Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0130/12
Data do Acordão:04/26/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
Sumário:O imposto sobre Contribuição Autárquica, actualmente Imposto Municipal sobre Imóveis, IMI, inscrito para cobrança nos dois anos anteriores ao “ano corrente na data da penhora ou acto equivalente” goza do privilégio creditório imobiliário, previsto nas disposições combinadas dos artigos 122º do Código do IMI e 744º, nº1, do Código Civil - por força do que se determina no nº 1 do artigo 31º do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro (também aplicável à contribuição autárquica e à contribuição predial).
Nº Convencional:JSTA000P14035
Nº do Documento:SA2201204260130
Data de Entrada:02/06/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I-RELATÓRIO

1. No processo de Execução Fiscal, tendo como executado A…… correram por apenso, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, os autos de Reclamação, Verificação e Graduação de Créditos, tendo a Mmª Juíza proferido sentença, julgando procedente a reclamação de créditos da Caixa Geral de Depósitos, S.A., graduando os créditos, quanto ao produto da fracção aí descrita, do modo seguinte:
1.º O crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos, S. A. garantido por hipoteca registada em 16/04/1999 (Afigura-se ocorrer manifesto lapso nesta data, que a seguir foi rectificado, porquanto no ponto 5 do probatório a data que consta é a de 10/9/2002.) e juros até ao limite de três anos;
2.º Créditos exequendos.
2. Posteriormente, veio a Fazenda Pública pedir a Aclaração da Sentença, invocando que o Tribunal admitiu os créditos reclamados pela F. P., referentes a 2002 a 2005, mas, por outro lado, graduou “…em 1.º lugar o crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. e em 2.º lugar, os créditos exequendos, não graduando os créditos reclamados pela Fazenda Pública e que foram aparentemente admitidos”, pelo que tal decisão “… diverge do entendimento expresso na própria sentença, até porque os créditos reclamados e admitidos beneficiam de privilégio creditório imobiliário nos termos do disposto no art. 744º, n.º 1, do CC e art. 122.º, n.º 1 CIMI e como tal deveriam ser graduados em 1.º lugar.”
3. Conclusos os autos, a Mmª Juíza, verificando existirem “lapsos manifestos” na sentença, procedeu, ao abrigo do art. 667º, nº1, do CPC, a rectificações e correcções, decidindo julgar improcedente a Reclamação de créditos da Fazenda Pública referente a C.A. de 2002 e IMI de 2006 e 2007 e procedente as demais reclamações de créditos e, em consequência, graduar os créditos, quanto ao produto da venda da fracção autónoma designada”AJ”, com as demais identificações aí constantes, do seguinte modo:
1.º Os créditos reclamados pela Fazenda Pública referentes a 2003, 2004 e 2005;
2.º O crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos, S. A. garantido por hipotecas registadas em 10/09/2002 e juros até ao limite de três anos;
3.º Crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos garantido por penhora de 21/04/2006;
4.º Créditos exequendos.
4. Não se conformando com tal sentença, a Fazenda Pública interpôs recurso, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentando, nas Alegações, as seguintes Conclusões:
“1. A CA goza das garantias especiais previstas no CC para a contribuição predial (Art° 24.° n.° 1 do CCA);
2. Os créditos de CA inscritos para cobrança no ano da penhora e nos dois anos anteriores gozam de privilégio imobiliário sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição (Art.º 744.° n.° 1 do CC);
3. Para aquele normativo releva o momento em que respectivos créditos foram postos á cobrança;
4. Os créditos de CA reclamados pela FP e não admitidos foram inscritos para cobrança no ano de 2004;
5. A penhora da fracção autónoma que os originou ocorreu no ano de 2006;
6. Os créditos de CA reclamados pela FP reúnem todos os requisitos legais para poderem ser admitidos e graduados no lugar que lhes compete;
7. Ao não admitir os créditos de CA, reclamados pela FP, relativos ao ano de 2002, a douta sentença ora recorrida incorreu em erro de direito na interpretação e aplicação das normas constantes nos Art.ºs 24°, n.° 1 do CCA e 744°, n.° 1, do CC.”

5. Não foram apresentadas Contra-alegações.
6. O Ministério Público, junto do Supremo Tribunal Administrativo, emitiu Parecer no sentido de que o recurso merece provimento, devendo o crédito de Contribuição Autárquica de 2002, inscrito para cobrança em 2004, ser graduado em 1º lugar, juntamente com os demais créditos provenientes de IMI dos anos de 2003, 2004 e 2005.
7. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II- FUNDAMENTOS

1- DE FACTO
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
“1. A Fazenda Pública instaurou em 11/03/2003, o processo de execução fiscal n° 3697-03/102650.0 o executado A……., tendo por objecto dívidas de IRS 1999 e 2000 de que os presentes autos de verificação e graduação de créditos constituem apenso, no montante de € 6.945,79 e acrescido (cfr. cópia do processo de execução fiscal junto aos autos);
2. Em 17/10/2002, foi celebrado entre o executado e a Caixa Geral de Depósitos, S.A., um contrato de Mútuo com hipoteca no montante de € 69.832,00, com hipoteca incidindo esta sobre a fracção autónoma designada pela letra “AS’ correspondente ao sétimo andar A, do prédio urbano para habitação constituído em regime de propriedade horizontal sito na ……, n°s …, …, …, …., … e …, freguesia da Amora, Concelho de Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial da Amora sob o número 02556/010291 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Amora sob o artigo 7864, com valor patrimonial de € 40.445,23 (cfr. docs. juntos a fls. 17 a 28 dos autos);
3. Em 17/10/2002, foi celebrado entre o executado e a Caixa Geral de Depósitos, S.A., um contrato de Mútuo com hipoteca no montante de € 35.000,00, com hipoteca incidindo esta sobre a fracção autónoma designada pela letra “AJ” correspondente ao sétimo andar A, do prédio urbano para habitação constituído em regime de propriedade horizontal sito na ......, n°s ..., ..., ...,..., .... e... , freguesia da Amora, Concelho de Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial da Amora sob o número 02556/010291 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Amora sob o artigo 7864, com valor patrimonial de € 40.445,23 (cfr. docs. juntos a fls. 31 a 41 dos autos);
4. Em 10/09/2002, foi registada hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., incidente sobre a fracção autónoma melhor identificada em 2), penhorada no processo de execução de que os autos constituem apenso, com vista à garantia da quantia de € 69.832,00, referente a capital, à taxa de juro anual de 9,544%, acrescido em 4% em caso de mora, e despesas no montante de € 2.793,28, com montante máximo de € 100.999,42, convertida em definitivo em 13/12/2002 (cfr. fls. do processo executivo junto aos autos, cujo teor aqui que se dá por integralmente reproduzido);
5. Em 10/09/2002, foi registada hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., incidente sobre a fracção autónoma melhor identificada em 2), penhorada no processo de execução de que os autos constituem apenso, com vista à garantia da quantia de € 35.000,00, referente a capital, à taxa de juro anual de 9,544%, acrescido em 4% em caso de mora, e despesas no montante de € 1.400,00, com montante máximo de €50.621,20, convertida em definitivo em 13/12/2002 (cfr. fls. do processo executivo junto aos autos, cujo teor aqui que se dá por integralmente reproduzido);
6. Em 21/04/2006, foi registada uma penhora a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., incidente sobre a fracção autónoma melhor identificada em 2), com vista à garantia da quantia de € 106.308,86, (cfr. fls. do processo executivo junto aos autos, cujo teor aqui que se dá por integralmente reproduzido);
7. Em 15/11/2006, foi efectuada da uma penhora incidente sobre a fracção autónoma melhor identificada em 2) a favor da Fazenda Pública para garantia da quantia exequenda de € 17.925,62, registada em 08/06/2007 (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo executivo);
8. Em 2004 foram inscritas para cobrança as dívidas de CA do exercício de 2002, bem como de IMI do exercício de 2003, respeitantes ao imóvel penhorado nos autos (cfr. doc. junto a fls. 63 a 69 dos autos);
9. Em 2005 foi inscrita para cobrança a dívida referente a IMI do exercício de 2004 respeitante ao imóvel penhorado nos autos (cfr. doc. junto a fls. 63 a 69 dos autos);
10. Em 2006 foi inscrita para cobrança a divida referente a IMI do exercício de 2005 respeitante ao imóvel penhorado nos autos (cfr. doc. junto a fls. 63 a 69 dos autos);
11. Em 2007 foi inscrita para cobrança a dívida referente a IMI do exercício de 2006 respeitante ao imóvel penhorado nos autos (cfr. doc. junto a fls. 63 a 69 dos autos);
12. Em 2008 foi inscrita para cobrança a dívida referente a IMI do exercício de 2007 respeitante ao imóvel penhorado nos autos (cfr. doc. junto a fls. 99 dos autos);
13. O executado é devedor à Fazenda Pública das dívidas identificadas em 1, 8 a 12 deste probatório;
14.O executado é devedor à Caixa Geral de Depósitos, S.A. as quantias reclamandas.”


2- DE DIREITO

Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pela Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou não verificados os créditos relativos a Contribuição autárquica (CA) do ano de 2002 e respectivos juros reclamados pela Fazenda Pública (FP), e verificados e reconhecidos todos os restantes, graduando-os, para pagamento pelo produto da venda do imóvel penhorado, pela seguinte ordem:
1º Os créditos reclamados pela Fazenda Pública referentes a 2003, 2004 e 2005;
2º O crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos, SA., garantido por hipotecas registadas em 10/09/2002 e juros até ao limite de três anos;
3º Crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos garantido por penhora de 21/04/2006;
4º Créditos exequendos.
Para julgar não verificados os créditos de CA do ano de 2002 reclamados pela FP, considerou a Mmª Juíza “a quo” que os mesmos excediam o limite temporal para serem graduados como créditos privilegiados nos termos previstos no art. 744º, nº 1, do CC.
Contra este entendimento se insurge a FP argumentando que os créditos reclamados relativos a CA reúnem todos os requisitos legais para poderem ser admitidos e graduados no lugar que lhes compete, nos termos dos arts. 24º, nº1, do CCA e 744º, nº1, do CC.
Em face das conclusões das alegações, que delimitam o objecto do presente recurso, nos termos do disposto nos arts. 684º, nº3, e 685º-A/1 do CPC, a única questão a apreciar e decidir consiste em saber se a decisão recorrida enferma de erro de interpretação e aplicação do direito ao ter julgado que o crédito reclamado relativo a CA referente ao ano de 2002, inscrito para cobrança em 2004 e com data de penhora em 15/11/2006 (ponto 7 dos factos dados como provados), excede o limite temporal do privilégio.
Vejamos.
Por Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 08/11/2006, proc. nº 630/03, entendeu-se que apesar de a reclamação de créditos de contribuição predial e contribuição autárquica por parte do Estado se dever reportar aos inscritos para cobrança na data da penhora e nos dois anos anteriores, segundo o disposto no art. 744º, nº1, do CC, se devia, ainda, atender, na graduação, aos créditos que viessem a ser liquidados após a penhora e até à venda ou adjudicação, dado que “a remissão do privilégio da contribuição autárquica para a contribuição predial não poderá deixar de abranger o mencionado art. 230º do C.C.Predial, na parte em que se refere ao indicado privilégio, que nesta parte sempre se deverá entender como em vigor” (cfr. o Acórdão de 10/03/2004, no recurso nº 117/04).
Esta não é, porém, a jurisprudência que mais recentemente se tornou dominante, sobretudo a partir da publicação do diploma que aprovou o Código do IMI, o Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro.
Com efeito, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, vazada, entre outros, no Acórdão de 24/02/2010, proc. nº 01194/09, no sentido de que a partir da entrada em vigor do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, em 1 de Dezembro de 2003, e por força das disposições combinadas do seu art. 122º e do art. 744º,nº1, do Código Civil, os créditos provenientes de IMI só gozam de privilégio creditório imobiliário desde que inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora ou acto equivalente e nos dois anos anteriores.
Neste sentido, pode ler-se no mencionado Acórdão que “o diploma que aprovou o Código do IMI (DL nº 287/2003, de 12/11), veio decretar que «a partir da data da entrada em vigor do CIMI, são revogados os Códigos da Contribuição Autárquica, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-C/88, de 30 de Novembro, e da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45104 de 1 de Julho de 1963, na parte ainda vigente, considerando-se a contribuição autárquica substituída pelo imposto municipal sobre imóveis (IMI) para todos os efeitos legais». (nº 1 do artigo 31º).
O que torna clara a intenção do legislador de revogar todos os preceitos ainda vigentes do Código de Contribuição Predial, inviabilizando a defesa de uma tese que persista no entendimento da manutenção de vigência de determinadas regras normativas previstas nesse Código, designadamente do §2 do seu artigo 230º.
Na verdade, não só a lei é clara e inequívoca na vontade de abolir qualquer resquício daquele Código, como a revogação do artigo 24º do Código de CA arrastou necessariamente a revogação de todo do regime jurídico que lhe estava imanente ou associado, ou seja, daquele §2 do artigo 230º do CCP, o qual, segundo a citada jurisprudência, sobrevivia à sombra deste artigo 24º do Código de CA.
Deste modo, tendo em conta que nem a letra nem o espírito do artigo 744º do Código Civil consentem outra interpretação que não seja a de conferir privilégio imobiliário apenas aos impostos inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora ou acto equivalente e nos dois anos anteriores, e face à ausência de norma que permita ou autorize a extensão desse privilégio aos impostos liquidados até à data da venda ou da adjudicação do prédio, somos levados a concluir que a partir da entrada em vigor do Código do IMI, em 1 Dezembro de 2003, e por força das disposições combinadas do seu artigo 122º e do artigo 744º do Código Civil, os créditos provenientes de IMI só gozam de privilégio creditório imobiliário desde que inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora ou acto equivalente e nos dois anos anteriores”. No mesmo sentido, cfr. os Acórdãos deste Tribunal de 7/01/2009, no recurso nº 863/08 e de 29/04/2009, no recurso nº 1008/08, e de 19/10/2011, recurso nº 0612/11.
Aplicando o exposto ao caso em análise, uma vez que se trata de crédito reclamado respeitante a CA de 2002, que foi inscrito para cobrança em 2004, e cuja penhora do imóvel gerador do crédito foi efectuada em Novembro de 2006, afigura-se claro que deveria o reclamado crédito de CA ter sido admitido e graduado, por gozar do privilégio creditório imobiliário, uma vez que não excede o limite temporal, nos termos das disposições combinadas dos arts. 122º do IMI e 744º, nº1, do CC.
Termos em que a sentença que decidiu em sentido contrário não pode manter-se, dando-se provimento ao presente recurso jurisdicional.

III- DECISÃO

Pelo exposto acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida no segmento impugnado, que no demais se mantém, e, em consequência, julgando verificados e reconhecidos os créditos reclamados, graduá-los pela seguinte ordem:
“1.º Os créditos de CA de 2002 e de IMI de 2003, 2004 e 2005 reclamados pela FP e os juros relativos aos últimos três anos, que gozam de privilégio especial;
2.º O crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos, S. A. garantido por hipotecas registadas em 10/09/2002 e juros até ao limite de três anos;
3.º Crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos garantido por penhora de 21/04/2006;
4.º Créditos exequendos.”

Sem custas.
Lisboa, 26 de Abril de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Lino Ribeiro.