Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0524/11
Data do Acordão:10/12/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IVA
FIXAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
CORRECÇÃO TÉCNICA
MÉTODOS INDIRECTOS
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário:I - Nos termos do artigo 85.º da LGT, a avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa (cfr. o seu n.º 1) e a ela aplicam-se, sempre que possível e a lei não prescreva em sentido diferente, as regras da avaliação directa (cfr. o seu n.º 2).
II - A subsidiariedade da avaliação indirecta e a preferência pelos elementos objectivos de quantificação em detrimento dos subjectivos radicam no princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real (artigo 104.º n.º 2 da Constituição).
III - O recurso à avaliação indirecta da matéria tributável não obstaria à possibilidade de serem efectuadas as “correcções técnicas” ou “meramente aritméticas” aos valores das deduções de IVA, pois que estas, in casu, são legalmente impostas em razão da inadmissibilidade de dedução do IVA resultante de operações simuladas (artigo 19.º n.º 3 do CIVA) e do respeitante a operações relativamente às quais não foi apresentado qualquer documento de suporte (artigo 19.º n.º 2 do CIVA)
IV - Não pode, pois, a recorrente invocar legitimamente um pretenso direito à avaliação indirecta fundado no seu comportamento não cooperante, menos ainda procurar obviar a que sejam efectuadas correcções aos montantes indevidamente deduzidos por alegadamente o método das “correcções técnicas” ser um método directo de avaliação.
Nº Convencional:JSTA00067180
Nº do Documento:SA2201110120524
Data de Entrada:05/25/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO DE 2010/10/25 PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IVA
Legislação Nacional:CIVA08 ART19 N2 N3
LGT98 ART85 ART91 N14
CONST76 ART104 N2
Referência a Doutrina:LEITE DE CAMPOS E OUTRO LEI GERAL TRIBUTÁRIA COMENTADA E ANOTADA PAG357
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…, Lda, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 25 de Outubro de 2010, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra liquidações de IVA de 2000 a 2003 e juros compensatórios, no montante global de € 1.073.247,80, apresentando para tal as seguintes conclusões:
1ª - Verificados os pressupostos legais do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, não pode a Administração Fiscal aplicar outro método de avaliação, mormente o das correcções técnicas ou meramente aritméticas.
2ª - Nos termos do disposto nos arts. 10º do RCPIT, e nos arts. 75.º, n.ºs 1 e 2, als. A) e b), 81.º, n.º 1, 87.º, n.º 1, al. b), e 88.º, als. a) e b), da LGT, verificando-se o incumprimento dos deveres de cooperação, ou de esclarecimento da situação tributária por parte do sujeito passivo, ou a inexistência ou insuficiência de contabilidade ou recusa de exibição da contabilidade e demais elementos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição ou inutilização, a Administração Fiscal, não só pode, como deve, obrigatoriamente, avaliar a matéria tributável por métodos indirectos.
3ª - Segundo se deu por assente no probatório, a aqui recorrente, apesar de notificada para o efeito, não apresentou à Administração Fiscal quaisquer documentos de suporte dos registos contabilísticos.
4ª - Tendo a Administração Fiscal aplicado, na tributação efectuada, o método de avaliação directa, e preterido o método de avaliação indirecta, violou os referidos preceitos legais.
5ª - Ao sufragar o entendimento e procedimento da Administração Fiscal, a douta sentença incorreu igualmente em ilegalidade por violação dos referidos preceitos legais, não podendo, assim, manter-se na ordem jurídica.
Termos em que, e nos mais de direito, e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e anulando-se os actos tributários impugnados, com todas as consequências legais, como é de lei, direito e justiça.,
2 - Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 111 a 113, no qual conclui no sentido de que o recurso não merece provimento.
4 - Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 114 a 116 dos autos), nada vieram dizer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
5 - Questão a decidir
É a de saber se, ao contrário do decidido, se impunha à Administração tributária determinar o IVA devido exclusivamente por métodos indirectos, enfermando de ilegalidade as sindicadas liquidações de IVA resultantes de “correcções técnicas”.
6 - Matéria de facto
Constam do probatório fixado na sentença recorrida os seguintes factos:
1. A Impugnante “A…, Lda.”, Contribuinte Fiscal n.º …, com domicílio fiscal na Rua …, em Santa Maria da Feira, constitui-se por escritura pública de 23/3/1993, com um capital social inicial de 1.000.000$00, com vista à actividade da indústria de cortiça (CAE 020522).
2. Na sequência de inspecção efectuada, credenciada pela Ordem de Serviço nº 33860, de 30/4/2003, que decorreu entre 15/7/2003 e 21/4/2004, na qual foi prorrogado o prazo inicial de seis meses por despachos de 2/12/2003 e 23/2/2004, notificados à impugnante pelo ofício nº 8414826, de 2/12/2003 e ofício nº 8414825, de 2/12/2003, e abrangeu os exercícios de 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003, foram emitidas, em 31/5/2004, as liquidações nº 4206494 a nº 4206536, referentes a IVA e juros compensatórios, relativas a 2000, 2001, 2002, e 2003, nos valores constantes do quadro de fls. 896/897 do P.A., que admitiam pagamento até 31/7/2004, e se dão por integralmente reproduzidas.
3. No decurso da acção inspectiva, em 3/6/2003, a impugnante comunicou à Administração Tributária que não dispunha de nenhum elemento da escrita (pastas de documentos), por ter ocorrido um furto, em 28/2/2003, conforme participação efectuada à GNR, documento de fls. 48/49 do P.A. que se dá por integralmente reproduzido.
4. A Administração Tributária recolheu junto da responsável pela contabilidade da impugnante, os elementos enunciados a fls. 7 do P.A. que se dão por integralmente reproduzidos.
5. B…, CF nº …, na qualidade de sócio gerente da impugnante, declarou à Administração Tributária não conhecer C…, CF nº …, com o qual não manteve qualquer relação comercial, conforme documento de fls. 327 a 370 do P.A., que se dá por integralmente reproduzido.
6. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do auto de declarações de C…, constante de fls. 373/383, donde consta que o declarante faz biscates na construção civil, e desconhece a “A…, Lda”, com quem nunca teve negócios, nem preencheu e assinou as facturas emitidas a favor dessa sociedade, e que “vendeu” facturas ao Sr. D… “a troco de 5 e 10 contos” que ele vendia a outros contribuintes que as lançavam na sua contabilidade.
7. C… encontra-se indiciado como emitente de facturas falsas nos processos instaurados pelo N.I.C. identificados a fls. 11 do P.A., que se dão por integralmente reproduzidos.
8. Nos anexos “P” apresentados pela impugnante, relativos ao cumprimento do disposto no artigo 28.º, nº 1, alínea f), do CIVA, foram mencionados, relativamente a 1999, 2000, 2001 e 2002, os montantes de €1.246.066,98, € 250.065,00 e € 164.338,27, alegadamente resultantes de operações comerciais com C…, que correspondem ao valor das facturas constantes do anexo 45, que se dão por integralmente reproduzidas.
9. E…, CF nº …, emitiu a favor da impugnante as facturas identificadas no quadro de fls. 21, e anexo 46 do relatório de inspecção, nos montantes aí mencionados, sem possuir meios para fornecer as mercadorias nos elevados montantes aí constantes, tendo apresentado declarações fiscais em que não constam os montantes dessas facturas, e participou à GNR de Lourosa o furto da sua contabilidade, ocorrido em 14/8/2002.
10. A impugnante contabilizou na sua contabilidade uma factura datada de 30/4/2003, e quatro facturas com datas posteriores, emitidas por E…, que também emitiu para outras sociedades as facturas constantes do quadro de fls. 25 do P.A., com datas posteriores a 14/8/2002, que se dá por reproduzido.
11. O sócio gerente da sociedade “F…, Lda”, CF nº …, possuía duas séries de livros de facturas, e declarou que as emitidas para a impugnante, identificadas no quadro de fls. 26 do P.A., e anexo 46 do relatório de inspecção, nos valores aí mencionados, que se dão por reproduzidos, resultaram da segunda série de livros de facturas, e não foram levados à sua contabilidade por não corresponderem a operações reais.
12. G…, CF nº …, emitiu a favor da impugnante as facturas identificadas no quadro de fls. 27 do P.A., e anexo 46 do relatório de inspecção, nos montantes aí mencionados, sem possuir meios para fornecer mercadorias nos elevados montantes aí constantes, tendo declarado, em 16/9/2003, que os seus elementos de escrita estavam na posse do contabilista, e, no dia 18/9/2003, declarou ter sido assaltado no dia anterior tendo sido furtados do seu veículo os seus documentos pessoais, de que não requisitou segundas vias, bem como os elementos de escrita pedidos pela Administração Tributária.
13. H…, CF nº …, a partir de Outubro de 2000 dedicou-se apenas à compra de rolhas e cortiça, e não concretizou a quem adquiriu os produtos vendidos à impugnante, tendo emitido 37 facturas a favor da impugnante, constantes do anexo 46 do relatório, sem que tivesse liquidado qualquer valor de IVA nos períodos de 2000 a 2003.
14. A Administração Tributária, mediante análise dos ficheiros informáticos referentes à contabilidade da impugnante, apurou que foram efectuados registos com data posterior a 28/2/2003.
15. Com base na factualidade descrita em 3 a 14, a Administração tributária considerou simuladas as operações que correspondem ao valor das facturas constantes dos anexos 45 e 46, que se dão por integralmente reproduzidas, e consequentemente indevidamente deduzido o IVA constante dos quadros de fls. 30 e 31 do relatório, que se dão por integralmente reproduzido.
16. No dia 3/6/2003, a Administração Tributária notificou a impugnante para apresentar os documentos de suporte dos registos contabilísticos e identificar os meios de pagamento correspondentes, conforme documento de fls. 371 do P.A., e esta não apresentou qualquer documento, conforme auto de ocorrência de fls. 405 do P.A., que se dão por reproduzidos.
17. A Administração tributária considerou indevidamente deduzido o IVA referente às facturas identificadas no anexo 48 do relatório, que se dão por reproduzidas, por não terem sido apresentados os documentos aludidos em 16.
18. A administração Tributária, mediante correcções meramente aritméticas, quantificou o IVA indevidamente deduzido conforme quadros de fls. 33 a 36 do relatório da inspecção, nos valores aí mencionados, que se dão por integralmente reproduzidos.
19. A impugnante, em 29/10/2004, apresentou reclamação graciosa em relação às liquidações impugnadas, conforme documento de fls. 784 a 794, apreciada por despacho de fls. 800 a 803, e 806, que se dão por integralmente reproduzidos.
20. A presente impugnação foi apresentada em 23/2/2009, mediante registo postal.
7 - Apreciando
7.1 Da alegada obrigatoriedade legal de recurso exclusivamente a métodos indirectos para determinação do IVA devido
A sentença recorrida, a fls. 63 a 79 dos autos, julgou improcedente a impugnação deduzida contra as sindicadas liquidações de IVA, fundamentando o decidido, quanto à questão objecto de recurso, na preferência legal, com fundamento no disposto no n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República, pelos métodos directos de quantificação tributável, citando, a propósito da subsidiariedade da avaliação indirecta em face da avaliação directa o saudoso Professor SALDANHA SANCHES, na sua tese de doutoramento, p. 396 e quanto à preferência legal pelos elementos estritamente objectivos de quantificação em detrimento daqueles outros que envolvam a aplicação de elementos de ordem subjectiva a anotação ao artigo 81.º da Lei Geral Tributária de DIOGO LEITE DE CAMPOS e outros, a p. 357 (cfr. sentença recorrida, a fls. 73 e 74 dos autos).
Não se conforma com o assim decidido a recorrente, que alega que verificados os pressupostos legais do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, não pode a Administração Fiscal aplicar outro método de avaliação, mormente o das correcções técnicas ou meramente aritméticas, sendo aquela obrigatória “in casu” pois que se deu por assente no probatório, a aqui recorrente, apesar de notificada para o efeito, não apresentou à Administração Fiscal quaisquer documentos de suporte dos registos contabilísticos, pelo que tendo a Administração fiscal preterido o método de avaliação indirecta, teria violado o disposto nos artigos 10º do RCPIT e 75.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), 81.º, n.º 1, 87.º, n.º 1, al. b), e 88.º, als. a) e b), da LGT, o mesmo sucedendo à sentença recorrida ao sufragar o entendimento e procedimento da Administração Fiscal (cfr. as conclusões das alegações de recurso supra transcritas).
Vejamos.
No presente recurso as “correcções técnicas” efectuadas pela Administração tributária não são sindicadas no seu fundamento legal em face das disposições do Código do IVA e nos termos das quais se impunham - pois que, como bem decidiu a sentença objecto de recurso, não pode deduzir-se IVA resultante de operações simuladas (artigo 19.º n.º 3 do CIVA) nem o relativo a operações relativamente às quais não foi apresentado qualquer documento de suporte (artigo 19.º n.º 2 do CIVA) -, apenas o são na medida em que, na perspectiva da recorrente, seriam métodos directos de determinação do imposto devido cuja utilização estaria legalmente postergada pois que, segundo alega, in casu a avaliação indirecta seria legalmente obrigatória, ex vi do disposto nos artigos 10º do RCPIT e 75.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), 81.º, n.º 1, 87.º, n.º 1, al. b), e 88.º, als. a) e b), da LGT.
Vejamos.
Omite o recorrente, entre as várias normas que cita para fundamentar legalmente a sua tese, a norma contida no artigo 85.º da LGT, norma esta que expressamente caracteriza a avaliação indirecta como subsidiária da avaliação directa (cfr. o seu n.º 1) e que dispõe que àquela se aplicam, sempre que possível e a lei não prescreva em sentido diferente, as regras da avaliação directa (cfr. o seu n.º 2).
É esta a regra fundamental a ter em conta, a que a sentença recorrida, aliás, indirectamente se reporta por via da invocação doutrinária de SALDANHA SANCHES e LEITE de CAMPOS, acrescentando ainda, e bem, que a subsidiariedade da avaliação indirecta e a preferência pelos elementos objectivos de quantificação em detrimento dos subjectivos radica, afinal, no princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real (artigo 104.º n.º 2 da Constituição).
Parece pressupor a recorrente - mas sem razão, designadamente em face do disposto no n.º 2 do artigo 85.º da LGT-, que o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável teria por consequência o afastamento da possibilidade de serem efectuadas as “correcções técnicas” ou “meramente aritméticas” aos valores das deduções, esquecendo que as correcções efectuadas no caso dos autos resultam de imposição legal, daí que não devessem ser postergadas mesmo no caso de ter sido efectuada a avaliação indirecta da matéria tributável (e sempre cairiam fora do âmbito de um eventual pedido de revisão da matéria tributável efectuada por métodos indirectos ex vi do n.º 14 do artigo 91.º da LGT).
Não pode, pois, a recorrente invocar legitimamente um pretenso direito à avaliação indirecta fundado no seu comportamento não cooperante, menos ainda procurar obviar a que sejam efectuadas correcções aos montantes indevidamente deduzidos por alegadamente o método das “correcções técnicas” ser um método directo de avaliação, pois que, em obediência ao princípio da tributação pelo rendimento real (artigo 104.º n.º 2 da Constituição da República) à avaliação indirecta aplicam-se, sempre que possível e a lei não disponha em sentido diferente, as regras da avaliação directa (artigo 85.º, n.º 2 da LGT), não sendo legalmente vedado efectuar “correcções técnicas” nos casos de avaliação indirecta da matéria tributável. Improcedem, pelo exposto, as alegações da recorrente, estando o seu recurso votado ao insucesso.
- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 12 de Outubro de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - António Calhau.