à petição inicial, deve o juiz, por aplicação devidamente adaptada do regime do art. 560º do Código de Processo Civil, e porque o tratamento igualitário de situações semelhantes o impõe, conceder oportunidade ao impugnante para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.
Nº Convencional:JSTA000P24318
Nº do Documento:SA2201903130896/10
Data de Entrada:03/29/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

Vem A…………… interpor recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, nos presentes autos de impugnação, absolveu a Fazenda Pública da instância por não estar cumprida uma das condições legalmente exigidas para o prosseguimento da acção – junção aos autos de comprovativo do pagamento da Taxa de Justiça devida ou de decisão de concessão de apoio judiciário.

Remata as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
«1ª O presente recurso versa apenas matéria de direito, porquanto a douta sentença recorrida absolveu a recorrente da instância, por falta de pagamento da taxa de justiça devida pela mesma, pelo que o presente recurso é apreciado pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo;
2ª A petição inicial não poderia ser recusada pela secretaria, uma vez que a recorrente cumpriu os requisitos previstos no artigo 552º, nº 3 e 5 do CPC;
3ª A sentença recorrida lavrou em manifesto erro uma vez que não foi cumprido o regime legal previsto no Código de Processo Civil quanto à tramitação respeitante ao não pagamento da taxa de justiça no caso de indeferimento do pedido de apoio judiciário;
Com efeito,
4ª À secretaria impõe-se, como obrigatório, a prática de um acto, sem dependência de despacho judicial prévio, verificada a falta de pagamento da taxa de justiça, a secretaria notifica o interessado para em dez dias efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa em igual montante não inferior a 1 UC, nem superior a 5 UC, assim o impõe o artigo 570º, nº 3 do CPC;
5ª A Secretaria não procedeu à referida notificação, a qual é obrigatória, pelo que se verifica a omissão de uma formalidade legal, o que no entendimento da recorrente, constitui uma nulidade, que expressamente se invoca de todos os actos processuais praticados decorrente da omissão dessa formalidade legal, os quais devem ser declarados nulos e de nenhum efeito, com aproveitamento apenas dos actos independentes da invocada nulidade;
Sem prescindir,
6ª Impunha-se também que fosse observado o disposto no nº 5 do mesmo artigo 570º do CPC, o que também não aconteceu, pois o despacho de fls .. foi no sentido da recorrente comprovar o pagamento da taxa de justiça, com a advertência do desentranhamento da petição;
7ª Ou seja, não foi cumprido o disposto no nº 5 do artigo 570º, uma vez que Meritíssimo Juiz deveria ter proferido despacho, não nos termos sobreditos, mas a convidar a recorrente para, no prazo de dez dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça e no pagamento da multa em falta, acrescida de multa de igual valor ao da taxa de justiça inicial no mínimo de 5 UC e no máximo de 15UC;
8ª A violação do referido regime legal, constituiu nulidade processual, a qual se invoca para os legais efeitos, com a consequente observância das formalidades legais previstas no artigo 570º do CPC, e a anulação de todos os actos processuais posteriores que restrinjam a posição processual da recorrente;
9ª As nulidades invocadas pela recorrente -falta de notificação pela secretaria e inobservância do dito despacho quanto ao cumprimento do regime legal, vide nº 3 e 5 do artigo 570º do CPC- constituem nulidades que influenciam a boa decisão da causa, na medida em que impedem a apreciação de mérito quanto aos fundamentos da impugnação apresentada pela recorrente;
10ª Tais nulidades no entendimento da recorrente, impedem a apreciação dos fundamentos e coartam a possibilidade de apreciação crítica dos factos alegados, pelo que são decisivas para a boa decisão da causa;
11ª A recorrente invoca tais nulidades e a consequente revogação da sentença que absolveu a ré da instância, nos termos sobreditos, por falta de cumprimento do disposto no nº 3 e nº 5 do artigo 570º do CPC- ou seja notificação para pagamento de taxe de justiça e respectiva multa, dando-se oportunidade à recorrente para o fazer, com aproveitamento todo o processado que não se mostre incompatível com as invocadas nulidades;
12ª Em consequência do exposto, deve a recorrente ser notificada nos termos e para o cumprimento do disposto no nº 3 do artigo 570º do CPC.;

13ª A sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 195º, 196º, 199º, nº 3, 200º, nº 3, 570º, nº 3 e 5, todos do Código do Processo Civil.
Nestes termos e com o douto suprimento dos Senhores Juízes Conselheiros, deve o presente recurso ser apreciado e decidido com a consequente declaração de nulidade da sentença recorrida, revogando-se a mesma, por violação do disposto no artigo 570º, nº 3 e 5 do Código do Processo Civil.»


2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O TCA Norte, por despacho da Exmª Relatora a fls. 133 e segs., julgou-se hierarquicamente incompetente para conhecer do presente recurso e considerou competente para o efeito a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

4- É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do CPPT, fixo o valor da causa, em € 6.916,19, correspondente à importância cuja anulação a impugnante pretende.

Notificada a impugnante, na sequência da junção aos autos do despacho de indeferimento do pedido de apoio judiciário, para juntar aos mesmos comprovativo do pagamento da taxa de justiça, sob pena das legais consequências, a mesma não o fez, limitando-se a apresentar requerimento dando conta de que já havia comunicado aos autos aquele indeferimento.

A pi deve ser recusada pela secretaria quando não tenha sido comprovado o pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário - cfr. artigo 558.°, nº 1, alínea f), do CPC. Não o tendo sido, e persistindo a impugnante no não pagamento da taxa de justiça devida, absolvo a ré da instância por não estar cumprida uma das condições legalmente exigidas para o prosseguimento da presente acção, como é a da junção aos autos de comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de decisão de concessão de apoio judiciário.

Custas pela impugnante, nos termos do artigo 527.° do CPC, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e), do CPPT, atento o disposto no Regulamento das Custas Processuais.»

5. O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer com a seguinte fundamentação que, na parte relevante, se transcreve: «Sendo manifesto que a notificação a que se procedeu para comprovar o pagamento da taxa de justiça devida na sequência de indeferimento do pedido de apoio judiciário (fls. 88), ocorreu já após a citação da impugnada que apresentou contestação (fls. 26), será de conhecer do recurso interposto por a matéria a apreciar ser de direito.

E diga-se que nesse caso não é de aplicar o art. 558º n.º 1 al. f) do CPC, em que se funda a decisão recorrida.

Com efeito, tendo ocorrido já a dita contestação, a cominação a aplicar não podia ser a recusa ou desentranhamento da petição, conforme se encontra ressalvado na parte final do art. 552º nº 6 do Código de Processo Civil.»

Conclui que não constando «ter sido paga a taxa de justiça devida na sequência do dito indeferimento impunha-se proceder a despacho a determinar a junção de documento comprovativo da taxa de justiça devida com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC, conforme previsto no art. 570 nº 3 do Código de Processo Civil, quanto à falta de junção de documento comprovativo de taxa de justiça por parte do réu».

6. Do objecto do recurso
Como atrás se referiu o recurso foi originariamente interposto no Tribunal Central Administrativo Norte, o qual se julgou hierarquicamente incompetente para dele conhecer.
E de facto, porque, na verdade, as partes divergem apenas quanto à interpretação das regras jurídicas aplicáveis, não havendo, além disso, controvérsia a este propósito, também aqui se entende, na perspectiva considerada pelo TCAN, que o recurso tem por exclusivo objecto matéria de direito (nº 1 do art. 280º do CPPT).
Daí que se imponha apreciar o objecto do recurso.

Ora, da análise da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela recorrente para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do recurso consiste em saber se padece de erro de julgamento a decisão recorrida que, nos presentes autos de impugnação, absolveu a Fazenda Pública da instância por não estar cumprida uma das condições legalmente exigidas para o prosseguimento da acção – junção aos autos de comprovativo do pagamento da Taxa de Justiça devida ou de decisão de concessão de apoio judiciário.

Contra o assim decidido invoca a recorrente que verificada a falta de pagamento da taxa de justiça, a secretaria deveria ter notificado o interessado para em dez dias efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa em igual montante não inferior a 1 UC, nem superior a 5 UC, como impõe o artigo 570º, nº 3 do Código de Processo Civil, pelo que não tendo procedido à referida notificação se verifica a omissão de uma formalidade legal.
Mais alega que se impunha também que fosse observado o disposto no nº 5 do mesmo artigo 570º do CPC, o que também não aconteceu, pois o despacho judicial proferido foi no sentido da recorrente comprovar o pagamento da taxa de justiça, com a advertência do desentranhamento da petição, pelo que conclui que «não foi cumprido o disposto no nº 5 do artigo 570º, uma vez que Meritíssimo Juiz deveria ter proferido despacho, não nos termos sobreditos, mas a convidar a recorrente para, no prazo de dez dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça e no pagamento da multa em falta, acrescida de multa de igual valor ao da taxa de justiça inicial no mínimo de 5 UC e no máximo de 15UC».

Cremos, contudo, que não assiste razão ao recorrente na sua argumentação.

Vejamos.

Dispõe o artº 570º, nº 3 do Código de Processo Civil que na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de comprovação desse pagamento, no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.
Por sua vez resulta do nº 5 do mesmo normativo que «Findos os articulados e sem prejuízo do prazo concedido no n.º 3, se não tiver sido junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da multa por parte do réu, ou não tiver sido efectuada a comprovação desse pagamento, o juiz profere despacho nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 590.º, convidando o réu a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC.»
Este normativo inserido no capítulo III, sob a epígrafe “Contestação”, regula as formalidades processuais relativas à apresentação de documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça na contestação, sendo também claro que o seu nº 5 dispõe sobre o procedimento a efectuar se não tiver sido junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da multa por parte do réu.

A jurisprudência desta Secção de Contencioso Tributário Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a admitir que ocorrendo, em processo de oposição à execução fiscal, falta de pagamento da taxa de justiça e não tendo a petição inicial sido recusada pela secretaria, deve ser ordenada a notificação do oponente para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento do montante da taxa de justiça em falta, acrescido de multa de igual montante.
Isto porque se tem entendido que não repugna, ao menos para os efeitos de falta de pagamento atempado da taxa de justiça, aplicar o disposto no artigo 486º-A do CPC (Código de Processo Civil revogado, actual 570º do Código de Processo Civil vigente.) - relativo ao pagamento da taxa de justiça na contestação - à oposição à execução fiscal, porquanto nesta há lugar à citação do executado e a oposição configura-se como que uma contestação à própria execução fiscal (cf. neste sentido Acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário proferidos nos recursos 358/13 de 26.06.2013 e 361/13 de 27.11.2013, bem como demais jurisprudência ali citada).
Porém, no caso subjudice não estamos em sede de processo de oposição à execução fiscal, em que a petição inicial se configura como uma contestação à própria execução fiscal, mas sim em sede de processo de impugnação judicial.
Daí que não se vislumbre similitude que implique a aplicação ao caso vertente, por analogia, das normas relativas à omissão de pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual de contestação ou oposição (artº 570º, ns. 3 e 5 do Código de Processo Civil) como pretende a recorrente e admite o Ministério Público no seu parecer.

Por outro lado se é certo que a lei estabelece as consequências jurídicas da falta de comprovação do pagamento de taxa de justiça devida pelo impulso de contestação ou recurso, não o faz relativamente às consequências decorrentes da falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça relativa à petição ou ao requerimento inicial quando detectada pelo juiz depois da sua apresentação ou durante o decurso do processo (Se o indeferimento do pedido de apoio judiciário for notificado antes de efectuada a citação do réu, a cominação prevista é a do artº 552º, nº 6 do Código de Processo Civil.).
Ora é isso que sucede no caso em apreço já que a falta de comprovação do pagamento da Taxa de Justiça na sequência do indeferimento do pedido de apoio judiciário foi detectada já depois a contestação da Fazenda Pública e da inquirição de testemunhas.
Perante este quadro de omissão legislativa defende Salvador da Costa (Regulamento das Custas Processuais, anotado, 3ª edição, Almedina, pags. 438/439.) que, detectada, durante a tramitação do processo, a omissão do comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida relativa à petição ou requerimento inicial, face ao disposto o artº 560º do Código de Processo Civil, não se pode decidir esta questão em termos de implicar para o autor uma consequência mais gravosa do que aquela que resulta daquele artigo, ou seja, a apresentação do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça no decêndio posterior à recusa do recebimento da petição ou do requerimento inicial.
Neste sentido se tem pronunciado, aliás, a jurisprudência dos tribunais comuns (vide, por exemplo, acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11.10.2017, recurso 31321/17.2YIPRT.C1 e do Tribunal da Relação do Porto de 17.05.2011, recurso 5087/15.9T8LOU-A.P1, ambos in www.dgsi.pt).
Também assim entendemos, e por isso concluímos que, em casos como o dos autos, o tratamento igualitário de situações semelhantes, impõe que, por aplicação devidamente adaptada do regime do art. 560º do CPC, se dê oportunidade ao impugnante para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.

Sucede que, como resulta dos autos, essa segunda oportunidade para suprir a omissão do pagamento da taxa de justiça foi de facto concedida à recorrente.
Com efeito, na sequência do despacho de fls. 88, a recorrente foi notificada para vir aos autos, no prazo de dez dias, comprovar o pagamento da taxa de justiça devida na sequência do pedido de indeferimento do apoio judiciário, tendo-se limitado a apresentar requerimento dando conta que já havia comunicado aos autos aquele indeferimento e persistindo no não pagamento da taxa de justiça.

Improcede, pois, toda a argumentação da recorrente quando sustenta que deveria ter sido cumprido o disposto nos nºs. 3 e nº 5 do artigo 570º do Código de Processo Civil, por tais disposições não serem aplicáveis, sendo de confirmar a decisão recorrida com a correcção de que o não pagamento da taxa de justiça devida na sequência do indeferimento do pedido de apoio judiciário tem como consequência, não a absolvição da instância, mas sim a extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no artigo 277.º alínea e) do CPC, aplicável ex vi, artigo 2.º, alínea e) do CPPT (Neste sentido vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.04.2016, recurso 682/15.).


7. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e julgar extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide ao abrigo do disposto nos artigos 277.º alínea e) do Código de Processo Civil e 2.º, alínea e) do CPPT.


Custas pela recorrente.

Lisboa, 13 de Março de 2019. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.