Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01943/13
Data do Acordão:04/02/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
IVA
EXECUÇÃO FISCAL
PAGAMENTO POR CONTA
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
Sumário:I - De harmonia com o disposto no artº 276º do Código de Procedimento e Processo Tributário as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância.
II - Neste normativo prevê-se a possibilidade de impugnação de quaisquer actos do órgão da execução fiscal ou de outras autoridades da administração tributária que afectem os direitos ou interesses legítimos do executado.
A formulação do preceito abrange assim a generalidade de actos praticados pela Administração Tributária no processo de execução fiscal.
III - Deve ter-se por ilegal, por violação do principio da boa fé, a actuação da Administração Fiscal que, tendo completa percepção de que o contribuinte pretendia regularizar parcialmente a dívida de IVA relativa aos períodos que especificamente indicou e que se encontrava em cobrança no processo de execução fiscal – não só não o informou da necessidade de requerer tal pagamento no âmbito do processo de execução fiscal, como o informou que iria ser solicitado aos Serviços de cobrança do IVA a compensação no processo executivo, criando-lhe a convicção de que tais abatimentos iriam ser efectuadas pela DSCIVA, o que afinal veio a não suceder, já que tal serviço acabou por afectar tais verbas ao pagamento de outras dívidas, com prejuízo para o requerente.
Nº Convencional:JSTA00068643
Nº do Documento:SA22014040201943
Data de Entrada:12/20/2013
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CONST76 ART266.
LGT98 ART40 N3 ART59 N2.
CPPTRIB99 ART48 ART69 F ART86 N4 ART88 N4 ART89 N4 ART93 N2 ART262 N2 N3 N4 N5 N6 ART264 N1 N2 ART274 N2 ART276.
CPC96 ART199 ART202 ART206 ART288 N1 E.
CCIV66 ART783 ART784.
DL 229/95 DE 1995/09/11 ART1 ART9.
DL 191/99 DE 1999/06/05 ART11 N4.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0589/11 DE 2011/07/06.
Referência a Doutrina:LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM RODRIGUES E JORGE DE SOUSA - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA 3ED PAG250 PAG278.
JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLI PAG727 VOLIV PAG249.
JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS - CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA ANOTADA TIII PAG575.
VIEIRA DE ANDRADE - A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA LIÇÕES 8ED PAG469.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A………………….., LDA., melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a reclamação por si deduzida contra o despacho do Director de Serviços da Direcção de Serviços de Cobrança Voluntária - IVA , da qual pedia que a compensação automática realizada pela AT fosse efectuada no processo de execução fiscal nº 1929920121026534.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I. A Recorrente pretende que os actos tributários de compensação automática praticados pela Autoridade Tributária em relação aos pagamentos efectuados no valor de € 106.929,19 sejam declarados ilegais e compensados no processo de execução fiscal n.º 19299201201026534, com efeitos retroactivos à altura do respetivo pagamento, actualizando-se o valor deste processo executivo, bem com o valor indicativo para garantia do processo.
II. Não tendo pago liquidações relativas a IVA 2008 e 2009 no prazo de pagamento voluntário, depois de instaurado processo de execução fiscal, a Recorrente deslocou-se à tesouraria do Serviço de Finanças de Entroncamento e aí procedeu ao pagamento total de € 106.929,19, emitindo documentos de pagamento de autoliquidação referentes a declarações de substituição que também apresentou, juntamente com os pagamentos das coimas respectivas a tais períodos.
III. Por segurança, a Recorrente via comunicação electrónica informou e solicitou junto do serviço de Finanças de Abrantes que face ao pagamento efectuado, fosse operada a devida compensação, actualizando-se o valor do processo executivo e o valor a prestar em sede de garantia,
IV. Tendo a Direção de Serviços de Cobrança - Divisão de Cobrança Voluntária - IVA informado que os pagamentos efectuados teriam originado regularizações a crédito que migraram para o novo sistema do IVA (SLIVA), tendo sido efectuadas compensações automáticas em 18/12/2012, 21/1/2013 e 22/1/2013, tendo ainda comunicado que a ser como a Recorrente pretendia, teria de se adoptar o procedimento de reversão para o MGIT, do saldo que havia migrado para o novo sistema situação que se revelaria bastante complexa “porque teria como efeito a reactivação das CD”s atrás referidas, que já tinham sido emitidas e posteriormente anuladas com a compensação feita quando ainda estava pendente Reclamação Graciosa instaurada pela Recorrente em 27/8/2012.
V. A Recorrente, inconformada, em 14-05-2013, apresentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, nos termos do artigo 276.º do CPPT, Reclamação Judicial, que foi julgada improcedente.
VI. A douta sentença de que se recorre considerou que o artigo 40.°/3 da LGT faculta aos contribuintes que efectuem o pagamento o direito de indicar os tributos e períodos de tributação a que se referem, desde que tal indicação siga a forma prescrita na lei.
VII. Essas formas seriam, nomeadamente o DUC, nos termos do n.º 4 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 191/99, de 5 de Junho, o pagamento nos termos do artigo 1° do Decreto-lei n.º 229/95, de 11 de Setembro ou o pagamento por conta a que alude o artigo 274.º/2 do CPPT.
VIII. Não o tendo feito, a AT aplicou o disposto no artigo 9.° do Decreto-Lei n.º 229/95, de 11 de Setembro: Sempre que na DSCIVA seja recebido algum meio de pagamento emitido à ordem da Direção Geral do Tesouro que não seja acompanhado da correspondente declaração periódica, sendo, no entanto, possível identificar o sujeito passivo que o enviou, deverá a respectiva importância ser considerada no pagamento do imposto que vier a mostrar-se devido.”, tendo efectuado compensações automáticas em 18/12/2012, 21/1/2013 e 22/1/2013, quando ainda estava pendente Reclamação Graciosa instaurada pela Recorrente em 27/8/2012.
IX. Foi com base no supra exposto que a Reclamação foi improcedente, não partilhando a Recorrente do entendimento do Tribunal Recorrido.
X. Salvo melhor opinião, a compensação automática operada pela AT é ilegal, discordando-se em absoluto da interpretação que o Tribunal recorrido fez dos artigos 1° e 9° do Decreto-Lei n.º 229/95, de 11 de Setembro.
XI. Desde logo porque os pagamentos em causa foram efectuados nas tesourarias da Fazenda Pública, como a lei indica, tendo os mesmos sido acompanhados das correspondentes declarações periódicas de substituição - períodos 11 e 12/2008 e 01, 02 e 03/2009 - e respectivas coimas alusivas a pagamentos de imposto fora de prazo, nos quais se identificam expressamente os períodos em questão, não sobrando qualquer margem de dúvida de que a AT cometeu um erro grosseiro.
XII. Para além das próprias declarações indicadas no artigo 9.º do Decreto-Lei do n.º 229/95, de 11 de Setembro, tendo os documentos de cobrança referentes a coima e respectivo pagamento dos períodos em questão sido aceites e o seu conteúdo integralmente assimilado pela AT, a interpretação que o Tribunal recorrido devia ter adoptado daquele preceito era que a Recorrente, pretendendo proceder ao pagamento de imposto relativo aos períodos constantes das próprias declarações, fez uso de um dos meios admissíveis de pagamento para os devidos efeitos.
XIII. Tendo operado uma compensação automática para dividas mais recentes e mesmo futuras, a AT prejudica a Recorrente, que continua a constatar que os juros a pagar da avultadíssima dívida em questão continuam a vencer, e viola o princípio civil e comercial previsto nos artigos 783.º e 784.º do Código Civil, e mesmo preceituado no n.º 4 do artigo 89.º do CPPT de que caso o devedor não faça designação, deverá o cumprimento imputar-se na dívida contraída em data mais antiga.
XIV. A Autoridade Tributária não poderia ter operado a compensação automática nos termos cegos, mecânicos e arbitrários em que o fez, sendo a sua argumentação a este propósito facilitista e inadmissível, sendo o contribuinte alheio à pretensa complexidade inerente à sua pretensão, ainda para mais quando cumpriu com os formalismos impostos pelas normas que o Tribunal recorrido invoca.
XV. Urge ainda ressalvar que se encontrava pendente Reclamação Graciosa relativamente aos valores aqui em discussão que foram alvo da referida compensação, e que, mesmo que a Reclamação não tenha efeito suspensivo (artigo 69.º/ al. f) do CPPT), sempre se referirá que, face a tal circunstância, enquanto não for decidida a reclamação, os créditos não estarão em condições de ser compensados.
XVI. É nosso entendimento que estando a Recorrente munida da documentação necessária imposta pelo artigo 9.º do Decreto-Lei para o pagamento de imposto junto da Fazenda Pública, mal andou o Tribunal recorrido na interpretação que fez daquele artigo, tendo igualmente sido violado o principio civil e comercial legalmente previsto nos artigos 783° e 784° do Código Civil e n.º 4 do artigo 89.º do CPPT que preceitua que caso o devedor não faça designação, deverá o cumprimento imputar-se na divida contraída em data mais antiga.»

2 – A Fazenda Publica não contra alegou.

3 – O Ministério Público emitiu parecer a fls. 281/283, no sentido do não provimento do recurso e com a fundamentação que, na parte mais relevante, se transcreve:
«(…..) QUESTÃO PRÉVIA: Como resulta do disposto no artigo 276° do CPPT, são objecto da reclamação ali prevista «as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro...».
No caso concreto dos autos, o acto contra o qual a Recorrente se insurgiu - aplicação do valor dos cheques emitidos a favor do IGCP no pagamento de dívidas de IVA que se encontravam em pagamento - é da autoria da Direcção de Serviços de Cobrança do IVA e não do órgão de execução fiscal onde corre termos o processo de execução fiscal. Por outro lado o referido acto não foi praticado pela DSCIVA no âmbito de competências conexas com o processo de execução fiscal nº 19299201201026534.
Afigura-se-nos, assim, que a reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 276° do CPPT não é o meio processual adequado para impugnar o acto em causa, verificando-se erro na forma de processo, que inquina de nulidade todos os actos praticados a partir da data da apresentação da petição, nulidade que é de conhecimento oficioso e pode ser conhecida até sentença final e conduz à absolvição da instância - arts. 199°, 202°, 206° e 288°, n°1, alínea e), todos do CPC.
Mas mesmo que se entenda que a Recorrente se insurgiu contra o indeferimento implícito do seu pedido de abatimento na quantia exequenda dos pagamentos efectuados, apresentado ao órgão de execução fiscal em 16/01/2013, ao ser-lhe comunicada a informação da DSCIVA, afigura-se-nos que a sentença não merece a censura que o Recorrente lhe faz.
Com efeito e desde logo a Recorrente embora invoque de forma genérica a injustiça decorrente da improcedência da reclamação que apresentou, não indica que normas foram violadas ou qual a interpretação que o tribunal recorrido devia ter adoptado. O que revela a falta de fundamento legal que suporte o presente recurso.
Como se deixou supra enunciado, na sentença recorrida deu-se conforme com a lei a actuação da AT ao imputar os pagamentos efectuados pela Recorrente em sede de IVA nas dívidas entretanto liquidadas, ao abrigo do disposto no artigo 9° do Dec.-Lei nº 229/95, de 11 de Setembro. E a este propósito importa ter em consideração o disposto no n°2 do artigo 93º do CPPT, segundo o qual os pagamentos de dívidas que se encontrem na fase de cobrança coerciva serão efectuados através de guia ou título de cobrança equivalente previamente solicitado ao órgão competente, o que não ocorreu. Na verdade, decorrido o prazo de pagamento voluntário e a partir do momento em que é extraída certidão de dívida não se mostra possível efectuar o pagamento por conta do imposto devido em declaração de substituição, como se alcança do nº4 do artigo 88º do CPPT. Tanto mais que no caso concreto estavam em causa liquidações oficiosas que incorporavam juros compensatórios, cujo pagamento voluntário já tinha decorrido. Por outro lado, o pagamento do IVA está sujeito a tramites específicos previstos no Dec.-Lei nº 229/95, sendo pago à Direcção de Serviços do IVA, no âmbito de uma espécie de conta corrente entre a AT e o sujeito passivo de IVA, e não comporta pagamentos de dívidas que se encontrem em fase de cobrança coerciva, que passa a ser da competência do serviço de finanças da sede ou domicílio do sujeito passivo.
Entendemos, assim, que aquando da realização dos pagamentos, não se mostravam reunidos os pressupostos para o pagamento por conta, ao abrigo do disposto no artigo 86º, nº4, do CPPT, nem a Recorrente dirigiu essa sua pretensão à entidade competente para a instauração do processo de execução fiscal como determina o nº6 do mesmo preceito legal, motivo pelo qual não podia a administração tributária atender a tal pretensão sem que fosse apresentado esse pedido.
Afigura-se-nos, pois, que a decisão recorrida deve ser mantida na ordem jurídica, por não padecer dos vícios que lhe são imputados, e o recurso ser julgado improcedente.»

4 – Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

5 - Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:
1. A reclamante foi sujeita a fiscalização externa referente aos exercícios de 2008 e 2009, da qual resultaram correções em sede de IVA.
2. Na sequência de tais correções, a reclamante foi notificada para proceder ao pagamento voluntário dos montantes apurados.
3. O prazo limite para pagamento voluntário expirava em 30/4/2012 (fls. 26 e segs. cujo conteúdo e dá por reproduzido).
4. A reclamante não procedeu ao pagamento voluntário no prazo referido.
5. Pelo que foi instaurado processo de execução fiscal n.º 19299201201026534 para cobrança de valores exequendos que totalizavam € 128.950,14 (fls. 63 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
6. Tendo a reclamante sido citada por oficio datado de 6/6/2012 (fls. 63 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
7. Em 6/7/2012 a reclamante apresentou pedido de dispensa de prestação de garantia, o qual foi indeferido por despacho de 16/7/2012 (fls. 72 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
8. Em 27/8/2012 foi apresentada reclamação graciosa contra as liquidações adicionais (fls. 74 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
9. E regularizou a situação tributária referente aos períodos 2008/11 e 2008/12, mediante declarações de substituição que apresentou, pagando a quantia de € 48.310,25 em 30/11/2012
a. Em 30/11/2012 a reclamante emitiu dois cheques à ordem do IGCP que totalizavam € 48.310,25, sendo um no montante de € 24.467,98 e outro de €23.842,27 (fls. 76 e 85 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
10. Da mesma maneira regularizou a situação tributária em relação aos períodos 2009/01, 2009/02, e 2009/03, pagando em 3/1/2013 a quantia de € 58.618,94 (fls. 88 cujo conteúdo se dá por reproduzido)
11. Perfazendo um total de € 106.929,19.
12. Através de comunicação electrónica datada de 16/1/2013 a reclamante solicitou ao CSF de Abrantes que:
a. operasse a compensação actualizando-se o valor do processo executivo,
b. e actualizasse o valor indicativo para efeitos de garantia no processo (fls. 102 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
13. Por comunicação electrónica de 22/1/2013 o SE de Abrantes respondeu nos termos que constam e fls. 105 cujo conteúdo se dá por reproduzido, dizendo, designadamente
- Terem dado vários pagamentos, com base em declarações periódicas de substituição, entregues após oficiosas da fiscalização;
- O valor encontrado diverge do valor referido pela requerente;
- Embora o processo de execução fiscal seja do SE, a conta corrente do IVA para os períodos indicados é da competência do SF do Entroncamento;
- Irá ser solicitado aos Serviços de cobrança do IVA a compensação no processo executivo (fls. 105 cujo conteúdo se dá por reproduzido)
14. Por despacho de 19/2/2013 a reclamação graciosa foi indeferida.
15. O que foi notificado à reclamante por oficio de 25/2/2013 (fls. 108 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
16. Em 7/3/2013 a ora reclamante apresentou impugnação judicial, dando à ação o valor residual de € 10.185,86 por considerar ter pago €48.310,25 em relação ao exercício de 2005 (Por lapso foi indicado o ano de 2005 quando se quereria dizer 2008 (v.fls.127).) e € 58618.94 do exercício de 2009 (fls.127 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
17. Por não ter sido recebida qualquer informação do SE do Entroncamento, a reclamante enviou no dia 19/3/2013 nova comunicação eletrónica àquele serviço, repetindo, no essencial, o que antes expusera ao SE de Abrantes (fls. 145 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
18. O SE do Entroncamento informou ir reencaminhar a comunicação para o SE de Abrantes, uma vez que o processo de execução pertencia a este serviço (fls. 148 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
19. Por comunicação de 21/3/2013 o SE de Abrantes informou que o assunto ainda se encontrava pendente de resolução da Direção de Serviços do IVA (fls. 152 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
20. Em 6/5/2013 a reclamante foi notificada de que os pagamentos originaram regularizações a crédito que migraram para o novo sistema do IVA (SLIVA). Deste processamento automático resultou a reliquidação de todas as declarações nele processadas (a partir de Novembro de 2011), e foram anuladas automaticamente certidões de dívida (“CD’s,) emitidas para 1112, 1203, 1205, 1206 e 1208 (nos montantes de €22.706,93, €3.228,04; €4.220,11; €5.278,13 e €20.942,68, respetivamente) tendo ainda sido compensado o débito de e € 43.365,22 apurado na DP de 1212. Deste procedimento de reliquidação resultaram excessos de pagamento de € 2096,24 (em 1112,), € 3228,04 e €29,13 (em 1203) que poderão ser considerados como pagamento de imposto a apurar em declarações a submeter futuramente... » (fls. 158 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
21. Mais se diz «... a ser possível atender à pretensão do sujeito passivo, teria que se adoptar o procedimento de reversão para o MGIT, do saldo que migrou para o novo sistema, o que se revelaria, neste caso, bastante complexo, porque teria como efeito a reactivação das CD atrás referidas, que já tinham sido emitidas e posteriormente anuladas com a compensação feita (...) não houve qualquer erro no processamento dos pagamentos em causa, sendo válidas as compensações automáticas feitas uma vez que não foram cumpridos os requisitos formais correspondentes aos documentos de pagamento emitidos e, ainda, porque a referida compensação em nada prejudicou o imposto devido pelo sujeito passivo»
22. As compensações automáticas realizaram-se em 18/12/2012, 21/1/2013 e 22/1/2013 (fls. 163 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido).

5. Do objecto do recurso:
A questão objecto do recurso consiste em saber se padece de erro de julgamento a decisão recorrida que julgou improcedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal deduzida pela recorrente, reclamação essa em que a mesma pedia se declarasse a ilegalidade dos actos tributários de compensação automática dos pagamentos de IVA efectuados pela reclamante, mediante declarações periódicas de substituição, no valor total de € 106.929,19, referentes aos períodos de 2008/11, 2008/12, 2009/01, 2009/02, e 2009/03, e requeria também se ordenasse a sua compensação no processo de execução fiscal n.° 19299201201026534 com efeitos retroactivos à altura do respectivo pagamento, actualizando-se o valor desse processo executivo, bem como o valor indicativo de garantia do processo.
Previamente importa apreciar a questão suscitada pelo magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo relativa à impropriedade do meio processual utilizado – artº 276º do Código de Procedimento e Processo Tributário, reclamação de actos do órgão de execução fiscal – para impugnar o acto em causa.

5.1 Mostram os autos que contra a ora recorrente foi instaurada a execução fiscal nº 19299201201026534 para cobrança coerciva de dívida de IVA, no valor de € 128.950,14 euros, resultante de correcções efectuadas pela administração tributária, que abrangeu os anos de 2008 e 2009, e cujas liquidações adicionais não foram pagas no prazo legal.
Resulta também do probatório que em 30/11/2012 e 03/01/2013 a Recorrente apresentou declarações de substituição relativas aos períodos de 2008/11, 2008/12, 2009/01, 2009/02 e 2009/03, sobre os quais haviam sido efectuadas as correcções, para cujo imposto apurado (IVA) entregou cheques emitidos a favor do IGCP no valor global de € 106.929,19 euros. E que em 16/01/2013 a Recorrente solicitou o abatimento de tal pagamento na dívida exequenda objecto de cobrança no processo de execução fiscal nº 19299201201026534.
Posteriormente, em 06/05/2013 a Recorrente foi notificada de que aqueles pagamentos “originaram regularizações a crédito que migraram para o novo sistema do IVA (SLIVA)”. E que do “processamento automático resultou a reliquidação de todas as declarações nele processadas (a partir de Novembro de 2011) e foram anuladas automaticamente certidões de divida (CD’s) emitidas para 11/12, 12/03, 12/05, 12/06 e 12/08, tendo ainda sido compensado o débito apurado na DP de 12/12”, sendo que “deste processamento de reliquidação resultaram excessos de pagamento de € 2.096,24 (em 11/12), €3.228,04 e €29,13 (em 12/03) que poderão ser considerados como pagamento de imposto a apurar em declarações a submeter futuramente”.
Na sequência desta comunicação a recorrente apresentou reclamação ao abrigo do disposto no artigo 276º do CPPT, a qual foi julgada improcedente.
Para assim decidir a sentença recorrida ponderou que embora a Recorrente tenha feito expressamente a indicação de quais os impostos a pagar aquando da entrega dos meios de pagamento, essa indicação não foi feita nos termos que a lei prescreve. E segundo a decisão recorrida, esses meios são o DUC, preenchido pelo devedor, nos termos do n°4 do artigo 11º do Dec.-Lei nº 191/99, de 5 de Junho, o pagamento nos termos do art. 1° do Dec.-Lei nº 229/95, de 11 de Setembro, ou o pagamento por conta a que alude o artigo 264°/2 do CPPT.
Como o executado/recorrente não procedeu desse modo, concluiu a sentença recorrida que não merece censura a actuação da Administração Tributária ao aplicar o disposto no artigo 9º do Dec.-Lei nº 229/95, de 11 de Setembro, que manda imputar os pagamentos efectuados no imposto que vier a mostrar-se devido, ou seja, em dívidas futuras.

É contra o assim decidido que se insurge a recorrente alegando em síntese que que estando «munida da documentação necessária imposta pelo artigo 9.º do Decreto-Lei para o pagamento de imposto junto da Fazenda Pública», o Tribunal recorrido incorreu em errónea interpretação daquele artigo, tendo igualmente sido violado o principio civil e comercial legalmente previsto nos artigos 783° e 784° do Código Civil e n.º 4 do artigo 89.º do CPPT que preceitua que caso o devedor não faça designação, deverá o cumprimento imputar-se na divida contraída em data mais antiga.
Mais alega que se encontrava pendente Reclamação Graciosa relativamente aos valores aqui em discussão que foram alvo da referida compensação, e que, mesmo que a Reclamação não tivesse efeito suspensivo (artigo 69.º/ al. f) do CPPT), face a tal circunstância, enquanto não fosse decidida a reclamação, os créditos não estariam em condições de ser compensados.

6. Cumpre, apreciar, antes de mais, a questão prévia suscitada pelo Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo.

6.1 Da impropriedade do meio processual utilizado – reclamação de actos do órgão de execução fiscal, artº 276º do Código de Procedimento e Processo Tributário - para impugnar o acto em causa.
Alega o Exmº Magistrado do Ministério Público que no caso concreto dos autos, o acto contra o qual a Recorrente se insurgiu - aplicação do valor dos cheques emitidos a favor do IGCP no pagamento de dívidas de IVA que se encontravam em pagamento - é da autoria da Direcção de Serviços de Cobrança do IVA e não do órgão de execução fiscal onde corre termos o processo de execução fiscal. Por outro lado o referido acto não foi praticado pela DSCIVA no âmbito de competências conexas com o processo de execução fiscal nº 19299201201026534.
E conclui assim que a reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 276° do CPPT não é o meio processual adequado para impugnar o acto em causa, verificando-se erro na forma de processo, que inquina de nulidade todos os actos praticados a partir da data da apresentação da petição, nulidade que é de conhecimento oficioso e pode ser conhecida até sentença final e conduz à absolvição da instância - arts. 199°, 202°, 206° e 288°, n°1, alínea e), todos do CPC.
Não cremos, no entanto, que neste ponto assista razão ao Ministério Público.
De harmonia com o disposto no artº 276º do Código de Procedimento e Processo Tributário as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância.
Neste normativo prevê-se a possibilidade de impugnação de quaisquer actos do órgão da execução fiscal ou de outras autoridades da administração tributária que afectem os direitos ou interesses legítimos do executado.
A formulação do preceito abrange assim a generalidade de actos praticados pela Administração Tributária no processo de execução fiscal.
Ora, no caso vertente resulta dos autos que, através de comunicação electrónica datada de 16/1/2013 a reclamante deu conhecimento ao processo de execução fiscal do pagamento parcial do imposto em dívida referente aos períodos de 2008/11, 2008/12, 2009/01, 2009/02 e 2009/03, mediante apresentação de declarações periódicas de substituição, tendo solicitado ao Chefe do Serviço de Finanças de Abrantes que procedesse ao o abatimento de tal pagamento na dívida exequenda objecto de cobrança no processo de execução fiscal nº 19299201201026534 e actualizasse o valor indicativo para efeitos de garantia no processo (cf. probatório ponto 12).
E que em 21-03-2013 o Serviço de Finanças de Abrantes comunicou que o assunto ainda estava pendente de resolução por parte da Direcção de Serviços do IVA sendo que em 6 de Maio de 2013, foi a Reclamante notificada na pessoa dos seus mandatários judiciais de despacho emitido pela Direcção de Serviços de Cobrança - Divisão de Cobrança Voluntária - IVA - de que os pagamentos por si efectuados haviam originado regularizações a crédito, tendo operado “compensações automáticas com outras quantias devidas em períodos posteriores”, de acordo com o disposto no artº 9º do decreto-lei 229/95.
Não restam, pois, dúvidas que esta decisão da administração tributária (DSCIVA) afecta os direitos e interesses legítimos do executado no processo, na medida em que dela decorre o indeferimento implícito do seu pedido de abatimento na quantia exequenda dos pagamentos efectuados, apresentado ao órgão de execução fiscal em 16/01/2013, e pode, por isso, ser objecto de reclamação para o Tribunal Tributário de 1ª instância nos termos do artº 276º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Improcede, portanto, a suscitada questão prévia.

7. Do invocado erro de julgamento do Tribunal recorrido por errónea interpretação do artigo 9.º do Decreto-Lei 229/95 e violação do disposto nos artigos 783° e 784° do Código Civil e n.º 4 do artigo 89.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

7.1 Em primeiro lugar cumpre referir que no caso vertente a Administração Tributária não operou uma compensação por sua iniciativa nos termos do artº 89º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Como bem se salienta na decisão sindicada este preceito regula a compensação com créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial, o que manifestamente não é o caso dos autos.
Para que ocorresse compensação necessário seria que houvesse um crédito liquidado a favor de um contribuinte, de que fosse devedora a administração fiscal e que esse crédito resultasse de reembolso, revisão oficiosa, reclamação graciosa ou impugnação judicial de um acto tributário.

Não é, porém, essa a situação com que deparamos no caso subjudice, pois que, como se constata do probatório, a Administração Tributária creditou os pagamentos efectuados pela recorrente na respectiva conta corrente a fim de serem repercutidos nas declarações periódicas processadas a partir de Novembro de 2011, anulando as certidões de dívida (“CD’s,) emitidas para Dezembro de 2011, Março, Maio, Junho Agosto e Dezembro de 2012 – cf. ponto 20 do probatório – invocando, como fundamento legal para tal procedimento, o disposto no artº 9º do decreto-lei 229/95 de 11/09.

Por isso não têm lugar nem procedem as considerações da recorrente quanto à eventual violação dos artsº 89º, nº 4 do Código de Procedimento e Processo Tributário ou dos 783° e 784° do Código Civil, normas estas que definem o critério geral relativo à ordem de aplicação de créditos e que têm como norma correspondente no procedimento tributário o referido artº 89º, nº 4 (Cf., neste sentido, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, 6ª edição, Áreas editora, vol. I, pag. 727.).
Pela mesma razão, e da mesma forma, improcedem as considerações da recorrente quando aos efeitos da pendência da reclamação graciosa.

7.2
Resulta do probatório que a recorrente procedeu ao pagamento do IVA referente aos períodos de 2008/11 a 2009/03, mediante entrega de declarações de substituição, quando já havia decorrido o prazo de pagamento voluntário e quando já haviam sido extraídas certidões de dívida que deram origem à execução fiscal (cf. probatório, pontos 9 e 10, e documentos juntos de fls. 76 a 100).
É certo que esta actuação da recorrente não teve em conta os procedimentos legais para pagamento voluntário ou por conta da dívida exequenda.
Com efeito, no caso de já se encontrar pendente o processo de execução fiscal, como na hipótese dos autos, o pagamento voluntário ou por conta deverá ser efectuado nos termos do artº 264º, nºs. 1 e 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário, observando-se, nesta última hipótese, o disposto nos nºs 2 a 6 do artº 262º do Código de Procedimento e Processo Tributário quanto à aplicação das quantias arrecadadas.
Porém, a recorrente não utilizou aquela forma de pagamento que haveria de ser feita no âmbito do processo de execução fiscal, na sequência de requerimento nele apresentado (Ver neste sentido Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, 6ª edição, Áreas Editora, vol. IV, pag. 249. ).
Na verdade, estando o processo já em fase de cobrança coerciva, resolveu emitir documentos de pagamento de autoliquidação em sede de IVA e solicitou, depois, ao órgão de execução fiscal que procedesse ao abatimento de tal pagamento na dívida exequenda objecto de cobrança no processo de execução fiscal.
Sendo que, como nota o Ministério Público neste Supremo Tribunal, o pagamento do IVA em questão está sujeito a tramites específicos previstos no Dec.-Lei nº 229/95, sendo pago à Direcção de Serviços do IVA, no âmbito de uma conta corrente entre a Administração Tributária e o sujeito passivo de IVA.

No caso subjudice a Administração Tributária invocou o disposto no artº 9º do decreto-lei 229/95 de 11/09 como fundamento legal para creditar os pagamentos efectuados pela recorrente na respectiva conta corrente, a fim de serem repercutidos nas declarações periódicas processadas a partir de Novembro de 2011,
Para assim decidir baseou-se a Administração Fiscal na seguinte linha de argumentação: «No caso presente, o sujeito passivo emitiu documentos de pagamento de autoliquidação quando já estavam emitidas as certidões de dívida, à data em que o imposto foi pago, pelo que deveriam ter sido usados os documentos de cobrança correspondentes ao processo de execução fiscal, para uma correcta imputação dos mesmos. Os pagamentos assim efectuados, por não corresponderem a valores autoliquidados (porque já havia imposto liquidado e notificado pelos serviços), foram compensados em imposto devido em períodos posteriores, de acordo com o disposto nos art° 9 do DL 229/95, de 11/9».
Desde já se adiantará que, a nosso ver, esta actuação da Administração Fiscal para além de não se subsumir à previsão daquele normativo, não tem apoio legal, e por isso, não andou bem a sentença recorrida ao ratificá-la.
Vejamos.
Dispõe o artº 9º do DL 229/95 (diploma que regulamenta o regime de cobrança e dos reembolsos do IVA) o seguinte: « Sempre que na DSCIVA seja recebido algum meio de pagamento emitido à ordem da Direcção--Geral do Tesouro que não seja acompanhado da correspondente declaração periódica, sendo, no entanto, possível identificar o sujeito passivo que o enviou, deverá a respectiva importância ser considerada no pagamento do imposto que vier a mostrar-se devido.»
Ora no caso vertente mostra o probatório que os meios de pagamento entregues pela recorrente para regularização da sua situação tributária referente aos períodos de 2008/11, 2008/12, 2009/01, 2009/02 e 2009/03 foram acompanhados de declarações periódicas de substituição, que inequivocamente referenciavam aqueles períodos (cf. probatório, pontos 9 e 10, e documentos juntos de fls. 76 a 100) sendo patente que a recorrente pretendia pagar o imposto relativo aos períodos que constam daquelas declarações.
Aliás resulta também do probatório que a reclamante informou os serviços de finanças de Abrantes, através de comunicação electrónica datada de 16/1/2013, do pagamento parcial das dívidas que originaram a execução, referentes àquele período, solicitando que operasse a compensação, actualizando-se o valor do processo executivo, e que se actualizasse o valor indicativo para efeitos de garantia no processo (fls. 102 ).
Dúvidas não há que os meios de pagamento entregues pela recorrente para regularização da sua situação tributária referente àqueles de períodos de 2008/11, e 2009 foram acompanhados das correspondentes declarações periódicas de substituição.
Do exposto forçoso é concluir que situação em análise não cabia na previsão do referido artº 9º do decreto-lei 229/95, normativo este que, sob a epígrafe de “Meio de pagamento sem declaração periódica” prevê os casos de a recepção de meios de pagamento emitidos à ordem da Direcção--Geral do Tesouro que não sejam acompanhados das correspondentes declarações periódicas.
Portanto, e desde logo sob este ponto de vista, a Administração Tributária incorreu em vício de violação de lei ao invocar aquele norma como fundamento legal para creditar os pagamentos efectuados pela recorrente na respectiva conta corrente a fim de serem repercutidos nas declarações periódicas processadas a partir de Novembro de 2011.
Acresce que, de acordo com o já referido artº 9º do o regime de cobrança e dos reembolsos do IVA, sendo possível identificar o sujeito passivo que enviou o meio de pagamento, deverá a respectiva importância ser considerada no pagamento do imposto que vier a mostrar-se devido.
Ora, no caso vertente a recorrente apresentou as declarações de substituição, acompanhadas dos respectivos meios de pagamento, em 30.11.2012 e em 03.1.2013, identificando especificamente os períodos de imposto que pretendia pagar e que eram os períodos de 2008/11, 2008/12, 2009/01, 2009/02 e 2009/03.

E o que fez a Administração Fiscal?
Após sucessiva remessa do expediente do serviço de finanças de Abrantes para o serviço de finanças do Entroncamento e deste novamente para Abrantes, com informação de que a compensação no processo executivo iria ser solicitada aos serviços de cobrança do IVA (cf. pontos 13 a 18 do probatório), a DSCIVA informou a recorrente, em 06.05.2013, de que afectou tais meios de pagamento a outras dívidas procedendo a uma reliquidação de todas as declarações de IVA processadas pelo contribuinte a partir de Novembro de 2011, e anulando automaticamente certidões de dívida (“CD’s,) emitidas para Dezembro de 2011, Março, Maio, Junho e Agosto de 2012 (nos montantes de €22 706,93, €3.228,04; €4.220,11; €5.278,13 e €20 942,68, respectivamente) tendo ainda compensado o débito de € 43 365,22 apurado na declaração periódica de Dezembro de 2012.
Importa notar que, pese embora na fundamentação do despacho reclamado da Direcção de Serviços de cobrança do IVA se tenha feito constar que «os pagamentos assim efectuados, por não corresponderem a valores autoliquidados (porque já havia imposto liquidado e notificado pelos serviços), foram compensados em imposto devido em períodos posteriores, de acordo com o disposto nos artº 9 do DL 229/95, de 11/9» (Cf. fls. 183.) não é essa a realidade que resulta dos autos.
Com efeito as declarações periódicas de substituição foram apresentadas em 30.11.2012 e em 03.1.2013 mas a Administração Tributária procedeu à anulação do imposto devido em períodos anteriores à emissão dessas declarações de substituição - imposto relativo aos períodos de Dezembro de 2011, Março, Maio, Junho Agosto e Dezembro de 2012 - e, em relação aos quais já haviam também sido extraídas certidões de dívida.
Ou seja a Administração Fiscal ao considerar tais importâncias no pagamento do imposto que viesse a mostrar-se devido, como refere a redacção artº 9º do decreto-lei 229/95 de 11/09, acabou por anular as dívidas da recorrente relativas a períodos anteriores (e não posteriores) à emissão das declarações periódicas de substituição e em relação às quais também já haviam sido extraídas certidões de dívida.
É pois pertinente questionar qual o critério utilizado pela Administração Fiscal para anular aquelas dívidas anteriores e não quaisquer outras, nomeadamente aquelas a que se referia com precisão a recorrente e que era sua intenção expressa regularizar.
Até porque a própria DSCIVA admitiu a possibilidade de proceder a tais abatimentos invocando também como fundamento para o não fazer uma suposta complexidade do procedimento necessário para tal alegando que «teria como efeito a reactivação das CD atrás referidas, que já tinham sido emitidas e posteriormente anuladas com a compensação feita» - cf. probatório, ponto 21.
Ora, com esta conduta a Administração Fiscal não só violou, por errada interpretação o disposto no artº 9º do decreto-lei 229/95, como também incorreu em violação do principio da boa fé acolhido na lei ordinária, e constitucional, que impõem uma actuação em conformidade com a «confiança suscitada na contraparte», nos termos dos artigo 59º, nº 2 da Lei Geral Tributária e 266.º da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito o princípio da boa fé está consagrado no artº 59º, nº 2 da Lei Geral Tributária que pressupõe por parte da administração tributária um dever de actuação segundo a boa fé.
Como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na sua Lei Geral Tributária Anotada, 3ª edição, pag. 278 esta exigência tem um conteúdo de carácter ético, impondo aos intervenientes no procedimento tributário que actuem com lealdade e sinceridade recíprocas no decurso do procedimento tributário, abstendo-se de actuações que possam enganar o outro interveniente, ou ocultando-lhe elementos que possam ter proveito para a defesa das suas posições (Sublinhado nosso.).
Em sintonia com o preceituado no art. 59.° da Lei Geral Tributária o artº. 48 do Código de Procedimento e Processo Tributário estabelece que a administração tributária esclarecerá os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros actos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correcção dos erros ou omissões manifestas que se observem.
Assim a violação pela administração tributária destes deveres procedimentais de colaboração e de actuação segundo as regras da boa fé, pode consistir em vício autónomo de violação de lei.
Com efeito a relevância deste princípio não se esgota nos actos praticados no exercício de poderes discricionários, tendo vindo a ser colocada a da possibilidade da sua aplicação em caso de actos praticados no exercício de poderes vinculados.
É certo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, vinha, em geral, sustentando essa impossibilidade, com o argumento de que, quando estão em causa poderes vinculados, o princípio da legalidade se sobrepõe a quaisquer outros princípios, que, por isso, só poderão gerar vício autónomo de violação de lei no domínio do exercício de poderes discricionários. (Cf. ob. citada, págs. 249 e 250.).
Porém, sublinham Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 3ª edição, pag. 250 que «desde logo, terá de se constatar que o texto do art. 266.° da C.R.P. não deixa entrever qualquer restrição à sua aplicação a qualquer tipo de actividade administrativa, pelo que, em princípio, dever-se-á fazer tal aplicação, se não se demonstrar a sua inviabilidade».
Também Jorge Miranda e Rui Medeiros referem na sua Constituição da República Anotada, tomo III pag. 575, que o princípio permite afastar soluções legais expressas que conduzam, em concreto, a uma violação da boa fé.
Trata-se, como se referiu no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 06.07.2011, recurso 589/11, in www.dgsi.pt, da aplicação dos chamados princípios da juridicidade substancial, que estão explicitados na lei e na Constituição (cfr. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª ed., Almedina, 2006, pag. 469).
No caso dos autos, se é certo que a recorrente não utilizou os procedimentos legais adequados para pagamento voluntário ou por conta da dívida exequenda, também não deixa de ser certo que a Administração Fiscal, tendo completa percepção de que o contribuinte pretendia regularizar parcialmente a dívida de IVA relativa aos períodos que especificamente indicou e que se encontrava em cobrança no processo de execução fiscal - não só não o informou da necessidade de requerer tal pagamento no âmbito do processo de execução fiscal, como o informou que iria ser solicitado aos Serviços de cobrança do IVA a compensação no processo executivo, criando-lhe a convicção de que tais abatimentos iriam ser efectuadas pela DSCIVA, o que afinal veio a não suceder, já que tal serviço acabou por afectar tais verbas ao pagamento de outras dívidas, com prejuízo para a recorrente.
Prejuízo que, como salienta a recorrente, é manifesto pois que o facto de se afectarem os meios de pagamento para saldar dívidas mais recentes tem como consequência que os encargos (juros) com dívidas anteriores sejam maiores, aumentando, em vez de diminuir, a dívida no processo de execução fiscal.
Tanto mais que resultaram, daquele procedimento de “reliquidação”, excessos de pagamento que a DSCIVA considerou poderem “ser considerados como pagamento de imposto a apurar em declarações a submeter futuramente... » - cf. nº 20 do probatório.
Em face do exposto concluímos que, perante o já referido enquadramento legal, a actuação da Administração Tributária no caso vertente, para além de não colher o apoio legal invocado, deve ser afastada com fundamento em que tal actuação conduziu, em concreto, à violação do equacionado princípio da boa-fé.
A sentença recorrida, que assim não entendeu, não pode, pois, ser confirmada.

8. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, julgando procedente a presente reclamação de actos do órgão de execução fiscal, e, em consequência, julgando ilegais os acto de anulação das dívidas de IVA efectuados pela DSCIVA em em 18/12/2012, 21/1/2013 e 22/1/2013 (fls. 163 e segs.), devendo as importâncias pagas com as declarações de substituição referidas nos pontos 9 e 10 do probatório ser aplicadas no pagamento da dívida exequenda, com efeitos retroactivos à data do pagamento, actualizando-se o valor do processo executivo bem como o valor indicativo para garantia do processo.

Sem custas.

Lisboa, 2 de Abril de 2014. - Pedro Delgado (relator) - Isabel Marques da Silva - Dulce Neto.