Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0508/15.3BELLE
Data do Acordão:11/27/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
PERICULUM IN MORA
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão que, por falta de «periculum in mora», indeferiu o pedido de que se suspendesse a eficácia do acto que punira o recorrente, que é médico dentista, com uma pena de suspensão da actividade clínica por seis meses, se tal juízo do TCA se fundou no facto do requerente não ter esclarecido a sua situação patrimonial e, nessa medida, não haver provado que uma imediata execução do acto lhe trará prejuízos de difícil reparação.
Nº Convencional:JSTA000P23874
Nº do Documento:SA1201811270508/15
Data de Entrada:11/13/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:CONSELHO DEONTOLÓGICO E DE DISCIPLINA DA ORDEM DOS MÉDICOS DENTISTAS
Votação:UNANIMDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
A…………, identificado nos autos, interpôs a presente revista do acórdão do TCA Sul que, revogando a sentença do TAF de Loulé - que deferira o pedido, do aqui recorrente, de que se suspendesse a eficácia do acto, emanado da Ordem dos Médicos Dentistas, que lhe aplicara a pena de suspensão da actividade clínica por seis meses - indeferiu a pretensão cautelar por falta de «periculum in mora».

O recorrente defende a admissão da revista porque a «quaestio juris» nela colocada é relevante e foi erradamente decidida.
A recorrida, ao invés, pugna pela inadmissibilidade da revista.

Cumpre decidir.
Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA's não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150°, n.º 1, do CPTA).
O ora recorrente, que é cidadão brasileiro e médico dentista, foi punido pela respectiva Ordem com a pena de seis meses de suspensão porque, em duas clínicas dentárias que lhe pertencem, permitiu que profissionais brasileiros exercessem a actividade sem estarem inscritos naquela Ordem e, ademais, deu instruções para a reutilização de diversos materiais de uso clínico, assim desprezando exigências higiénicas e sanitárias.
O recorrente requereu a suspensão da eficácia desse acto punitivo - o que o TAF deferiu, nos termos do art. 120°, n.º 1, aI. a), do CPTA (na sua versão primitiva).
Mas o TCA não reconheceu a evidência do «fumus boni juris», pressuposta naquela norma; e, conhecendo em substituição, indeferiu a providência, por falta de «periculum in mora».
Na presente revista, o recorrente insurge-se contra o aresto porque o TCA negou tal requisito com base numa exigência tida por ilegal e absurda: a de que o recorrente, para além dos rendimentos que provou ter - e que, por si sós, revelavam logo que uma inactividade forçada durante seis meses lhe traria prejuízos de difícil reparação - demonstrasse ainda que não tinha quaisquer outros.
Mas o que o TCA decidiu só é estranho «prima facie». «ln initio litis», o autor disse que tinha uma «única fonte de rendimentos» - «o seu vencimento mensal» (art. 83° do requerimento inicial). Contudo, a matéria de facto elucida que ele era o verdadeiro proprietário das duas clínicas onde se verificaram as anomalias justificativas da reacção disciplinar. E a própria declaração de IRS que o requerente ofereceu referia-o como receptor de rendimentos da categoria B («vide» o art. 3° do Código do IRS).
Não surpreende, portanto, que o TCA, no exercício dos seus poderes cognitivos «de factis», concluísse que o alegado naquele art. 83° não persuadia - já que o salário do impetrante não era a sua «única fonte de rendimentos».
Assim, o recorrente argumenta de modo enganador - senão sofístico - quando imputa ao TCA o intuito de que ele provasse que não tinha outros rendimentos; pois o que o TCA, no fundo, disse foi que ele devia ter esclarecido os outros rendimentos que seguramente percebia. Na verdade, e perante a indicação de que o recorrente era dono de clínicas e beneficiário dos seus lucros, o TCA considerou que ele devia ter esclarecido isso, em vez de o esconder. É que, não o tendo ele feito, os dados factuais coligidos pelo tribunal eram insuficientes para minimamente se avaliar as consequências da imediata execução da pena na vida quotidiana do recorrente. E, havendo dúvidas nesse campo, elas haveriam de se resolver contra o requerente da providência - de acordo com as regras gerais do «onus probandi».
Ora, e numa «summaria cognitio», tal posição do TCA afigura-se-nos exacta e desmerecedora de reavaliação. A «quaestio juris» em presença não tem o relevo que o recorrente quer emprestar-lhe. E, porque a admissão de revistas em processos cautelares deve exigir um maior rigor na avaliação dos respectivos critérios, não se justifica que recebamos o recurso, subvertendo a sua excepcionalidade.

Nestes termos, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo recorrente.
Porto, 27 de Novembro de 2018. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.