Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01000/09
Data do Acordão:03/10/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ALFREDO MADUREIRA
Descritores:VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
IRC
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO GERAL
Sumário:I - O artigo 240º do CPPT deve ser interpretado amplamente em termos de abranger não só os credores que gozem de garantia real stricto sensu, mas também aqueles a que a lei substantiva confere causas legítimas de preferência, nomeadamente privilégios creditórios.
II - Os créditos da Fazenda Pública emergentes de dívidas de IRC - artigo 108º do CIRC - gozando apenas de privilégio mobiliário e imobiliário geral e não beneficiando de direito real de garantia devem, apesar disso e nos termos referido preceito do CPPT, se reclamados, ser porventura admitidos e depois graduados para serem pagos no concurso de credores.
Nº Convencional:JSTA00066332
Nº do Documento:SA22010031001000
Data de Entrada:10/15/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PENAFIEL PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CIRC88 ART108.
CPPTRIB99 ART240 N1.
CCIV66 ART604 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC442/04 DE 2005/04/13.; AC STA PROC2078/03 DE 2004/02/04.; AC STAPLENO PROC612/04 DE 2005/05/18.
Aditamento:
Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
A Fazenda Pública interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou não verificados os créditos por aquela reclamados, respeitantes a IRC, dos anos de 2004 e 2005.
Apresentou tempestivamente as respectivas alegações de recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
A. O crédito de IRC de 2004 e 2005, reclamado pela Fazenda Pública, beneficia de privilégio creditório imobiliário, e encontra-se abrangido pelos três anos anteriores ao da penhora, nos termos do art°. 111°. do CIRS.
B. O privilégio creditório consiste na faculdade que a lei substantiva concede, em atenção à causa do crédito, de ser pago com preferência em relação a outros credores;
C. O privilégio creditório geral, sendo uma mera preferência de pagamento, não implica o afastamento do crédito que dele beneficia, da reclamação e graduação no lugar que lhe competir;
D. A admissão ao concurso de credores constitui a razão de ser da atribuição do privilégio creditório;
E. Exigir a esse credor que, para fazer valer o privilégio, obtivesse penhora ou hipoteca, seria deixar sem sentido útil o falado artigo 111° do Código do CIRS, pois, nesse caso, o seu crédito passaria a dispor de garantia real, sendo-lhe inútil o privilégio.
F. O art.° 240.º do CPPT deve ser interpretado no sentido de conferir dimensão lata à expressão credores que gozem de garantia real, por forma a abranger não apenas os credores que gozem de garantia real stricto senso, mas também aqueles a quem a lei atribui causas legítimas de preferência, como os privilégios creditórios imobiliários, ainda que não especiais;
G. O crédito reclamado de IRC de 2004 e 2005, e respectivos juros de mora, deve ser graduado logo após os créditos garantidos por hipoteca, e antes dos garantidos apenas por penhora, de harmonia com o previsto nos art°s 747.º n°.1 e 822 do CC.
H. A douta sentença recorrida violou o disposto no art°. 240°. do CPPT, nos art°s 733°, 747°, 822° do CC. , 111º do CIRS., e 8° do DL. n° 73/99.
Conclui pedindo, na consequência do provimento deste seu recurso jurisdicional, seja revogada a sindicada sentença e substituída por outra que admita, reconheça e gradue o questionado crédito porque garantido por privilégio imobiliário – cfr. art.º 111º do CIRC -.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Neste Supremo Tribunal Administrativo o Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu depois fundamentado parecer e, dando nota da abundante jurisprudência existente sobre a questão decidenda, opinou no sentido do provimento do recurso, devendo, em consequência, admitir-se, reconhecer-se e graduar-se o questionado crédito resultante da dívida de IRC, respeitante ao exercício de 2005.
Colhidos os vistos legais e porque nada obsta cumpre apreciar e decidir.
O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
Em 30.06.2005 o Serviço de Finanças de Marco de Canaveses instaurou contra a sociedade “B…, Ldª”, a execução fiscal n.° 1813-2005/01032240 por dívidas relativas a IVA do exercício de 2005, IRC do exercício de 2004, IRS de 2005 e Coimas Fiscais.
Como não foram encontrados bens à executada e estavam em dívida vários créditos fiscais, o Serviço de Finanças reverteu a execução contra A… como responsável subsidiário pelo pagamento das dívidas tributárias.
Assim, em 29 de Maio de 2007, o Serviço de Finanças procedeu à penhora do prédio urbano inscrito na matriz da Freguesia de Alpendurada, Concelho de Marco de Canaveses sob o art.° 2201 “AS” descrito na CRP sob o n.° 01263/020498 - AS, que pertencia ao executado subsidiário.
Esta penhora foi efectuada para garantia dos créditos exequendos supra identificados.
A penhora foi registada na CRP pela Apresentação n.° 30 de 20070531.
São credores reclamantes:
1.º - A Caixa Económica Montepio Geral por crédito relativo a mútuo garantido por hipoteca registada a seu favor na CRP pela Apresentação n.° 25/070598 de 2006.06.06.
2.° - A Fazenda Pública por créditos relativos ao IRC de 2004 e 2005 e ao IMI de 2006 e 2007, estes inscritos para cobrança em 2008, após a data da penhora.
Com base nesta factualidade e além do mais a sindicada sentença considerou que
O crédito reclamado de IRC relativo ao exercício de 2005 goza de privilégio imobiliário geral nos termos do art. 108° do CIRC.
Todavia este privilégio não constitui uma garantia real pelo que nos termos do art. 240°, n.° 1 do CPPT não pode ser reclamado e graduado porque não goza de garantia real, designadamente, de penhora.
Em consequência, julgou verificados os demais créditos reclamados e exequendos e procedeu à sua graduação pela seguinte forma:
1.º - O crédito reclamado pelo Montepio Geral (porque goza de garantia real constituída por hipoteca).
2.º - Os créditos exequendo e reclamado pela Fazenda Pública de IRC de 2004 e IRS de 2005 porque gozam de privilégio imobiliário geral e de garantia real constituída pela penhora.
3.º - Os créditos exequendos de IVA do exercício de 2005 e as coimas fiscais porque gozam de garantia real constituída pela penhora.
Ora, é contra o assim decidido que se insurge a Fazenda Pública, nos termos das transcritas conclusões do presente recurso jurisdicional, designadamente quanto à desconsideração dos créditos que reclamara e relativos a IRC de 2004 e 2005.
Não obstante a Fazenda Pública invocar expressamente a não verificação e consequente graduação do crédito respeitante a IRC de 2004, o certo é que este crédito foi admitido e graduado em 2º lugar pela sindicada sentença – cfr. fls. 71 dos autos -.
O mesmo não ocorre efectivamente quanto ao crédito igualmente reclamado e referente a IRC de 2005.
Relativamente a este, como se deixa dito, a sindicada sentença afirmou que gozava de privilégio imobiliário geral nos termos do artigo 108.º do CIRC, mas que não podia ser reclamado e graduado porque não goza de garantia real, designadamente de penhora.
A este sentido decisório subjaz entendimento bem restritivo do alcance que deve dar-se à interpretação do disposto no artigo 240º n.º 1 do CPPT, questão jurídica sobre a qual, aliás e como bem atentamente nota o Ilustre Magistrado do Ministério Público, este Supremo Tribunal tem produzido abundante e uniforme jurisprudência no claro sentido de que
Aquele preceito, o convocado e aplicável artigo 240 n.º 1 do CPPT deve ser interpretado amplamente, de modo a terem-se por abrangidos na sua estatuição, não apenas os credores que gozam de garantia real, stricto sensu, mas também aqueles a que a lei substantiva atribui causas legitimas de preferência, designadamente privilégios creditórios”, do sumário do acórdão do Pleno desta Secção de 13.04.2005, processo n.º 442/04 – No mesmo sentido podem ainda ver-se, também do Pleno da Secção, o acórdão de 18.05.2005, processo n.º 612/04 e, da Secção, de 04.02.2004, processo n.º 2078/03, de 13.05.09, processo n.º 185/09 e ainda de 18.11.09, processo n.º 920/09.
Tem-se entendido, com efeito, que o facto de a preferência decorrente do privilégio geral não resultar de uma garantia real, em sentido próprio, não significa que o credor que daquele privilégio beneficia não deva ser admitido a requerer a verificação e graduação do seu crédito, tendo em vista obter pagamento pelas forças do produto da venda do imóvel penhorado.
De resto, o n.º 2 do artigo 604.º do Código Civil aponta como “causas legítimas de preferência, além de outras admitidas na lei, a consignação de rendimentos, o penhor, a hipoteca, o privilégio e o direito de retenção (acórdão de 04/02/04 proferido no processo n.º 2078/03 desta Secção que também concordantemente se debruçou sobre a questão subjacente.)
E a este propósito salienta que “Assim o impõe a unidade do sistema jurídico, pois não faria sentido que a lei substantiva estabelecesse uma prioridade no pagamento do crédito (…) e a lei adjectiva obstasse à concretização da preferência, impedindo o credor privilegiado de acorrer ao concurso”.
Exigir a esse credor que, para fazer valer o privilégio, obtivesse penhora ou hipoteca, seria deixar sem sentido útil o artigo 111.º do Código do CIRS, o qual dispõe que “Para pagamento do IRS relativo aos três últimos anos, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente”.
A levar a efeito tal exigência, o seu crédito passaria a dispor de garantia real, sendo-lhe inútil o privilégio legalmente conferido.
Deste modo, o artigo n.º 240.º, n.º 1 do CPPT, ao afirmar que “podem reclamar os seus créditos (…) os credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados”, deve ser interpretado amplamente, de modo a terem-se por abrangidos na sua estatuição, não apenas os credores que gozem de garantia real, stricto sensu, mas também aqueles a quem a lei substantiva atribui causas legítimas de preferência, designadamente, privilégios creditórios.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, na parte impugnada, e, em consequência, graduar também o reclamado crédito de IRC referente ao exercício de 2005 e respectivos juros, no lugar que lhes compete, isto é, em segundo lugar da graduação operada, juntamente com os de IRC 2004 e IRS 2005 aí graduados.
Sem custas.
Lisboa, 10 de Março de 2010. – Alfredo Madureira (relator) – Brandão de Pinho – Pimenta do Vale.