Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0409/12
Data do Acordão:05/16/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
MANDATÁRIO JUDICIAL
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
ARGUIÇÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
TEMPESTIVIDADE
Sumário:I - A falta de notificação das decisões proferida pelo órgão da execução fiscal ao mandatário legalmente constituído pela exequente A… é susceptível de constituir uma nulidade processual do processo de execução fiscal caso essa omissão possa ter influência no exame ou na decisão da causa.
II - A arguição de nulidades processuais cometidas no processo de execução fiscal deve ser dirigida e conhecida pelo órgão da execução, cabendo da respectiva decisão reclamação para Tribunal nos termos do disposto nos arts. 276º e segs. do CPPT.
III - Ocorrendo erro na forma do processo, constitui um poder/dever vinculado do juiz a convolação do processo na forma processual adequada (artigos 98.º n.º 4 do CPPT e 97.º nº 3 da LGT), que somente pode ser afastado quando a convolação se mostre inviável perante a inidoneidade da petição inicial, a manifesta improcedência da pretensão ou a extemporaneidade da petição em função do meio processual adequado.
IV - O prazo para arguir nulidades processuais de actos a que o mandatário não assistiu é o de 10 dias a contar do dia em que, depois de cometida a nulidade, ele haja intervindo em algum acto praticado no processo ou haja sido notificado para qualquer termo dele (embora neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência), tudo em conformidade com o disposto no artigo 205.º do CPC, razão por que esse prazo não pode iniciar-se com a notificação de actos processuais à parte, mas tão só com a notificação ao seu mandatário judicial.
Nº Convencional:JSTA00067607
Nº do Documento:SA2201205160409
Data de Entrada:04/16/2012
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:DESP TT1INST LISBOA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Área Temática 2:DIR PROC CIV
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART10 N1 F ART98 N4 ART276 ART40
CPC96 ART205 N1
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC42/11 DE 2011/03/10; AC STAPLENO PROC923/08 DE 2010/02/24
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VII PAG486.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a fls. 57 a 64 dos autos, de improcedência da reclamação que, na qualidade de exequente, apresentou contra a decisão do órgão da execução fiscal que determinou a restituição ao executado da quantia de € 22.419,87, arguindo a nulidade processual cometida no processo de execução por omissão de notificação ao seu mandatário judicial da decisão de extinção da execução e desta decisão de restituição, pedindo a anulação do processado com o imediato retorno dessa quantia para os autos e o prosseguimento do processo executivo com a renovação da penhora de parte da pensão auferida pelo executado B……. até perfazer o montante da quantia ainda em dívida.
Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1. Em 09.08.2011 a A……, S.A. apresentou reclamação do acto do órgão de execução fiscal ao abrigo do artigo 276.° e segs. do CPPT, mais arguindo as nulidades por falta de notificação.

2. Tendo ocorrido o incumprimento das obrigações emergentes do contrato celebrado entre a ora Recorrente e os aqui Recorridos, a A….. instaurou acção executiva e solicitou a penhora do imóvel que constitua a garantia desse empréstimo.

3. Ocorrida a venda judicial do imóvel em causa, foi o mesmo adjudicado pelo montante de Esc. 10.110.000$00, sendo que, após liquidação, o Serviço de Finanças de Arruda dos Vinhos transferiu para a A…… o montante de Esc. 9.884.877$00 (€ 49.305,56).

4. À data da venda do imóvel (19.08.1999) a dívida correspondia ao montante de Esc. 11.554.501$00 (€ 57.633,60), e uma vez aplicada a referida quantia de € 49.305,56, o empréstimo nunca poderia ter resultado liquidado.

5. Nessa conformidade, a A…… requereu o prosseguimento da execução.

6. Para tanto, o supramencionado Serviço de Finanças ordenou a penhora da pensão auferida pelo Executado B…… através da Caixa Geral de Aposentações (CGA).

7. Em 22.11.2007 a dívida cifrava-se em € 14.109,20, ao qual deveriam acrescer juros até efectivo e integral pagamento, nos termos do artigo 227.º do CPPT.

8. Foi transferida para a A…… a quantia de € 8.639,15, correspondentes a penhora da pensão do Executado, quantia, esta, que resultou manifestamente insuficiente para a liquidação da divida.

9. Ao analisar a listagem de transferências efectuadas em 15.12.2010 pela Direcção Geral dos Impostos para a A…… das verbas recuperadas pelos Serviços de Finanças nos processos em que a mesma é parte interessada, a A…… deparou-se com a circunstância atípica de subtracção da quantia de € 22.419,87, devido a "restituição" unilateral desta verba ao Executado B……, por parte do Serviço de Finanças de Arruda dos Vinhos.

10. Tal verba (€ 22.419,87) é pertença da Recorrente, e tanto assim é que foi assim determinado pelo próprio Serviço de Finanças de Arruda dos Vinhos por decisão transitada em julgado. Mais, a referida verba foi aplicada pela A……, em tempo útil, no empréstimo em execução.

11. Após a tomada de conhecimento da restituição do montante de € 22.419,87 aos Executados, em 03.12.2010, a A……, S.A.. (A……) solicitou ao Serviço de Finanças de Arruda dos Vinhos que viesse aos autos informar qual a razão da referida restituição.

12. Assim o fez porque é incompreensível que o Serviço de Finanças tivesse restituído tal montante aos Executados, quando remanesciam valores em dívida à A……, e fê-lo sem lhe prestar qualquer esclarecimento e sem disso a notificar (inclusivamente, não notificando o mandatário constituído).

13. A resposta que obteve não foi, certamente, aquela que conjecturava, uma vez que o Serviço de Finanças informou que o processo de execução fiscal em apreço se encontrava extinto por pagamento e, ainda, que os cálculos foram efectuados pelo sistema informático e considerados correctos, razão pela qual restituíram tal quantia aos Executados, por entenderem que haviam sido penhorados montantes em excesso.

14. Só então é que o Serviço de Finanças de Arruda dos Vinhos questionou a A…… acerca do montante que se encontrava em dívida (fax de 17.01.2011). Ao mesmo tempo que lhe deu conhecimento de que o processo se encontrava extinto!

15. A A…… não se pode conformar com uma decisão tomada à sua revelia, pois que não foi notificada e, assim, subtraindo-lhe qualquer hipótese de se pronunciar acerca do sucedido!

16. O Serviço de Finanças, não sendo parte legítima no processo, mas apenas um órgão de execução fiscal, fez-se substituir à ora Recorrente. O que é inaceitável e ilegal!

17. Conforme é dos autos e, designadamente, da Reclamação deduzida pela Exequente, não foi devidamente notificada na altura em que deveria ter sido, isto é aquando da decisão do Serviço de Finanças de Arruda dos Vinhos de extinguir o processo (pois que o Serviço de Finanças não é Exequente, e, antes, Órgão de Execução Fiscal - o que é bem diferente).

18. Por um lado, procederam à restituição dos aludidos € 22.419,87 aos Executados, quantia esta que, por decisão transitada em julgado já havida sido atribuída à A……. Por outro lado, consideraram extinta a execução por um pagamento integral que não existiu o que lesa gravemente os legítimos direitos e interesses da A…….

19. Na reclamação do órgão de execução fiscal apresentada pela A…… foi arguida a nulidade por falta de notificação, designadamente das nulidades processuais por omissão e reguladas nos artigos 36.° e 40.º do CPPT, 195.º alínea a), 194.º. A) e 201.º n.º1, 2ª parte do CPC (ex vi do art. 2.º do CPPT).

20. Tais nulidades suscitadas pela Recorrente são invocadas e invocáveis a todo o tempo.

21. A omissão de notificação do mandatário constituído pela Exequente viola os arts. 59.º n.º 1 e n.º 2 do Dec. Lei 48953, de 05/04/1969, art. 156.º n.º 1 e n.º 4 do Dec. Lei 694/70, de 31 de Dezembro, art. 9.º n.º 5 do Dec. Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto e art. 253.º n.º 1 e 254.º do CPC.

22. Não tem o mandatário subscritor sequer conhecimento de que anterior mandatário tenha sido notificado da resposta da Representante da Fazenda Pública (RFP), tendo, inclusivamente, obtido aquela resposta directamente através de fax enviado pelos serviços deste tribunal, no passado dia 04.01.p.p., e não por outra qualquer forma legalmente prevista.

23. A falta de notificação de tais decisões, na pessoa do Mandatário legalmente constituído, acarreta nulidade processual por omissão, uma vez que tais omissões influem no exame ou na decisão da causa, lesam gravemente os interesses da A…… e privam a mesma do seu Direito Constitucional de Defesa. O que, a verificar-se, comprova um comportamento reiterado relativamente a omissão de notificações da aqui Recorrente, através dos mandatários que constitui, nos termos da lei, livremente.

24. Uma vez mais, o Tribunal a quo, não notificou o mandatário subscritor, constituído nos autos, da douta sentença proferida em 13.01.2012, tendo enviado tal notificação para a sede da ora Recorrente.

25. Assim, foi no estrito cumprimento e respeito pelos princípios e preceitos legais que a ora Recorrente reclamou de decisão do órgão de execução fiscal, nos termos do artigo 276.° do C.P.P.T., bem como assim que o seu Mandatário teve conhecimento, suscitou as nulidades supra enunciadas.

26. É que, uma coisa é reclamar de um acto do órgão de execução fiscal e outra é suscitar nulidades processuais.

27. A circunstância de os mesmos pedidos terem sido feitos através da mesma peça processual, podem compaginar soluções jurídicas tanto autónomas como relacionadas.

28. Pelo que, ao assim não ter considerado, a decisão em crise fez uma incorrecta interpretação e desadequada aplicação do direito, designadamente das citadas disposições legais, que violou, devendo por isso, ser revogada e substituída por outra que ordene a restituição do montante de € 22.419,87 à A……, bem como o prosseguimento dos autos até final.

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso, deve a douta sentença recorrida ser REVOGADA e, em consequência, ser substituída por outra que ordene a restituição do montante de € 22.419,87 à A……, deferindo pedido de nulidade processual por falta de notificação, bem como o prosseguimento dos autos até final, e em consequência:

a) Ser declarada a nulidade da decisão do Órgão de execução fiscal que ordenou a restituição aos Executados da quantia de € 22.419,87, bem como de todo o processado posterior por omissão da notificação de tal decisão ao respectivo Mandatário;

b) Ser ordenada a imediata devolução aos autos, por parte dos Executados, da referida quantia de € 22.419,87, com a inerente transferência da mesma quantia para a aqui Recorrente para efeitos de imputação ao empréstimo;

c) Ser ordenada o prosseguimento dos autos de execução ate final.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Exm.º Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de que devia ser confirmada a sentença recorrida.

1.4. Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

2. Na decisão recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
A) Pelo Serviço de Finanças de Arruda dos Vinhos foi instaurado o processo de execução fiscal n° 1473199301000071 para cobrança coerciva de dívidas à A…… no valor de 5.790.494$00 - cf. fls. 44 e sg do PEF;

B) Em a Reclamante constituiu mandatário, procedendo a junção de procuração aos autos - cf. fls. do PEF;

C) No âmbito de tal processo, foi penhorada e vendida a fracção autónoma que constituía a garantia do referido contrato de mútuo, cujo preço de venda no montante de € 50.428,47 (10.110.000$00) não foi suficiente para saldar a divida - cf. fls. 95;

D) A requerimento da exequente a execução prosseguiu os seus termos, e em Janeiro de 2007 foi efectuada a penhora de contas bancárias e de 1/6 da pensão auferida pelo executado B…… - cf. fls. 120 e 196 do PEF;

E) Em 20/10/2010, após levantamento da referida penhora, pelo Órgão da Execução Fiscal foi solicitado à Divisão de Gestão de Dívida Executiva, as diligências necessárias à tramitação do processo executivo em consonância com a conclusão de que “foi o referido processo objecto de análise minuciosa sobre a instauração do mesmo, bem como de todos os pagamentos. Concluiu-se que os valores apresentados no SEFWEB, gestão global, bem como nos excessos estavam todos correctos, pelo que se solicita que o processo seja pago através da afectação do valor de € 2.688,00 e o executado reembolsado do excesso, no valor de 22.419,87, a fim de dar este processo por concluído. (...)”- cf. fls. 195 do PEF;

F) Através do fax n° 2133, de 2/11/2010 foi a A……, através da Direcção de Recuperação de Créditos, ao cuidado do Sr. C……, informada de que o processo de execução fiscal identificado em A) se encontra extinto por pagamento, conforme notificação previamente emitida em 19/10/2010 pelo Sistema Informático de Penhoras Automáticas (SIPA) da Direcção Geral de Impostos - cf. fls. 203 e 196 do PEF;

G) Em 3/12/2010 a Reclamante através do Sr. C……, a Direcção de Recuperação de Créditos - DRC - NRC 3 - Núcleo de Processo Tributário, solicitou informação sobre lista de transferência bancária n° T 8025332706 a favor da A…… no dia 15/11/2010, sobre a razão da restituição do valor de € 22.419,87, invocando que a conta respeitante ao empréstimo em causa não se encontra liquidada - cf. fls. 221 do PEF e de fls. 18 a 20 dos autos;

H) Em 17/1/2011 foi prestado o esclarecimento de que o valor restituído resultou dos cálculos efectuados pelos Sistema Informático conferidos e confirmados, através dos documentos de pagamento, solicitando informação à Reclamante sobre qual o montante que considera em dívida - cf. fls. 226 do PEF e 21 dos autos;

I) A presente acção foi instaurada em 9/8/2011- cf. fls. 4.

3. O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 13 de Janeiro de 2012, onde se julgou que apesar da comprovada falta de notificação ao mandatário da exequente das decisões proferidas em sede de execução fiscal constituírem omissão de uma formalidade prescrita na lei (art.º 40.º do CPPT), que é susceptível de produzir uma nulidade processual em conformidade com o disposto no artigo 201.º do CPC, o certo é que a arguição de uma tal nulidade estava sujeita ao prazo de 10 dias «contados do dia, em que depois de cometida a nulidade, a parte veio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para algum outro termo dele, com a particularidade de, neste último caso, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.». E estando provado que a exequente «foi notificada pela Administração Fiscal, através do seu Presidente do Conselho de Administração, da listagem de diversas quantias discriminadas por executados, montantes e tipo de movimentos, creditadas na conta bancária da Reclamante no dia 15/11/2010, listagem essa que integra também a indicação de ter sido efectuada a restituição de € 22.419,87 ao executado B……» e que a mesma exequente «através do Sr. C……, da Direcção de Recuperação de Créditos - DRCNRC 3 - Núcleo Processo Tributário - solicitou esclarecimentos, identificando o executado, bem como o processo de execução fiscal referido em A) dos factos assentes. Em 17/1/2011, via fax, foram prestados tais esclarecimentos», conclui-se que a arguição era intempestiva, por se encontrar ultrapassado o prazo de 10 dias após a prestação dos esclarecimentos solicitados pela exequente.

Neste contexto, julgou-se que apesar de ocorrer erro na forma de processo – por as nulidades processuais deverem ser arguidas perante o órgão da execução fiscal e não suscitadas directamente no Tribunal através de reclamação - aquela intempestividade inviabilizava a convolação na forma processual adequada «porque tal aproveitamento redundaria em acto inútil, que o tribunal tem de se abster de praticar (cf. art.º 98.º, n.º 4 do CPPT e art.º 137.º, n.º 1 do CPC)».

Neste recurso, a Reclamante, ora Recorrente, invoca o erro de julgamento em matéria de direito cometido na sentença, essencialmente porque, na sua óptica, face à constituição de mandatário pela exequente, se impunha a notificação a este (e não à própria parte) das decisões proferidas na execução fiscal, traduzindo a omissão dessa notificação violação do disposto no art.º 59.º n.º 1 e n.º 2 do Dec. Lei 48953, de 05/04/1969, no art.º 156.º n.º 1 e n.º 4 do Dec. Lei 694/70, de 31 de Dezembro, no art.º 9.º n.º 5 do Dec. Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto e no art.º 253.º n.º 1 e 254.º do CPC. E porque o mandatário legalmente constituído nunca foi notificado da decisão de extinção da execução e da decisão de restituição ao executado da quantia que o Serviço de Finanças considerou cobrado em excesso, ocorre uma irregularidade processual com influência no exame ou na decisão da causa, lesiva dos interesses da A……, na medida em que a priva do seu direito constitucional de defesa, o que consubstancia uma nulidade processual relevante cuja arguição se tem de considerar como tempestiva.

Vejamos.

Em primeiro lugar, importa sublinhar que a omissão invocada pela Reclamante traduziu-se, não na falta de notificação à exequente A…… das decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal, designadamente de extinção do processo executivo e de reembolso ao executado da quantia de 22.419,87, mas na falta de notificação dessas decisões ao mandatário que por ela foi legalmente constituído logo no início do processo executivo (cfr. procuração junta a 22).

Essa omissão, a ter-se verificado, é susceptível de constituir uma nulidade processual do processo de execução fiscal caso tenha tido influência no exame ou na decisão da causa, pois, como ensina ALBERTO DOS REIS in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol II, pág. 486, “os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticarem garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; Pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticarem ou omitirem actos ou deixarem de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e, portanto, a instrução, a discussão ou o julgamento dela”, sendo que o princípio da redução de nulidade à mera irregularidade, sem consequências, só acontece quando o acto haja atingido o seu fim, e só caso a caso, e segundo as regras da prudência e da ponderação do caso concreto, pode resolver-se a questão de saber se o acto atingiu ou não o seu fim.
Em segundo lugar, importa confirmar o entendimento vertido na decisão recorrida, segundo o qual a arguição de nulidades processuais cometidas no processo de execução fiscal deve ser dirigida e conhecida pelo órgão da execução, cabendo da respectiva decisão reclamação para Tribunal nos termos do disposto nos arts. 276º e segs. do CPPT. (Cfr, neste sentido, entre outros, o acórdão desta Secção de 10/03/2011, no Proc. n.º 042/11 e o acórdão do Pleno da Secção de 24/02/2010, no processo n.º 0923/08.).
Na realidade, seja qual for o modo por que se apresente a falta ou irregularidade de actos processuais, enquanto sobre ela não houver pronúncia expressa da entidade competente para realizar os actos no processo de execução fiscal (o órgão da execução fiscal, por força da norma contida na 1.ª parte da alínea f) do n.º 1 do artigo 10.º do CPPT), nenhuma controvérsia existe sobre a evocada falta ou irregularidade, e, por isso, deverá entender-se que não se está ainda perante uma questão controvertida que ao tribunal cumpra imediatamente conhecer em sede de reclamação dos actos praticados por esse órgão.
Sendo da competência do órgão da execução fiscal o conhecimento dos eventuais desvios entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efectivamente seguido no processo executivo, designadamente no que respeita aos actos de notificação das decisões aí proferidas, ocorre erro na forma do processo utilizado, restando determinar se, em face do alegado e da pretensão formulada na petição inicial, é possível a convolação do processo na forma processual adequada, em conformidade com o disposto no art.º 97.º, n.º 3, da LGT – que estabelece que será ordenada “a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei” – e no art.º 98.º, n.º 4 do CPPT – que determina que “Em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei”.
Quanto a este aspecto, da viabilidade da convolação, a decisão recorrida entendeu que ela não era viável face à extemporaneidade da petição inicial, apresentada em 9/8/2011, data em que já havia expirado o prazo legal de 10 dias contados do dia em que a A…… teve conhecimento, através do Presidente do seu Conselho de Administração e do Sr. C…… da Direcção de Recuperação de Créditos - DRCNRC 3, da decisão de extinção da execução e da decisão de restituição de € 22.419,87 ao executado.
Todavia, não podemos sufragar este entendimento, pois que tendo a A…… constituído mandatário judicial no processo de execução fiscal (fls. 22), há que atender ao disposto no art.º 36º nº 1 do CPC, segundo o qual o mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os actos e termos do processo, bem como ao preceituado no art.º 40.º do CPPT, segundo o qual as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório. Isto é, o exercício do mandato judicial - que consiste na assistência técnica prestada por profissionais do foro na condução do pleito, mediante a prática, em termos adequados, dos respectivos actos processuais – exige a notificação ao mandatário dos actos praticados no processo para que ele possa desempenhar as suas competências e obrigações funcionais, assumindo a omissão dessa notificação, em princípio, relevo gerador de nulidade processual com influência decisiva no exame ou decisão da causa – por tirarem ao mandatário a possibilidade de, oportunamente, desempenhar as suas competências e obrigações. E, nessa situação, o prazo para a arguição da respectiva nulidade processual, previsto no artigo 205.º, n.º 1, do CPC, não pode iniciar-se com a notificação de actos processuais à parte, mas tão só com a indispensável notificação ao seu mandatário judicial.
É, pois, axiomático que o prazo para arguir nulidades processuais de actos a que o mandatário não assistiu, como acontece no caso, é o de 10 dias a contar do dia em que, depois de cometida a nulidade, ele haja intervindo em algum acto praticado no processo ou haja sido notificado para qualquer termo dele (embora neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência), tudo em conformidade com o disposto no artigo 205.º do CPC.
No caso vertente, o processo executivo revela que o mandatário da exequente nunca foi notificado das aludidas decisões proferidas na execução, tendo arguido essa omissão e a correlativa nulidade processual na sua primeira intervenção no processo, com a apresentação da presente reclamação. E não se tendo iniciado o prazo para invocação da referida omissão com a notificação efectuada à A…… na pessoa do Presidente do Conselho de Administração ou na pessoa do Sr. C……, da Direcção de Recuperação de Créditos, há que concluir pela tempestividade da arguição da nulidade processual e pela possibilidade legal de convolação da petição de reclamação em requerimento a ser incorporado no processo de execução fiscal para ser apreciado pelo Chefe dos Serviços de Finanças de Arruda dos Vinhos.
Resta-nos, pois, concluir que a decisão recorrida – ao decidir que pela inviabilidade de convolação – padece de erro de julgamento, tendo de ser revogada nesse segmento.

4. Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida na parte em que não convolou a reclamação deduzida em requerimento de arguição de nulidade perante o órgão da execução fiscal, convolação que aqui se determina.
Sem custas.
Lisboa, 16 de Maio de 2012. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Isabel Marques da Silva - Lino Ribeiro.