Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0341/13
Data do Acordão:04/09/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
COIMA
CONSTITUCIONALIDADE
ILEGITIMIDADE
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário:I – Tendo em conta que o acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional nº 437/2011, prolatado no proc. nº 206/10, julgou não ser inconstitucional a norma do artigo 8º nº 1 do RGIT, e tendo em conta que, na sequência dessa jurisprudência mais qualificada em termos de controlo da constitucionalidade das normas, a jurisprudência do STA sofreu uma alteração, passando também a acolher essa posição, deve decidir-se pela não inconstitucionalidade da norma, em conformidade com ao disposto no artigo 8º nº 3 do Código Civil.
II – Todavia, o art. 8º do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do despacho de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social, e sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o disposto no artº 74º nº 1 da LGT, sob pena de ilegitimidade do oponente para a execução.
III – Por outro lado, nem o art. 8º do RGIT nem o artigo 24º da LGT estendem a responsabilidade subsidiária dos gerentes às dívidas de custas e encargos dos processos de contra-ordenação fiscal, pelo que também se verifica a invocada ilegitimidade do oponente para a execução fiscal no que toca a esses encargos da responsabilidade da sociedade arguida.
Nº Convencional:JSTA00068655
Nº do Documento:SA2201404090341
Data de Entrada:03/04/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:RGIT01 ART8 N3.
LGT98 ART24 N1 B.
CPC96 ART715.
Jurisprudência Nacional:AC TC PROC437/2011; AC STAPLENÁRIO PROC01216/09 DE 2012/04/19; AC STAPLENÁRIO PROC01176/11 DE 2012/11/21; AC STAPLENÁRIO PROC01187/12 DE 2013/01/09; AC STAPLENÁRIO PROC0554/13 DE 2013/06/26
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Administrativo do Porto que julgou parcialmente procedente a oposição que A……………… deduziu à execução fiscal nº 3182200601003534 e apensos, contra si revertida para cobrança de dívidas provenientes de coimas e encargos de processos de contra-ordenação fiscal instaurados contra a sociedade “B………………, Ldª”, bem como de IRS de 2005 e de IVA de 2004, 2005 e 2006, sentença que restringiu a procedência da oposição à responsabilidade do oponente pelo pagamento das dívidas proveniente de coimas fiscais, julgando-a improcedente quanto ao demais.
Nas respectivas alegações, conclui o seguinte.

A. A douta sentença recorrida julgou a oposição parcialmente procedente, determinando, consequentemente, a extinção da execução quanto aos créditos fiscais resultantes de coimas, recusando a aplicação do art. 8º do RGIT, quando interpretado no sentido de consagrar uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal contra gerentes ou administradores da sociedade devedora, com o que a Fazenda Pública não se conforma.

B. A jurisprudência do Tribunal Constitucional, tirada em Plenário, atenta a jurisprudência divergente das secções, foi no sentido de não julgar inconstitucional a norma do art. 8º do RGIT, quando interpretada no sentido de consagrar a responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, conforme acórdão 437/2011, de 03.10.2011, no processo 206/10, posição reforçada, posteriormente àquela decisão, pelo Acórdão 249/12, tirado no processo 789/11, de 22.05.2012, para o qual se remete, atenta a sua clareza, por brevidade de exposição.

C. A alteração da composição do Tribunal Constitucional não é argumentação atendível para a não observância da jurisprudência uniformizada por aquele Tribunal, se assim fosse considerado, assistir-se-ia à desvalorização ou inobservância das decisões dos Tribunais Superiores, sem que tal facto adviesse de o mesmo órgão ter manifestado, posteriormente, posição diferente da anteriormente fixada, o que não se mostra consentâneo nem coerente com os princípios que regem o nosso sistema jurídico e judiciário.

D. Os magistrados judiciais julgam apenas “segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores” e, salvo casos especiais, nenhum juiz está vinculado por uma decisão proferida noutro processo, mesmo que provinda de um tribunal superior, não vigorando no nosso país, a regra do precedente do sistema anglo-saxónico, em que o precedente fixado pelos tribunais judiciais superiores é vinculativo para os inferiores, ainda assim, no caso de jurisprudência uniformizada pelo Pleno do Tribunal Constitucional, tendo este competência especializada, deve o Tribunal inferior ter especial cuidado e invocar razões ponderosas e fortes para se distanciar da jurisprudência do TC.

E. Neste seguimento, a defesa da posição assumida na sentença recorrida através da adopção da perspectiva manifestada na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, não se mostra atendível na medida em que o STA tem, na jurisprudência mais recente (posterior à tese sustentada no acórdão citado, de 16.12.2009), vindo a considerar ser de proceder a uma interpretação correctiva da alínea c), do nº 1, do art. 148º do CPPT introduzida pela Lei 3-B/2010, de 18/04, de modo a alcançar o pensamento legislativo subjacente a essa alteração “de incluir na execução fiscal a responsabilidade civil do gestor pelo não pagamento das coimas em que a empresa foi condenada”.

F. Assim, o entendimento uniformizado pelo STA tem vindo a ser o de que “em relação aos processos pendentes à data da entrada em vigor da Lei nº 3-B/2010 de 18 de Abril, que alterou o artigo 148º do CPPT, o sistema de reversão da execução fiscal não se presta a dar efetividade à responsabilidade civil do gestor pelas coimas aplicadas à empresa durante o período da sua gestão”, sendo que, as reversões concretizadas antes dessa data, “só são válidas se o potencial revertido efetivamente exerceu o contraditório e a defesa relativamente à coima aplicada à devedora originária”.

G. Tendo o oponente sido citado, na qualidade de responsável subsidiário, no âmbito do processo executivo, em 08.11.2010, conforme dado como provado no ponto 6 dos “factos provados” da sentença recorrida, a mesma deve ser anulada na parte em que recusou a aplicação do art. 8º do RGIT com fundamento em inconstitucionalidade.

1.2. O Recorrido apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões:

a) presente recurso está votado ao insucesso, porquanto o entendimento professado pelo Tribunal a quo é legal e constitucionalmente sustentado, sendo aquele que melhor se coaduna com os mais basilares princípios do Estado de Direito Democrático,

b) Por outro lado, independentemente do entendimento que venha a ser sufragado por este Venerando Tribunal, quanto à responsabilidade subsidiária por coimas, queda o elemento da culpa.

c) A Fazenda Pública não provou, nem tão pouco alegou, factos consubstanciadores da existência de culpa por parte do Oponente na génese da insuficiência do património social para pagamento da dívida.

d) Desta feita, sempre teria de ser julgada procedente a oposição à execução deduzida, o que conduzirá, in totum, à total improcedência do presente recurso.


1.3. O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que devia ser concedido provimento do recurso, dada a mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo no sentido da não inconstitucionalidade do artigo 8º do REGIT.

2. Na sentença recorrida julgou-se como provada a seguinte factualidade:

1. Para cobrança de créditos provenientes de coimas e encargos de processos de contra-ordenação, créditos de IRS referentes a 2005, e créditos de IVA relativos a 2004, 2005 e 2006, no montante global de € 8.434,04, foram instaurados pela Fazenda Pública contra “B…………………, Ldª”, CF nº ……………, o Processo de Execução Fiscal nº 3182200601003534 e apensos.

2. Na Conservatória do Registo Comercial do Porto encontra-se registado o contrato de constituição da sociedade comercial “B…………….., Ldª”, CF nº …………., e nele consta o ora oponente como gerente.

3. Dá-se por reproduzida a informação de fls. 39/42 donde consta “Das diligências efectuadas nos processos executivos verificou-se relativamente à firma executada: que esta já não exercia actividade no domicílio fiscal e que as instalações se encontravam encerradas, desconhecendo-se o actual paradeiro.

4. A Administração Tributária, em 4/3/2010, remeteu ao oponente carta registada com vista à notificação do oponente para exercer o direito de audição em relação à projectada reversão no processo de execução fiscal aludido em 1.

5. A Administração Tributária, em 5/11/2010, remeteu ao oponente carta registada com vista à notificação do oponente do despacho de reversão lavrado no processo de execução fiscal aludido em 1.

6. O oponente foi citado, na qualidade de responsável subsidiário, no âmbito do processo de execução fiscal aludido em 1, em 8/11/2010.

7. A presente oposição foi apresentada em 7/12/2010.

2.2. E julgou-se como não provado o seguinte:
«FACTOS NÃO PROVADOS

Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito, designadamente que a insuficiência do património societário ocorreu pelas “condições de mercado”, conceito vago que importava concretizar, e levou ao abaixamento das vendas e inexistência de dinheiro para pagar aos trabalhadores e fornecedores, e que o oponente exerceu a gerência “com a maior atenção”, e procurou promover a sociedade no mercado, alegação conclusiva que importava concretizar em factos concretos.

3. O executado, ora recorrido, deduziu oposição à execução fiscal contra si revertida para cobrança de dívidas provenientes de coimas e encargos de processos de contra-ordenação fiscal instaurados contra a sociedade “B…………….., Ldª”, bem como de dívidas de IRS e de IVA, alegando, em suma, o seguinte: (i) a inconstitucionalidade do art. 8º do RGIT por violação dos princípios da intransmissibilidade das penas e da presunção de inocência; (ii) a sua ilegitimidade para a execução no que respeita a estas dívidas, em virtude a administração fiscal não ter alegado e provado, como lhe competia, quaisquer factos consubstanciadores da culpa do oponente; (iii) a sua ilegitimidade para a execução no que respeita às restantes dívida tributárias, em virtude de não ter tido culpa na insuficiência do património societário para satisfação dessas dívidas; (iv) a prescrição das dívidas exequendas; (v) a caducidade do direito à liquidação.

A sentença recorrida julgou improcedente a oposição no que toca às dívidas de IRS e de IVA, e procedente no que toca às dívidas de coimas e encargos dos processos de contra-ordenação em face da julgada inconstitucionalidade do art. 8º do RGIT, aderindo à tese adoptada pelo Supremo Tribunal Administrativo em 16/12/2009, no proc. nº 01074/09, e pelo Tribunal Constitucional em 23/02/2011, no proc. nº 0551/10.

A Fazenda Pública discorda do julgamento efectuado, advogando que a actual jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo se consolidou no sentido da não inconstitucionalidade do artigo 8º do REGIT.

No que tem a recorrente incontornável razão.

Com efeito, o acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional nº 437/2011, prolatado no processo nº 206/10, julgou não ser «inconstitucional a norma do artigo 8º nº 1 do RGIT, quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas, que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora». E na sequência dessa jurisprudência mais qualificada em termos de controlo da constitucionalidade das normas, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sofreu uma inevitável alteração, passando igualmente a acolher essa posição, porque adoptada em formação plenária, conforme se pode ver pela leitura dos acórdãos proferidos em 19/4/2012, no proc. nº 1216/09, em 21/11/2012, no proc. nº 1176/11, em 9/1/2013, no proc. nº 1187/12, em 16/1/2013, no proc. nº 312/12, em 30/1/2013, no proc. nº 1036/12, em 26/06/2013, no proc. nº 554/13.

Deste modo, tendo em conta que o juízo de não considerar inconstitucional o art. 8º do RGIT se assume hoje como a orientação jurisprudencial mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, deve decidir-se pela não inconstitucionalidade da norma face ao disposto no art. 8º nº 3 do Código Civil.

Razão por que se impõe revogar a sentença que desse modo decidiu.

Face a tal revogação, e determinado que foi o cumprimento do disposto no art. 715º do CPC (cfr. acórdão de fls. 192 a 196), com a notificação das partes para se pronunciarem sobre a questão da (i)legitimidade do oponente para a execução no que respeita às dívidas exequendas provenientes de coimas e encargos com processos contra-ordenacionais – única questão de que o tribunal recorrido não tomou conhecimento face à solução que deu ao litígio – importa passar ao conhecimento, por substituição, dessa invocada questão.

Segundo o oponente, verifica-se a sua ilegitimidade para a execução no que respeita a estas dívidas da responsabilidade da sociedade devedora originária, em virtude de a administração fiscal não ter alegado e provado, como lhe competia, quaisquer factos consubstanciadores da culpa do revertido na insuficiência do património societário. Ao pronunciar-se sobre a questão, em conformidade com o disposto no art. 715º do CPC, concluiu o seguinte:

a. O presente recurso está votado ao insucesso, porquanto queda o elemento da culpa, o que conduz à ilegitimidade do Recorrido para a execução no que às dívidas de coimas e encargos dos processos de contra-ordenação fiscal concerne.

b. A Fazenda Pública não provou, nem tão pouco alegou, factos consubstanciadores da culpa por parte do Oponente na insuficiência do património social ou na falta de pagamento.

c. A ausência de prova quanto à culpa do revertido impõe a procedência da oposição à execução, atenta a ilegitimidade do Oponente, o que determinará a improcedência do presente recurso.

A Fazenda Pública veio, porém, defender que a sentença deve ser substituída por outra que julgue a oposição improcedente quanto às coimas em cobrança, por entender, em suma, que a questão da culpa do oponente foi apreciada pelo tribunal a quo face à prova testemunhal produzida por este, tendo julgado como não provada a factualidade que este alegara com vista a provar a sua ausência de culpa, como se pode ver dos “Factos não Provados”. Assim, perante a materialidade fáctica que o tribunal a quo julgou como não provada, e donde se extrai que não ficou provada a falta de culpa do oponente enquanto gerente, advoga que se torna agora irrelevante saber se era à administração que incumbia o ónus de provar a culpa do oponente.

Mais advoga que, «independentemente da prova da culpa, como se deliberou no Ac. desse STA de 10/11/04, Proc. nº 705/04, tratando-se de coimas decorrentes de falta de entrega de declaração de IVA e por falta de entrega de imposto retido na fonte, tal matéria de facto indiciada é, desde logo, subsumível no quadro legal do ilícito contra-ordenacional, cfr. nº 3 do art. 8º e art. 114º do RGIT, pelo que, sendo que a culpa por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito típico do facto respectivo está, em princípio, ínsita na descrição desse facto, donde nos casos em que se prevêem tipos legais de infracção cometida com dolo e com negligência preenchidos pela mesma materialidade, a descrição factual terá implícita uma afirmação da existência de culpa.».

Não lhe assiste, porém, a mínima razão.

Analisado o teor do art. 8º do RGIT, verifica-se que este, ao contrário do art. 24º, nº 1, alínea b), da LGT, não prevê qualquer presunção de culpa no que concerne à insuficiência do património da originária devedora de que possa prevalecer-se a administração fiscal, pelo que lhe cabia alegar, em sede de acto de reversão, a culpa do gerente por essa insuficiência como pressuposto necessário da efectivação da sua responsabilidade subsidiária. O que não fez.

Dito de outro modo, o art. 8º do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do acto de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social, tendo em conta o disposto no preceito, segundo o qual «Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento» (sublinhado nosso). E, ainda assim, sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o disposto no artº 74º nº 1 da LGT, segundo o qual «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».

No caso vertente, nada foi alegado pela administração quanto à culpa do revertido na insuficiência do património da sociedade devedora ou na falta de pagamento das coimas que constituem a dívida exequenda, o que colocou a Fazenda Pública na impossibilidade de fazer a prova da culpa no processo de oposição.

Por outro lado, o facto de o oponente não ter conseguido ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia pela insuficiência do património social para pagamento das dívidas de IVA e de IRS – única questão respeitante à culpa analisada e julgada pelo tribunal a quo em face do fundamento da reversão destas dívidas, constante da alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT – não contende com o ónus que recaía sobre a administração fiscal de alegar, logo no acto de reversão, a factualidade demonstrativa da culpa do oponente pela insuficiência do património social para satisfação das dívidas de coimas.

Desde logo, porque a factualidade que o oponente alegou com vista a provar que não teve culpa na insuficiência do património social para pagamento das dívidas de IVA e IRS (dada a presunção de culpa contida na al. b) do art. 24º da LGT) e que não conseguiu provar, não contende, de forma alguma, com a factualidade que a administração devia ter positivado no acto de reversão para evidenciar (e depois poder provar) que aquele tinha tido culpa nessa insuficiência, como pressuposto necessário da efectivação da sua responsabilidade à luz do art. 8º do RGIT, tendo em conta que, nesta matéria, a administração não dispõe de presunção legal de culpa para efectivar essa responsabilidade.
Não tendo a administração alegado qualquer factualidade nesse sentido, e tendo o revertido suscitado essa questão em sede de oposição, ficou imediatamente patenteada a ilegitimidade do oponente para a execução no que se refere a estas dívidas.

Por outro lado, da resposta negativa dada no julgamento da matéria de facto à materialidade fáctica alegada pelo oponente para ilidir a presunção de culpa que sobre si impedia quanto à falta de pagamento das dívidas de IVA e IRS, apenas decorre não se ter provado o que ele alegara, nunca se podendo considerar como provada, a partir daí, a materialidade fáctica inversa; ou seja, não se pode julgar como provada a factualidade constante dos “Factos não provados” nem concluir, por essa via, que o oponente teve culpa na insuficiência do património social para pagamento das dívidas provenientes de coimas.

Em suma, porque à luz da factualidade provada na sentença se verifica que nada ficou demonstrado quanto à eventual culpa do oponente pela falta de património social para pagamento das dívidas provenientes de coimas, e porque competia à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos para essa responsabilização subsidiária, há que valorar essa falta de prova contra si.

Acresce referir que é totalmente despropositada a invocação, pela Fazenda Pública, do acórdão do STA de 10/11/04, no proc. nº 705/04, prolatado no âmbito de processo contra-ordenacional fiscal onde estava em causa a questão da culpa do arguido pela entrega da declaração de IVA desacompanhada de meio de pagamento. Acórdão onde se conclui que os factos indiciados no processo contra-ordenacional traduziam a violação de um dever de cuidado objectivamente imposto ao arguido, contendo uma implícita afirmação de culpa do arguido e não de dolo.

É que, no presente caso, não estamos perante processo contra-ordenacional, o oponente não foi arguido no processo donde emergem as coimas em cobrança, nem estas lhe estão a ser exigidas como infractor no quadro legal do ilícito contra-ordenacional por entrega de declaração de IVA desacompanhada de meio de pagamento. Pelo que não há como trazer à colação as regras de análise e imputação da culpa no âmbito de infracção contra-ordenacional.

Com efeito, o oponente foi chamado ao processo de execução fiscal, não por ser autor do facto típico caracterizado como infracção contra-ordenacional, mas porque a responsabilidade prevista no art.º 8º do RGIT assenta, de acordo com o entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional e que veio a ser acolhido pelo STA, num facto autónomo diverso, traduzido num comportamento pessoal causador de dano para a administração fiscal. Trata-se de responsabilidade de natureza civil extracontratual do gerente, resultante de facto culposo – que lhe tem de ser imputado pela administração fiscal – por ter causado a insuficiência patrimonial da sociedade arguida, determinante do não pagamento da coima, ou não ter procedido ao pagamento da coima quando aquela foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo.

Termos em que não procede a argumentação tecida pela Fazenda Pública.

Por fim, uma nota final para dizer que nem o art. 8º do RGIT nem o art. 24º da LGT estendem a responsabilidade subsidiária dos gerentes às dívidas de custas e encargos dos processos de contra-ordenação fiscal, pelo que sempre se verificaria a invocada ilegitimidade do oponente para a execução fiscal no que toca a esses encargos da responsabilidade da sociedade arguida nesses processos.

Razão por que se impõe julgar, em substituição, procedente a oposição por ilegitimidade do oponente para ser responsabilizado por tais dívidas.

4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida no segmento impugnado e julgar, em substituição, procedente a oposição no que toca às dívidas de coimas e encargos dos processos de contra-ordenação fiscal, por ilegitimidade do oponente para ser responsabilizado por tais dívidas.
Sem custas o recurso, e custas em 1ª instância por ambas as partes na proporção do decaimento.

Lisboa, 9 de Abril de 2014. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da SilvaPedro Delgado.